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Dois pesos, duas medidas: (re)discussão a respeito de progressão de regime nos crimes hediondos e equiparados divide os tribunais

Já não é de hoje que se discute sobre a possibilidade de os condenados pela prática de crimes “rotulados” como hediondos ou a estes equiparados obterem progressão de regime carcerário – o que, segundo o entendimento até então predominante, era proibido pelo parágrafo 1º do artigo 2º da Lei nº 8.072/90. Dissemos bem: era.

Como é do conhecimento de toda comunidade jurídica brasileira (pelo menos deveria ser), a constitucionalidade da norma que veda(va), em casos tais, a ultrapassagem de estágio está sendo (re)discustida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal. O julgamento da ação de habeas corpus nº 82.959/SP, na qual essa relevante e polêmica questão está sendo (re)apreciada1, será retomado no próximo dia 15. Ao que tudo indica, desta vez a jurisprudência consolidada pelo Pretório Excelso será revista.

Malgrado a plêiade de decisões que diária e mecanicamente reproduzem ementas e trechos de acórdãos anteriormente proferidos pela Suprema Corte brasileira e por outros tribunais do país em relação ao tema – sem qualquer acréscimo de ordem intelecto-criativa –, há de se reconhecer que aquele antigo entendimento já não é tão majoritário assim.

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Realmente, já faz muito tempo que diversos magistrados têm, por conta própria, afastado o rigorismo da malfadada Lei dos Crimes Hediondos. Desta forma, juízes atuantes na seara das execuções penais têm concedido progressão de regime prisional mesmo àquela “categoria” ou “classe” de condenados – desde que, evidentemente, preencham os requisitos de ordem objetiva e subjetiva autorizadores desse avanço2, vale dizer, sempre que façam por merecer essa conquista.

Outros juízes, com efeito, ao aplicar a pena para essa “espécie” de crimes, fixam – propositalmente – o regime inicialmente fechado, ou seja, determinam o regime fechado apenas para o início do cumprimento da pena privativa de liberdade; além disso, permitem expressamente a progressão meritória durante o cumprimento da sanção. O problema é que essas corajosas e louváveis decisões, quase sempre, eram (e em alguns casos, dependendo das mãos em que for para o recurso eventualmente interposto, ainda são) reformadas pelas instâncias superiores – justamente por causa daquele posicionamento firmado e reafirmado tantas vezes ao longo dos 15 anos de vigência da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990. Mesmo assim, esses juízes garantistas mantiveram (e ainda mantêm) tal posicionamento; mesmo assim, esses audaciosos magistrados fizeram (e ainda fazem) valer a independência funcional e suas convicções pessoais quanto à realização da Justiça.

Agora, com o (novo?!) debate que vem sendo travado pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal – desta vez com sua composição renovada –, o número de juízes favoráveis à progressão em casos tais aumentou extraordinariamente. Vários deles, encorajados pela qualidade dos votos favoráveis já proferidos naquele processo e pelas liminares que reiteradamente vêm sendo concedidas por integrantes daquele Augusto Sodalício, resolveram oxigenar o debate a respeito do tema e prestar seu contributo por meio de novas decisões, nas quais justificam a mudança de opinião. Outros magistrados, porém, decidiram ficar na posição de meros expectadores e, mantendo uma posição ortodoxa e ultraconservadora, estão aguardando o término da votação – interrompida, há mais de um ano, após o pedido de vistas daqueles autos pela Ministra Ellen Gracie.

A questão realmente é polêmica e divide opiniões. Dividiu, inclusive, a cúpula do Poder Judiciário. Desde então, a Justiça brasileira tem trabalhado com dois pesos e com duas medidas. Isso porque parte dos Ministros do STF vêm concedendo medidas liminares para assegurar o direito à progressão de regime àqueles que cumprem pena privativa de liberdade pela prática de delitos considerados hediondos, determinando-se, ainda, o sobrestamento dos respectivos feitos até o julgamento final do habeas corpus já referido, no qual se (re)abriu a discussão acerca da (in)constitucionalidade do artigo 2º, parágrafo 1º, da Lei nº 8.072/903.

No entanto, a outra parte dos Ministros daquela Corte Suprema, na linha do entendimento de que os crimes hediondos, e os a eles equiparados pela constituição (cf. art. 5º, inc. XLIII, da CR), não permitem a progressão de regime carcerário, continua negando pedidos semelhantes levados à sua apreciação4.

Divisão semelhante ocorreu no Colendo Superior Tribunal de Justiça. As duas Turmas Criminais daquela Corte Superior de Justiça não comungam da mesma opinião em relação ao assunto ora enfocado. A Quinta Turma, na mesma linha defendida pela corrente “conservadora” do STF, tem denegado, à unanimidade, todos os pedidos cuja causa de pedir seja o afastamento do óbice à progressão de regime no cumprimento de pena privativa de liberdade imposta pelo cometimento de crime “etiquetado” como hediondo ou equiparado5. Para esses mesmos ilícitos, entretanto, a Egrégia Sexta Turma do mesmo Tribunal tem garantido a mudança de regime, seja por meio de liminares que têm sido deferidas, seja por meio da concessão de ordens de habeas corpus – ainda que por maioria de votos6.

Tal “fenômeno” – dos mais anômalos, diga-se de passagem – vem se reproduzindo em outros tribunais pátrios. A Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por exemplo, tem permitido a progressão para casos como os ora focalizados, ante o prognóstico favorável à declaração de inconstitucionalidade daquele hediondo dispositivo7. Não obstante, outras Câmaras Criminais deste mesmo Tribunal têm adotado orientação divergente.

Essa problemática, é importante destacar, tem colocado em xeque a certeza do Direito e da igualdade de tratamento entre casos semelhantes, face o princípio constitucional da isonomia. Mais do que isso, ressaltou a inadiável necessidade de correção daqueles precedentes errôneos e injustos desde a origem, bem como a obrigação de se adaptar a lei – por meio da interpretação – às transformações sociais. Sem isso, os pratos da balança da Justiça permanecerão desequilibrados, ora pendendo para um lado, ora para o outro.

Nessa insólita situação, é forçoso reconhecer, os jurisdicionandos permanecerão à mercê da “sorte” ou do “azar” que tirarem na abominável “loteria jurídica” a que estão sendo (ou a que serão) submetidos. Sim, porque, como visto, se o writ que impetrar no Supremo Tribunal Federal for distribuído a um daqueles Ministros favoráveis à progressão, a ordem será concedida liminarmente e sobrestado o andamento da ação. Se, ao contrário, for distribuído a um Ministro averso a essa possibilidade, serão negadas a cautelar e o próprio habeas corpus. O mesmo raciocínio aplica-se aos pedidos impetrados perante o Superior Tribunal de Justiça, que, dependendo da Turma para a qual forem distribuídos, serão concedidos ou não. Parece inacreditável, mas nesses casos o resultado do julgamento dependerá da distribuição do processo – fato que, inclusive, poderá gerar outras conseqüências desastrosas, como as fraudes que ocorreram no Tribunal de Justiça do estado do Rio de Janeiro há bem pouco tempo atrás.

Esta constatação, pensamos, leva à conclusão de não ser razoável, tampouco aceitável, que as coisas assim se passem, principalmente em se tratando da liberdade dos cidadãos. Por essa razão, e caso o julgamento definitivo daquele writ não se efetive na próxima sessão planária do STF, entendemos ser necessária – na verdade, imprescindível – a extensão do posicionamento mais benéfico a todos os casos análogos que se apresentem aos tribunais. O que poderá ser feito com amparado na, não só possível, mas muitíssimo provável, reorientação do entendimento da Suprema Corte, com prognósticos sólidos no sentido de se possibilitar a progressão de regime também para casos como os aqui tratados.

Tendo por base os votos favoráveis já proferidos, as liminares que reiteradamente estão sendo concedidas e as declarações feitas à imprensa pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal, concluímos que resultado final será pela declaração de inconstitucionalidade da norma que veda(va) a progressão de regime.

O raciocínio é bem simples: os Ministros Marco Aurélio (Relator), Carlos Britto, Cezar Peluso e Gilmar Mendes (que já havia acenado com a possibilidade de um exame mais aprofundado da tese, há anos, defendida pelo Relator) já votaram pela inconstitucionalidade do artigo 2º, parágrafo 1º, da Lei nº 8.072/90. O voto do Ministro Sepúlveda Pertence é bastante previsível, tendo-se em vista que sempre acompanhou o Ministro Marco Aurélio em relação a essa questão. As medidas cautelares concedidas pelo Ministro Eros Grau estão a indicar que ele também acompanhará os Ministros supracitados na votação.

Pois bem.

Admitindo-se tal hipótese, teríamos seis votos a favor da revogação daquele dispositivo. Mas ainda pode haver mais um. Tudo leva a crer que o Ministro Nelson Jobim, atual Presidente do STF, também votará com aquele grupo. Isso porque faz muito tempo que Jobim defende mudanças na Lei dos Crimes Hediondos. Quando Ministro da Justiça, encaminhou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 724/1995, no qual definia os crimes de especial gravidade e previa, para esses ilícitos, o cumprimento obrigatório de, pelo menos, metade da pena no regime fechado8. Mais recentemente, com a (re)discussão da questão pelo Pretório Excelso, os jornais publicaram o posicionamento do Ministro favorável à revisão daquele entendimento que o Supremo, até então, vinha mantendo.

De qualquer forma, e ante a duvidosa constitucionalidade da norma impugnada, deve prevalecer – até o deslinde da questão por nossa Suprema Corte de Justiça – o entendimento menos rigoroso. Ora, se a balança da Justiça tiver que pender para algum lado, que seja para o mais humano. Afinal, bem sabemos que, em caso de dúvida, deve-se decidir, como sempre se decidiu, a favor da liberdade.
 

Notas
1 Noutras oportunidades em que a questão foi submetida ao Plenário do Supremo Tribunal Federal, sempre prevaleceu a tese de que o parágrafo 1º, do artigo 2º, da Lei nº 8.072/90 – o qual retirada do condenado a perspectiva da progressão frente à caracterização legal da hediondez –, não ofende o princípio da individualização das penas. Mais recentemente, além da reafirmação daquela tese, prevaleceu a orientação segundo a qual aquele dispositivo não foi revogado pela Lei nº 9.455/97, que definiu os crimes de tortura e permitiu, aos condenados pelo cometimento desses ilícitos, a progressão. A propósito, veja-se: HC nº 69.657/SP – Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. para o Acórdão Min. Francisco Rezek, julgado em 18-12-1992, DJ 18-06-1993, RTJ 147/598; HC nº 69.603/SP – Rel. Min. Paulo Brossard, julgado em 18-12-1992, DJ 23-04-1993; HC nº 76.371/SP – Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. para o Acórdão Min. Sydney Sanches, julgado em 25-03-1998, DJ 19-03-1999, RTJ 168/577; HC nº 82.638/SP – Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Rel. para o Acórdão Min. Gilmar Mendes, julgado em 19-12-2002, DJ 12-03-2004. No entanto, vale enfatizar que, neste último julgado, como nos outros anteriores, os Ministros Sepúlveda Pertence e Marco Aurélio restaram vencidos, uma vez mais; não obstante, conseguiram a ressalva do Ministro Gilmar Mendes quanto a um melhor exame da tese por eles defendida – o que foi feito recentemente, resultando em sua mudança de opinião quanto ao tema.
2 Vide artigo 112 da Lei de Execução Penal, com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 10.792, de 1º de dezembro de 2003.
3 A respeito desse entendimento, consulte-se: MC no HC nº 85.808/DF, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 4-5-2005; MC no HC nº 84.770/SP, Rel. Ministro Cezar Peluso, DJ de 12-4-2005; MC no HC nº 85.677/SP, Rel. Ministro Gilmar Mendes, DJ de 4-4-2005; MC no HC nº 85.589/DF, Rel. Ministro Eros Grau, DJ de 15-3-2005; MC no HC nº 85.440/SP, Rel. Ministro Carlos Britto, DJ de 16-2-2005; HC nº 85.465/MG, Rel. Ministro Marco Aurélio, DJ de 15-2-2005.
4 A propósito dessa orientação, veja-se: MC no HC nº 85.700/DF, Rel. Ministro Carlos Velloso, DJ de 13-4-2005; MC no HC nº 85.692/RJ, Rel. Ministro Celso de Mello, DJ de 5-4-2005; HC nº 85.640/DF, Rel.ª Ministra Ellen Gracie, DJ de 22-3-2005; MC no HC nº 85.596/RS, Rel. Ministro Joaquim Barbosa, DJ de 18-3-2005.
5 Do sítio do STJ colhemos, dentre inúmeras outras, estas decisões: HC nº 46.356/SP, Rel. Ministro Gilson Dipp, julgado em 25-10-2005, DJ 21-11-2005; HC nº 37.300/SP; Rel.ª Ministra Laurita Vaz, julgado em 15-02-2005, DJ 14-03-2005; HC nº 36.517/SP, Rel. Ministro Felix Fischer, julgado em 15-02-2005, DJ 07-03-2005, RHC nº 12.971/RS, Rel. Ministro Jorge Scartezzini, julgado em 25-02-2003, DJ 02-06-2003.
6 Dentre outras, destacamos as seguintes decisões: MC no HC nº 50.681/SP, julgada em 01-12-2005, aguardando publicação, e HC nº 44.301/DF, julgado em 23-08-2005, DJ 28-11-2005, Rel. Ministro Paulo Medina; HC nº 42.033/SP, Rel. Ministro Hélio Quaglia Barbosa, Rel. para o Acórdão Ministro Nilson Naves, julgado em 18-08-2005, DJ 10-10-2005; HC nº 45.009/DF, Rel. Ministro Nilson Naves, julgado em 06-09-2005, DJ 26-09-2005; MC no HC nº 50.685/SP e MC no HC nº 50.676/SP, Rel. Ministro Paulo Gallotti, julgadas em 30-11-2005 e 01-12-2005, respectivamente, aguardando publicação; MC no HC nº 50.679/SP, Rel. Ministro Paulo Medina, julgada em 30-11-2005, aguardando publicação.
7 Cf. ApCrim n° 481.094-3/8, ApCrim n° 479.826-3/0, ApCrim n° 459.774-3/5, ApCrim n° 440.356-3/4, ApCrim n° 437.309-3/3, ApCrim n° 419.583-3/0, todas relatadas pelo Desembargador Márcio Bártoli. Da 12ª Câmara Criminal do mesmo Tribunal de Justiça, encontramos a decisão proferida no HC nº 856.452.3/0, relatado pela Desembargadora Angélica de Almeida. Dentre outros magistrados, também é favorável à progressão em casos tais, no mesmo tribunal, o Desembargador Péricles Piza.
8 O que constituía um avanço em relação à Lei nº 8.072/90, a qual exige o cumprimento mínimo de 2/3 (dois terços) da pena no regime fechado para, só então, possibilitar a concessão de livramento condicional.

Informações Sobre o Autor

Alex Victor da Silva

É autodidata em Direito. Paletsrante.


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Equipe Âmbito Jurídico

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