Resumo: No mundo do trabalho convivemos cada vez mais com o chamado assédio moral. Trata-se de um cancro pós-moderno que se mostra de várias formas. Algumas delas são de difícil identificação. As grandes empresas promovem demissões em face de seus interesses principais. O trabalhador tem ficado em segundo plano. O seu sofrimento precisa ser percebido pelos juristas.
No meio ambiente laboral tenho ouvido trabalhadores e empregadores. De ambos ouço casos de vitórias e de derrotas, de alegrias e de tristezas, de esperanças e de incredulidade quanto ao futuro.
Algo tem me chamado a atenção e me causado preocupação. Trata-se de fato que tem ocorrido com freqüência e diz respeito àqueles trabalhadores que já possuem mais de dez, quinze ou vinte anos de trabalho para a mesma empresa.
São pessoas que procuram acompanhar as mudanças de modo a estarem se reciclando e seguindo o ritmo que lhes tem sido imposto. Seja na indústria, no comércio, na prestação de serviços, enfim, em toda e qualquer atividade.
Trabalhadores que cuidam de sua faina diária sentindo ansiedade, com medo de serem despedidos arbitrariamente.
Não vou aqui analisar a situação em outros países, mas aqui no Brasil percebo, em razão da minha missão de Auditor-fiscal do Trabalho, que existe uma fatia considerável de trabalhadores vivendo no limite de suas forças físicas e psíquicas.
Esses trabalhadores relatam que no ambiente de trabalham são surpreendidos pouco a pouco, com o passar do tempo, com uma sensação de desvalorização de sua capacidade, expressa pelas atitudes de superiores hierárquicos, ou mesmo do próprio ou dos próprios patrões.
Quando uma empresa “enxuga” o seu quadro visando maior lucratividade e colegas de trabalho daquele grupo acima citado, com mais de dez, quinze ou vinte anos são dispensados em nome de uma “modernização” dos quadros de empregados, imediatamente são contratados para os postos daqueles trabalhadores demitidos, outros novatos menos remunerados.
Claro que existe no Direito do Trabalho o poder diretivo do empregador chamado “jus variandi”, que o autoriza a comandar a sua empresa.
Claro que vivemos no capitalismo e no meio dessa selva neo-moderna, urbana ou rural quem tem o capital continua dando as cartas. Continua tendo o controle da situação.
Mas eu preciso trazer para este espaço o sentimento daqueles trabalhadores que têm tempo de casa, que assistiram os seus colegas sendo demitidos e passam agora, a conviver com novos colegas de trabalho recém-admitidos na empresa. Muitos destes são terceirizados, não foram contratados diretamente pelo empresário, mas através de uma empresa interposta.
Os trabalhadores que permaneceram sentem uma grande insegurança, pois temem serem os próximos demitidos. Daí o convívio diário com uma angústia expressa pelo medo de perder o emprego e de não conseguir outra colocação no mercado de trabalho, pois como já narrei acima, eles já possuem muito tempo de casa e conseqüentemente, idade superior a trinta ou quarenta anos de idade. Isso em face de um mercado que contrata os mais jovens e lhes paga um salário inferior àquele pago aos mais antigos na empresa.
Os que sobrevivem às demissões têm sua carga de trabalho aumentada, pois, a equipe anterior se desfez e os que ficaram não poderão mais contar com a habilidade, experiência e espírito de equipe construído somente pelos anos de convívio laboral juntamente com os outros membros que foram demitidos.
O tempo para a nova equipe se adequar passa a ser um fator de sobrecarga já que os mais antigos terão que ir ensinando, corrigindo e gerenciando os novos. Essa sobrecarga não é mensurada. Não existe equipamento como o registro de ponto, por exemplo, que possa medir tal sobrecarga, pois esta ocorre diariamente durante a jornada normal de trabalho. Sim, ela existe. Ela ocorrerá de forma mais contundente quando o quadro antigo não for recomposto em sua totalidade.
Então aqueles que sobreviveram às demissões convivem com a ansiedade, com o medo e com a sobrecarga de trabalho. A conseqüência disso está representada pela sensação de baixa auto-estima e desprestígio, na qual o trabalhador tão antigo, com ligações afetivas com o seu meio ambiente de trabalho se sente desprezado. De nada valeram tanta dedicação, tanto compromisso, tanto suor derramado por aquela empresa.
Esse grupo de trabalhadores sente uma dor invisível.
No ano de 2002 a psiquiatra francesa Marie-France Hirigoyen, publicou no Brasil o livro Mal-Estar no Trabalho – Redefinindo o Assédio Moral. Referida obra contempla uma profunda análise do assédio moral no mundo do trabalho.
Explica a autora que o trabalho exerce o papel principal na estruturação da identidade do trabalhador, pois através dele é que se afirmam as competências e por meio dele são realizados os projetos de vida e os sonhos. Assim sendo, o reconhecimento da identidade profissional é fundamental para a vida de cada ser humano. É causa de assédio moral a provocação do desaparecimento simbólico de uma pessoa. Quando o assalariado não é reconhecido se desmotiva e fica emocionalmente abalado. Quando o comando da empresa só se preocupa com os resultados financeiros e o assalariado é tratado como “peão” ou como coisa, este é ferido em sua dignidade[1]. O desprezo é um passo devastador na direção do assédio moral, que desqualifica e violenta o ser humano.
Afirma ainda a psiquiatra que o assédio[2] moral tem conseqüências muito danosas para a saúde: causa stress, ansiedade, depressão, distúrbios psicossomáticos, vergonha e humilhação.
Ressalto aqui que toda empresa que vem exercendo práticas desse tipo está ferindo a Magna Carta da República, contrariando o princípio da dignidade da pessoa humana e o princípio da função social do trabalho[3].
Os trabalhadores que se encontram na situação descrita devem procuram orientação nos plantões da Auditoria-Fiscal do Trabalho, no Ministério do Trabalho e Emprego.
Têm o direito de ajuizar ação de reparação de danos perante a Justiça do Trabalho.
Referidos trabalhadores não podem silenciar. Precisam narrar a sua dor. Necessitam buscar ajuda médica, como uma medida de profilaxia, evitando a depressão ou até mesmo o suicídio.
Auditor-Fiscal do Trabalho. Graduado em Direito pela UFES. Curso de Especialização em Direito Civil e Direito e Processo do Trabalho pela PUC Minas. Autor de artigos jurídicos. Livro publicado pela Ltr: A Empreitada na Indústria da Construção Civil, o Acidente de Trabalho e a Responsabilidade Civil, em co-autoria com o Auditor-Fiscal do Trabalho e Professor Jair Teixeira dos Reis.
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