Resumo: Ao iniciarmos o estudo sobre Direitos Fundamentais será demonstrada sua importância no contexto sócio-político e jurídico e da necessidade de sua proteção onde serão demonstradas técnicas utilizadas com objetivo primordial de coibir a atividade estatal de forma excessiva, não prejudicar inclusive direito fundamental do ofensor, por tratar de uma garantia universal, e ressaltar a importância do direito penal, pois somente ele é eficaz em determinados casos desprezando qualquer teoria abolicionista em face de tamanha prestabilidade a sociedade. A proteção dos Direitos Fundamentais é meta primordial do Estado Democrático de Direito no qual vivemos e que seu limite esta no próprio Direito Fundamental podendo ser relativizado somente neste caso.
Palavras-chave: direito fundamental; proteção; proporcionalidade; direito penal; público; privado.
Abstract: As we begin the study of Fundamental Rights will be demonstrated their importance in the socio-political and legal framework and the need for its protection where techniques will be demonstrated with the primary objective of curbing state activity is excessive, not to undermine the fundamental right of the offender including, for it is a universal guarantee, and the importance of criminal law, because it is effective only in some cases ignoring any abolitionist theory in the face of such helpfulness to society. The protection of fundamental rights is primary goal of a democratic state of law in which we live and that its limit is in the fundamental law itself can only be qualified in this case.
Keywords: fundamental right; protection; proportionality, criminal law, public, private.
INTRODUÇÃO
A origem dos direitos fundamentais que conhecemos está diretamente ligada nos movimentos revolucionários ocorrido na França (Revolução Francesa – 1789) e nos Estados Unidos (Declaração de Direitos do Povo da Virgínia – 1776), onde blindou de maneira formal os direitos naturais do homem e determinou a obrigação do Estado em aplicá-los sem nenhum tipo de restrição.
Na Alemanha onde imperou o Nazismo, onde os direitos fundamentais eram agredidos a todo o momento foi o marco primordial para a evolução dogmática de tais direitos que simplesmente saiu da esfera do direito subjetivo individual onde tinham o Estado como inimigo, e passou a vigorar como valores objetivos fundamentais de toda uma sociedade, onde neste caso o Estado passou a ser seu defensor e direcionar sua política social e jurídica nos pilares de tais fundamentos.
Portanto, foi no conhecido caso Lüth, onde o TCF da Alemanha em decisão histórica sepultou o minimalismo dos direitos fundamentais onde naquele momento os julgadores defenderam fervorosamente os direitos fundamentais quando decidiram que não são apenas direitos subjetivos do indivíduo contra o Estado, mas valores objetivos que estendem a todo ordenamento jurídico num todo, incluindo-se as relações entre particulares (eficácia horizontal), e no caso foi declarado fundamental o direito de expressão de Lüth e, portanto não poderia ser penalizado por sua conduta.
Depois desta decisão, os direitos fundamentais começaram a ser invocado de forma única e preponderante ante aos conflitos existentes, onde o Estado assume papel importante como dito acima devendo proteger e ao mesmo tempo aplica-lo incondicionalmente, por estarem ligados a idéia da dignidade da pessoa humana.
Contudo, Alexy[1] diz que os direitos fundamentais seriam, a um só tempo, profundamente democráticos e profundamente antidemocráticos.
Para que isso não venha a ocorrer, existem regras de proteção ao direito fundamental das partes, como o princípio da proporcionalidade e o direito penal métodos de intervenção, que deverá mediar o conflito da melhor forma, no qual seria não tolher as partes daquilo que lhes pertence.
1. DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS – CONCEITO, CLASSIFICAÇÃO E DAS CARACTERÍSTICAS.
1.1. Conceito
Um direito fundamental é um direito enunciado pela Constituição, aplicável diretamente, dotado de garantias jurisdicionais e de uma especial resistência ao legislador[2].
Contudo, não pode ser deixado de lado o contexto histórico e a evolução da sociedade onde ao passar do tempo concretizam as exigências da liberdade, igualdade e dignidade entre os seres humanos e neste caso são elementos invioláveis de uma sociedade política.
Observamos com a evolução do homem no âmbito geral e da luta para proteção dos direitos naturais, esses passaram a serem considerados direitos fundamentais quando é normatizado numa Constituição, que assim se considera, uma carta de direitos essenciais aos cidadãos e na qual a atividade Estatal deverá proteger e também dar sua devida aplicação para a sociedade.
Cruz Vilalon, diz que os direitos fundamentais nascem com as Constituições[3], e para Alexandre de Moraes seria o conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal, e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana pode ser definido como direitos humanos fundamentais[4].
Em razão dos conceitos apresentados, entendo que direito fundamental nunca poderá estar divorciado do texto constitucional, pois não regula apenas interesses entre Estado e particulares (eficácia vertical) e particulares com particulares (eficácia horizontal), mas seria diretriz de ordem governamental, política e jurídica, indispensáveis para o desenvolvimento digno da sociedade no âmbito geral.
1.2. Classificação
Primeiramente é necessário realizar alguns esclarecimentos pontuais, para melhor compreendermos a dinâmica do presente trabalho, onde pretendo demonstrar que os direitos fundamentais deverão ser aplicados com o mínimo de risco a violação do direito fundamental da parte.
Na lição de Pedro Lenza[5] existe diferença entre direitos e garantias fundamentais:
“Os direitos são bens e vantagens prescritos na norma constitucional, enquanto que garantias são instrumentos através dos quais se assegura o exercício dos aludidos direitos (preventivamente) ou prontamente os repara, caso violados.”
O art. 5º, §1º, da CF/88, determina que as normas que definem os direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, conforme segue:
“§ 1º – As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.”
A CF/88 no Título II classifica em cinco espécies os direitos e garantias fundamentais: Capítulo I- Direitos Individuais e Coletivos (art.5º); Capítulo II- Direitos Sociais (art.6º ao art.11º); Capítulo III- Direitos à Nacionalidade (art.12º a art.13º); Capítulo IV- Direitos Políticos (art. 14º ao art. 16º) e Capítulo V- Dos Partidos Políticos (art. 17º).
Todavia, o art. 5º, §2º, da CF/88, demonstra que existe a possibilidade de considerar um direito fundamental que não esteja devidamente positivado nos Capítulos acima citados, ou mesmo nas demais disposições da Constituição, conforme segue:
“§ 2º – Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”
A Constituição formal seria o ponto de partida, mas não o ponto de chegada no que respeita ao elenco dos direitos fundamentais[6], e prova disto, que o Supremo Tribunal Federal inclina-se por situar os tratados e convenções internacionais de direitos humanos entre a Constituição e a lei, isto é, concebendo-os como direito infraconstitucional, porém dotado de um status normativo supralegal.[7]
1.3. Das características
Destaca-se o trabalho realizado por Luiz Alberto David Araújo e Serrano Nunes Junior[8], e por José Afonso da Silva[9], onde descrevem as características dos direitos fundamentais como sendo:
a) historicidade: possuem caráter histórico, nascendo com o Cristianismo, passando por diversas revoluções e chegando aos dias atuais;
b) universalidade: destinam-se de modo indiscriminado, a todos os seres humanos;
c) limitabilidade: os direitos fundamentais não são absolutos (relatividade), havendo, havendo muitas vezes, no caso concreto, confronto, conflito de interesses. A solução ou vem discriminada na própria Constituição (ex: direito de propriedade versus desapropriação), ou caberá ao intérprete, ou magistrado, no caso concreto, decidir qual direito deverá prevalecer, levando em consideração a regra da máxima observância dos direitos fundamentais envolvidos, conjugando-a com a sua mínima restrição;
d) concorrência: podem ser exercidos cumulativamente, quando, por exemplo, o jornalista transmite uma notícia (direito de informação) e, juntamente, emite uma opinião (direito de opinião);
e) irrenunciabilidade: o que pode ocorrer é o seu não-exercício, mas nunca a sua renunciabilidade;
f) inalienabilidade: como são conferidos a todos, são indisponíveis, não se pode aliená-los por não terem conteúdo econômico-patrimonial;
g) imprescritibilidade: prescrição é um instituto jurídico que somente atinge, coarctando, a exigibilidade dos direitos de caráter patrimonial, não a exigibilidade dos direitos personalíssimos, ainda que não individualistas, como é o caso. Se são sempre exercíveis e exercidos, não há intercorrência temporal de não exercício que fundamente a perda da exigibilidade pela prescrição.
Dado objeto principal deste trabalho, que seria a possibilidade da aplicação do princípio da proporcionalidade e do direito penal para que não exista risco ao direito fundamental das partes, decorre da característica da limitabilidade onde está comprovado que o direito fundamental não deverá ter sua aplicação ilimitada, frente aos conflitos entre as partes, onde o interprete e o julgador deverá resolver o conflito sem que influa de forma considerável no direito fundamental das partes.
2. DAS VARIANTES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS.
O Estado sempre foi visto como um inimigo dos direitos fundamentais, que lhe imputava obrigações negativas, de abstenção nas esferas por ele acobertadas, funcionado, pois como um direito de defesa (direitos negativos contra o Estado) onde não existia a interferência Estatal na liberdade pessoal definida.
Entretanto, os bens protegidos pelos direitos fundamentais não são somente atacados pelo Estado, mas por terceiros, ou seja, por particulares, e isto ficou comprovado no julgamento pela Corte Constitucional da Alemanha no leading case do líder do clube de imprensa de Hamburgo Lüth onde foi reconhecido o direito de expressão (direito fundamental) por considerá-lo uma ordem objetiva de valores (deve valer para todos os ramos do direito inclusive o privado).
Em face do ocorrido, ficou claro que o Estado deveria ser um parceiro na proteção do direito fundamental (perspectiva positiva) frente ao ataque ocorrido por terceiros, numa relação jurídico-privada, sendo que, compete ao Estado de zelar e fazer cumprir os direitos fundamentais.
Houve uma expansão na eficácia dos direitos fundamentais e diante da existência da colisão de direitos fundamentais, ao decidir, o magistrado deverá utilizar o princípio da proporcionalidade, tanto na função de proibição de intervenção (atividade estatal excessiva-proibição de excesso[10]), quanto de imperativo de tutela (postura ativa para proteger assegurando sua efetiva capacidade funcional).
Para resolver a colisão de direitos fundamentais, ante o exposto, o princípio da proporcionalidade se mostra adequado para alcançar o equilíbrio desejado na relação entre particulares ou contra o Estado.
3. DA POSSIBILIDADE DE APLICAR O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE DIREITO FUNDAMENTAL ENTRE AS PARTES
O princípio da proporcionalidade conhecido como da justa-medida deve ser considerado um instrumento eficaz contra os ataques cometido pelo Estado que limitam a aplicação dos direitos fundamentais.
Também dever ser considerado como o único que se propõe a solucionar com critério os conflitos entre direitos fundamentais, onde procura buscar o equilíbrio nesta relação confusa entre as partes.
Além disto, ordena que a relação entre o fim que se busca e o meio utilizado deva ser proporcional, não-excessiva. Deve haver uma relação adequada entre as partes envolvidas.
Portanto, sempre que houver conflito entre direitos fundamentais e ou princípios constitucionais, ele deve ser utilizado na busca do equilíbrio, o que certamente demonstra o respeito que deve ser dado às partes.
É considerado como parte integrante do Estado Democrático de Direito. No Brasil, o STF inclina-se por vislumbrar a proporcionalidade como postulado constitucional que tem sua sede materiae na disposição constitucional que disciplina o devido processo legal, em sua perspectiva substancial (art. 5º, inc. LIV, da CF)[11]
A aplicação do princípio da proporcionalidade segue tendência da regra do direito alemão, onde o interprete e ou julgador ao analisar o conflito de direito fundamental, deverá decompor analiticamente o raciocínio nestas três fases: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.
3.1. Princípio da Adequação (Idoneidade)
A medida estatal desencadeada (meio) há de ser idônea para atingir a finalidade perseguida (fim): a realização do interesse público.[12]Trata-se, pois, de controlar a relação de adequação da medida-fim[13].
Portanto, o meio adequado é aquele que irá alcançar o fim almejado. Cito exemplo de meio adequado utilizado por Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins[14], conforme segue:
“Suponha que o objetivo do Estado é diminuir o número de acidentes de trânsito. O estabelecimento de uma limitação de velocidade nas rodovias é uma medida que comprovadamente contribuiu no mundo inteiro para diminuição de acidentes em geral e do numero dos acidentes fatais em particular, conforme pode ser comprovado por incontáveis estatísticas. Uma lei impondo limitações de velocidade permite alcançar esse fim, sendo segura a conexão entre o estado de coisas que será obtida após a entrada em vigor dessa lei e o estado de coisa almejado ou presente quando o propósito puder ser considerado alcançado. A eventualidade de muitos motoristas desrespeitarem a limitação e a polícia não realizar os devidos controles, deixando a lei produzir os efeitos desejados, não impugna a sua adequação, pois não afeta, em geral sua idoneidade enquanto medida.”
O exemplo demonstra o que é meio adequado para alcançar o fim, pois mesmo ocorrendo outros motivos inerentes a lei, o meio se demonstra adequado, pois o fim desejado é diminuir o número de acidentes e não acabar com eles.
3.2. Princípio da Necessidade (exigibilidade)
O exame da necessidade envolve a verificação da existência de meios que sejam alternativos àqueles inicialmente escolhidos pelo Poder Legislativo ou Poder Executivo, e que possam promover igualmente o fim sem restringir, na mesma intensidade dos direitos fundamentais afetados.[15]
O critério de necessidade indica que a medida eleita há de consubstanciar-se como meio menos gravoso, dentre os disponíveis e eficazes, à obtenção do fim almejado.[16]
Fica claro que deverá ser utilizado o meio menos gravoso dentre aqueles que estão à disposição das autoridades, frente à limitação do direito fundamental que recaíra sobre o ente público ou privado.
Portanto, somente será escolhido aquele meio que menor causar gravidade ao direito fundamental, sendo os demais considerados desnecessários e desproporcionais, pois se for escolhido o meio de maior gravidade a lei ou decisão será inconstitucional.
Novamente cito exemplo de meio adequado utilizado por Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins[17], conforme segue:
“A fixação do limite de velocidade em 120 km/h em determinada rodovia no intuito de diminuir os acidentes é uma medida menos intensa para os titulares do direito de ir e vir do que a fixação do limite em 100 km/h. Se a limitação em 120 km/h prevenir o mesmo número de acidentes que a limitação em 100 km/h, sendo isso comprovado por dados estatísticos decorrentes da observação e análise do tráfego mediante projeção matematicamente correta, esta última medida seria desproporcional porque mais intensa e assim inconstitucional.”
O exemplo acima reafirma somente o que foi debatido devendo a autoridade sempre optar pelo meio de intervenção menos gravoso ao direito fundamental da parte.
3.3. Princípio da Proporcionalidade em sentido estrito
O exame da proporcionalidade em sentido estrito exige a comparação entre a importância da realização de um fim e a intensidade da restrição aos direitos fundamentais. [18]
Neste caso, será analisada as desvantagens dos meios em relação às vantagens dos fins, ou seja, o meio utilizado jamais poderá ser desproporcional ao fim perseguido.
A relevância do fim perseguido se faz ponderar com a relevância do prejuízo causado ao direito fundamental, razão pela qual torna-se fundamental determinar a importância que a Constituição concede à consecução do referido fim. [19]
Contudo, Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins [20], discordam da proporcionalidade em sentido estrito, sob argumento de os direitos fundamentais estão no mesmo patamar, tem a mesma força jurídica, o que impede a hierarquização, devendo ser feita apenas a analise da adequação e da necessidade, conforme segue:
“Em conclusão, a proporcionalidade em sentido estrito (ou tese de exigibilidade) deve ser rejeitada como elemento do exame da proporcionalidade, já que, a despeito da opinião dominante tanto no Brasil quanto na Alemanha e em outros países, tem dado azo à usurpação da competência de decisão política própria dos órgãos do Poder Legislativo por órgãos do Poder Jurisdicional. Isso indica a impossibilidade de se efetuar uma ponderação fundamentada na Constituição. Assim sendo, quando o julgador constata que uma restrição é adequada e necessária, deve encerrar o exame de constitucionalidade ainda que discorde da opção do legislador.”
Entendo que ainda é valida a regra deste exame acerca da proporcionalidade em sentido estrito onde será verificada a vantagem do fim a ser alcançado que não poderá ser desproporcional ao meio utilizado, e prova disto, no direito penal é o princípio da insignificância, onde deixa de aplicar a pena (fim) se o meio (conduta) for desconexo.
4. DA NECESSIDADE DO DIREITO PENAL COMO METODO DE ATUAÇÃO DO ESTADO NA PROTEÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL E NA RESOLUÇÃO DO CONFLITO.
É notório que o direito penal somente deverá ser utilizado em último caso, quando o conflito não poder ser resolvido por outros ramos do direito, pois em tese poderá minimamente ofender o direito a liberdade cerceando o direito de ir e vir, no caso da prisão e pena restritiva de direitos.
As violações autorizadas da liberdade pelo direito penal somente podem ser toleradas quando necessária a afirmação da liberdade, razão pela qual crime só pode constituir numa lesão grave a liberdade de alguém, isto é, lesão de um bem jurídico definido, não se tolerando intervenções pedagógicas ou moralizadoras para coibir comportamentos que não lesam ninguém ou que possam ser objeto de suficiente repressão fora do direito penal.
Assim sendo as condutas que deverão ser positivadas para habilitar a punição e aplicação da pena seriam aquelas na qual os outros ramos do direito não podem dar a proteção merecida ao direito fundamental, citando, por exemplo, a proteção da vida por violência praticada no meio social, onde somente o tipo penal descrito no art. 121 do Código Penal pode dar a efetiva proteção.
Portanto, as teses de abolição do direito penal não são bem vindas não existindo outro meio eficaz que pudesse dar proteção digna a vida, a liberdade, como aquelas contidas na parte especial do Código Penal e Leis Penais Especiais, e ainda pelo simples fato de não evitar na sua totalidade o cometimento de crimes não desautoriza a continuidade deste ramo do direito para a proteção dos direitos fundamentais.
Leciona o autor Paulo Queiroz, em sua obra Funções do Direito Penal[21], sobre o direito penal como sistema de garantias, conforme segue:
“Não se pode ignorar ainda que o direito penal tem um papel importante de garantidor dos direitos fundamentais frente ao arbítrio realizável pelo Estado ou pelo indivíduo, já que lhe cabe delimitar os pressupostos e limites da intervenção penal e processual, assim como os direitos e deveres da vítima e do próprio réu. O direito e processo penais traçam os lindes do jus puniendi, seja quanto aos poderes, deveres e direitos do Estado, seja quanto aos do réu, seja quanto aos da vítima. Por meio do direito penal previnem-se também eventuais reações públicas ou privadas arbitrárias, mesmo que em caráter precário.”
De outro modo não podemos deixar de mencionar a manifestação do autor Ingo Wolfgang Sarlet[22] na obra Doutrinas Essenciais-Direito Penal, sobre o tema:
“De qualquer modo, não me parece necessariamente ilegítimo que um Estado Democrático de Direito, por assumir a condição de garante dos bens fundamentais (e bastaria aqui mencionar a dignidade, a vida e a igualdade) de toda e qualquer pessoa humana, possa exigir do cidadão que não viole os direitos fundamentais de seus semelhantes e que, nesta perspectiva, mantenha uma atitude socialmente adequada, respeitando-se por óbvio, os elementos nucleares de sua própria personalidade.”
Na verdade o direito penal possibilita a intervenção do Estado, ou seja, torna legítima sua atuação frente ao dever de proteção que possui na defesa dos direitos fundamentais, pois a resposta deverá ser justa não podendo ser excessiva e não ficar aquém do mínimo devendo ter um equilíbrio que seja efetivado mediante a aplicação do princípio da proporcionalidade.
Para que exista uma atuação ímpar do direito penal como meio adequado na proteção dos direitos fundamentais é necessário que a conduta que se pretende punir seja socialmente relevante e hábil para atacar um bem jurídico de terceira pessoa, onde cito como exemplo o art. 60 da Lei de Contravenções Penais[23] que pune a vadiagem, neste caso, o maior prejudicado é o próprio autor, portanto, o direito penal é meio inadequado devendo o conflito ser resolvido de outra forma.
Por outro lado, o art. 144 da CF/88[24] e o art. 1º a 5º da CF/88 demonstra por si só a importância dada ao direito penal na colisão de direitos fundamentais, contudo, os resultados impostos pelo direito penal não são um fim em si mesmo, mas um meio a serviço dos fins constitucionalmente assinalados ao Estado: proteção da vida, da liberdade, da integridade física, da saúde pública (art. 5º) etc. A intervenção penal, quer em nível legislativo, quando da elaboração de leis, quer em nível judicial quando da sua interpretação/aplicação, somente se justifica quando seja realmente imprescindível.[25]
Finalizando, o direito penal constitui o objeto de defesa do próprio direito fundamental, pois sua tutela é exigida na CF/88, e, portanto, auxília o Estado no combate e na resolução dos conflitos existentes, porém, este dever de proteção deverá ser utilizado quando for realmente necessário, ou seja, quando o conflito ocasionar lesão a direito fundamental.
5. DA ATUAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL UTILIZANDO O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E DO DIREITO PENAL.
O Supremo Tribunal Federal deve zelar pela proteção e aplicação dos direitos fundamentais, e para tanto, no caso de conflito utiliza o princípio da proporcionalidade, com objetivo de promover o equilíbrio nas relações entre os entes públicos e privados, e ainda entre privados e privados.
Neste caso cito jurisprudência originária desta Corte Constitucional, onde diante da colisão de direitos fundamentais, para solucionar e dar equilíbrio foi utilizado o princípio da proporcionalidade, conforme segue:
“SIGILO DE DADOS – AFASTAMENTO. Conforme disposto no inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal, a regra é a privacidade quanto à correspondência, às comunicações telegráficas, aos dados e às comunicações, ficando a exceção – a quebra do sigilo – submetida ao crivo de órgão equidistante – o Judiciário – e, mesmo assim, para efeito de investigação criminal ou instrução processual penal. SIGILO DE DADOS BANCÁRIOS – RECEITA FEDERAL. Conflita com a Carta da República norma legal atribuindo à Receita Federal – parte na relação jurídico-tributária – o afastamento do sigilo de dados relativos ao contribuinte”.(RE 389808, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 15/12/2010, DJe-086 DIVULG 09-05-2011 PUBLIC 10-05-2011 EMENT VOL-02518-01 PP-00218)
E M E N T A: “HABEAS CORPUS” – VEDAÇÃO LEGAL IMPOSTA, EM CARÁTER ABSOLUTO E APRIORÍSTICO, QUE OBSTA, “IN ABSTRACTO”, A CONVERSÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE EM SANÇÕES RESTRITIVAS DE DIREITOS NOS CRIMES TIPIFICADOS NO ART. 33, “CAPUT” E § 1º, E NOS ARTS. 34 A 37, TODOS DA LEI DE DROGAS – RECONHECIMENTO DA INCONSTITUCIONALIDADE DA REGRA LEGAL VEDATÓRIA (ART. 33, § 4º, E ART. 44) PELO PLENÁRIO DESTA SUPREMA CORTE (HC 97.256/RS) – OFENSA AOS POSTULADOS CONSTITUCIONAIS DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA E DA PROPORCIONALIDADE – O SIGNIFICADO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE, VISTO SOB A PERSPECTIVA DA “PROIBIÇÃO DO EXCESSO”: FATOR DE CONTENÇÃO E CONFORMAÇÃO DA PRÓPRIA ATIVIDADE NORMATIVA DO ESTADO – CARÁTER EXTRAORDINÁRIO DO ÓBICE À SUBSTITUIÇÃO – O LEGISLADOR NÃO PODE VEDAR A CONVERSÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR SANÇÃO PENAL ALTERNATIVA, SEM A IMPRESCINDÍVEL AFERIÇÃO, PELO MAGISTRADO, DOS REQUISITOS DE ÍNDOLE SUBJETIVA E DOS PRESSUPOSTOS DE CARÁTER OBJETIVO DO SENTENCIADO (CP, ART. 44), SOB PENA DE GERAR SITUAÇÕES NORMATIVAS DE ABSOLUTA DISTORÇÃO E DE SUBVERSÃO DOS FINS QUE REGEM O DESEMPENHO DA FUNÇÃO ESTATAL – PRECEDENTES – “HABEAS CORPUS” CONCEDIDO DE OFÍCIO, COM EXTENSÃO, TAMBÉM DE OFÍCIO, DOS SEUS EFEITOS À CO-RÉ. – O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o HC 97.256/RS, Rel. Min. AYRES BRITTO, reconheceu a inconstitucionalidade de normas constantes da Lei nº 11.343/2006 (Lei de Drogas), no ponto em que tais preceitos legais vedavam a conversão, pelo magistrado sentenciante, da pena privativa de liberdade em sanções restritivas de direitos. – o Poder Público, especialmente em sede penal, não pode agir imoderadamente, pois a atividade estatal, ainda mais em tema de liberdade individual, acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade, que traduz limitação material à ação normativa do Poder Legislativo. – Atendidos os requisitos de índole subjetiva e os de caráter objetivo, previstos no art. 44 do Código Penal, torna-se viável a substituição, por pena restritiva de direitos, da pena privativa de liberdade imposta aos condenados pela prática dos delitos previstos no art. 33, “caput” e § 1º, e arts. 34 a 37, todos da Lei nº 11.343/2006.”(HC 106442 MC, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 30/11/2010, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-036 DIVULG 22-02-2011 PUBLIC 23-02-2011)
No caso concreto ficou constatado pelo Ministro Relator a “proibição de excesso” onde demonstrou a intervenção estatal excessiva do Poder Legislativo, quando da criação da lei, que está em conflito com o direito fundamental previsto no art. 5º, inciso XLVI da CF/88 (postulado constitucional da individualização da pena), utilizando do princípio da proporcionalidade para afastar obstáculo existente que contrário ao direito fundamental.
Para melhor entendimento da aplicação do princípio da proporcionalidade na defesa dos direitos fundamentais transcrevo parte do voto do Ministro Relator Celso de Mello[26], conforme segue:
“Como precedentemente enfatizado, o princípio da proporcionalidade visa a inibir e a neutralizar o abuso do Poder Público no exercício das funções que lhe são inerentes, notadamente no desempenho da atividade de caráter legislativo. Dentro dessa perspectiva, o postulado em questão, enquanto categoria fundamental de limitação dos excessos emanados do Estado, atua como verdadeiro parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais. Isso significa, dentro da perspectiva da extensão da teoria do desvio de poder ao plano das atividades legislativas do Estado, que este não dispõe de competência para legislar ilimitadamente, de forma imoderada e irresponsável, gerando, com o seu comportamento institucional, situações normativas de absoluta distorção e, até mesmo, de subversão dos fins que regem o desempenho da função estatal. A jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal, bem por isso, tem censurado a validade jurídica de atos estatais, que, desconsiderando as limitações que incidem sobre o poder normativo do Estado, veiculam prescrições que ofendem os padrões de razoabilidade e que se revelam destituídas de causa legítima, exteriorizando abusos inaceitáveis e institucionalizando agravos inúteis e nocivos aos direitos das pessoas (RTJ 160/140-141, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RTJ 176/578-579, Rel. Min. CELSO DE MELLO – ADI 1.063/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).Daí a advertência de que a interdição legal “in abstracto”, vedatória da substituição, por penas restritivas de direitos, da privativa de liberdade, como na hipótese prevista no art. 44 e no art. 33, § 4º, ambos da Lei nº 11.343/2006, merece censura do Supremo Tribunal Federal, considerados os múltiplos postulados constitucionais violados, eis que o legislador não pode substituir-se ao juiz na aferição casuística da existência, ou não, da possibilidade, em cada situação concreta, da conversão da pena privativa de liberdade por sanção penal alternativa. Com efeito, atendidos os requisitos de índole subjetiva e os de caráter objetivo, previstos no art. 44 do Código Penal, torna-se viável a substituição, por pena restritiva de direitos, da pena privativa de liberdade imposta aos condenados pela prática dos delitos previstos no art. 33, “caput” e § 1º, e arts. 34 a 37, todos da Lei nº 11.343/2006.”
Assim sendo, o princípio da proporcionalidade é utilizado em diversas decisões no Supremo Tribunal Federal com objetivo de defender os direitos fundamentais, contra o excesso estatal, dos particulares, e da deficiência na garantia deles, onde sempre irá procurar o equilíbrio nas relações.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Podemos observar na pesquisa desenvolvida que atualmente os direitos fundamentais se confundem com a própria Constituição Federal, estando devidamente catalogados em seus artigos e na própria essencial de sua formação ressaltando os movimentos que se desenvolveram antes da sua promulgação.
Isto significa que quando um direito fundamental está sendo violado, a própria Constituição Federal também é atacada, pois ambos se confundem no único instrumento no qual onde se busca um equilíbrio entre os entes que compõe uma sociedade, onde todos possam ter uma vida digna.
As decisões do Supremo Tribunal Federal reiteradamente demonstram a proteção incondicional dos direitos fundamentais, aplicando tais preceitos contra o abuso Estatal e de particulares, com critérios e analisando o fim almejado.
O princípio da proporcionalidade se mostra uma ferramenta eficaz, sendo utilizado no caso de conflitos entre direitos fundamentais, com objetivo de decidir dando equilíbrio nesta relação conflitante, onde a questão será analisada sob o prisma da adequação, necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito, tornando justa a decisão proferida.
O direito penal também é necessário na defesa dos direitos fundamentais, sendo utilizado em último caso quando a proteção não poderá ser dada por outro ramo do direito. Existem casos como violência contra a vida, liberdade, honra e sexual, que somente podem ser tratados no direito penal não existindo outro método, e para ilustrar cito o exemplo do estupro (art. 213 do Código Penal), do homicídio (art. 121 do Código Penal), não tendo como ser protegidos por outro ramo do direito.
Portanto, a resolução da colisão de diretos fundamentais somente poderá ter uma solução equilibrada utilizando o princípio da proporcionalidade e mantendo ativo o direito penal, para proteção em último caso, pois sempre é necessário averiguar as desvantagens do meio ao fim proposto, ficando comprovado que o meio é fundamental por si só legitima o meio utilizado.
Advogado, graduado pela ITE-ARAÇATUBA/SP; pós-graduado em Direito Processual pela ITE-ARAÇATUBA/SP; Aluno especial no curso em Mestrado em Direito pela UNVEM/MARÍLIA/SP; Professor universitário no curso de Bacharel em Direito pela UNIESP, na área de Direito Penal.
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