Dos efeitos da condenação penal

Efeitos Genéricos

Art.91, CP – São efeitos da condenação:

 I- tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime;

II- a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé:

a) dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito;

b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Ao condenar alguém pela prática de um delito, o Estado-Juiz impõe-lhe a sanção penal que a lei prevê. Todavia essa sanção, que pode ser pena de reclusão, restritiva de direitos, detenção e ou multa, não é a única conseqüência da condenação penal. A condenação penal tem outros efeitos, tanto de natureza penal (efeitos secundários) como de natureza extrapenal (efeitos civis, administrativos, etc).

Neste breve estudo abordarei, especificamente, os efeitos elencados no art. 91, incisos I e II do CPB quanto aos seus reflexos na esfera civil. São os chamados efeitos extrapenais genéricos da condenação.    As conseqüências extrapenais genéricas da condenação com sentença passada em julgado são automáticas, dispensando sua expressa declaração na sentença condenatória. Dentre os efeitos, o que tem maior importância para a vítima, diz respeito ao inciso I do referido artigo, que torna certa a obrigação de indenizar o dano pelo agente causador do crime. Portanto, a condenação penal, a partir do momento em que se torna irrecorrível, faz coisa julgada no cível, para fins de reparação do dano. Tem natureza de título executório, permitindo ao ofendido reclamar em juízo a indenização civil sem que o condenado pelo delito possa discutir a existência do crime ou a sua responsabilidade por ele.

PRIMEIRA PARTE

O crime ofende um bem-interesse, acarretando uma lesão real ou potencial à vítima. Nos termos do código Civil, fica obrigado a reparar o dano aquele que, por ação ou omissão voluntária (dolo) ou negligência ou imprudência (culpa), violar direito ou causar prejuízo a outrem. Conforme acentua o professor Damásio E. de Jesus, a sentença condenatória funciona como sentença meramente declaratória no tocante a indenização civil, pois nela não há mandamento expresso de o réu reparar o dano resultante do crime. Contudo, é muito comum o ofendido, por desconhecimento dos seus direitos, não acionar a justiça para obter a reparação devida. Porém, quando isto ocorre, o interessado não será obrigado, no juízo cível, comprovar a materialidade, a autoria e a ilicitude do fato, já assentes na esfera penal, para obter a reparação do dano. Discutir-se-á apenas o montante  da indenização pleiteada pela vítima do crime em questão. Para efeito de ilustração, cabe ressaltar aqui que o STF já se pronunciou a respeito da sentença em que se concede o perdão judicial como sentença condenatória, valendo, portanto, como título executivo .

Por outro lado, a sentença que julga o agente inimputável, aplicando-lhe medida de segurança, embora considerada na doutrina como condenatória imprópria, é, em termos legais, absolutória, não propiciando assim a sua execução na esfera civil, como observa o nobre doutrinador e professor Julio Fabbrini Mirabete em seu Manual de Direito Penal. Também não é sentença condenatória a decisão que reconhece a prescrição da pretensão punitiva e as sentenças de homologação da composição e da transação penal previstas na Lei 9.099/95.

Transitada em julgado a sentença condenatória e morrendo o condenado, a execução civil  será promovida contra seus herdeiros, nas forças da herança, conforme o princípio da responsabilidade civil do nosso Código Civil . No mesmo sentido, a extinção da punibilidade por qualquer causa, após o transito em julgado da sentença condenatória, não exclui seus efeitos secundários de obrigar o sujeito à reparação do dano (vide art. 67, Inciso II do CPP).

Quando absolvido o condenado em revisão criminal, perde a sentença seu caráter de título executório ainda que já instaurada a execução civil pelo ofendido. Na hipótese de ocorrerem paralelamente  as ações penal e civil , o juiz poderá suspender o curso desta, até o julgamento definitivo, daquela, visando evitar, o quanto possível, decisões contraditórias. Sendo pobre na forma da lei o titular à reparação do dano, a execução poderá ser promovida pelo Ministério Público, a seu requerimento (vide art. 68 do CPP). O interessado também poderá recorrer a Defensoria Pública da Comarca.

No caso de homicídio, por exemplo, a reparação do dano consiste no pagamento de todas as despesas decorrentes do fato criminoso e na prestação de alimentos às pessoas a quem o defunto os devia. Cabe assinalar que o dano moral, na questão em comento, também é devido, especialmente nos crimes contra a honra e contra os costumes. As indenizações (dano material e ou moral) de que trata o presente estudo estão regulamentadas no Código Civil.

Por fim, encerrando a primeira parte do breve estudo, embora a responsabilidade civil seja independente da criminal, faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhece ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito, quando o ofendido não deu causa. Cabendo nestes casos, para aquele a quem recai a obrigação de reparar o dano, a ação regressiva contra o agente causador ou beneficiário.

SEGUNDA PARTE

Quanto ao inciso II do mesmo artigo em comento, diz respeito aos interesses do Estado. Constitui uma espécie de confisco com a perda de instrumento e do produto do crime para a União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiros de boa-fé. É importante observar que a lei não prevê a perda para o Estado quando da prática de contravenção, embora haja divergência doutrinária a respeito. A perda em relação ao produto ou proveito auferido pelo crime alcança as coisas  obtidas diretamente ou mesmo indiretamente com a prática do crime. Inclusive, há jurisprudência quanto a inadmissibilidade na devolução, ainda que sobrevenha a prescrição da pretensão executória.

O confisco, como efeito da condenação, é o meio através do qual o Estado visa impedir que instrumentos idôneos para delinqüir caiam nas mãos de certas pessoas, ou que o produto do crime enriqueça o patrimônio do delinqüente. Quanto aos instrumentos do crime, somente podem ser confiscados os que consistirem em objetos cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua ato ilícito. Não são confiscados, embora possam ser apreendidos, os instrumentos que eventualmente foram utilizados para a prática do crime. Os instrumentos e o produto do crime passam a integrar o patrimônio da União, procedendo-se, conforme a hipótese, a leilão público ou destruição, conforme a lei determinar.

Pode-se também efetuar o “seqüestro” dos bens imóveis adquiridos pelo indiciado com os proventos do crime, ainda que já tenha sido transferido a terceiro (vide art. 125 ss do CPP).

Na legislação especial que regulamenta o art. 243 da CF, a Lei 8257/92, dispõe sobre a expropriação das glebas em que se localizarem culturas ilegais. Este confisco, porém, independe de ação penal, mas sim de ação civil apropriada. No mesmo sentido temos a perda de bens e valores no caso de enriquecimento ilícito de agentes públicos ( Lei 8429/92).

Ademais, regra geral, o confisco só ocorre com o transito em julgado da sentença condenatória, sendo inadmissível durante o andamento do processo. Cabe ressaltar que o confisco não se confunde com a apreensão. Pois, a apreensão dos instrumentos e objetos relacionados com o crime deve ser determinada pela autoridade policial, e não podem ser restituídos antes de transitar em julgado a sentença final, salvo quando os objetos apreendidos não mais interessar ao processo e não restar dúvida quando ao direito do reclamante. A restituição, quando cabível, poderá ser ordenada pela autoridade policial ou juiz, mediante termos nos autos. Quando houver dúvida quanto ao legítimo proprietário, o juiz remeterá as partes para o juízo cível.

Por fim, regra geral, o produto do crime deverá sempre ser restituído ao lesado ou ao terceiro de boa-fé. Assim , só se efetivará o confisco em favor do Estado na hipótese de permanecer ignorado o dono ou, não reclamados os bens ou valores  por quem de direito.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme discorre o Dr. Vladimir Brega Filho em seu interessante artigo intitulado: A reparação do dano no direito penal brasileiro – perspectivas, ao analisarmos o Código Penal Brasileiro, percebemos  que a referência à reparação do dano é mínima e o que ocorreu durante muito tempo foi o esquecimento da vítima pela política criminal do país, preocupada exclusivamente com a imposição da pena. Sobre isso, ele cita Edgar de Moura Bittencourt, que  escreveu: “A pessoa e o infortúnio da vítima estão na lembrança do povo enquanto dura a sensação do processo. Há por vezes, dirigida em prol do ofendido uma onda de caridade, que se mescla com a revolta contra o criminoso. O processo passa, a condenação subsiste por vários anos. O criminoso é quase sempre lembrado. A vítima cai no esquecimento; quando muito, um ou outro, ilustrado na literatura policial de jornais, guardar-lhe-á o nome”.

Esse “esquecimento” da vítima perdurou por muito tempo no direito brasileiro, e somente em data recente a situação vem se revertendo. Algumas leis editadas nos últimos dez anos procuraram introduzir instrumentos e penas para garantir a reparação do dano.

Mesmo diante dos últimos avanços no campo da reparação do dano, segundo o nobre articulista, muito ainda precisa ser feito. Embora Leis recentes como a 9.099/95 tenha trazido importantes instrumentos para a busca da reparação, no Brasil pobre em que vivemos, onde a situação dos réus reflete a situação do país, não há dúvida de que a maioria deles são pessoas pobres e incapazes de reparar o dano. Diante disso, todo e qualquer avanço no campo da reparação do dano esbarra na impossibilidade material dos réus. Já em 1973, Edgar de Moura Bittencourt escreveu o seguinte: “Quando o infrator tem recursos, é simples a restauração do equilíbrio econômico, com a correlata ação de indenização, que a lei civil outorga ao ofendido contra seu ofensor. Mas quando este não tem com que indenizar ou pelo menos com o que indenizar cabalmente (talvez esta seja a maioria dos casos), restará a injustiça social, pelo desequilíbrio econômico”. Solução interessante poderia ser a instituição de um fundo de reparação de danos às vítimas, constituído da receitas obtidas com as multas e com verbas estatais.

O Estado, em última instância, tem por obrigação garantir os bens jurídicos e, em caso de lesão, deve promover a sua indenização. A responsabilidade do Estado será sempre objetiva, qualquer que seja a natureza da conduta (comissiva  ou omissiva), de seus agentes, no sentido amplo do termo, bastando ao particular somente fazer a prova do dano, da conduta danosa e do nexo de causalidade para se ver ressarcido dos prejuízos suportados. O Estado, para elidir tal responsabilidade, deverá fazer prova de que o dano foi ocasionado por força maior, caso fortuito,  estado de necessidade ou culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, segundo a melhor doutrina.

       Finalmente,  sabemos que a responsabilidade civil engloba as perdas e danos materiais e morais. Não obstante a estas penalidades a quem comete ato ilícito, há que se falar também na responsabilidade penal de quem é obrigado a pagar multa (uma forma de indenizar o Estado ou a vítima). Contudo,  a pena pecuniária restritiva de Direito chamada multa, não guarda relação com a responsabilidade civil, ou seja, mesmo sendo condenado a uma pena restritiva de direito de caráter de multa o agente ainda assim terá a responsabilidade de indenizar a vítima do seu ato criminoso.

 

Referência bibliográfica
– BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal, Parte geral. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.
– CAPEZ, Fernando – Curso de Direito Penal – Parte Geral, 1ª edição, Editora Saraiva, 2000.
– DAMÁSIO, Jesus Evangelhista – Direito Penal, Parte Geral, São Paulo: Saraiva, 1999.
– DELMANTO, Celso – Código Penal Comentado, 3ª edição, Editora Renovar – 1997.
– E. MAGALHÃES NORONHA – Direito Penal – 35ª edição, Editora Saraiva – 2000.
– FRAGOSO, Fernando. A vitimização pelo sistema penal e pelas instituições penitenciárias. Rio de Janeiro: Revista Forense, v. 305, p. 41/43, jan/mar., 1989.
– GARCIA, Carlos Roberto Marcos. Aspectos relevantes da vitimologia. In: RT/Fasc., v. 769, p. 437/455, nov., 1999.
– MIRABETE, Júlio Fabbrini – Código Penal Interpretado, 1ª edição, Editora Atlas – 1999.
Legislação específica:
– Constituição Federal / 1988
– Código Penal Brasileiro
– Código Civil Brasileiro
– Código De Processo Penal
– Lei Dos Juizados Especiais – 9099/95

Informações Sobre o Autor

Uélton Santos

Historiador e Bacharelando em Direito


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