Resumo: O presente estudo busca apresentar uma contribuição ao tema adstrito aos direitos transindividuais, inserindo, nessa temática, os direitos ambientais. Os quais, por sua conformação ontológica, se afiguram como típicos direitos de terceira geração, e portanto, caracterizados por sua natureza difusa. De outra parte, constata-se que o direito fundamental a um meio ambiente sadio fora consagrado como direito fundamental pela Constituição Federal de 1988, com expressa garantia no artigo 225 e seus parágrafos. E, portanto, é crível conceber que o estudo da significação transindividual dos direitos ambientais, traga subsídios à sua consagração e defesa.
Palavras-chave: interesses transindividuais. Direitos difusos. Direito fundamental ao ambiente sadio. Direitos ambientais.
Sumário: 1. Introdução. 2. Os direitos ambientais como direitos fundamentais. 3. A transindividualidade dos direitos ambientais. 4. Conclusão. Referências
1. INTRODUÇÃO
O tema ambiental está ligado à realidade que vivenciamos em nosso tempo, caracterizado pela sociedade de massa, em que o crescimento desordenado e brutal, viceja em um mundo globalizado.
Por tal razão, alicerçado nos valores que emanam dos direitos humanos, o Estado, cada vez mais fragilizado, em sua soberania, é desafiado, em sua função primordial, qual seja, a aplicação de um modelo de convivência social, que considere os paradigmas de justiça na aplicação das políticas públicas, essas consideradas como instrumento de libertação do homem; adotando como vetor onipresente, a significação da dignidade da pessoa humana.
E justamente nesse contexto, insere-se a temática da garantia de um meio ambiente equilibrado, como requisito mínimo necessário para a vida de qualquer indivíduo.
2. OS DIREITOS AMBIENTAIS COMO DIREITOS FUNDAMENTAIS
O que se tem visto na história jurídica do homem, se é que se pode emprestar tal denominação à história do direito e a evolução social, é um processo seqüencial e gradativo de institucionalização das aspirações humanas. Aspirações que vão sendo retiradas de um plexo puramente filosófico e vão sendo plasmadas em ordenamentos normativos, alcançado condições para uma concretude material.
E nesse sentido, ante o despertar para a presença dos direitos de natureza coletiva no cotidiano de nossas vidas, bem como, da sua primordial importância para garantia dos direitos fundamentais do homem, o legislador brasileiro deparou-se com a necessidade de trazer para o âmbito do Direito Objetivo, os referidos gêneros de interesses transindividuais.
Justamente nessa temática é que se inserem os direitos a um meio ambiente sadio.
Considerando o paradigma que nos afigura a sociedade contemporânea, a percepção dos direitos ambientais apresenta-se como signo caracterizador de nossa época. Aliás, não é sem razão que Miguel Reale[1] constatou que:
“A civilização tem isto de terrível: o poder indiscriminado do homem abafando os valores da natureza. Se antes recorríamos a esta para dar uma base estável ao Direito (e, no fundo essa é a razão do Direito Natural), assistimos, hoje, a uma trágica inversão, sendo o homem obrigado a recorrer ao Direito para salvar a natureza que morre”.
Assim, vislumbrando a fase da degradação ambiental, em espiral cada vez mais densa, evidencia-se, como uma força crescente, os direitos ambientais nos diplomas normativas.
Claro se afigura, a nós, nesses dias, que o direito de viver em um ambiente apto a fornecer a qualidade de vida digna e propícia à sobrevivência de todas das espécies de seres vivos jamais poderia deixar de estar inserido no mundo jurídico.
Esta evolução dos direitos fundamentais do homem consagra uma necessidade latente de manutenção do equilíbrio dos ecossistemas para toda vida, conforme determina o figurino constitucional, a teor dos artigos 1º, III c.c. 6º e c.c. 225 da Constituição Federal.
Nesse sentido, Celso Antonio Pacheco Fiorillo[2] explica que:
“No regime constitucional brasileiro, o próprio caput do art. 225 da Constituição Federal impõe a conclusão de que o DA é um dos direitos humanos fundamentais. Assim é porque o MA é considerado um Bem de uso comum do provo e essencial à sadia qualidade de vida.
A concepção “essencial à sadia qualidade de vida” reporta-se aos destinatários da norma constitucional, que somos todos nós. Dessarte, a regra vinculada ao direito ambiental tem como objetivo a tutela do ser humano e, de forma imediata, outros valores que também venha a ser estabelecidos na Constituição Federal.
Por conta dessa visão, devemos compreender o que seja essencial, adotando um padrão mínimo de interpretação do art. 225 em face dos dizeres do art. 1º, combinado com o art. 6º da Constituição Federal,que fixa o piso vital mínimo.”
Portanto, a Constituição Federal[3], no já referido artigo 225 da Constituição Federal, determina em seu teor que:
“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”
De outra parte, claro se afigura que o princípio da dignidade da pessoa humana integra toda a lógica dos direitos fundamentais; de modo que cada direito fundamental, em maior ou menor grau, objetiva a proteção daquela.
Assim, o direito a um meio ambiente sadio configura-se como direito fundamental da pessoa humana, integrante de um catálogo de direitos que compõem o mínimo existencial necessário a uma vida digna.
Tal constatação justifica a consagração e a defesa dos direitos ambientais.
3. A TRANSINDIVIDUALIDADE DOS DIREITOS AMBIENTAIS.
O surgimento da teoria dos interesses transindividuais advém da preocupação com a “questão social”, decorrente do surgimento da “sociedade de massa”, em que a maioria das relações econômicas e políticas é marcada pelo desaparecimento da individualidade do ser humano, diante da padronização dos comportamentos e das regras correspondentes.
Assim, como conseqüência dessa nova ordem de coisas, desaparece a concepção de que somente são dedutíveis juridicamente as relações entre dois sujeitos de direitos e obrigações claramente definidos.
Tal concepção clássica de relação jurídica passou a não mais corresponder ao anseio por justiça, uma vez que aquelas se transmudaram numa natureza massificada.
Nessa nova concepção social, portanto, as relações jurídicas passaram a constar, em um dos pólos, seres humanos agregados numa mesma categoria, grupo ou classe social, pouco importando os traços que distinguissem cada indivíduo. E, é justamente nesse ponto que decorre a inadequação da fórmula processual individualista, segundo a qual o sujeito de direitos é o titular da relação jurídica material.
Assim, ao final do século XX, o Direito deparou-se, de um lado, com essa nova problemática social caracterizada pela noção comum da coletivização dos conflitos e pela preocupação em proteger interesses pulverizados pela sociedade ou por parcelas sociais dela derivadas.
E, de outro, a evolução dos direitos humanos, privilegiando a sua indivisibilidade, interdependência e complementariedade; o que induziu à criação de novos direitos híbridos, originários da superação dessa distinção absoluta entre direitos civis e políticos e direitos econômicos, sociais e culturais.
É justamente nesse ponto que se verifica a gênese de novos direitos humanos tendentes a agasalhar a preocupação do homem com a qualidade de vida no planeta.
Tais direitos, denominados de difusos, produtos de uma gênese que resultou em uma maior coletivização dos direitos, passando além do dualismo abarcado por uma concepção pública ou privado; bem como, de um feixe de direitos adstritos a uma categoria social específica; antes, por um conteúdo dúctil, advindo de sua desagregação intrínseca.
Tal acepção adstrita a essa nova categoria de direitos transindividuais é apresentada por Rodolfo de Camargo Mancuso[4], o qual se expressa da seguinte forma:
“Esses interesses apresentariam um grau de coletivização ainda mais abrangente do que o interesse geral ou público, porque, enquanto estes têm a balizá-los os contornos de certos valores pacificamente aceitos (por exemplo: segurança pública), os interesses difusos, ao contrário, permitem toda sorte de posicionamento, de conteúdo fluido (por exemplo, “qualidade de vida”), ensejando o que a doutrina italiana chama de “intrínseca conflitualità”.
Assim, os direitos ambientais baseiam-se em uma nova acepção ética, essa mais abrangente, fundada em uma justiça de caráter universal.
Dissertando nesse sentido, sob um enfoque dos direitos globais emergentes, Edna Cardozo Dias[5] explica que:
“O caminho da justiça social nos leva a uma ética ecológica. Esta é muito mais que a moral. A ética moralista se revelou insuficiente para conter a avalanche de tendências destrutíveis. Ela é criada pela pressão social, enquanto a ética ecológica é criada pela sabedoria indissociada da dimensão do amor e do serviço, pela liberdade de escolha e responsabilidade, pelos valores intrínsecos do certo-errado e pela lei natural. Por ela expressamos o comportamento justo e a maneira correta de o ser humano se relacionar com os outros seres vivos, com o planeta e com seus semelhantes.”
Portanto, a sociedade, nessa quadra do desenvolvimento humano no planeta, passa a reivindicar o desenvolvimento sustentado e integrado da espécie humana com a preservação da natureza.
Inobstante, dentro da concepção individualista do Direito Clássico, apesar dos referidos interesses já existirem de há muito, até porque inerentes à natureza humana, os mesmos passavam despercebidos; justamente por se caracterizarem pela inviabilidade de apropriação individual. Tal característica adstrita aos direitos ambientais; como direitos difusos, que o são, reflete-se, por exemplo, no interesse da coletividade indeterminada de pessoas, à pureza do ar atmosférico.
Apontando tal constatação, Rodolfo de Camargo Mancuso[6] explica que:
“Desse modo, os interesses difusos “excedem” ao interesse público ou geral, configurando-se no quinto e último grau daquela ordem escalonada, notabilizando-se por um alto índice de desagregação ou de “atomização”, que lhes permite referirem-se a um contingente indefinido de indivíduos e a cada qual deles, ao mesmo tempo.”
E dentro dessa concepção, chegou-se até a afirmar que se um interesse diz respeito a todos, não se vincula a ninguém, não podendo, por certo, ser objeto de tutela jurídica.
Entretanto, os interesses transindividuais vão se revelando. Mais e mais fazem aflorar temas que têm o homem como centro de referência.
Os direitos difusos evocam a vetusta, porém seminal, noção de direito natural; como deflui, por exemplo, dos interesses advindos da qualidade de vida, da proteção ecológica, do respeito às etnias e minorias; visto que esses se revelam, em última análise, no respeito ao homem enquanto homem; evocando uma antiga lição.
Evocando tais ensinamentos, Immanuel Kant[7] se expressa da seguinte forma: “o homem, e, duma maneira geral, todo o ser racional, existe como fim em si mesmo, não só como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade”.
E por esse motivo, não é sem razãol, que José Marcelo Menezes Vigliar, citando MAURO CAPPELLETTI e BRYANT GARTH[8], assevera que:
“Mauro Cappelletti e Bryant Garth, em sua obra ímpar e pioneira (ao menos do ponto de vista sistemático, que demonstra uma preocupação científica na delimitação do conceito dos interesses transindividuais) que discute os problemas do amplo e efetivo acesso à justiça, lembram que “interesses difusos” são interesses fragmentados ou coletivos, tais como o direito ao ambiente saudável, ou à proteção do consumidor. O problema básico que eles apresentam – a razão de sua natureza difusa – é que ninguém tem o direito a corrigir a lesão a um interesse coletivo, ou o prêmio para qualquer indivíduo buscar essa correção é pequeno demais para induzi-lo a tentar uma ação. (…) Um exemplo simples pode mostrar por que essa situação cria especiais barreiras ao acesso. Suponhamos que o governo autorize a construção de uma represa que ameace de maneira séria e irreversível o ambiente natural. Muitas pessoas podem desfrutar da área ameaçada, mas poucas – ou nenhuma – terão qualquer interesse financeiro em jogo. Mesmo essas, além disso, provavelmente não terão interesse suficiente para enfrentar uma demanda judicial complicada. Presumindo-se que esses indivíduos tenham legitimação ativa (o que é freqüentemente um problema), eles estão em posição análoga à do autor de uma pequena causa, para quem a demanda judicial é anti-econômica. Um indivíduo, além disso, poderá receber apenas indenização de seus próprios prejuízos, porém não dos efetivamente causados pelo infrator à comunidade.”
Desse modo, em verdade, existe um processo de tomada de consciência geral, no sentido de que os interesses transindividuais representam anseios profundos da comunidade, considerando que tais interesses pertinem aos mais altos valores humanos (como a qualidade de vida, o bem comum, etc.).
Nesse sentido, mais uma vez, Rodolfo de Camargo Mancuso[9] pondera, citando Caio Tácito, que:
“Uma nova tendência começou a se desenhar, sobretudo, nas duas últimas décadas, no sentido de ampliar o âmbito dos direitos humanos de modo a abranger já não mais apenas os direitos pertinentes a uma ou mais pessoas determinadas, ou até mesmo direitos coletivos de categorias específicas, ligadas por uma relação jurídica básica (como por exemplo, os acionistas de uma sociedade anônima, ou os membros de um condomínio), mas para alcançar os interesses de grupos integrados por uma pluralidade de pessoas indeterminadas, embora vinculadas por um mesmo interesse comum. A vida moderna ressalta a importância de tais direitos que não têm titular certo, mas repercutem decisivamente sobre o bem-estar, ou mesmo a sobrevivência dos indivíduos nos vários segmentos sociais a que pertencem. Aos habitantes de uma determinada região são essenciais as condições do meio ambiente em que se integram (…). A tais valores sociais que são, a um mesmo tempo, peculiares a todo um grupo social e a cada qual de seus membros, consagrou-se o qualitativo de direitos difusos, que passam a merecer a proteção de lei.”
Portanto, o despertar para tais direitos representa o resgate de sua análise ontológica no que concerne à concretização da dignidade da pessoa humana, a partir da inserção de tais direitos na idéia de mínimo vital necessário à vida do homem.
Assim, a efetiva consagração e proteção de tais direitos exige uma evolução conceitual, por parte dos agentes públicos, que apresente uma teleologia que abarque a natureza difusa que permeia os direitos ambientais, em cotejo com a sua absoluta imprescindibilidade na sobrevivência da vida terrena.
Nesse sentido, é emblemática a observação de Lúcia Valle Figueiredo[10], que aponta a opção da sociedade brasileira pela extensão da tutela constitucional de um plano eminentemente individual para o coletivo, a respaldar a opção político-ideológica de fundar um Estado que pudesse abarcar todas as modalidades de conflito.
4. CONCLUSÃO
Os direitos ambientais, a partir da concepção de um direito seminal, que represente a conquista de um meio ambiente sadio, configuram-se em direitos fundamentais da pessoa humana, integrantes de um catálogo de direitos que compõem o mínimo existencial necessário a uma vida digna.
Assim, ao se despertar para a existência de tais direitos, vislumbra-se, a partir de sua análise ontológica, a consagração da dignidade da pessoa humana, em uma acepção muito própria à natureza humana.
Inobstante, a concepção difusa desses direitos faz emergir a constatação de uma crise de legitimidade, visto que tais interesses, apesar de referirem-se a todos, indeterminadamente, não se vinculam a ninguém, não podendo, por certo, ser objeto de tutela jurídica, em uma acepção que concerne à visão estrutural do direito processual, e mesmo, material; que desposamos, em nosso País.
Assim, a efetiva consagração e proteção de tais direitos está adstrita a uma evolução conceitual, essa levando em conta a necessária conjugação da importância que tais direitos representam à viabilidade da vida terrena, em cotejo com uma concepção que perceba a presença desses direitos, considerando a sua natureza difusa, no estabelecimento de instrumentos jurídicos aptos à sua tutela.
Mestrando em Teoria do Direito e do Estado pelo Centro Universitário Eurípedes de Marília (UNIVEM). Pós-graduado, com Especialização em Gestão de Cidades (UNOPEC). Direito Constitucional (UNISUL). Direito Constitucional (FAESO). Direito Civil e Processo Civil (FACULDADE MARECHAL RONDON). Direito Tributário (UNAMA). graduado em Direito (ITE-BAURU. Analista Judiciário Federal – TRF3. Professor de graduação de Direito na Associação Educacional do Vale do Jurumirim (EDUVALE AVARÉ). Membro do Conselho Editorial da Revista de Direito do Instituto Palatino. Membro do Conselho Editorial da Revista Acadêmica de Ciências Jurídicas da Faculdade Eduvale Avaré. – Ethos Jus. Co-autor da obra “Ativismo Judicial – Paradigmas Atuais” (2011) Letras Jurídicas. Co-Organizador da obra “Ensaios Sobre a História e a Teoria do Direito Social” (2012) Letras Jurídicas
Doutorando em Direito pela ITE – Instituição Toledo de Ensino. Mestre em Direito pelo Centro Universitário Eurípedes de Marília – UNIVEM. Pós-graduado em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera-UNIDERP, Pós-graduado em Direito da Tecnologia da Informação pela Universidade Cândido Mendes. Graduado em Direito pela Associação Educacional do Vale do Jurumirim (2009). Atualmente é professor de Direito na graduação das Faculdades Integradas de Ourinhos/SP e na pós-graduação da Projuris-FIO em Ourinhos/SP. Tem vasta experiência com informática, possuindo mais de 30 certificações da Microsoft e diversos títulos, entre eles MCSE, MCSD, MCPD, MCTS, MCSA: Messaging, MCDBA e MCAD. Articulista e colunista de diversas revistas e jornais, sendo diretor e membro do Conselho Editorial da Revista de Direito do Instituto Palatino e membro do Conselho Editorial da Revista Acadêmica de Direito do Projuris
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