Introdução
O Estado tomou para si o dever de zelar pelo bem-estar comum,
obrigando-se, não só pela realização do propósito coletivo, como também pela
guarda deste intuito, às vezes até, indo de encontro a interesse individual
magnânimo: a liberdade.
O
plano social, prevê punição para aqueles que causam
distúrbios à paz social, pois este é ponto fundamental para o bom andamento da
labuta coletiva, de buscar, insaciavelmente, o regozijo. Foi assim que o Estado
criou normas regulamentares do convívio social, dando a cada ser, o direito de
fazer aquilo que a lei não proíba. Impõe, desta forma,
limites à liberdade individual, agindo como guardião do interesse coletivo e do
próprio indivíduo, já que o Direito existe, para dar ao homem garantias,
sendo este a fonte e objetivo daquele, bem como “o fato social, o ponto
de partida na formação da noção do Direito, já que este surge das necessidades
fundamentais das sociedades humanas, que são reguladas por ele como condição
essencial à sua própria sobrevivência”.1 Mas, o modo de sobreviver
imprevisível do ser humano, pela própria natureza deste, nem sempre o faz
conduzir-se dentro dos padrões delimitados pelo Estado, fazendo com que estas
normas sejam aviltadas e a paz social entre em descompasso. Neste
momento, o Estado deve fazer valer seu objetivo de existência.
O
descumprimento da regra de convívio entre seres humanos, provoca o Estado –
guardião da sociedade, que deverá punir o descumpridor,
inibindo outros aviltamentos. O fato praticado em dissonância com o regulamento,
será alvo de uma investigação, onde serão observadas suas causas,
circunstâncias e efeitos, do ponto de vista objetivo e subjetivo. Por
fim, concluída tal investigação, o homem, poderá ser penalizado.
Neste
processo de investigação, serão dadas ao homem, autor
do fato dissonante, todas as garantias de preservação de sua liberdade,
integridade física e moral pelo Estado – guardião do indivíduo, que é,
infinitamente responsável por cada ser social, devendo, mesmo que este Ser,
seja a escória da humanidade, respeitá-lo e zelá-lo, sem, no entanto,
desobrigá-lo da pena que, por ventura, mereça. Implicando isso, em dizer que “a
ordem jurídica em geral, e muito especialmente o Direito Penal, não pode nunca
esquecer, desde sua elaboração normativa até a sua aplicação e execução, que o
homem não pode ser considerado e tratado como coisa – res
– mas permanentemente, visto na sua condição de pessoa, que, ainda, na escala
mais baixa de degradação, o homem conserva, por lhe ser inerente.”2
“Nullum crimen nulla
poena sine praevea lege”
Breve
histórico
Incontestável,
o fato de que o princípio denominado “nullum crimen, nulla poena
sine praevea lege”, ficou mundialmente conhecido, e consagrado
plenamente, com a divulgação das idéias Iluministas, norteadoras da Revolução
Francesa, principalmente quando da promulgação da Declaração Francesa dos
Direitos do Homem e do Cidadão, onde se podia ler: “Ninguém pode ser punido
senão em virtude de uma lei estabelecida e promulgada anteriormente ao delito e
legalmente aplicada”.3
No
entanto, alguns autores atribuem o nascimento do referido princípio, a momentos
anteriores, como por exemplo a Carta Magna inglesa,
imposta pelos nobres ao rei João Sem terra, em 1215.4 Outros já dão
conta de que o postulado haveria tido origem na Carta Magna outorgada por D.
Afonso, rei Leão e Galícia, em 11885.
Outro ponto citado, são os pensadores F. Bacon e
S. Puffeendorf, que escreveram sobre o assunto,6
citados por V. Manzini, que também afirma que o postulado nasceu no Direito
Romano, quando no Digesto estava expresso: “Poena non irrogatur,
nisi quae quaque lege vel
que alio jure specialiter huic
delicto imposita est”, contestado por L. Jimenez de Asua,
que corroborando a opinião de Schottlander, diz que,
apesar da formulação em latim o postulado não tem origem romana.7
É
importante salientar que algumas Constituições americanas, mesmo antes da
Revolução Francesa, dispunham sobre a legalidade das penas, como por exemplo:
Filadélfia (1784), Virgínia (1786), e Maryland (1786).
Porém,
é notório, que Cesare Beccaria,
na sua famosa obra “Dei delitti e delle
pene”, tratou de forma clara e abundante, o assunto relacionado, com o
que, posteriormente, seria conhecido como PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL. Escreveu Beccaria que “Solo las leyes pueden decretar las penas correspondientes a los delitos, y esta autoridad no puede resisdir sino en el legislador.”8 Daí por diante, o pensamento iluminista,
valorizando sobremaneira o homem como ser pleno, modificou o Direito Penal
passando este a ser um sistema de garantia dos direitos fundamentais do homem.
Aspecto
político
O
Princípio da Reserva Legal, tem uma função política, visto que é uma garantia
fundamental da liberdade do ser humano, limitando-o em relação à lei, que
disciplina a possibilidade de agir, e o protege dos transgressores de seus
limites, bem como limita o Estado-Juiz, a decidir sobre as condutas ditas
ilícitas, e às penas a elas impostas.
Tal
princípio nasceu para impedir o absolutismo, protegendo o homem, e dando-lhe um
valor prioritário. Afinal, o indivíduo, é anterior ao Estado, não em termos de
idéia cronológica, mas em termos axiológicos. O Estado existe, pelo homem, para
o homem, encontrando nele seu objetivo. Daí porque, ele deve estar
organizado para preservar e garantir os direitos do ser humano.
Entretanto, neste século, vários Estados
absolutistas (embora não fossem todos), com o intuito de proteger o sistema
social, de seres humanos ideologicamente diferentes, feriram a essência do
Princípio da Anterioridade da Lei9, fazendo do indivíduo, um alvo da
arbitrariedade, pondo-o à mercê da vontade do Estado-Juiz, ou mesmo do
Estado-Administrador, quando era interesse do grupo dominante, manter os
indivíduos “presos” a uma conduta social rígida e vantajosa para aquele
momento, limitando a expressão do pensamento, e no mais das vezes, a própria
liberdade de ir e vir.
Portanto,
o Princípio da Reserva Legal, é usado como face de uma política social, que
representa o momento vivido por uma comunidade. Se desprezado, a título de ser
usado como expressão de segurança do indivíduo, significa expressão de
“segurança” do Poder, numa exegese completamente distorcida da idéia de Beccaria.
Mas,
vencidas as exceções, o Princípio da reserva Legal, impede que o Juiz penal
seja arbitrário, no sentido, de considerar crime qualquer conduta, estando ou
não prevista em lei, ou, se prevista, aplicar qualquer pena, sem uma
delimitação prévia. Daí, não podermos deixar de falar
na TIPICIDADE, elemento essencial do crime, que tem por conceito, a perfeita coadunação do fato descrito na lei como crime, e a conduta
comissiva ou omissiva praticada pelo indivíduo. Aqui é
importante citar as normas gerais de Direito Penal, que não sendo tipos penais
e não estando limitadas pelo postulado da Reserva Legal, devem ser observadas
em conjunto com estes, muitas vezes importando, a conduta humana, em conduta
típica, mas não ilícita, já que a Penalística, prevê
a observação das circunstâncias do fato, facultando ao homem, o direito de, por
exemplo, defende-se, mesmo que para isso, tenha que lesar o direito de outro
homem. Ou seja, a Legislação Penal é constituída de normas
incriminadoras, e não incriminadoras.10
Visão
crítica
Há
quem diga que o Princípio da Reserva Legal, é absoluto, não restando, numa
sociedade democrática, ou mesmo absolutista (quando o preserva), possibilidade
de insegurança em relação ao indivíduo, pois o Estado-Juiz,
estará passível de sofrer sanções, caso venha a desrespeitá-lo. No
entanto, não pensemos que tudo se resolve assim, tão simples. O Estado-Juiz,
não representa a totalidade do Estado, e está, pelo próprio princípio da
Anterioridade da Lei, limitado à Legislação Penal. Daqui, pode decorrer uma
falha no sistema de proteção do indivíduo, senão vejamos: Quem é que elabora as
leis? O Estado-Legislador, por interesses estranhos a vontade do povo,11 não poderia ir de encontro aos direitos
fundamentais do indivíduo?
Por
isso, face a resposta afirmativa na segunda
proposição, o Estado-Administrador, teria que visualizar esta possibilidade, e
buscando incessantemente a idéia de justiça, dar de forma concreta a garantia
do Princípio da Reserva Legal. Assim, porque tal princípio, é
absoluto para o Estado-Juiz, mas relativo para o Estado-Legislador, que pode
através da Lei discriminar os indivíduos iguais, no sentido axiológico, ou
impor penas vexatórias, que feririam a dignidade do homem como ser natural, e
racional que é, pois ”se distingue no cosmos, e embora integrando a natureza
lhe é superior, pelo fato de ser pensante, isto é, ‘centro de pensamientos, de estimación y de libre albedri’. … A pessoa
humana é ontologicamente, convivente. Ela vive com as coisas e com os outros
homens. Mas enquanto integrada na natureza, e enquanto convivente no quadro
social, não deixa de ser um fim em si mesma, um autofim.
Porém, posta ante os outros seres, isto é, enquanto convive, na natureza, com
os outros seres humanos, se conscientiza de sua superioridade relativamente aos
seres naturais, mas reconhece a sua igualdade essencial com relação aos outros
homens. Porém, o fato de conviver com o ‘outro’, e pela circunstância de
reconhecê-lo como pessoa, não implica que abdique da sua condição essencial de
pessoa. Vive em sociedade, mas é titular de uma liberdade e autonomia dentro do
contexto social em que está integrada. E esta condição é prioritária
relativamente a toda a ordem social, e, portanto, a toda ordem jurídica.”12
Sendo
daí, importante devolver ao Estado-Juiz, a proteção das garantias individuais
fundamentais do ser humano, pondo-as a nível constitucional, pois a Legislação
que as ofendesse, estaria em dissonância com a Carta Magna, e poderia o
Estado-Juiz, julgá-las inválidas. Claro que o Poder Constituinte, deveria
ser extremamente honesto e comprometido com os anseios da sociedade,
respeitando as bases e sustentáculos da liberdade individual, pondo o homem,
axiologicamente, no seu lugar de destaque, Mas isto estaria resolvido,
com um sistema democrático de eleição dos representantes do povo, pois numa
sociedade consciente, seriam eleitos representantes com aquele comprometimento.
Neste particular a Constituição Federal brasileira, promulgada em outubro de
1988, merece inúmeros elogios, pois em seu artigo 5º conseguiu reunir a maioria
dos interesses individuais de liberdade, e garantias fundamentais do ser
humano. Podem ser citadas como exemplo, aquelas relacionadas com a determinação
das penas, onde ao condenado, é garantida a exclusão de penas cruéis, de
caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento, e de morte (artigo 5º,
XLVII). Além disso, garante de forma genérica, o tratamento digno, quando prevê
no inciso III do mesmo artigo que “ninguém será submetido a
tortura nem a tratamento desumano ou degradante”.
“Due process of
law”
Breve
histórico
Sempre
existiram e existirão conflitos de interesses. Óbvio, pois o ser humano é
insatisfeito por natureza, e como já foi dito em linhas anteriores, ele
convive, mas não abandona sua condição fundamental de pessoa, mantendo a
igualdade essencial, em relação aos outros homens,13
sempre havendo daí a necessidade de serem resolvidos tais conflitos.
Nos
primórdios a força bruta era uma das formas de composição dos litígios, quando
o interesse do mais forte fisicamente, prevalecia em detrimento do interesse do
mais fraco, sendo que este poderia ser injustiçado, caso lhe houvesse razão no que
ali era disputado: chama-se autodefesa. Outra forma de composição dos litígios,
naqueles mesmos tempos, era a autocomposição, quando
os interessados transacionavam em torno do “bem”, evitando o conflito físico,
sendo desta forma uma solução mais civilizada, embora não servisse à
generalidade dos conflitos, pois muitas vezes, as partes não aceitavam a
composição.
Com
a evolução do Estado, este tomou para si, a resolução dos conflitos de natureza
criminal de forma absoluta e relativa os de natureza civil, pois estes dependem
do desejo das partes, em levar-lhe o conhecimento. Por isso, ainda hoje, em
determinados casos, são permitidos os meios de solução privadas, citando-se
como exemplos, o desforço pessoal e a composição
amigável em interesses patrimoniais. Não há, entretanto, meio de solução
privada, para os conflitos de natureza criminal, mesmo que decorrentes
dos casos previstos em lei, para solução exclusivamente de interesse das
partes. Ou seja, no uso do desforço pessoal, o
proprietário não poderá exceder na sua defesa, assim como nos conflitos de
interesse patrimonial, caso uma das partes não transacione, a outra não poderá
impor seu desejo.
A
primeira notícia de um meio de solução de conflitos de interesse, organizado
pelo Estado, é datado de 1825
a.C.,
quando as leis de ESHNUNNA estatuíam a competência dos juizes , denominados dajjãnum para o julgamento de “uma causa de um terço de
mina, até uma mina de prata”, além de textualmente atribuir competência ao rei,
para os crimes de homicídios. O Código de HAMURABI, dispôs
sobre a “denunciação caluniosa” e o “falso testemunho”, determinando também a
impossibilidade do juiz modificar a sentença proferida. O Povo Eleito de Jeová,
através dos versículos do PENTATEUCO, tiveram várias referências processuais,
podendo citar-se a previsão de que, uma só testemunha não era capaz, com seu
depoimento, de determinar o julgamento de qualquer pessoa, seja que pecado
tivesse praticado. O Código de MANU, igualmente traz preceitos de natureza
processual, dispondo inclusive, sobre quem poderia ser testemunha. Na HÉLADE, existia noções de organização judiciária, inclusive com
atribuições de competência, e os crimes eram julgados pela polis, podendo
qualquer cidadão propor uma ação pública. Não poderia esquecer o DIGESTO, onde
Celso escreveria: actio autem
nihil aliud est quam ius
persequendi iudicio quod sib debeatur
– “a ação não é outra coisa senão o direito de perseguir em Juízo o que nos é
devido”. Além dessa definição de ação, este foi o escrito mais rico em
detalhes e normas processuais que primavam, no início, pelo rigor formal,
importando na perca do direito, por um simples erro no modo de expressar-se. O
processo romano evoluiu, tendo o procedimento se tornado mais maleável ao rigor
formal, e permitido a revisão das decisões por uma instância superior4.
Na
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 26 de agosto de 1789,
tornou-se mundialmente conhecida a idéia do processo como forma de defesa das
garantias fundamentais do ser humano, pois no artigo 7º, primeira parte estava prescrito: “Ninguém pode ser acusado, preso ou detido senão
nos casos determinados pela lei e de acordo com as formas por esta prescritas”.15
Sem podermos esquecer as constituições americanas que antes já dispunham sobre
o assunto.
Daí
por diante, o processo teve inúmeras modificações, chegando aos dias de hoje,
como forma de garantia fundamental dos direitos individuais.
“Due process of
law” e suas consequências
Como
já foi dito, a prática de uma conduta coadunada como tipos penais, provoca o Estado, que deverá tomar todas as medidas
necessárias para investigar o fato e suas circunstâncias, devendo sempre
preservar os direitos individuais fundamentais.
Neste
quadro se insere o postulado de natureza processual, denominado:
Princípio do Devido Processo Legal. Para entendê-lo, deve-se, antes de tudo,
partir do conceito de processo que é: o meio pelo qual, o Estado-Juiz pesquisa
o fato e suas circunstâncias objetivas e subjetivas, interpretando-o, para ao
fim, determinar a aplicação da justiça, impondo às partes deveres e direitos
durante a investigação, além da vinculação à decisão. Assim sendo, o dogma do
devido processo legal, determina que o Estado-Juiz, use um meio previsto em lei16,
para o conhecimento do fato, inibindo, qualquer tipo de aplicação de
medida arbitrária ou em descompasso com os mandos legais.
Este
importante princípio traz várias conseqüências benéficas, para a proteção dos
direitos fundamentais do ser humano, pois estará a ele, assegurada “a defesa em
juízo, ou ‘em não ser privado de vida, liberdade ou propriedade, sem a garantia
que pressupõe a tramitação de um processo, segundo a forma estabelecida em lei”.17
Corolário
do Princípio do Devido Processo Legal, é a Presunção do Estado de Inocência,
inclusive preceituado a nível constitucional, onde está posto: “Ninguém será
considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.”,
garantindo ao réu sem antecedentes criminais, e não preso em flagrante, o
direito de acompanhar, em liberdade, o procedimento judicial de investigação de
fato criminoso. O pensamento jurídico-liberal, que se espalhou pelo mundo após
a Revolução Francesa, trouxe no seu bojo, este postulado, que se enraizou no
contexto do Princípio do Devido Processo Legal, sendo-lhe decorrente de forma
direta e inconteste, aproximando-se do óbvio. Se para existir uma decisão
definitiva, deve haver um procedimento dentro dos moldes legais, e só depois
deste, caso fique provado, o suspeito será considerado culpado, esta culpa
decorreu da investigação. Em contrapartida, a Presunção do Estado de Inocência
decorre do processo judicial, já que, enquanto este se desenrola, o suposto
autor do fato típico, é apenas um suspeito.
É
importante salientar, que não se deve levar à máxima, a interpretação do dispositivo,
pois poderia acontecer de serem passíveis de Ações Declaratórias de
Inconstitucionalidade, as Medidas Cautelares e Investigatórias em desfavor de
um indiciado, além de ocorrer a proibição de
suspeitar-se da culpabilidade de certa pessoa, pois o Poder Público tem por
obrigação investigar o fato, para desvendar o ocorrido, identificar, localizar,
e formalizar a acusação contra o suspeito, não sendo possível, a este mesmo
suspeito, através da presunção do estado de inocência, postular o
impedimento do Estado, face o mesmo não poder desconfiar de sua
inculpabilidade.18
Ligado
de forma íntima à presunção de inocência, quase com ela se confundindo, está, o
não menos famoso, princípio do “in dubio pro reo” , tendo significado, na
constatação de que, após o devido processo legal, é a prova colhida na
instrução criminal, insuficiente para a formação plena da culpabilidade do
acusado. Pelo que, deve este ser declarado inocente, através de uma sentença
absolutória, não bastando o arquivamento do feito, visto que é direito
fundamental do indivíduo, o estado de inocência, ou seja, o Estado tem o dever
de fazer cessar qualquer dúvida, que paire sobre o indivíduo, em relação ao
fato investigado.
Também
expresso no texto constitucional, está a vedação à coleta de provas ilícitas, o
que se relaciona com o princípio do “in dubio pro reo”, e por conseguinte com o
postulado do Devido Processo Legal, que em suma se traduz na impossibilidade de
serem formuladas provas de culpabilidade conseguidas por meios criminosos, ou que
tenham sido forjadas, com o objetivo de incriminar o
suspeito. Outra decorrência, é a delimitação de prazos rezoáveis, para a realização de atos processuais,
importando na garantia de que o réu não será infinitamente investigado pelo
Poder Público, e se estiver preso, deverá ser imediatamente libertado, caso os
prazos não sejam respeitados, pela acusação ou pelo Juiz.
A
mais, tem o réu, o direito de “livrar-se solto”, caso tenha antecedentes a ele
favoráveis, além de residência certa e trabalho conhecido, tudo no sentido de
preservar a liberdade do ser humano.
O
Processo Legal, dá ao cidadão, o direito de responder as acusações que lhe são
feitas, tendo esta característica, sido denominada de Princípio da Ampla Defesa
e do Contraditório, elevado ao nível de garantia constitucional. O primeiro, se
traduz, no direito que tem o acusado de trazer todos os elementos que lhe
possibilitem mostrar e esclarecer a verdade dos fatos, possibilitando, de forma
irrestrita, o seu acesso ao Juízo Penal, obrigando o Estado a promover a defesa
do suspeito, se este não a tiver, dando-lhe defensor dativo. Com base neste
princípio, pode, o Juiz, inclusive, desconstituir o
defensor, quando este mostrar deficiência técnica na defesa do réu. Por via de
conseqüência, surge o Contraditório, que significa a exteriorização da Ampla
Defesa, possibilitando ao suspeito, oferecer, a todo ato de prova produzido
pela acusação, versão que lhe convier, ou ainda dar interpretação jurídica à
Lei, como achar conveniente. Aqui, é importante salientar que, no Inquérito
Policial, por suas características, não há previsão do Princípio da Ampla
Defesa, e muito menos do Contraditório. No entanto, o direito a essas garantias
constitucionais, não são atingidas de formas liminar e definitiva. Neste momento,
surge outra garantia a nível constitucional: o “habeas corpus”, que pode ser usado, para trancar o
Inquérito Policial manifestamente19 arbitrário, além de outras
ofensas a direitos do indivíduo.
Ainda
como decorrência do Princípio do Devido Processo Legal, surge a obrigatoriedade da fundamentação das sentenças, visto que
tais dispositivos, de um lado importam na privação de direitos do cidadão, e de
outro na confirmação de sua inocência. Antes, é conveniente dizer, que o
prolator da sentença, deve ser pessoa certa, e competente para julgar o caso.
Aqui, observa-se a garantia a nível constitucional, do JUIZ NATURAL, que
importa na obrigação do Estado em assegurar ao indivíduo, um Órgão Judicante
permanente, como membros descomprometidos e livres, dando-lhes garantias de vencimentos, condições de trabalho, certeza de inamovibilidade arbitrária, e de continuidade no cargo,
salvo por cometimento de ato incompatível com a função. É decorrente ainda, a
impossibilidade de Juízos ou Tribunais temporários, objetivando julgar casos
isolados, ou para fins específicos, que tenham por característica o desrespeito
das garantias individuais do ser humano.
Assim,
uma sentença, além da fundamentação, um dos seus elementos, deve ser prolatada
por uma autoridade competente, já que este ato judicante importa, muitas vezes,
na repressão à liberdade individual e não poderia o cidadão, ficar sujeito a
decisões de órgãos, ditos judicantes, criados com o fim de reprimir seus
direitos conquistados ao longo dos anos.
Toda
e qualquer medida que tenha por objetivo privar o ser humano de sua liberdade20,
deve ser determinada após a ordem fundamentada da autoridade competente, salvo
nos casos de flagrante delito, quando o suspeito21 é preso no
momento da prática delituosa, ou logo a seguir ao seu cometimento, visto que
para este tolhimento a autoridade está arrimada nos preceitos legais,
dispensando ordem judicial; importando em irregularidade e crime de abuso de
autoridade22, o descumprimento desta regra, sendo sanável pelo
remédio do “Habeas Corpus”.
Conclusão
Não haveria outra forma de concluir o presente, e modesto estudo, senão,
de ovacionar a sociedade moderna, que impõe as várias formas de garantias
fundamentais que tem o indivíduo, de maneira a apresentá-lo como o essência desta sociedade. Sem ponto de contestação,
o ser humano alcançou, até agora, o mais evoluído sentido axiológico, sendo,
dentro do contexto, a pedra fundamental de existência do Estado, impondo a este
o dever de preservá-lo, indo de encontro à própria liberdade individual, de
forma ordenada e prudente, respeitando os direitos e garantias
conquistados e declarados durante longos anos de lutas sociais.
Os
estados absolutistas estão desaparecendo, a pretexto de serem fracos
economicamente, mas, o que na realidade acontece, é que o Mundo hodierno, não
mais aceita a repressão aos direitos fundamentais, traduzidos na liberdade de
ir e vir, de expressar-se, de pensar, de opinar, de comandar seu destino,
de escolher um padrão de vida, etc.
Nos
vários segmentos do Direito isto está evidente, mas no Direito Penal e
Processual Penal, este clamor por respeito à liberdade, à vera se traduziu em realidade, tendo inclusive
ascensão ao patamar de instituições legais, muitas vezes elevadas ao nível
constitucional, fazendo com que o ser humano, fique certo de que sempre poderá
caminhar sem medo de ser vitimado por uma arbitrariedade, um abuso de
autoridade, inclusive porque, esta autoridade, existe para dar a ele,
segurança, não podendo, sequer, considerá-lo suspeito sem o mínimo de
responsabilidade. É a teoria!
BIBLIOGRAFIA
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DE PROCESSO PENAL INTERPRETADO” – Julio Fabbrini Mirabete – Editoras Atlas – 2ª Edição –
1995.
“FILOSOFIA DO DIREITO” – Luiz Luisi – S. A.
Francis Editor – Fac. Santo Ângelo – 1990.
Notas:
1. Direito Penal – Damásio E. de Jesus – Ed. Saraiva,
pág. 3. 18ª edição.
2.
Luiz Luisi (in Filosofia do direito – S.A.Francis
Editor – Fac. de Santo
Ângelo – pág. 152.
3.
Fonte Direito penal – Damásio E. de Jesus – Ed. Saraiva – pág. 52 – 18ª edição.
4.
Para Nelson Hungria, por exemplo (in Comentários ao
Código Penal, vol. I, tomo I, 5ª ed., pág. 24), o princípio da legalidade está
presente na cláusula 39 da magna Carta inglesa, ao dispor que: nenhum homem
pode ser preso ou privado de sua propriedade a não ser pelo julgamento de seus
pares, ou pela lei da terra (nullus liber expiatur vel imprisoned, nisi per legale judicium purim suorim vel per legem terrae). L. Jimenez de Asua, citando Radin (in Tratado
de derecho penal, tomo II, pág. 396).
5.
J. Frederico Marques (in Curso de Direito Penal, vol. I, p.
131).
6.
Tratatto di diritto penale italiano, vol. I
UTET, 1950, p. 55.
7. L.
Jimenez ob. cit.
tomo II, pág. 383.
8.
Luiz Luisi (in Filosofia do Direito S. A.
Francis Editor Fac. Santo Ângelo – pág. 147) citando
V. Manzini.
9. A
legislação Soviética, após a revolução bolchevista, consagrando a analogia no
campo das normas penais incriminadoras. – Na Alemanha Nazista aconteceu o
mesmo. – Luiz Luisi, ob. cit. pág.
146.
10.
Classificação dada por Julio Fabbrini Mirabete – Manual de Direito Penal – atlas – 8ª edição.
11.
O que não se torna difícil, já que o modelo de sociedade ideal, ainda não
existe de fato, mas tão somente teorizado.
12.
Luiz Luisi, ob. cit. pág.
152.
13.
Luiz Luisi ob. cit. pág.
152.
14.
Luis Ivani de Amorim Araújo in do julgamento e da pena nos sistemas jurídicos
da antiguidade – BVZ – pág. 13/24.
15.
Julio Fabbrini Mirabete –
Código de Processo Penal Interpetrado – atlas pág. 26.
16.
Lei no sentido restrito, não podendo qualquer norma prescrever sobre o assunto,
somente aquelas que passam pelo rigoroso processo legislativo.
17.
Fernando da Costa Tourino Filho – Processo Penal –
Ed. Saraiva – pág. 60, citando Redenti (in diritto processuale civile, v.1, p. 31).
18.
Celso Ribeiro Bastos – Comentários à Constituição do Brasil – 2º vol. ed. Saraiva – pág. 278, comentando Canotilho.
19.
O que sempre acontece, quando a autoridade policial ou qualquer pessoa, por interesses
escusos, tenciona prejudicar certa pessoa, dando ensejo a
instauração a Inquérito Policial, impondo àquela, o constrangimento de ser
suspeito de fato criminoso. Ou ainda quando a Lei é interpretada de forma
contraditória ao espírito do legislador, indo de encontro ao sentido
prioritário, o que acontece, quando o suspeito, de fato praticou uma conduta,
mas não há coadunação com qualquer tipo penal.
20.
Prisão Provisória (Prisão Temporária, Preventiva ou decorrente de Sentença de
Pronúncia) ou Prisão Definitiva (após o Trânsito em Julgado).
21.
Sim, ainda suspeito, pois embora tenha sido surpreendido praticando uma conduta
delituosa, ainda não foi submetido à investigação judicial, ou seja: o devido
processo legal, assim, a impressão da verdade poderá confirmar-se, ou não,
visto que as circunstâncias só serão averiguadas na
instrução criminal, sendo dado ao suspeito a oportunidade de defesa e
contraposição às provas contra ele colhidas.
22. Lei n.º 4.898/65 –
artigo 3º. Constitui abuso de autoridade qualquer atentado: a. à liberdade de
locomoção. – artigo 4º. Constitui também abuso de autoridade: a. ordenar ou
executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais
ou com abuso de poder.
Promotor de Justiça no Ceará
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