Difícil para quem é excluído e
discriminado pelo só fato de ser diferente é constatar que o preconceito leva à
exclusão não só familiar, social, legal, mas à pior de todas elas: a exclusão
perpetrada pela Justiça.
Nos julgamentos que envolviam relações
de pessoas do mesmo sexo, no dilema entre praticar uma injustiça e afrontar tabus e preconceitos, de forma tímida era no máximo
reconhecido o direito à divisão proporcional do patrimônio, mediante a prova da
efetiva participação de cada um na sua formação. Assim, vinha o Judiciário, de
forma cômoda, buscando subterfúgios no campo do Direito das Obrigações,
identificando como uma sociedade de fato o que nada mais é do que uma
sociedade de afeto. A inserção de tais relacionamentos na órbita do
direito obrigacional, acabava impedindo a concessão de todo e qualquer
direito outro, que defluem das relações familiares, tais como direito à meação,
à herança, ao usufruto, à habitação, a alimentos, a benefícios previdenciários.
A decisão pioneira
que, sem hipocrisia, logrou visualizar em tais vínculos uma verdadeira entidade
familiar, aplicando em face da omissão legal, analogicamente, a legislação do
Direito de Família, em muito contribuirá para amenizar a aversão da sociedade e
flagrar o descaso do Estado em regulamentar tais relações, as quais
merecem ter no Brasil, como na maioria dos países do mundo, uma regulamentação
própria.
Aliás, não poderia deixar de ser da
justiça gaúcha mais este passo, pois foi daqui a primeira decisão que, também
de forma inédita, definiu a competência das Varas de Família para o julgamento
das ações decorrentes das relações homossexuais. Também é do nosso Estado, da
órbita da Justiça Federal, a concessão de benefícios previdenciários aos
parceiros do mesmo sexo, decisão que se tornou norma geral em âmbito nacional.
Agora a Justiça, reconhecendo o direito
do parceiro à meação, retirou a venda dos olhos
e viu essas relações como vínculos afetivos a serem inseridos e tratados no
âmbito do Direito de Família. Buscando subsídios na legislação que rege a união
estável, que presume a mútua colaboração para gerar um estado condominial,
determinou a divisão igualitária do acervo patrimonial amealhado durante o
período de convivência.
Certamente era chegada a hora de abandonar o medo de ver a realidade. A
inédita decisão resgata o conceito de que a Justiça tem a consciência de sua
missão de garantir o respeito à liberdade e a igualdade, princípios fundantes do estado democrático de direito, em
que todos merecem viver, inclusive os que mantém
relações nominadas de homossexuais, mas que ao certo merecem se chamar de
uniões homoafetivas.
Advogada, Ex-Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM
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