É ilegal o cadastro do nome na SERASA ou no SPC sem prévio protesto do título

É sabido
e consabido que basta o atraso no cumprimento das
obrigações, simples mora mesmo, para que seja indiscriminadamente
deflagrada uma séria de restrições negativas em nome do consumidor, entre as
quais pode-se citar as inscrições restritivas perante o SPC e a SERASA.
Contudo, há um requisito legal prévio que jamais foi respeitado. Vejamo-lo.

Para Silvânio
Costa “a anotação de dívidas vencidas e não pagas em entidades de proteção ao
crédito não depende de prévio protesto dos respectivos títulos ou documentos. O
protesto e o registro nos bancos de dados são providências complementares, mas
não essenciais para a configuração da mora.” Complementa: “O protesto notarial
surge como providencia dotada de presunção de publicidade erga omnes. O registro nos serviço de
proteção ao crédito contribui, por sua vez, para a efetividade dessa
publicidade desejada pelo legislador, permitindo aos agentes econômicos o real
conhecimento daquele fato.” (Tribuna do Direito, São Paulo, out./2001, p. 22).

Contudo, sempre com a
reiterada licença, ousamos divergir dessa douta opinião, pois estamos com o
posicionamento do eminente Juiz Carlos Alberto Etcheverry,
para quem, com a modificação da Lei n. 9,492/97, havida por força do Estatuto
da Microeempresa, “a conseqüência dessa alteração
legal não comporta dúvida: nenhuma, absolutamente nenhuma
informação restritiva de crédito pode ser divulgada por entidades vinculadas à
proteção do crédito se não estiver baseada em título ou documento de dívida
líquida protestada por falta de pagamento. Toda e qualquer infração a essa
determinação legal, portanto, configura-se como ato ilícito, podendo o
prejudicado demandar o responsável pelo banco de dados para ver cancelado o
registro e indenizados os eventuais danos dele resultantes.” (Tribuna do
Direito, São Paulo, set./2003, p. 22)

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Deveras,
é texto expresso do artigo 29 da Lei n. 9.492, de 1997 (que regulamenta os
serviços concernentes ao protesto), que as certidões, em forma de relação, só
podem ser fornecidas para as entidades representativas do comércio, da
indústria e das instituições financeiras, constando o nome da pessoa indicada
no pedido, com a nota de se tratar de informação reservada, para uso
institucional exclusivo do solicitante, da qual não se poderá dar divulgação. O § 2º deste mesmo dispositivo, de sua
vez, complementa: “dos cadastros ou bancos de dados, das entidades referidas no
caput (leia-se: entidades representativas da indústria e do comércio ou àquelas
vinculadas à proteção do crédito), somente serão prestadas informações, mesmo
sigilosas, restritiva de crédito oriundas de títulos ou
documentos de dívidas regularmente protestadas, cujos registros não
foram cancelados” (com meus destaques).

Há dúvidas? Exige-se
muito esforço de raciocínio ou aplicação de métodos e fórmulas de hermenêutica
para se entender o comando legal? Cremos que não. A lei é clara: somente após o
protesto formal é que poderá haver a negativação do
nome da pessoa (9.492/97, art. 29, § 2º). E não é toda
e qualquer dívida que pode ser levada a protesto, pois exige-se
no mínimo um instrumento contratual firmado também pelo devedor, que espelhe
nítida obrigação. Apenas após a formalização da mora, ou do inadimplemento, em
órgão oficial de concretização e certificação desse evento jurídico, pode-se
cogitar a inscrição do consumidor (ou de qualquer pessoa) nos cadastros e
bancos de dados de inadimplentes.

Em se
tratando de consumidor, fica mais evidente a objeção à imediata restrição do
crédito. Ora, a Lei é Defesa e Proteção do Consumidor, devendo ser, até teleologicamente,
interpretada em seu benefício. Não pode beneficiar o credor inerte, que sequer
pretendeu se valer de um meio processual mais eficaz e célere e, em seu lugar,
foi imediatamente catalogar o nome do consumidor em órgãos restritivos de
crédito, fazendo disso um instrumento de coação.

Afora
isso, deve-se considerar a essência invasiva e
desabonadora do organismo creditício; o efeito
avassalador, graças aos meios rápidos de atualmente se obter informação; a
unilateralidade da inscrição; a garantia coletiva da inscrição, que por isso
mesmo não visa a garantir-se mais um instrumento de cobrança. Como já
obtemperou alhures Antônio Herman de Benjamin e
Vasconcelos, embora tratando de caso outro, “não se pode punir o consumidor
pela omissão, descaso ou inércia do credor na arrecadação do seu débito, sem
falar na transformação dos bancos de dados em instrumentos de cobrança de
dívidas não pagas.”

Daí porque, ainda que em débito a
pessoa, física ou jurídica, a negativação do seu nome
dependerá de protesto prévio do título ou documento, abrindo-se-lhe
oportunidade para se manifestar, e, depois disso, se
consumado o protesto, poder-se-á conceder certidão, a
entidades representativas do comércio, da indústria e das instituições
financeiras, constando o nome da pessoa indicada no pedido, com a nota de se
tratar de informação reservada, para uso institucional exclusivo do
solicitante, da qual não se poderá dar
divulgação.

Ainda que não se trate
de relação de consumo, não podemos olvidar que o Código Civil de 2002 adotou a
teoria objetiva do abuso de direito no artigo 187. Os direitos subjetivos não
podem ser exercidos como melhor aprouver ao seu titular. Há limites, que podem
até cercear o exercício deles no resguardo do particular ofendido, da sociedade
violada pelo desequilíbrio de obrigações, e para impedir, tanto quanto
possível, a insensibilidade humana para com os problemas de seus pares. A
teoria do abuso de direito é corretivo eficaz, que atua, como freio,
indispensável ao exercício da ação perniciosa de várias pessoas, física ou
jurídica, ainda que só limitando o exercício de alguns
direitos, embora reconhecidas por lei, mas que, na forma de atuar, demonstram
marcantes conflitos com os princípios de justiça que devem ser albergados pela
própria coletividade (recomenda-se, a
propósito, a leitura do v. Aresto inserto em RT 746/107).

O abuso de direito
constitui ato ilícito e, via oblíqua, gera a responsabilidade civil. E, embora
sua configuração dependa de análise judicial, certo é que prescindirá totalmente
do elemento subjetivo da conduta, ao menos para a teoria adotada no sistema
brasileiro (NCC, art. 187) que dispensa a culpa ou o dolo.

Aqui, no nosso sentir,
bem se amolda a atividade do credor em catalogar o
nome do devedor no rol dos inadimplentes, sendo que ao exercício do seu direito
creditório corresponde a ação de cobrança, execução ou monitória. De outra
banda, os estabelecimentos bancários, e os empresários em geral, usam a negativação do nome como forte instrumento de pressão,
causando, no mais das vezes, prejuízos irreparáveis ao devedor, que tem o
crédito cortado, vendo-se, outrossim, impossibilitado de retirar talões de
cheques e a praticar atos negociais de toda gama, inclusive participar de
licitações – como acontece com muitas empresa. O real
objetivo do credor, lembrou-o bem o Juiz paulista
Franklin Nogueira, é exercer pressão sobre o devedor, justificando a
intervenção do Judiciário para impedir tal procedimento (Bol. AASP 2298, de 20 a 26.1.2003, p. 2516-7).

Ora, sabidamente, “os
serviços de proteção ao crédito, da forma como estão implementados na sociedade
brasileira, provocam graves violações aos direitos fundamentais e contradizem aos garantias individuais asseguradas constitucionalmente
aos cidadãos que nele estiverem incluídos, porque, inevitavelmente, da
atividade decorrem: a abertura de um procedimento de cobrança que condiciona a
interdição do acesso ao crédito ao resultado; a privação da liberdade
individual de contratar e de negociar senão satisfeito o procedimento de
cobrança, e por último, a humilhação, a desonra provocada pela perda da
confiança pública no cumprimento das obrigações. O impedimento de acesso ao
crédito pelo não pagamento da prestação apontada nos serviços de proteção ao
crédito, equipara-se a uma sanção, legitimada somente se aplicada pelo Poder
Judiciário, o que significa deduzir que, assim imposta, é equiparável àquelas
deduzidas pelos juízos de exceção, expressamente expugnados pelo texto
constitucional.” (Carlos A. Ramos Covizzi. Prática
abusivas da SERASA e do SPC
, p. 29.)

Atualmente,
o crédito faz parte dos direitos assegurados pela Norma Ápice. Não há mais como
se negar tal realidade. Integra ele o rol dos direitos
intangíveis relacionados com a personalidade e a dignidade humana. Por isso, há
nítida lesão ao patrimônio ideal quando se interdita o acesso ao crédito. E tal
descrédito provoca grave ofensa à honra, por lhe ceifar a liberdade individual
de contratar, também assegurada constitucionalmente.

Por isso
mesmo que, além de tudo, a negativação do nome tem de
ser previamente comunicada. Afora isso, não pode perdurar por mais de cinco
anos, ou após a prescrição do direito à cobrança do crédito. E, enfim, só pode
haver negativação do nome da pessoa em órgãos
restritivos de crédito depois do protesto formal do título ou do documento.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Alex Sandro Ribeiro

 

Advogado, Escritor e Consultor.
Pós-Graduado em Direito Civil pelo uniFMU.
Membro do IV Tribunal de Ética da OAB/SP.
Autor dos livros Ofensa à Honra da Pessoa Jurídica e
Arrematação e Adjudicação de Imóvel: Efeitos Materiais.
Autor de dezenas de artigos e trabalhos publicados.
Consultor especializado em ME e EPP.

 


 

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Equipe Âmbito Jurídico

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