É preciso dar importância aos tratados internacionais, mormente os de natureza econômica


Sumário: 1. Atos jurídicos internacionais – 2. Atos emanados de organizações internacionais – 3. Atos unilaterais – 4. Tratados internacionais


1. Atos jurídicos internacionais


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Segundo a opinião de muitos mestres, o direito é o conjunto de normas que regem o comportamento do ser humano na sociedade em que vive. O comportamento, por sua vez, é o conjunto de atos praticados por uma pessoa física ou jurídica, que possa atingir outras pessoas. O termo liga-se etimologicamente a ação, agente, agir, acionar, dando ideia de uma atividade. Um ato se caracteriza por ser a manifestação da vontade de uma pessoa; deverá, portanto, ter um agente, um autor. Por isso, um ato é praticado: ainda que não corresponda à vontade do agente, seja um ato involuntário, sempre será praticado, sempre terá um agente. Não se confunde o ato com o fato; este último não tem agente, não é praticado por decisão de uma pessoa, não conta com a vontade de alguém.


O objeto de nosso estudo é o ato jurídico internacional, como um gênero (ato) e dois atributos (jurídico e internacional). Pressupõe-se, portanto, que haja um ato jurídico internacional e outro nacional. O direito pátrio tinha a mesma posição quando se regia pelo Código Civil de 19l6, mas o novo Código adotou outra terminologia. No plano internacional, contudo, deveremos nos ater ao sistema adotado antigamente, expresso no artigo 81 do código revogado, que dava uma definição de ato jurídico, nesses termos:


“Todo ato lícito, que tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos, se denomina ato jurídico.”


O artigo 82 do antigo código complementa o sentido do ato jurídico, apontando-lhe as condições que devem garantir sua eficácia:


“A validade do ato jurídico requer agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei.”


Nosso código atual adota outra orientação: não traz a definição de atos jurídicos, o que nos parece acertado, pois definir não é função da lei, mas da doutrina. Mudou ainda a terminologia, dividindo os atos em: atos jurídicos lícitos, atos ilícitos e negócios jurídicos.


Dogmaticamente, porém, não introduziu modificações sensíveis que possam afetar os atos internacionais: considera o ato jurídico como fruto da atividade humana, que produza efeitos de direito, ou seja, afete os direitos e obrigações de uma ou mais pessoas. Esse ato, entretanto, deve ser praticado por uma pessoa com capacidade jurídica para praticá-lo. Assim, um menor de idade, uma empresa irregular, uma pessoa que não tenha poderes especiais para agir em nome de uma sociedade.


Outro aspecto subjetivo do ato é que ele tenha uma manifestação volitiva, ou seja, demonstre o exercício da vontade. Ainda outra característica do ato jurídico é a de que ele seja praticado por agente capaz, tenha objeto lícito e forma prescrita em lei. Nesses aspectos, pode-se chegar a uma distinção entre o ato jurídico nacional e internacional. O ato jurídico internacional é sempre formal, o que não acontece com o nacional; além disso, o ato jurídico internacional só pode ser praticado por uma pessoa jurídica de direito internacional. Também nesta questão nosso Código Civil oferece alguns subsídios no artigo 42:


“São pessoas jurídicas de direito público externo os Estados estrangeiros e todas as pessoas que forem regidas pelo direito internacional.”


A primeira distinção que se faz de um ato jurídico internacional é que seu agente seja obrigatoriamente uma Pessoa Jurídica de Direito Público Externo. Destarte, o agente do ato jurídico internacional é um Estado independente, um país, como o Brasil. O representante legal do Brasil é o chefe do Poder Executivo ou alguém a quem ele outorgue poderes para tanto. Os atos internacionais são praticados pelo Brasil, embora sejam por seu representante legal, o Presidente da República, pelos poderes que lhe foram outorgados pela Constituição Federal, conforme se vê no artigo 84:


“Compete privativamente ao Presidente da República: (…)


VII – manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos;


VIII- celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos ao referendo do Congresso Nacional;


IX – decretar o estado de defesa e o estado de sítio; (…)


XIX- declarar guerra, no caso de agressão estrangeira, autorizado pelo Congresso Nacional ou referendado por ele, quando ocorrida no intervalo das sessões legislativas, e nas mesmas condições, decretar, total ou parcialmente, a mobilização nacional;


XX – celebrar a paz, autorizado ou não com o referendo do Congresso Nacional; (…)


XXII- permitir, nos casos previstos em lei complementar, que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente.”


Contudo, principal característica do ato jurídico internacional é a sua vinculação a duas ou mais legislações. Ao ser interpretado, a ele devem ser aplicados princípios e normas peculiares a dois ou mais sistemas jurídicos. Reflexo dessa subordinação ao direito de vários países são os efeitos que um ato jurídico praticado por um país provoque em outros países.


Tome-se, por exemplo, o acontecimento das Ilhas Malvinas. A Argentina invadiu aquelas ilhas, aprisionando seus habitantes: esse ato provocou efeitos na Inglaterra, que se sentiu agredida. A Inglaterra lavrou um “protesto” contra aquele ato; esse protesto produziu efeitos na Argentina, que daí por diante, poderia esperar a reação inglesa. Alguns países “notificaram” a Argentina de que não aprovaram aqueles atos. São todos atos jurídicos internacionais, por possuírem características desse tipo, ou seja:


– foram praticados por Estados independentes;


– os atos praticados por um país produziram efeitos em outros;


– os atos ficam submetidos à lei de vários países;


– são manifestação de vontade dos países agentes;


– esses atos são regulamentados por convenções internacionais.


Vê-se, pois, que um ato jurídico internacional não pode ser praticado por uma pessoa física nem por pessoa jurídica de direito privado, mas por pessoa jurídica de direito público externo. Contudo, essa pessoa é representada por pessoas físicas de diversas categorias. Quem representa um país de regime presidencial, como o Brasil, é o Presidente da República; na maioria dos países europeus pelo Primeiro Ministro, e noutras o Rei.


O Chefe de Estado pode delegar as funções de representante legal de seu país a outra pessoa, como o Ministro das Relações Exteriores. Outros funcionários do Poder Executivo ainda podem responder por um país, como os embaixadores, cônsules, adidos, ou pessoas especialmente designadas para os fins de representar um país. A atividade dos agentes diplomáticos é regulamentada pela Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, de 1961, aprovada pelo Decreto número 56.435/65, e a dos agentes consulares pela Convenção de Viena sobre Relações Consulares de 1963, aprovada pelo Decreto Legislativo número 6/67 e promulgada pelo Decreto número 61.078/67. Logo adiante, faremos o estudo mais pormenorizado dessas questões.


Conforme se viu, a validade do ato jurídico requer forma prescrita ou não defesa em lei. Os atos jurídicos, em princípio, são regidos pela liberdade, sem precisar de forma determinada; são chamados, por isso, de informais ou não-solenes. Todavia, alguns atos só podem ser praticados nos moldes estabelecidos pela lei; é o caso de uma hipoteca, do casamento, do testamento e alguns outros atos, como também certos contratos. Tratando-se de atos jurídicos nacionais, os atos informais são a regra e os formais a exceção.


Esse critério não se aplica aos atos jurídicos internacionais. Pela relevância desses atos, são eles obrigados a obedecer a certas formalidades, algumas exigidas pela própria Constituição do país que os praticar. A maioria dos atos internacionais formaliza-se por meio de um instrumento estabelecido pelas normais internacionais. Um país soberano poderá praticar qualquer ato que quiser, pois não há um poder sobre ele; pode ele, pois, praticar atos informais, mas estes constituem exceção e sem influência sobre outros países. Para que possam produzir efeitos sobre outros países, com a criação de direitos para o país- agente, será exigido o ato por instrumento adequado, como o “protocolo”, a ratificação, a aprovação, o protesto, bem como o referendo e a aprovação de outros poderes, consoante está exposto no artigo 84 de nossa Constituição. Como exemplo sugestivo, podemos citar uma convenção internacional que o Brasil tenha subscrito. É preciso ser um instrumento escrito e revestido de diversas outras formalidades. Além da observância das exigências, uma convenção internacional, assinada pelo Brasil, deverá ser aprovada pelo Poder Legislativo, ou, mais precisamente, pelo Congresso Nacional, pode meio de um decreto legislativo; precisa, ainda, ser promulgada por um decreto do Poder Executivo.


Consideram-se três tipos de atos internacionais:


– atos unilaterais;


– tratados (ou convenções) internacionais;


– atos emanados de organizações internacionais.


Antes de discorrer sobre esses atos, será conveniente estabelecer uma distinção prévia sobre eles. O ato unilateral, como o nome faz supor, é a manifestação de vontade de um só Estado. O tratado é a conjugação de vontade de dois ou mais Estados; será como um tipo de contrato, no plano nacional. O ato emanado de organizações internacionais apresenta elementos dos dois anteriores: é unilateral, por ser praticado por uma só pessoa, mas essa pessoa representa vários Estados.


2. Atos emanados de organizações internacionais


Um dos fatores que revolucionaram o Direito Internacional moderno foi a proliferação de organizações internacionais, entre as quais realça-se a ONU. Diversas outras organizações já existiam antes da ONU, mas, por serem regionais ou especializadas, não tinham grande expressão. Paulatinamente, porém, foram se avultando na sociedade internacional. Algumas organizações têm poderes legislativos: elaboram normas a serem seguidas pelos países. Os Estados-membros delegam a elas alguma parcela de seu poder individual, a fim de que sejam tutelados os interesses coletivos. Outras exercem controle sobre as atividades dos Estados, fazem mediação entre eles, atuando com funções judiciárias. Outras ainda desenvolvem funções políticas ou tecnológicas, enquanto outras, funções econômicas ou mercantis, como é o caso da OPEP, que constitui verdadeiro cartel do petróleo.


Exemplo sugestivo é o que ocorre na aviação comercial. Foram criadas duas organizações supervisoras do transporte aéreo internacional: o ICAO (International Civil Aviation Organization) e a IATA (International Air Traffic Association). O ICAO é um órgão oficial, constituído de países que tenham empresas de aviação comercial; suas decisões impõem-se aos países-membros, independentemente de ratificação por eles. A IATA é formada por empresas de aviação, sendo, pois, um órgão de Direito Internacional Privado, mas suas normas devem ser seguidas pelas empresas de aviação de todos os países.


O Estatuto da Corte Internacional de Justiça não inclui os atos emanados das organizações internacionais como fonte de direito, posto que só nos últimos anos eles se realçaram. Hoje, entretanto, a própria CIJ constitui-se em importante organização internacional, cujas decisões impõem-se e exercem profunda influência no mundo inteiro, obrigando países, já que é um órgão da ONU. A Câmara de Comércio Internacional – CCI, sediada em Paris, elabora normas que regulamentam operações econômicas a que se submetem os países, como por exemplo, os INCOTERMS e os Créditos Documentários.


Os atos praticados por essas organizações formaram então o elenco de atos internacionais, junto com os atos unilaterais e os tratados. Distinguem-se dos atos unilaterais, porquanto suas decisões independem de ratificação pelos Estados; os atos são votados pelos Estados, mas não assinados por eles. Os atos emanados de organizações internacionais apresentam dois tipos principais: regulamento interno e resoluções. O regulamento interno é o estatuto básico da organização e funcionamento de uma organização internacional, define seus poderes, sua estrutura, as condições para ingresso nela, os objetivos e modos de ação. Concerne, portanto, ao funcionamento interno da organização internacional.


As resoluções são medidas tomadas pela organização internacional com efeitos sobre os países-membros, que se obrigaram a aceitá-las desde o momento em que nela ingressaram. Como sugestivo modelo, podem ser citadas as resoluções do Conselho de Segurança ou da Assembléia-Geral da ONU, que produzem efeitos em todo o mundo. Há três tipos primordiais de resoluções, baseados no sistema de sanção e força obrigante: decisões, diretivas e recomendações. As decisões são dotadas de força obrigante e de sanções previstas na própria decisão. É o caso das decisões do Conselho de Segurança da ONU, segundo o artigo 42 da Carta das Nações Unidas. As diretivas são resoluções providas de força obrigante, mas deixam aos Estados-membros a faculdade de adotar os modos necessários à aplicação das decisões. Como exemplo, podemos fazer referência ás diretivas adotadas pela União Europeia, previstas no artigo 184 do Tratado de Roma, de 1957. Este foi o tratado que criou a União Europeia. As “recomendações” não têm força obrigante nem preveem sanções, no caso de não serem observadas; tem o caráter de aconselhamento, de orientação. Muitas vezes, porém, produzem efeitos sobre os Estados-membros, posto que as recomendações visam ao interesse coletivo da comunidade internacional.


3. Atos unilaterais


Os atos unilaterais são praticados por uma só pessoa, por uma só parte. Constituem declaração de vontade de um só Estado, criando para ele obrigações; geram, contudo, direitos para outras pessoas. Exemplo é a concessão de asilo político concedido pelo governo brasileiro ao destituído presidente do Paraguai. Corresponde o ato unilateral ao que, no plano interno, é chamado de “declaração unilateral de vontade”, porém produz efeitos perante outros Estados. São os mais comuns: reconhecimento, protesto, notificação e renúncia.


O “reconhecimento” é o ato pelo qual um Estado acata o direito de outro Estado; atende a um pedido deste. É o que aconteceu recentemente quando o Brasil reconheceu como legítimo o novo governo argentino, resultando da eleição de sua presidenta. A Argentina comunicou a posse da presidenta e pediu seu reconhecimento, sento atendida.


O “protesto” é ato de sentido oposto ao do reconhecimento. Pelo protesto, um governo nega o direito ou a pretensão de outro. Manifesta sua não-concordância com o ato praticado por outro Estado. Foi o que aconteceu quando a Argentina invadiu as Ilhas Malvinas. A Inglaterra lavrou seu protesto, alegando sua soberania sobre aquelas ilhas.


A “notificação” é a manifestação expressa e formal da vontade de um Estado; é um tipo de comunicação oficial. Pela notificação, um Estado emite sua opinião a respeito de problema ou ato de outro Estado.


A “renúncia” é o ato pelo qual um Estado abre mão de um direito.


Vamos citar alguns exemplos. Um país que deseje entrar em guerra contra outro, deverá fazer-lhe uma notificação, chamada “declaração de guerra”. Deve também fazer outra notificação, chamada “ruptura de relações diplomáticas”. Outro exemplo pode ser indicado: se um país tomar conta de um território abandonado, uma res nullius, deverá dar notificação a todos os demais países. É também considerado ato jurídico o silêncio. Assim, se um país ocupa um território abandonado, notifica outros países e estes não protestam, interpreta-se como aprovado o ato. Aplica-se também no plano internacional o princípio do direito romano em vigor no plano nacional: qui tacet cum loqui potuit e debuit consentire videtur = quem cala quando deve e pode falar, parece consentir.


Os atos unilaterais praticados de forma continuada constituem o costume. Este aspecto é mais importante no plano internacional. No plano nacional, o costume é uma das fontes do direito, reconhecido na doutrina e pelo artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil. Carece, porém, de menor importância no plano nacional, pois o direito interno é essencialmente legislado. No direito internacional, todavia, o costume é fonte primacial de direito, formando o direito consuetudinário.


4. TRATADOS INTERNACIONAIS


4.1. Conceito


O tratado internacional, ou convenção internacional, palavras de idêntico valor, é uma modalidade de ato jurídico internacional. Tendo-se em vista ser o tratado internacional um ato de importância cada vez maior e estar-se avolumando cada vez mais a celebração de tratados, somos obrigados a dedicar-lhe um estudo especial. Nota-se a alta consideração pelos tratados no direito brasileiro pela sua inclusão nos programas de estudo das faculdades de direito e nos concursos públicos. O tratado internacional é um acordo entre dois ou mais países; é um ato coletivo, em contraste com o unilateral, sendo este praticado por um só Estado. Pode ser bilateral ou plurilateral.


É chamado também de convenção, embora alguns juristas os considerem atos distintos, mas essa discriminação tende a desaparecer. Tratado ou convenção é um acordo, uma avença, celebrado por dois ou mais Estados, a fim de criar, modificar, resguardar ou extinguir direitos entre si, regidos pelo Direito Internacional. Resultam de declaração de vontade, dando vida a uma variedade numerosa de acordos, sobre as mais diversas situações jurídicas.


A terminologia aplicada no direito dos tratados é também rica, pois muitos atos formam o tratado, surgindo então, conforme o uso e circunstâncias, nomes vários, como tratado, convenção, protocolo, declaração, compromisso, troca de notas, estatuto, modus vivendi, e várias outras. Essa nomenclatura é utilizada sem normas fixas e sem preocupação de uniformidade, tanto que a Convenção de Viena sobre Tratados, de 1969, no artigo 2º, dá um conceito de tratado, reconhecendo seu conteúdo qualquer que seja sua denominação; como se trata de uma definição adotada oficialmente, é recomendável sua transcrição:


Pela expressão “tratado” entende-se um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, em um instrumento único ou em dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação particular.”


É, como se vê, um ato formal, como devem ser os atos jurídicos internacionais. Ao dizer “regido pelo Direito Internacional” refere-se principalmente à Convenção que lhe deu esse conceito, vale dizer, a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969.


4.2. As partes do tratado


Consideram-se tratados internacionais apenas os acordos firmados entre Estados soberanos, ou seja, pessoa jurídica de direito público externo. Não se inclui nesta categoria de ato jurídico um contrato celebrado entre um Estado e uma empresa privada. A Petrobrás, por exemplo, celebrou contrato com o Governo de Angola para a perfuração de poço de petróleo e da Bolívia para a exploração de gás; trata-se de contratos internacionais e não de tratados. Apenas são tratados os atos regidos pelo Direito Internacional; assim, um país estrangeiro adquire um imóvel em Brasília para instalar sua embaixada. É uma operação regida pelo direito interno do Brasil, que regula o contrato de compra e venda de imóveis; é apenas um contrato de compra e venda de imóvel, regido apenas pelo direito brasileiro. Não se pode nem menos dizer que seja um contrato internacional.


Necessário então que as partes sejam capazes, que sejam sujeitos de Direito Internacional Público, agindo nessa qualidade. Não será tratado um acordo entre dois países, para a construção de uma estrada de ferro, por não ser regido pelo Direito Internacional e os Estados estão agindo como empresários. Dois Estados da Comunidade Britânica celebram acordo entre si, ou com a Coroa; agem como membros de uma comunidade restrita, sem vinculação com a comunidade internacional e com o Direito Internacional: não é pois um tratado. Por outro lado, pode-se considerar tratado, o Acordo de Latrão, firmado entre a Itália e a Santa Sé, por ter sido esta considerada como pessoa jurídica de direito público internacional.


Perante o moderno Direito Internacional, entretanto, não só os Estados possuem essa capacidade, mas também organizações internacionais. A própria Convenção de Viena foi promovida pela ONU. É sintoma da soberania dos Estados a faculdade de poder firmar compromissos de caráter internacional, mas têm eles, todavia, também a faculdade de delegar parte dessa soberania a organização internacional. Foi o que aconteceu na Guerra do Golfo Pérsico, em que a ONU agiu como representante de países intervenientes na guerra contra o Iraque.


4.3. Classificação dos tratados internacionais


A classificação dos tratados internacionais se faz sob diversos prismas. Quanto ao número de pessoas, pode ele ser bilateral ou plurilateral, segundo sejam dois ou mais os signatários do tratado.


São “fechados” quando só fizerem parte deles os celebrantes originais, e “abertos” quando forem suscetíveis de adesão por outros Estados.


Quanto á matéria do tratado, ou seu objetivo, pode ser militar, civil, empresarial, cultural, econômico, administrativo, de arbitragem e tantos outros. Casos típicos de tratados militares são os que instituíram a OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte e o pacto de Varsóvia,que tanta influência exerceram nos tempos da “guerra fria”, entre os EUA e a antiga União Soviética. Tratado econômico de magna importância para nós foi o de Assunção, criando o MERCOSUL. São trabalhistas as numerosas convenções promovidas pela OIT, cujo estudo faremos á parte.


A classificação mais importante dos tratados internacionais é a que visa à natureza jurídica deles; classificam-se assim em dois tipos primordiais: tratado-contrato e tratado-lei.


Os tratados-contratos são os que possuem as características de um contrato interno; visam à conciliação de interesses conflitantes entre as partes. Geralmente são bilaterais. Por exemplo, um tratado entre Brasil e Argentina para estabelecer um sistema de trocas de mercadorias (countertrade), de banana por trigo. O Brasil é um grande produtor de bananas e a Argentina é uma grande consumidora dessa fruta. A Argentina, por sua vez, é grande produtora de trigo e o Brasil consumidor desse cereal. Vê-se pois que os dois países têm interesses conflitantes: um quer o que não tem. As partes colimam fins diferentes e opostos. São geralmente bilaterais ou com poucos intervenientes, pois é muito difícil conciliar interesses conflitantes de muitos Estados. São normalmente desse tipo os tratados comerciais, os que versam sobre estabelecimento de fronteiras, de aliança e outros.


O tratado-lei visa a objetivos comuns das partes intervenientes, e não tem interesses conflitantes. Edita como norma de direito objetivamente válida. Assim, o tratado que criou a OPEP – Organização dos Países Exportadores de Petróleo. Os países signatários visavam todos ao mesmo objetivo: controlar o comércio internacional de petróleo. Normalmente é estabelecido por vários países; foi o caso da Convenção de Genebra para o estabelecimento da LUG (Lei Uniforme de Genebra), que regulamenta a Letra de Câmbio e a Nota Promissória. Para a adoção dessa lei, os países interessados reuniram-se numa conferência: todos colimavam o mesmo fim. Outro exemplo, foram as convenções que criaram a ONU, a União Europeia e o MERCOSUL.


Um aspecto que também diferencia o tratado-contrato de um tratado-lei é o local em que ambos são celebrados, embora nem sempre coincida esse aspecto. Via de regra, o tratado-contrato é negociado e celebrado na capital de um dos dois países celebrantes, em negociações restritas e ás vezes secretas. O tratado-lei, por ser firmado entre muitos países, processa-se em qualquer cidade e suas reuniões são públicas. Muitos tratados-leis foram celebrados nas cidades de Haia (Holanda), Genebra (Suíça) e Viena (Áustria). Não existem razões jurídicas para a escolha dessas cidades; talvez porque se situa em Haia a Academia de Direito Internacional, e Genebra, por estar situada em país de tradicional neutralidade, ante os grupos políticos mundiais e numa região de idioma francês, praticamente o idioma oficial do Direito Internacional. As convenções sobre Direito do Trabalho lá são realizadas comumente, por estar nessa cidade a sede da OIT – Organização Internacional do Trabalho.


4.4. Vigência e aplicação do tratado


Os tratados criam direitos e obrigações exclusivamente para os participantes, sejam os que celebraram, sejam os que tenham dado adesão posteriormente. É um princípio de Direito Internacional. Para os países-partes, a eficácia normativa do tratado revela-se no momento da assinatura num tratado bilateral, ou da convenção que o estabeleceu. Em outros casos, dependerá de ratificação. Assim, por exemplo, a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados foi concluída em 23.5.1969, desde esse dia passou a vigorar para os países convencionados, inclusive o Brasil. Comumente, o próprio tratado traz em uma de suas últimas cláusulas o momento em que entrará em vigor.


Casos há, porém, em que um Estado participe de um tratado pela adesão; valerá para ele a data em que aderiu. A adesão é ato unilateral de um Estado não participante da conclusão de um tratado, mas concretiza sua vontade de aderir a ele. A organização internacional promotora do tratado encarrega-se então de comunicar essa adesão aos demais participantes. Segundo o artigo 15 da Convenção sobre o Direito dos Tratados, realizada em Viena, de 1969, necessário se torna que o tratado seja do tipo “aberto”, ou seja, nele conste a “cláusula de adesão”.


Casos raros existem em que um estado venha a obrigar Estados não participantes. É quando regulamenta um costume internacional já consagrado, ou um princípio jurídico aceito universalmente. É o que acontece com os tratados plurilaterais que formulam normas de direito humanitário já sedimentadas na sociedade internacional, como a Convenção de Genebra de 1925, proibindo o emprego de gases asfixiantes, tóxicos e similares em caso de guerra, ou de armas bacteriológicas. A vigência de um tratado cessa para um país em certos casos. É ele soberano para participar de um tratado, como é soberano para dele afastar-se. Se assim quiser manifestar-se unilateralmente, poderá retirar-se pela “denúncia”. A maioria dos tratados comportam esse meio de retirada, que se opera por um ato jurídico internacional unilateral: a manifestação de vontade de uma parte à outra.


A cláusula de denúncia deve ser prevista na convenção e estabelece a modalidade de forma e de tempo que deve acompanhar o exercício dessa faculdade. A denuncia realiza-se pela notificação, manifestando a vontade de cancelar o compromisso. Essa notificação é um pré-aviso, dando um prazo a que haja manifestação das partes convencionantes. Decorrido esse prazo, o aceita a denúncia, não mais está o Estado denunciante aos efeitos do tratado.


Cessa a vigência do tratado pela sua extinção, para a qual várias causas são previstas. Se o tratado for estipulado por tempo determinado, extingue-se com a expiração do prazo, salvo se for renovado ou prorrogado por mais um período, não se exigindo formalidades para que o fim do prazo produza automaticamente seus efeitos. Se for concluído sob condição resolutiva, extingue-se no momento em que ela se realiza. Se o tratado for por tempo indeterminado, ou seu período ainda não venceu, poderá ser extinto por mútuo concurso das partes, declarando-o extinto, ou substituindo-o por outro.


Se for tratado bilateral, a denúncia o extingue, como é natural. É possível ainda que se extinga um Estado componente do tratado, a menos que haja sucessão de um Estado por outro. No mais, aplicam-se as causas da perda de eficácia dos tratados, observadas quanto aos plurilaterais.


Para ambos, porém, há causas discutíveis e excepcionais para provocar a invalidade dos tratados. É a hipótese da admissibilidade da extinção de um tratado em vista da superveniência de condições de fato substancialmente diversas daquelas que tenham servido de fontes ao tratado. Trata-se de considerar nos tratados internacionais a teoria da cláusula rebus sic standibus. Esta cláusula deve ser prevista no tratado para que possa ser invocada, mas o artigo 62 da Convenção de Viena aceita-a em casos excepcionais e bem definidos, com três elementos claramente observados.


Tomemos por exemplo um tratado para o combate à AIDS, firmado por vários países, obrigando-os ao pagamento de um contribuição anual e a adotar exame médico para todas as pessoas que entrem ou saiam de seu território. Entretanto, encontrou-se um processo de cura dessa doença e ela foi extirpada. O objetivo do tratado tornou-se inócuo, dando base a qualquer Estado para denunciá-lo por propor sua extinção, que não se opera, porém, automaticamente.


Vejamos como os requisitos fáticos da cláusula rebus sic standibus encontram-se presentes em casos como esse. O primeiro é o de que o tratado foi celebrado quando as circunstâncias eram contemporâneas de sua celebração e foi fato determinante dela. Foi a propagação da AIDS a condição que mais influiu na manifestação de vontade dos países pactuantes para que o tratado tivesse vida. O segundo requisito é o de que as mudanças nas condições sejam fundamentais, de tal forma que afetem profundamente a eficácia do tratado. Este requisito está presente na hipótese aventada, pois a presença e a posterior ausência da causa do tratado são condições que fulminam a validade dele. O terceiro requisito da rebus sic standibus é a imprevisibilidade das novas condições; se estas seriam de esperar, próprio tratado deveria prever a solução. Ocorre, assim, a impossibilidade da execução de um tratado. É o caso do tratado de paz com Alemanha, Itália e Japão, para unirem-se na última guerra mundial; foi celebrado em 1945, quando muitos países estavam em guerra. Há sessenta anos, porém, esses países estão em paz. Para que serve então esse tratado?


Em resumo, o artigo da Convenção de Viena restringe a invocação do princípio rebus sic standibus para a denúncia de tratados. Esse princípio aplica-se quando, por fatores externos e aleatórios, as circunstâncias modificam-se de tal modo que as obrigações não mais poderão ser cumpridas. Perante a Convenção de Viena, uma mudança fundamental das circunstâncias que tenha sucedido àquelas existentes no momento da conclusão de um tratado, e que não foi prevista pelas partes, não pode ser invocada como causa da terminação ou de retirada do tratado.


Há, todavia, duas exceções:


a) que a existência dessas constitua base essencial do consentimento das partes em se obrigarem pelo tratado:


b) essa mudança tenha por efeito transformar radicalmente o alcance das obrigações que ainda devam ser cumpridas em virtude do tratado.


Vamos citar mais um exemplo, desta vez não hipotético, mas real, de aplicação do princípio rebus sic standibus. Durante a última guerra mundial (1939-1945), o Brasil celebrou tratado bilateral com os Estados Unidos da América, pelo qual os EUA construíram uma base aérea em Natal, para que seus aviões pudessem fazer escala para as operações de guerra no norte da África, contra a Alemanha. Terminada a guerra, em 1945, o Brasil denunciou a Convenção e pediu a incorporação da base aérea ao patrimônio brasileiro. Fundamentou a denúncia, alegando que houve modificação profunda e essencial no conjunto de circunstâncias que tinham ditado a celebração do tratado.


Não constitui motivo para denúncia de um tratado o rompimento de relações diplomáticas ou consulares entre Estados-membros nem mesmo um possível estado de beligerância. Por exemplo, a Convenção de Genebra sobre a Letra e Câmbio e a Nota Promissória foi estabelecida poucos anos antes da Grande Guerra e diversos países convencionados entraram na guerra; nenhum deles, porém, denunciou a Convenção.


O tratado só terá validade de não afrontar o Direito Internacional. O artigo 53 declara ser nulo o tratado que, na época de sua conclusão, esteja em conflito com uma norma imperativa de direito internacional (jus cogens). Uma norma imperativa de direito internacional geral é aceita e reconhecida como uma norma da qual não se admite derrogação e que só pode ser modificada por uma nova norma de direito internacional. Se aparecer uma nova norma imperativa de direito internacional (jus cogens), qualquer tratado existente que estiver em conflito com essa norma torna-se nulo e termina. Assim, um tratado estabelecido sobre determinada questão, revoga outros que tratem da mesma questão, a fim de que não haja sobreposição e conflito de normas jurídicas sobre o mesmo assunto.. Aliás, esse princípio expresso no artigo 64 da Convenção de Viena está também previsto na legislação interna de todos os países como está presente no artigo 2º da Lei de Introdução ao Código Civil:


A lei posterior revoga a lei anterior, quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.”


Um Estado poderá invocar a nulidade de um tratado se notar nele a existência de grave “vício de consentimento”, ou seja, defeitos fundamentais de ato jurídico, que deturpe a vontade do agente. Nosso novo Código Civil, de 2002, descreve nos artigos 138 a 165 os defeitos dos negócios jurídicos, apontando sis tipos de vícios, erro ou ignorância, dolo, coação, estado de perigo, lesão, fraude contra credores. São mais ou menos os mesmos previstos na Convenção de Viena, apontando esta também o vício de “corrupção de representante de um Estado”.


Em correlação com um contrato, aplica-se também a um tratado o princípio da exceptio non adimpleti contractus. Uma violação substancial de um tratado bilateral, por uma das partes, dá o direito à outra parte de invocar a violação como causa de terminação ou suspensão da aplicação do tratado, total ou parcialmente. Tratando-se de tratado multilateral, a violação por uma das partes dá às outras o direito de adotar sanções contra o ofensor.


4.5. Validade do tratado no plano interno


O tratado internacional produz o efeito de obrigar as partes contraentes como tais, vale dizer, como pessoa jurídica de direito público internacional. Da estipulação de um tratado não implica que suas normas sejam obrigatórias também para os cidadãos pertencentes aos Estado conveniado, pessoas de direito privado interno, seja pessoa física seja jurídica. Há, pois, separação entre o ordenamento jurídico nacional e internacional e um princípio ás vezes contestado mas doutrinariamente já instituído, contra a teoria do monismo dos ordenamentos nacional e internacional. Se o Brasil celebrar tratados com outros países, o acordo obriga o Brasil e não os brasileiros.


Todavia, muitos tratados internacionais afetam os cidadãos de um país convencionado, implicando numa execução interna. É a hipótese de um acordo sobre as tarifas aduaneiras; os cidadãos devem pagar esses gravames de acordo com as bases do tratado internacional, embora não o conheçam. Impõem assim a incorporação de um tratado no sistema jurídico nacional; fica o Estado compromissado a adaptar suas normas internas às normas do tratado.


Cada país tem seu sistema legislativo de “recepção” do Direito Internacional, incorporando-o ao seu direito. No Brasil, essa incorporação processa-se por dois decretos. Primeiramente, há necessidade de ser o tratado internacional aprovado pelo Congresso Nacional, graças a um decreto legislativo. Em seguida, deverá o tratado ser promulgado por um decreto do Poder Executivo.


Foi o que aconteceu com a Convenção de Genebra para a adoção de uma lei uniforme em matéria de letras de câmbio e de notas promissórias. Essa convenção foi realizada em 1930, e o Brasil a ela aderiu em 1942. Obrigou-se o Brasil a observar a LUG (Lei Uniforme de Genebra) no plano internacional, mas os brasileiros não se compromissaram a aplicá-la internamente. Entretanto, essa convenção foi aprovada pelo Poder Legislativo por meio do Decreto Legislativo e o Poder Executivo promulgou-a pelo Decreto 57.663/66, transformando-o em lei nacional. Assim sendo, passou a ser a LUG a lei que regulamenta a letra de câmbio e a nota promissória no Brasil. Acontece o mesmo com muitas outras convenções internacionais, transformadas em normas jurídicas brasileiras.



Informações Sobre o Autor

Sebastião José Roque

Professor aposentado, bacharel, mestre e doutor em direito pela Universidade de São Paulo, Presidente da Asssociação Brasileira de Arbitragem-ABAR, Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Comercial Visconde de Cairu.


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Equipe Âmbito Jurídico

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