Procura-se destacar a educação como um princípio fundamental principalmente em face da farta positivação dos direitos fundamentais tão presente nas Constituições contemporâneas e que representa evidente contribuição da modernidade.
Igualmente corresponde a consciência de que todos os humanos são sujeitos de direitos e, portanto, são credores de condições mínimas de existência capazes de assegurar sua dignidade, o que nos remete ao estatuto do patrimônio mínimo de Luiz Edson Fachin.
Luiz Edson Fachin[1] criou a teoria do estatuto jurídico do patrimônio mínimo, que procura garantir um mínimo de patrimônio com base no ordenamento jurídico, ou seja, deve o indivíduo ter o mínimo existencial como forma de garantir-lhe a sua dignidade.
Esta teoria não tem o interesse de atacar a propriedade privada nem o direito creditício, mas afasta o caráter patrimonial das relações jurídicas privadas. O intuito é remodelar estes institutos e adequá-las às novas premissas do Direito Civil, (particularmente ao Direito Civil Constitucionalizado) determinando que os mesmos não se sobreponham à dignidade do indivíduo. Na dicção sábia de Fachin:
“Em certa medida, a elevação protetiva conferida pela Constituição à propriedade privada pode, também, comportar tutela do patrimônio mínimo, vale dizer, sendo regra de base desse sistema a garantia ao direito de propriedade não é incoerente, pois, que nele se garanta um mínimo patrimonial. Sob o estatuto da propriedade agasalha-se, também, a defesa dos bens indispensáveis à subsistência. Sendo a opção eleita assegurá-lo, a congruência sistemática não permite abolir os meios que, na titularidade, podem garantir a subsistência (pág. 232).” In FACHIN, Luiz Édson. Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
Enfatizamos que o homem como ser social constrói a sua interação com o mundo e sua identidade por meio de processo educativo, e ao longo do tempo, se realiza em ambiente estruturado e formal representado pela escola, universidade e, etc.
De fato, a educação como direito constitucionalmente reconhecido tem sido tema recorrente em diversos eventos acadêmicos e mesmo nos debates sobre as políticas públicas.
O primado da educação é antigo princípio já presente nas clássicas fontes da pedagogia. É, sem dúvida, um primado antropológico, psicossocial, político e jurídico (além de econômico). É inerente à essência humana a necessidade de aprender, e ipso facto, da educação.
Para o ingresso do mundo adulto e para garantir a sobrevivência é indispensável à apropriação de conhecimentos socialmente produzidos. E, em seus primórdios começam nas experiências vividas no seio da família e do grupo social em que se insere, e, depois, pela socialização secundária, se processa então nas instituições tais como escolas, clubes, universidades e cursos.
Na socialização secundária é de se reconhecer que a educação possua papel estratégico[2], principalmente para a construção da identidade individual e da cidadania. Se nas sociedades primitivas o procedimento educativo se concentrava nas tradições e costumes, na sociedade moderna concentra-se em duplo aspecto: o formal-instrumental (ler, escrever, contar) e o concreto (conteúdo de conhecimento) e, finalmente, na aprendizagem de ofício.
Desta forma, se vislumbra que a educação é um direito inalienável do ser humano, e a liberdade, a democracia bem como o desenvolvimento humano dependem diretamente desse direito. Reafirma-se que a educação é um dos direitos dos homens, que são fundamentais e universais, pois exprimem as aspirações inerentes à dignidade de todo ser humano.
A educação é um direito completo posto que seja objeto de várias pretensões de direito: dos pais, dos governos, das religiões e dos educandos. A educação se apresenta não apenas como interesse individual, mas, sobretudo como direito coletivo pertencente à sociedade.
Em sua obra “Educação como prática de liberdade”, Paulo Freire coerentemente explica que a educação representa a capacidade de “ser gente”. Assim garantindo ao indivíduo, ao cidadão e a sociedade ser construtora da realidade, ser autor de sua própria história e identidade.
O direito à educação e o direito de aprender são direitos de todos, e particularmente das crianças e adolescentes. Mas não se refere a uma educação qualquer ou meramente burocrática. É direito que deve ser atendido sem quaisquer tipos de discriminações, independentemente de origem geográfica, étnica, racial, social ou até mesmo de orientação sexual.
Nesse sentido é curial apontar a Lei 11.199, de 12 de julho de 2002, que prevê em seu artigo oitavo, in litteris:
“Artigo 8º – É proibido impedir o ingresso, a matrícula ou a inscrição de portador do vírus HIV ou pessoa com AIDS em creches, escolas, centro esportivos ou culturais, programas, cursos e demais equipamentos de uso coletivo, em razão desta condição.”
Confirme-se a educação como direito de brancos, negros, mestiços, indígenas, pobres, ricos, imigrantes, refugiados, dos presos, dos sem terra e de todas as minorias. Apesar disso, segundo pesquisas do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), os afrodescendentes constituem a maior parte dos analfabetos do Brasil e das crianças com baixo rendimento escolar.
E, segundo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a taxa média de analfabetos no Brasil é de 13,8% segundo o Censo Demográfico de 2000. Os afrodescendentes constituem a maior parte dos analfabetos do país e das crianças com baixo desenvolvimento escolar.
Assim como todos os direitos do homem, o direito à educação impõe três níveis de obrigações: a de respeitá-lo, protegê-lo e realiza-lo (facilitá-lo o seu exercício e o de assegurá-lo) conforme a Declaração de Quito, de 24 de julgo de 1998 que trata da exigibilidade e a realização dos Direitos econômicos, Sociais e Culturais.
Desta forma, a educação significa um bem coletivo que deve ser acesso a todos e realizar a qualidade de ensino e a equidade social. E, para tanto o direito à educação deve cumprir os princípios da universalidade, progressividade, independência e a escola representa parte integrante do sistema de garantia de direitos, é considerado lugar privilegiado para assegurar a cada um, em particular, à criança e ao adolescente, o direito a aprender…
Enfim, a educação deve constituir-se como prática de liberdade. Ao contrário daquela que é pura prática de dominação, e implica na negação do homem abstrato, isolado, solto e desconexo do mundo. Assim, como na negação do mundo enquanto realidade ausente nos homens. (In FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido, 1975, p. 81).
O maior fundamento da pedagogia é o diálogo, que é principal meio de educação exercido como prática de liberdade. A essencialidade do diálogo endossa o papel do educador configurado como libertador. Assim o educador é comprometido com o pensamento crítico que só se materializa quando há humildade, e comprometimento de aprender a aprender, e, sobretudo a função de capacitar o educando.
A educação em sua missão emancipadora visa à construção diária e contínua da autonomia do educando, tornando sujeito e não objeto. Portanto, é inegável que a educação é inalienável direito sendo credencial imprescindível para o desenvolvimento humano e social.
Na história o direito à educação surge propriamente no final do século XIX e no início do século XX na Europa. Mas, no Brasil o ensino fundamental é tido como direito reconhecido desde 1934, sendo manifestamente um direito público subjetivo, a partir de 1988.
Importantes contribuições ao direito à educação foram dadas por diversos diplomas legais, a saber: Decreto Universal dos Direitos Humanos – 10 de dezembro de 1948, art. 26, Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem – Bogotá, Resolução XXX, Ata final, abril de 1948; Declaração Universal dos Direitos da Criança de 20 de novembro de 1959; Pacto Internacional de Direitos econômicos, sociais e culturais – 16 de dezembro de 1966 e ratificado pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992; Convenção Americana sobre os Direitos Humanos de 22 de novembro de 1969, e ratificada pelo Brasil em 25 de setembro de 1992 (Pacto de San José da – Costa Rica); Convenção sobre os Direitos da criança e do adolescente , 20 de setembro de 1990; Constituição Federal Brasileira de 1988; Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069, de 13 de julho de 1990; LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
Manifestamente reconhecida como direito fundamental, a educação conta ainda com o registro em outros documentos tais como a Declaração Mundial sobre a Educação para Todos e o Plano de Ação para a Década das Nações Unidas para a Educação no Domínio dos Direitos do Homem (1995-2004).
Ao direito à educação corresponde especificamente ao dever de educar, e pelo atual Estado brasileiro, é um dever do Estado, um dever da sociedade e de cada indivíduo, o que permite a pertinente intervenção do Estado na garantia deste direito individual através de medidas judiciais.
Espera-se que seu cumprimento ocorra voluntariamente, mas isso não exime o Estado de prover as medidas necessárias para efetivo cumprimento, assim o art. 4º da LDB[3] estatui o dever do Estado e o princípio garantista.
Desta forma é possível a atuação do Ministério Público para acionar o Poder Público e garantir o acesso ao ensino. O art. 58 da LDB ainda conceitua e cogita da educação especial, como modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino aos portadores de necessidades especiais, visando sua concreta integração á vida social, e acesso igualitário aos benefícios e aos programas sociais suplementares disponíveis para o respectivo ensino.
E, ainda há a preocupação em se combater o analfabetismo funcional posto que abranja além da leitura, escrita e do cálculo e considera as competências funcionais tais como expressão oral, informática, resolução de problemas e habilidades interpessoais aplicadas a diferentes contextos como a economia doméstica, saúde, trabalho, recursos comunitários, leis e o governo.
A ampla disseminação do termo analfabetismo funcional em âmbito
mundial deveu-se basicamente à ação da Unesco, que adotou o termo
na definição de alfabetização que propôs, em 1978, visando padronizar
as estatísticas educacionais e influenciar as políticas educativas
dos países-membros.
A definição de alfabetização que a Unesco propusera em 1958 fazia referência à capacidade de ler compreensivamente ou escrever um enunciado curto e simples relacionado à sua vida diária. (In RIBEIRO, Vera Magalhães. Alfabetismo funcional: Referências conceituais e metodológicas para a pesquisa. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/es/v18n60/v18n60a8.pdf Acesso em 11/08/2012.).
Lembremos que além do aceso, a permanência também é um direito dos educandos e os números das pesquisas no Brasil acenam com melhorias. Pois já demonstram que 95,4% das crianças de 7 a 14 anos estão matriculadas na escola, mas há ainda 1,8 milhão de crianças que permanecem fora da escola.
Apenas 59% das crianças que iniciaram o ensino fundamental (de 1ª. a 8ª. serie) completam os oito anos de estuo e apenas 27,3% dos adolescentes de 14 anos cursam a série que corresponde à sua idade. (Dados disponíveis no http:// www.unicef.org/brazil).
Mais que a garantia jurídica à educação, requeremos consciência para implementar rotinas de reconhecimento dos direitos humanos, direitos fundamentais, conferindo maior reconhecimento profissional e salarial aos professores, equipando melhor nossas escolas e universidades e reconstruindo assim as práticas sociais capazes de construir uma sociedade mais solidária, mais justa e humanitária.
A educação como segundo direito fundamental que é, e tão requerida pela sociedade contemporânea, não precisa de cidadãos passivos e indiferentes, porém daqueles que sejam capazes de redigir a própria história e participar do debate construtivo da democracia.
Negar o direito à educação é, em suma, negar o direito à cidadania e o direito à vida digna. Frisando-se que a dignidade da pessoa humana está na categoria de fundamento da república brasileira. Honremos esse fundamento e lutemos pela concreta realização do direito à educação em todos os níveis.
Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.
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