Educação prisional no Brasil: do ideal normativo às tentativas de efetivação

Resumo: Este trabalho é parte integrante da pesquisa “Que pode a educação na prisão?”, realizada em nível de mestrado junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas da UFPB, área de concentração em direitos humanos, que investigou os limites e possibilidades da prática educativa nos cárceres brasileiros, no sentido de sua contribuição para a reconstrução da dignidade do apenado e pleno exercício da cidadania, na medida em que se apresenta como um conjunto de novas possibilidades em contraposição aos determinismos do contexto penitenciário. Nesse sentido, o presente artigo discute o momento atual da política brasileira de educação prisional nas suas relações com os novos paradigmas da segurança pública no país, dando ênfase especial às novas diretrizes para a oferta de educação nos cárceres nacionais emanadas pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) e pelo Conselho Nacional de Educação (CNE).

Palavras-Chave: Educação; Prisão; Direitos Humanos.

Abstract: This article is part of scientific research "What can education in prison?" developed in the academic master of human rights from the Federal University of Paraíba State, which examines the limits and possibilities of prison education for rebuilding the dignity of the prisoner in contrast to the historical determinism of the prison. The text deals with the current policy of education in prisons in Brazil, linking them with the new paradigms of public safety in the country, especially the new national guidelines for the provision of prison education published by the National Council for Criminal and Penitentiary Policy and the Council National Education.

Keywords: Education, Prison, Human Rights, Public Safety.

Sumário: 1. Os novos paradigmas da segurança pública no Brasil; 2. A educação como um direito humano; 3. O direito do preso à educação; 4. A política de educação prisional brasileira na atualidade; Referências.

1. OS NOVOS PARADIGAMAS DA SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL

A questão da segurança é crucial para qualquer sociedade, pois, sem a garantia da vida e da integridade física e moral dos cidadãos, não se pode assegurar nenhum outro direito fundamental, e a sociedade simplesmente desmorona.

Em função da história de regimes de exceção e autoritários, durante muito tempo a segurança pública no Brasil foi associada quase que exclusivamente à segurança do Estado, que deveria ser protegido de inimigos em potencial. Daí que a segurança, assim como todo o seu campo político e institucional de atuação, ganhou uma expressão quase que exclusiva associada à reatividade e à repressão.

Contudo, nos últimos anos o Brasil vem observando mudanças importantes. Na medida em que hoje são inquestionáveis os progressos da democracia brasileira, é preciso creditar parte desses avanços às conquistas no campo da segurança pública, que vem atravessando uma verdadeira mudança cultural, que tem como premissa o encerramento da dicotomia entre repressão e prevenção, entre direitos humanos e atuação dos órgãos oficiais de segurança. Trata-se, pois, de uma nova segurança pública que combate a violência e a sensação de insegurança dos cidadãos, unindo políticas de segurança com ações sociais.

Dentro dessa perspectiva de segurança pública que se afirma no Brasil, e na tentativa de harmonizar os novos parâmetros de uma segurança cidadã com o contexto carcerário – cujas dificuldades e desafios no que diz respeito à garantia dos direitos humanos são historicamente conhecidas, como a superlotação, a falta de uma política efetiva de reinserção social, a constante violação de direitos dos presos, a pouca atenção aos egressos, as poucas ferramentas de inteligência penitenciária e as condições precárias de trabalho dos agentes do Sistema – o governo brasileiro vem, nos últimos quinze anos, desenvolvendo um conjunto de ações de cunho humanizador no sistema penitenciário.  Assim, dentre essas ações destacam-se a instituição do Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN) em 1994, o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI) de 2007, a elaboração do Plano Diretor do Sistema Penitenciário Brasileiro em 2008, a realização da 1ª Conferência Nacional da Segurança Pública (CONSEG) em agosto de 2009, dentre outras.

Um dos elementos comuns nesse rol de iniciativas é o fomento à educação no processo de ressocialização do indivíduo privado da liberdade. Isto posto, o decreto 1.093/94, que regulamentou o FUNPEN, dispôs que, dentre outras finalidades, os recursos do fundo deverão ser aplicados na formação cultural e educacional do condenado e do internado. O PRONASCI incluiu dentre suas diretrizes a ressocialização dos indivíduos privados da liberdade mediante a implementação de projetos educativos e profissionalizantes. Por sua vez, o Plano Diretor do Sistema Penitenciário Brasileiro incluiu dentre suas 22 metas basilares, a educação e profissionalização de apenados e a criação de espaços literários nos estabelecimentos prisionais.

No mais, partindo da convicção de que a educação na prisão é um poderoso instrumento para a emancipação pessoal e reconstrução da dignidade do preso, é amplo o reconhecimento, no ordenamento jurídico brasileiro, da importância do direito à educação prisional e da necessidade da busca pela efetividade desse direito, como se desprende do princípio constitucional da universalidade da educação, das normas específicas que disciplinam a educação na prisão constantes na lei de execuções penais (7.210/84), das resoluções do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e dos diversos programas e projetos voltados a afirmação dos direitos de cidadania no cárcere.

2. A EDUCAÇÃO COMO UM DIREITO HUMANO

No cerne do entendimento acerca dos direitos humanos está intrínseca a idéia de dignidade humana, entendida como aquele elemento fundamental que define a essência do homem, ou ainda, o atributo responsável por conferir humanidade aos indivíduos. Tratar-se-ia, pois, de um valor ou qualidade inata dos sujeitos, incondicional, incomensurável e inalienável, capaz de tornar todos os homens idênticos em suas desigualdades (PEQUENO, 2007, p.194), ou ainda, nas palavras de RABENHORST (2001, p.15), uma categoria moral atribuída aos homens para posicioná-los na escala dos seres.

Assim, os direitos humanos são o conjunto de instituições e faculdades que objetivam concretizar as principais exigências relacionadas ao reconhecimento da dignidade humana, exigências estas, que se apresentam inicialmente como princípios morais, e que aos poucos foram sendo incorporadas pelo direito positivo. São, portanto, direitos legais, pois consignados em preceitos de determinada ordem jurídica; e direitos morais, na medida em que atribuem ao indivíduo certo valor intrínseco, enquanto ser livre e racional (RABENHORST, 2010, p.22).

Os direitos de segunda geração, assim chamados os direitos humanos sociais, nascem da necessidade de obrigar o Estado a assumir uma postura intervencionista e promotora da igualdade entre os cidadãos – em oposição à concepção negativa de Estado Liberal que prestigia exclusivamente os direitos individuais de liberdade – de forma a fornecer certo número de serviços para diminuir as desigualdades econômicas e sociais, permitir a participação de todos no bem-estar social e na divisão das riquezas, e promover a justiça (TOSI, 2005, p.118). Dessa forma que, conforme ensina ORTIZ (2004, p.7), emerge o Estado Social, um agente promotor, dotado de um poder único capaz de atenuar as diferenças sociais, de melhorar a qualidade de vida dos indivíduos e de promover o desenvolvimento da sociedade mediante a adoção de políticas públicas de promoção social e de acesso a garantias básicas como a saúde, a educação, a habitação e a proteção do trabalho.

E é nesse contexto de Estado social que a educação aparece como um direito humano (GADOTTI, 2009, p.14-17). Ensina o pedagogo que, quando dos debates acerca de uma justiça social, não mais se discute se a educação é ou não necessária, de maneira que, sua importância no sentido da conquista da liberdade de cada indivíduo face aos processos de exclusão social, do preparo para a cidadania, do resgate da autonomia, do próprio desenvolvimento e da sobrevivência do ser humano, parece óbvia.

Assim, explica CLAUDE (2005, p.37) que a educação é o pré-requisito fundamental para o indivíduo atuar plenamente como ser humano na sociedade moderna, valioso, por ser a ferramenta mais eficiente de que dispõe o homem para o seu crescimento pessoal no contexto da comunidade, assumindo o status de direito humano social, por ser parte integrante da dignidade humana e contribuir para ampliá-la com conhecimento, saber e discernimento.

No mais, outro aspecto que fundamenta a educação como um direito humano diz respeito ao fato de que o acesso à educação é em si um alicerce para a efetivação de outros direitos, e sua negação um óbice às demais garantias. Nesse sentido, lembra HADDAD (2006, p.3) que o indivíduo que passa por processos educativos torna-se um cidadão em melhores condições de exercer seu papel, pois a educação é a base constitutiva na formação do ser humano e na defesa e composição dos outros direitos econômicos, sociais e culturais.

A condição de cidadão está intimamente relacionada ao direito à educação, na medida em que o exercício pleno da cidadania pressupõe um conhecimento esclarecido acerca dos valores, hábitos e situações da sociedade da qual se faz parte. Nesse sentido, atesta DALLARI (2004, p.66) que a educação torna as pessoas mais preparadas para a vida e também para a convivência, uma vez que a pessoa educada tem maior facilidade para compreender os outros e aceitar as diferenças.

3. O DIREITO DO PRESO À EDUCAÇÃO

Se os homens são dotados de um valor semelhante, imposto como medida de prudência moral nas sociedades democráticas, é forçoso compreender que a dignidade humana não pode admitir equivalentes, ou seja, possui unicamente uma dimensão qualitativa e jamais quantitativa, daí que um indivíduo jamais poderá gozar de mais ou menos dignidade do que outro (PEQUENO, 2005, p.160).

Desta forma, o reconhecimento de que todos os homens são universalmente dignos, não há então, de levar em conta as particularidades de cada um, uma vez que, admitindo a existência de uma comunidade moral da qual todos fazem parte, não se poderia aceitar que a inclusão ou exclusão dessa comunidade se desse a qualquer momento em razão dos méritos ou deméritos pessoais. Daí por que defende RABENHORST (2001, p.41) que o fato de os patifes ou párias não reconhecer o valor dos outros indivíduos não autoriza a coletividade a negar-lhes esse mesmo valor – vez que são igualmente partes da comunidade moral – podendo a sociedade, no máximo, puni-los por seus comportamentos desviantes, preservando o respeito às suas dignidades.

Ensina CARVALHO (2001, p.161-177) que, nesse sentido, o advento da Constituição de 1988 e o reconhecimento formal expresso da cidadania e da dignidade da pessoa humana como fundamentos do Estado Democrático de Direito brasileiro, representou não só a opção por um modelo penal garantista – limitador do poder punitivo estatal – mas possibilitou também um profundo redimensionamento na execução penal, de forma que ao prisioneiro fora atribuída a condição de sujeito de direitos.

Mas o que significa dizer que o preso é um sujeito de direitos?

Sem a pretensão de esgotamento do debate acerca da questão proposta, da teoria jurídica tem-se que o direito pode ser entendido tanto como o conjunto de normas vigentes em dada sociedade (direito objetivo), quanto como uma faculdade, poder, imunidade, prerrogativa ou privilégio (direito subjetivo) (RABENHORST, 2001, p.56).

Portanto, a idéia de sujeito de direitos está relacionada com o direito tomado enquanto prerrogativa, de forma que, ter um direito significa ter a prerrogativa de exigir a obrigação correspondente a esse direito. Ou ainda, ter um direito é ser beneficiário de certos deveres alheios, de maneira que, ter um direito é ter razões pelas quais outros se tornam responsáveis por obrigações correspondentes (VIEIRA, 2006, p.19).

“Temos direitos a coisas distintas, como educação, saúde, propriedade, liberdade de expressão, voto ou prestação jurisdicional. Para cada um desses direitos existirão distintas formas de deveres. Nesse sentido, é muito difícil falar em direito sem imediatamente pensar em uma ou várias obrigações. Destaque-se, ainda, que para cada um desses direitos há distintas pessoas ou instituições que estarão obrigadas a respeitá-los ou garanti-los. Há direitos que obrigam apenas uma pessoa, como os derivados de um contrato. Outros obrigam o Estado, como o direito à educação básica, expresso em nossa Constituição (VIEIRA, 2006, p.20).”

Diante do exposto, o acolhimento do princípio da dignidade da pessoa humana no âmbito da execução das penas no Brasil e a elevação do preso à condição de sujeito de direitos impõem que, salvo as restrições peculiares e inerentes ao instituto da prisão, quais sejam, a liberdade de locomoção (o direito de ir, de vir, de restar e/ou de permanecer) e o exercício dos direitos políticos, devem ser resguardados aos prisioneiros todos os direitos e garantias decorrentes de sua humana condição (JUNQUEIRA, 2005, p.62).

Assim, dispõem de maneira análoga o Código Penal, a Lei de Execuções Penais do Brasil e a Resolução nº. 14 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (que fixou as regras mínimas para o tratamento de prisioneiros no país), em seus artigos 38, 3 e 3, respectivamente:

“O preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral.

Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei.

É assegurado ao preso o respeito à sua individualidade, integridade física e dignidade pessoal.”

Com efeito, afirma JUNQUEIRA (2005, p.15) que jamais se poderia aceitar qualquer tentativa de se proceder à desconsideração da dignidade de homens e mulheres no seio do sistema punitivo, uma vez que, os submetidos à privação da liberdade não foram excluídos do merecido respeito aos seus direitos humanos, até porque, são estas mesmas prerrogativas invioláveis e irrenunciáveis, sendo forçoso admitir que a justificativa do cometimento de um delito não é argumento suficientemente capaz para descaracterizar o preso enquanto ser humano e inviabilizar seus direitos daí decorrentes.

Daí, conforme ensina RIFIOTIS (2007, p.239), a noção de sujeito de direitos corresponde à responsabilidade do Estado em garanti-los, sobretudo no que diz respeito aos direito sociais, como ocorre com o direito à educação, e nesse cenário, defende GADOTTI (2009, p.17-19) que a educação enquanto um direito humano decorrente da dignidade deve ser assegurado pelo Estado, estabelecendo como prioridade a atenção aos grupos sociais mais vulneráveis, aí incluídas as pessoas privadas da liberdade.

Seja pela crença moral numa qualidade inata presente em todos os homens e que tem no processo educativo a garantia de seu desenvolvimento, seja pelo expresso reconhecimento nos textos normativos nacionais e internacionais, é a educação um direito humano, e como tal, extensível a todas as pessoas, sem qualquer distinção.

Nessa perspectiva, é forçoso admitir que o cometimento de um crime não é suficiente para extirpar a humana condição, de forma que o aprisionamento de um sujeito não o descaracteriza como ser humano, permanecendo ele, titular dos direitos daí decorrentes.

Por tudo isso, é a educação um direito também dos indivíduos privados da liberdade. É o que afirma o Manual de la Educación Básica en los Establecimientos Penitenciarios da UNESCO de 1994, ao dispor que:

“la educación se reconoce ahora como una necesidad humana básica y como um derecho humano. En consecuencia, puede arguirse que el encarcelamiento, aunque se considere un castigo justificado, no debe llevar consigo una privación adicional de derechos (…) entre los que figura el derecho a la educación.”

No plano internacional, todos os documentos relativos à garantia do direito à educação como um direito humano aplicam-se aos aprisionados, contudo, de maneira específica, o documento de maior relevância acerca do direito à educação de presos é as Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros, adotadas pelas Nações Unidas em 1957. Em seus itens 40 e 77, dispõe que cada estabelecimento prisional deverá ser dotado de uma biblioteca, devendo os apenados ser estimulados a utilizá-la, e que os Estados deverão adotar medidas para melhorar a educação de todos os indivíduos privados de liberdade, de forma integrada aos sistemas educacionais de cada país, para que após a libertação, a continuidade do ensino seja facilitada.

 No Brasil, o direito à educação do preso está disciplinado de maneira direta ou transversal na Constituição Federal, no Código Penal (lei 2.848/40 e posteriores alterações), na Lei de Execução Penal (lei nº. 7.210/84), nas resoluções e orientações do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) e de maneira particular nos textos normativos penitenciários de cada unidade da federação, tendo em vista a descentralização da execução penal no país por força da competência concorrente entre União e Estados para legislar em matéria de direito penitenciário (CF/88 Art. 24, I).

Assim, a carta magna de 1988 ao contemplar em seu artigo 205 o princípio da universalidade do direito à educação contemplou necessariamente os indivíduos em privação de liberdade. No mesmo sentido, o artigo 38 do Código Penal dispõe que “o preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade”, e de maneira análoga, a Lei de Execuções Penais traz no bojo de seu artigo 3º que “ao condenado e ao internado são assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei”.

Sob o título de “assistência educacional”, o legislador pátrio contemplou ainda na Lei de Execução Penal (7.210/84), o disciplinamento do direito à educação do preso no ordenamento jurídico brasileiro, admitindo em seu artigo 10º sua importância nas funções de prevenção do crime e orientação do retorno do apenado à convivência em sociedade, a saber:

“Art. 17. A assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso e do internado. Art. 18. O ensino de 1º grau será obrigatório, integrando-se no sistema escolar da Unidade Federativa. Art. 19. O ensino profissional será ministrado em nível de iniciação ou de aperfeiçoamento técnico. Parágrafo Único. A mulher condenada terá ensino profissional adequado à sua condição. Art. 20. As atividades educacionais podem ser objeto de convênio com entidades públicas ou particulares, que instalem escolas ou ofereçam cursos especializados. Art. 21. Em atendimento às condições locais, dotar-se-á cada estabelecimento de uma biblioteca, para uso de todas as categorias de reclusos, provida de livros instrutivos, recreativos e didáticos. (…) Art. 41. Constituem direitos do preso: (…) XV- Contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes. (…) Art. 83. O estabelecimento penal, conforme a sua natureza, deverá contar em suas dependências com áreas e serviços destinados a dar assistência, educação, trabalho, recreação e prática esportiva. (…) Art. 122. Os condenados que cumprem pena em regime semi-aberto poderão obter autorização para saída temporária do estabelecimento, sem vigilância direta, nos seguintes casos: (…) II- freqüência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução do 2º grau ou superior, na comarca do Juízo da Execução;”

No que diz respeito ao direito à remição da pena pelo estudo, ainda que não haja no Brasil legislação própria disciplinando o tema, desde o ano de 1993 tramitam nas casas legislativas inúmeros projetos de lei que tratam da questão, a exemplo do PL nº. 7824/2010, que prevê a remição de um dia de pena para cada 12 horas de freqüência escolar. Outrossim, os tribunais nacionais têm admitido a aplicação do instituto por analogia à remição pelo trabalho já consagrada na Lei de Execuções Penais, e nesse sentido, cite-se a súmula nº. 341 do Superior Tribunal de Justiça, dispondo que “a freqüência a curso de ensino formal é causa de remição de parte do tempo de execução de pena sob regime fechado ou semi-aberto”.

4. A POLÍTICA DE EDUCAÇÃO PRISIONAL BRASILEIRA NA ATUALIDADE

A educação nos presídios brasileiros já acontece e não é recente, havendo registros de sua existência já nos anos 60, com ofertas de ensino em quase todas as unidades da federação. Se nessa época as práticas educativas nas prisões nacionais eram difusas, localizadas e residuais, atualmente esse cenário tem se alterado positivamente, e vive-se um novo quadro na agenda política nacional.

Em consonância com o movimento de universalização dos direitos humanos pós declaração de 1948, bem como com as Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros, elaboradas por ocasião do 1º Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e Tratamento de Delinquentes, de Genebra 1955, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária fixa, pela resolução nº. 14 de 1994, as Regras Mínimas para o Tratamento de Presos no Brasil, reservando capítulo específico para orientações quanto ao direito à assistência educacional de indivíduos privados da liberdade. No mesmo ano, a lei complementar nº. 79 institui o Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN), com a finalidade de proporcionar recursos e meios de financiamento aos programas de modernização do sistema penitenciário brasileiro. Regulamentado pelo decreto nº. 1.093 de 03 de março, dispõe que os recursos do FUNPEN deverão ser aplicados, dentre outras finalidades, na formação educacional e cultural do preso e do internado, mediante cursos curriculares de 1º e 2º graus ou profissionalizantes de nível médio ou superior.

Outro importante passo rumo a uma política de educação prisional nacional no Brasil foi o lançamento do Programa Nacional de Direitos Humanos em 1996. Dentre os objetivos a serem executados a médio prazo, o programa propõe: “promover programas de educação, treinamento profissional e trabalho para facilitar a reeducação e recuperação do preso.”

Mais tarde, com vistas à implementação dos compromissos firmados por ocasião da Declaração de Hamburgo de 1997, elaborada como produto da 5º Conferência Internacional sobre Educação de Jovens e Adultos, a mobilização brasileira no sentido de uma proposta nacional de educação nas prisões ganha força em 2001, quando da instituição do Plano Nacional de Educação, um conjunto de metas a serem implementadas nas diferentes esferas de governo num prazo de 10 anos, que, corrigindo a omissão da Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996, incluiu expressamente dentre seus objetivos implantar, em todas as unidades prisionais e nos estabelecimentos que atendam adolescentes e jovens infratores, programas de formação profissional e de educação de jovens e adultos de nível fundamental e médio.

No ano de 2005 inicia-se um processo de articulação entre o Ministério da Educação e o Ministério da Justiça para construir uma estratégia comum para a execução de projetos educacionais no contexto penitenciário brasileiro, que constituiu um marco para as políticas de educação prisional no país. Naquele ano, é implantado o projeto Educando para a Liberdade, desenvolvido em parceria com a UNESCO e patrocinado pelo governo do Japão, cuja proposta era não apenas ampliar a oferta de educação para a população carcerária, mas contribuir para a restauração da auto-estima e para a reintegração do preso à sociedade. Dentre os pontos positivos do projeto Educando para a Liberdade, tem-se que, a partir dele, a aproximação entre os ministérios possibilitou a inclusão da educação prisional no programa Brasil Alfabetizado, no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), além de proporcionar o acesso de presos à universidade por meio do Programa Universidade para Todos (PROUNI) e ampliar os debates em favor da normatização da remição pelo estudo.

Dois anos depois do Educando para a Liberdade é instituído através da lei nº. 11.530 e posteriormente alterado pela lei nº. 11.707/2008 o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI), uma iniciativa do Ministério da Justiça em cooperação com os estados, municípios e o Distrito Federal, no sentido da prevenção, controle e repressão da criminalidade, articulando ações de segurança pública e políticas sociais, que prevê inicialmente um investimento de R$ 6,707 bilhões até 2012.

Em conformidade com as diretrizes da humanização e reestruturação do sistema prisional, o PRONASCI introduz dentre suas metas a “ressocialização dos indivíduos que cumprem penas privativas de liberdade e egressos do sistema prisional, mediante implementação de projetos educativos (…)”. No mesmo ano, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária elabora o Plano Nacional de Política Penitenciária 2007, um conjunto de orientações destinadas aos órgãos responsáveis pela administração penitenciária no país, dentre as quais o estímulo à instrução escolar e à formação profissional de presos nos estabelecimentos penais estaduais e federais.

Corroborando a tentativa de implementação de uma nova era para a segurança pública no Brasil, e consequentemente para a educação prisional enquanto política pública prioritária, em 2008 o Departamento Penitenciário Nacional, objetivando integrar as esferas federal e estadual em direção ao cumprimento da lei de execuções penais e das diretrizes da política criminal emanadas do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, lança o Plano Diretor do Sistema Penitenciário Brasileiro, que contempla dentre suas metas a educação e profissionalização de apenados e a manutenção de bibliotecas nos estabelecimentos prisionais.

Em março de 2009 o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, através da resolução nº3, lança as Diretrizes Nacionais para a Oferta de Educação nos Estabelecimentos Penais, estabelecendo dentre outras coisas que a gestão da educação no contexto prisional brasileiro deve permitir parcerias com outras áreas de governo, universidades e organizações da sociedade civil, com vistas à formulação, execução, monitoramento e avaliação de políticas públicas de estímulo à educação nas prisões e que as autoridades responsáveis pelos estabelecimentos penais devem propiciar espaços físicos adequados às atividades educacionais.

Como parte integrante desse intenso processo de reestruturação da segurança pública e do sistema penitenciário brasileiro, em agosto de 2009 o Ministério da Justiça realiza a 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública (CONSEG), evento que contou com considerável mobilização e participação tanto dos profissionais e gestores da segurança, quanto da sociedade civil, e que propunha a elaboração de princípios e diretrizes para orientar a política nacional de segurança pública. A 1ª CONSEG, que incluiu dentre os seus eixos temáticos a discussão acerca das diretrizes para o sistema penitenciário, dentre as quais a escolarização de apenados como instrumento de promoção da integração social e da cidadania, aprova em seu caderno de propostas final que o poder público deve “efetivar todas as políticas sócio-educativas e profissionalizantes durante o tempo de execução da pena (…)”.

Já no mês de maio de 2010 o Conselho Nacional de Educação, mediante a resolução nº. 2, fixa as Diretrizes Nacionais para Oferta de Educação para Jovens e Adultos Privados de Liberdade, estabelecendo que a educação nas prisões do Brasil deverá estar associada às ações complementares de cultura, esporte, inclusão digital, educação profissional, fomento à leitura e a programas de implantação, recuperação e manutenção de bibliotecas destinadas ao atendimento à população privada de liberdade, inclusive as ações de valorização dos profissionais que trabalham nesses estabelecimentos. Em junho do mesmo ano, o Ministério da Justiça e o Ministério da Educação, em parceria com a Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI), promovem o seminário internacional Educação em Prisões, que viria a reunir autoridades e especialistas nacionais e internacionais em torno do fortalecimento do direito à educação na prisão.

Todavia, a inserção da educação prisional na agenda da política criminal brasileira não foi suficiente para que se construíssem possibilidades efetivas de prestação educacional no contexto penitenciário nacional. Esclarece JULIÃO (2008, p.41) que dentre os principais problemas identificados na oferta da educação no cenário brasileiro permanece a ausência de uma diretriz nacional que oriente as ações educativas prisionais nos estados, a precariedade material com as quais as iniciativas esparsas de educação prisional têm que conviver, a ausência de profissionais de pedagogia especificamente capacitados para este fim, e a falta de compreensão por parte dos profissionais penitenciários da importância da educação para os fins do tratamento penitenciário.

Nesse sentido, dados do Ministério da Justiça revelam o enorme abismo que as políticas de educação prisional no Brasil ainda precisam enfrentar. Em junho de 2009 o país tinha uma população carcerária de 469.546 apenados (sendo metade destes, jovens entre 18 e 29 anos), dos quais quase 270.000 eram analfabetos, alfabetizados ou possuíam apenas o ensino fundamental incompleto, e apenas 39.653 praticavam algum tipo de atividade educacional na prisão.

 

Referências bibliográficas:
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Informações Sobre o Autor

Mazukyevicz Ramon Santos do Nascimento Silva

Agente de Segurança Penitenciária na Paraíba; Especialista em Segurança Pública e Direitos Humanos – UFPB/MJ; Mestrando em Direitos Humanos – UFPB; Membro do Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da UFPB; Professor da Escola de Gestão Penitenciária da Paraíba – EGEPENPB


Equipe Âmbito Jurídico

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