Resumo: O orçamento é o principal instrumento de realização de políticas públicas. Assim, a finalidade do Estado, ao obter recursos, para em seguida gastá-los sob a forma de obras, prestação de serviços, ou qualquer outra política pública, é a de realizar os objetivos fundamentais da Constituição Federal. Dentre estes objetivos, destaca-se o da dignidade dapessoa humana, cujo limite de partida será sempre o mínimo existencial, e que ao mesmo tempo vem delimitado em linhas gerais pelos princípios constitucionais e pelos direitos e garantias individuais e coletivos. Será avaliada a necessidade da atuação do Poder Judiciário, garantindo a aplicabilidade do princípio da separação dos poderes, e, ao mesmo tempo, promovendo a efetivação dos direitos fundamentais através de decisões judiciais. Havendo necessidade dessa atuação, é de se verificar quais os parâmetros de controle a serem observados e como operacionaliza-los, de modo a obter uma efetividade dos direitos que exigem a prestação de serviço ou de atendimento público, sem perder de vista os contornos constitucionais. A realização do mínimo existencial não pode depender de uma discricionariedade dos Poderes Executivo e Legislativo, comprometendo recursos financeiros para atender algumas áreas em detrimento de outras mais essenciais.
Palavras-chave: Orçamento público; Políticas públicas; Recursos financeiros.
Sumário: 1. Introdução. 2. O Orçamento Público: Questões Relevantes. 3. Orçamento Participativo, Audiências Públicas e os indicativos legais. 4. Políticas Públicas: Uma questão orçamentária. 5. Efetivação das Políticas Públicas e a escassez de recursos financeiros. 6. Conclusão. Referências bibliográficas.
1. Introdução
O debate em torno da efetividade das políticas públicas que visam garantir os direitos fundamentais preconizados pela Carta Constitucional ainda demanda discussões doutrinárias e principalmente a apreciação desses direitos pelo Poder Judiciário, que frequentemente é provocado para manifestar sobre a liberação de recursos públicos. Com isso, é necessário verificar a possibilidade de aplicar os dispositivos constitucionais pertinentes, com vistas às ações do Estado, deliberadamente em políticas públicas, considerando a costumeira escassez de recursos.
O Estado moderno necessita cada vez mais recursos financeiros para atender às necessidades coletivas. Tais despesas integram o orçamento público. O orçamento não é um mero documento contábil e administrativo. Ele deve considerar o interesse da sociedade. Assim sendo, o orçamento deve refletir um plano de ação governamental. Diversas são as diretrizes, tanto constitucionais quanto infraconstitucionais para orientar a realização e execução do orçamento público.
A destinação e os valores que serão utilizados para a implementação dos serviços públicos, dependem de decisão política quando da elaboração do orçamento público. Neste contexto há que se falar no desenvolvimento de políticas públicas, antes, porém, a sua inclusão no orçamento. É o Estado que elege quais despesas pretende realizar e suas respectivas prioridades. Há então o controle quanto aos gastos públicos que o Estado deve realizar nos termos da legislação aplicável, sob pena de nulidade da despesa realizada.
A Constituição Federal de 1988 é considerada como uma das Cartas mais avançadas em matéria de proteção dos direitos fundamentais. Então, a questão que se apresenta é a de saber quais as prioridades a serem adotadas no momento da definição e da execução dos gastos públicos. Posteriormente, poderá ser avaliada a necessidade da atuação do Poder Judiciário, garantido a aplicabilidade do princípio da separação dos poderes, e, ao mesmo tempo, promovendo a efetivação dos direitos fundamentais através de decisões judiciais. Havendo necessidade dessa atuação, é de se verificar quais os parâmetros de controle a serem observados e como operacionalizá-los, de modo a obter uma efetividade dos direitos que exigem a prestação de serviço ou de atendimento público, sem perder de vista os contornos constitucionais.
Devem ser considerados também os objetivos e os valores fundamentais da República, estatuídos no art. 3º da Constituição Federal bem como os limites constitucionais que são representados pelos valores, objetivos fundamentais da República e programas trazidos pelo texto constitucional, conforme estão demonstrados: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Todos estes objetivos fundamentais devem ser observados pelo Poder Público, notadamente pela edição de normas e demais comandos para o seu atendimento por meio do planejamento e consequentemente nos orçamentos de cada ente político da Federação.
Ao comentar sobre as limitações aos gastos públicos, Scaff[1] pontifica que estes também podem ser materiais,pois o uso de recursos públicos deve se dar de forma a permitir que os objetivos estabelecidos no Art. 3º da Constituição sejam alcançados. Scaff[2], citando Roberto Alexy, destacou: é imprescindível que sejam realizados gastos públicos em direitos fundamentais sociais, a fim de permitir que as pessoas possam exercer sua liberdade jurídica obtendo condições de exercer sua liberdade real. Assim, os gastos públicos não permitem que o legislador, e muito menos o administrador, realize gastos de acordo com suas livre consciência, de forma desvinculada aos objetivos estatuídos no Artigo 3º da Constituição Federal.
Para a implementação dos direitos fundamentais, é de se verificar a questão orçamentária, em que medida há disponibilidade de recursos públicos para custear os direitos sociais. Com a distribuição das competências, a Constituição Federal estabelece quais são as fontes de receita da União, dos Estados, Distrito Federal e dos Municípios, bem como a repartição da receita entre os respectivos entes políticos da Federação. O próprio legislador constitucional indicou algumas situações (com finalidades específicas) cuja receita deverá estar vinculada e comprometida, devendo o gestor público se ater a elas, sob pena de improbidade administrativa.
2. O Orçamento Público: Questões Relevantes
Integram o orçamento da administração pública todas as previsões de receitas quanto às despesas que serão realizadas, conforme dispõe a Lei 4.320/64 que estatui as Normas Gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.
As receitas públicas correspondem aos ingressos, procedentes da arrecadação de tributos ou de outras fontes e são destinadas à satisfação das necessidades públicas, mantidas pelo Estado. Para Aliomar Baleeiro[3], a receita pública é a entrada que, integrando-se no patrimônio público sem quaisquer reservas, condições ou correspondência no passivo, vem acrescer o seu vulto, como elemento novo e positivo.[4]
A Despesa Pública, por sua vez, é o conjunto dos dispêndios do Estado, ou de outra pessoa de direito público, para o funcionamento dos serviços públicos.[5]Em face do princípio da legalidade da despesa pública, ao administrador público éimposta a obrigação de observar as autorizações e limites constantes nas leisorçamentárias. Sob pena de crime de responsabilidade previsto pelo art. 85, VI daConstituição Federal, é vedado ao administrador realizar qualquer despesa sem previsão orçamentária,nos termos do art. 167, inciso II.
Na Constituição Federal, o orçamento está previsto no art. 165, assim disposto: Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão: I – o plano plurianual; II – as diretrizes orçamentárias; III – os orçamentos anuais.O parágrafo 1º ressalta que a lei que instituir o plano plurianual estabelecerá, de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada. Já a lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e prioridades da administração pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subseqüente, orientará a elaboração da lei orçamentária anual, disporá sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento, como está disposto no parágrafo 2º do referido Artigo.
O parágrafo 4º, consequentemente, estabelece que os planos e programas nacionais, regionais e setoriais previstos na Constituição Federal serão elaborados em consonância com o plano plurianual e apreciados pelo Congresso Nacional.
A lei orçamentária anual, como determina o parágrafo 5º do Art. 165 da Constituição Federal compreenderá:
“I – o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público;
II – o orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto;
III – o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público.”
O projeto de lei orçamentária será acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia (§ 6º do art. 165 da Constituição Federal).
Os orçamentos previstos no § 5º, I e II do art. 165 da Carta Constitucional, compatibilizados com o plano plurianual, terão entre suas funções a de reduzir desigualdades inter-regionais, segundo critério populacional. Referido destaque é relevante para analisar este conteúdo juntamente com o artigo 3º, bem como com o artigo 170 da Constituição Federal que estabelece os objetivos fundamentais da República e os princípios e fundamentos da ordem econômica. Com isso, a Constituição Federal, oferece todas as diretrizes para a elaboração, execução e controle do orçamento do Governo Federal. De igual modo, tais parâmetros são estabelecidos nas Constituições Estaduais e nas Leis Orgânicas dos Municípios.
Aliomar Baleeiro conceitua orçamento como o ato pelo qual o Poder legislativo prevê e autoriza ao Poder Executivo, por certo período e em pormenor, as despesas destinadas ao funcionamento dos serviços públicos e outros fins adotados pela política econômica ou geral do país, assim como a arrecadação das receitas já criadas em lei.[6]
Já, José Afonso da Silva destaca que o orçamento é o processo, é o conjunto integrado de documentos pelos quais se elaboram, se expressam, se aprovam, se executam e se avaliam os planos e programas de obras, serviços e encargos governamentais, com estimativa de receita e fixação das despesas de cada exercício financeiro.[7]
Desta forma, o orçamento deverá prever as políticas públicas constituídas com a finalidade de atender os ditames constitucionais.
O Art. 2º da Lei 4.320/64, estabelece que a Lei do Orçamento deverá conter a discriminação da receita e despesa de forma a evidenciar a política econômica financeira e o programa de trabalho do Governo, obedecidos os princípios de unidade universalidade e anualidade. O Art. 3º destaca que a Lei de Orçamentos compreenderá todas as receitas, inclusive as de operações de crédito autorizadas em lê. O Art. 4º enaltece que referida lei compreenderá todas as despesas próprias dos órgãos do Governo e da administração centralizada, ou que, por intermédio deles se devam realizar, observado o disposto no artigo 2°.
O orçamento é o principal instrumento de realização de políticas públicas. Assim, a finalidade do Estado, ao obter recursos, para em seguida gastá-los sob a forma de obras, prestação de serviços, ou qualquer outra política pública, é a de realizar os objetivos fundamentais da Constituição Federal. Dentre estes objetivos, destaca-se o da dignidade da pessoa humana, cujo limite de partida será sempre o mínimo existencial, e que ao mesmo tempo vem delimitado em linhas gerais pelos princípios constitucionais e pelos direitos e garantias individuais e coletivos.[8]
É no orçamento-programa que o Governo[9] estabelece sua política com previsões de despesas e respectivas receitas. Tem-se, então que a função de traçar as políticas públicas é de iniciativa do Poder Executivo, com a aprovação do Poder Legislativo na elaboração orçamentária, para posterior aprovação pelo Congresso Nacional, em se tratando do orçamento federal.
A Constituição Federal incluiu o orçamento público como importante instrumento de governo, tanto para o desenvolvimento econômico quanto para o desenvolvimento social e político. Destacou, para tanto, a necessidade de aprovação de três leis, sendo: a Lei do Plano Plurianual (PPA) nos termos do Art. 165, § 4º, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) como dita o Art. 166, § 4º e a Lei Orçamentária Anual (LOA). Todos os planos e programas governamentais devem estar em harmonia com o plano plurianual e a LDO deverá estar em harmonia com o PPA.
Deve ser demonstrado pela Administração Pública que os objetivos constitucionalmente estabelecidos (Art. 3º) foram previstos no planejamento orçamentário, pois a Constituição cuidou de direcionar a conduta do legislador e do administrador, impondo diretrizes a serem necessariamente cumpridas. Portanto, a discricionariedade da Administração indica o modo como irá concretizar os objetivos da República, não devendo ser confundido com ampla liberdade, conforme enfatiza Piscitelli[10]:
“Seja na produção e fornecimento de bens e serviços públicos, seja atuando nas clássicas funções tendentes a promover o crescimento, a redistribuição e a estabilização, o Estado é o agente fundamental que, por meio de diferentes políticas, pode interferir decisivamente na atividade econômica de qualquer país.”
Acrescenta, que por tais razões é que a função orçamentária e financeira da Administração Pública é tão importante. Em países em que já se adquiriu a consciência política de sua relevância em todas as atividades governamentais, os cidadãos e as instituições participam mais ativamente do processo de alocação e utilização dos recursos públicos.
Ao tratar da Lei Orçamentária anual, confirma o autor[11] que:
“[…] essa lei, com base nas estimativas e autorização para a obtenção de receitas, fixa, até o encerramento da sessão legislativa, os gastos para o exercício seguinte. Este é o calendário previsto, tudo dentro de uma perspectiva de planejamento a médio prazo, com planos plurianual nacionais, regionais e setoriais. E que o planejamento é uma forma de a sociedade, por meio de seus representantes e instituições, aferir suas potencialidades e limitações, coordenando seus recursos e esforços para realizar, por intermédio das estruturas do Estado, as ações necessárias ao atingimento [sic] dos objetivos nacionais.”
Portanto, é irrecusável a tarefa de identificar e avaliar a direção e o papel do Estado, a gestão dos recursos e a destinação final do gasto público.
É preciso conquistar o orçamento, torná-lo, de fato e de direito, o que ele deveria ser, é o que assegura Gustavo Amaral[12], ao salientar que é o momento máximo da cidadania, em que as escolhas públicas são feitas e controladas. A experiência brasileira, contudo, é antiorçamentária, não apenas pela hipertrofia do Executivo, mas pela própria desconfiança quanto ao orçamento. Destaca que a realidade brasileira é a de progressiva vinculação de recursos para os mais variados fins. Há, portanto, um longo caminho a percorrer. Ele depende, contudo, que não se tenha como “direito fundamental incontrastável com questões menores” como as finanças públicas e o fornecimento de todo e qualquer medicamento.[13]
E, nesse contexto, destaca-se que o orçamento é o palco no qual devem estar explicitadas as políticas públicas de um Estado em um determinado momento. E, nele, o Estado, conjuntamente as funções Executiva e Legislativa devem se fazer presente via processo orçamentário, desde a elaboração do plano plurianual, passando pela lei de diretrizes orçamentárias, e com a lei orçamentária anual.
O Poder Judiciário deve, exercer seu papel constitucional de julgamento das políticas públicas no sentido de implementação gradual dos direitos fundamentais à prestação e de garantia da dignidade humana, alcançando o bem da vida àqueles que lhe socorrerem.[14] Esta é uma questão polêmica que requer cuidadosa análise.
Embora, sendo objeto de apreciação no item 4 e 5, serão, desde já, traçadas considerações a respeito da atuação do Poder Judiciário, quando da liberação de recursos financeiros para atender interesses individuais ou coletivos. Vem a calhar, então, a posição de Régis Oliveira[15] quando escreve que:
“[…] descabe ao Judiciário, decisão de tal quilate. No entanto, se o fizer, determinando, por exemplo, a construção de moradias, creches, etc., e transitada em julgado a decisão, coisa não cabe ao Prefeito que cumprir a ordem. Para tanto, deverá incluir, no orçamento do próximo exercício, a previsão financeira. Esclarecerá à autoridade judicial a impossibilidade de cumprimento imediato da decisão com trânsito em julgado, diante da falta de previsão orçamentária, e obrigar-se-á a incluir na futura lei orçamentária recursos para o cumprimento da decisão”.[16]
Há doutrinadores[17] que defendem a posição de que diante da escassez de recursos e da multiplicidade de necessidades sociais, cabe ao Estado efetuar escolhas, estabelecendo critérios e prioridades. Tais escolhas consistem na definição de políticas públicas, cuja implementação depende de previsão e execução orçamentária. E, que as escolhas realizadas pelo Estado devem ser pautadas pela Constituição Federal, documento que estabelece os objetivos fundamentais que deverão ser satisfeitos pela autoridade estatal.
A título de complementação serão incluídas algumas notas sobre a participação popular na discussão, aprovação e execução do orçamento participativo e de audiências públicas que envolvam interesses relacionados à destinação de recursos financeiros para aprovação e implementação de políticas públicas.
3. Orçamento Participativo, Audiências Públicas e os indicativos legais
A iniciativa na elaboração do orçamento é do Poder Executivo e é encaminhada ao Poder Legislativo, por previsão constitucional como já explicitado anteriormente. No entanto, o inciso XII do artigo 29 da Constituição Federal prevê a cooperação de associações representativas no planejamento municipal,[18] o que possibilita a participação da sociedade direta ou indiretamente na discussão da alocação de recursos para atender as finalidades pertinentes.
A democracia participativa, para ser exercida, necessita contar com uma sociedade civil organizada, cobrando de seus governantes uma postura que se coadune com os interesses desta sociedade entre outras circunstâncias.
Nesse sentido ressalta Fernando Borges Mânica:
“No Estado Social e Democrático de Direito, o orçamento instrumentaliza as políticas públicas e define o grau de concretização dos valores fundamentais constantes do texto constitucional. Dele depende a concretização dos direitos fundamentais. Neste cenário, a Constituição de 1988 alçou o orçamento público a importante instrumento de governo, tanto para o desenvolvimento econômico quanto para o desenvolvimento social e político.”[19]
A elaboração do orçamento participativo é possibilitar o exercício de cidadania ativa, possibilitando aos cidadãos a participação nas decisões políticas, especialmente no processo de elaboração e execução do orçamento do município, visando à efetivação de políticas públicas.
Embora não conste expressamente do texto constitucional de 1988, a participação da comunidade na realização do orçamento é possível verificar esse instituto, a exemplo do art. 48, parágrafo único da Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal) que assevera: São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos.
Referida Lei também destaca que a transparência será assegurada também mediante incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e de discussão dos planos, lei dediretrizes orçamentárias e orçamentos. Assim, há previsão legal para que a sociedade possa participar da discussão orçamentária, como plano da respectiva sociedade de receitas e despesas.
O art. 4º, §3º e art. 44 da Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), em especial esse último artigo que impõe a discussão do orçamento como pressuposto obrigatório para aprovação do projeto pelas câmaras municipais, merece ser destacado. Estabelece o art. 44, que no âmbito municipal, a gestão orçamentária participativa de que trata a alínea f do inciso III do art. 4º desta Lei, incluirá a realização de debates, audiências e consultas públicas sobre as propostas do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e do orçamento anual, como condição obrigatória para sua aprovação pela Câmara Municipal.
Escreve Sergio Assoni Filho[20] que o controle social do orçamento público no âmbito local aproxima as decisões governamentais do genuíno anseio popular, tornando a ação estatal mais efetiva e à medida do cidadão individualmente considerado, se prestando também ao seguinte: a) propicia maior eficiência na alocação de recursos; b) assegura maior efetividade no planejamento econômico; c) enseja a hierarquização de prioridades; d) obsta o arbítrio governamental, mediante um controle da execução orçamentária mais profícua; e) promove a democratização do poder, conferindo visibilidade ao processo de tomada de decisões políticas; f) favorece a continuidade administrativa; g) educa para a cidadania, contendo um forte caráter pedagógico.
Pode-se, então, afirmar que existem diversos dispositivos legais que possibilitam a participação popular na elaboração e aprovação do orçamento e destinação de verbas públicas entre outras participações que envolvem interesses da sociedade, conforme apontado. Embora de maneira ainda pouco expressiva, deve ser considerada uma breve evolução neste sentido, para a inclusão de políticas públicas no orçamento no âmbito municipal.
4. Políticas Públicas: Uma questão orçamentária
A Constituição Federal de 1988 elegeu os direitos sociais à categoria de direitos fundamentais, dispondo no Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais. Por isso, esses direitos também estão sujeitos ao que determina o art. 5º, § 1º, da Constituição Federal, que prevê a aplicação imediata das normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais. Aplicabilidade imediata, não significa, contudo, que o Estado está obrigado a prestar e a garantir os direitos de forma absoluta. Nesse sentido é possível, portanto, ver uma possibilidade de aplicação da teoria da reserva do possível, uma vez que não há como negar fatores como escassez de recursos ou mesmo disponibilidade de verbas orçamentárias.[21]
Referidos direitos reclamam, quanto a sua efetivação, um mínimo de concretização. Isso significa que a reserva do possível não pode ser usada para justificar nenhuma concretização. Isso equivale a lesar o direito social em questão.[22] Portanto, deve ser verificado qual o mínimo de conteúdo que pode ser exigido do Estado quando da realização dos direitos sociais, considerando a impossibilidade de realização plena.
Canotilho[23] destaca a questão financeira para a garantia dos direitos sociais, econômicos e culturais previstos na Constituição Federal, sendo que a realização desses está atrelada à capacidade financeira do Estado, apresentando a reserva do possível como:
“1. “Reserva do possível” significa a total desvinculação jurídica do legislador quanto à dinamização dos direitos sociais constitucionalmente consagrados.
2. Reserva do possível significa a “tendência para zero” da eficácia jurídica das normas constitucionais consagradoras de direitos sociais.
3. Reserva do possível significa gradualidade[sic] com dimensão lógica e necessária da concretização dos direitos sociais, tendo sobretudo em conta os limites financeiros.
4. Reserva do possível significa indicabilidadejurisdicional das opções legislativas quanto à densificação legislativa das normas constitucionais reconhecedora de direitos sociais.”
Ao escrever sobre a reserva do possível, Fernando Scaff[24] apresenta, que como o Estado não cria recursos, mas apenas gerencia os que recebe da sociedade, é imperioso que haja uma correlação entre as metas sociais e os recursos que gerência, seja através de arrecadação própria ou de empréstimos obtidos junto ao mercado. Destaca ainda que, quem estabelece para o Estado estasmetas e o volume de recursos a serem utilizados para seu alcance é a sociedadeatravés de seu ordenamento jurídico.[25]
A reserva do financeiramente possível pode ser entendida como a realização dos direitos sociais condicionada à disponibilidade e ao volume de recursos suscetíveis, para que não se inviabilize todo o sistema, localizada no campo discricionário das decisões oriundas das políticas de governo e das atividades legislativas, as quais estão sintetizadas no orçamento público. Ou, como apresenta Mariana Filchtiner Figueiredo[26], ao comentar sobre o sistema de saúde:
A reserva do financeiramente possível pode ser assim interpretada como objeção à efetividade dos direitos fundamentais, especialmente dos direitos sociais a prestações materiais, consistente no respeito às decisões orçamentárias estabelecidas pelo legislador democrático, na ponderação concreta entre a escassez dos recursos financeiros disponíveis e o dever de otimizar a concretização dos direitos fundamentais.
Como todos os direitos custam dinheiro, a reserva do possível só pode ser invocada para aquelas situações que extrapolem o mínimo existencial e que se refiram aos indivíduos que possuam meios de obter por si sós a prestação pretendida. No que parece ser desatenção sobre o uso da reserva do possível, costuma-se dizer que “as necessidades humanas são infinitas e os recursos financeiros para atendê-las são escassos.”.[27] De fato, elementos que devem ser considerados no embate entre os direitos a prestações e a escassez de recursos são os ditames econômicos nacionais.[28]
Neste sentido, é comum a confusão entre reserva do possível e reserva orçamentária, pela qual se entende que certos direitos, notadamente os direitos sociais, estão sujeitos à dotação orçamentária, isto é, à disponibilidade financeira ou material.[29] A realização do mínimo existencial não pode depender de uma discricionariedade dos Poderes Executivo e Legislativo, comprometendo recursos financeiros para atender algumas áreas em detrimento de outras mais essenciais.
A reserva do possível não deve ser observada somente sob o prisma econômico, mas, também, pelo fato de que mesmo as leis orçamentárias têm um grau jurídico-normativo.[30]
No que se refere à jurisprudência, pode-se verificar uma linha de transição. Após o entendimento segundo o qual não cabe ao Poder Judiciário intervir na definição de quaisquer políticas públicas, por óbice decorrente do princípio da separação de poderes e da discricionariedade administrativa, algumas decisões passaram conceber tal intervenção, nos casos em que se discutisse a efetivação de direitos fundamentais. Passou-se a admitir, assim, a prevalência absoluta dos direitos fundamentais. Entretanto, em face da limitação de recursos orçamentários e da consequente impossibilidade de efetivação de todos os diretos fundamentais sociais ao mesmo tempo, passou-se a sustentar, como restrição a tal intervenção do Poder Judiciário em caráter absoluto, a teoria da reserva do possível.[31]
5. Efetivação das Políticas Públicas e a escassez de recursos financeiros
A Declaração Universal dos Direitos do Homem em 1948 destaca no art. 25 que toda pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para assegurar a sua saúde, o seu bem estar e o de sua família, especialmente para alimentação, o vestuário, a moradia, a assistência médica e para os serviços sociais necessários.
A Constituição Federal de 1988 estabelece que constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a erradicação da pobreza e da marginalização bem como a redução das desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III). Por sua vez, a positivação do direito ao mínimo existencial se dá pela legislação infraconstitucional.[32]
Estabelece o artigo 196 da Constituição Federal que é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Ao mesmo tempo, o art. 6º afirma que são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, à proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados.
A Constituição Federal fez distinção entre as prestações de saúde que constituem a proteção do mínimo existencial e das condições necessárias à existência, que são gratuitas, e as que se classificam como direitos sociais e que podem ser custeadas por contribuições. Com isso, inclui as atividades preventivas em geral, o direito ao atendimento integral e gratuito, afirma Ricardo Lobo Torres[33]. Por sua vez, a medicina curativa e o atendimento nos hospitais públicos, são remunerados pelos pagamentos das contribuições, ao sistema de seguridade público ou privado. No entanto, deve ser considerada a exceção das situações de atendimento de pessoas que têm o direito ao mínimo de saúde, sem qualquer contraprestação financeira, considerando tratar-se de direitos fundamentais.
Para tanto, política pública deve ser compreendida como um conjunto de atuações do Poder Público e não como ato ou atos isolados. Como esclarece Fábio Konder Comparato[34], “é um programa governamental”, não se restringindo as normas ou atos singulares, mas antes consistindo “numa atividade, ou seja, uma série ordenada de normas e atos, do mais variado tipo, conjugados para a realização de um objetivo determinado”. Na seqüência, acrescenta que toda política pública, como programa de agir, envolve uma meta a ser alcançada e um conjunto ordenado de meios ou instrumentos (pessoais, institucionais e financeiros), tais como leis, regulamentos, contratos e atos administrativos.
Nessa mesma esteira Cristiane Derani[35], afirma que política pública é um conjunto de ações coordenadas pelos entes estatais, em grande parte, por eles realizadas destinadas a alterar as relações sociais existentes.
Sob o ponto de vista de Canotilho, o destaque da doutrina constitucionalista demarca:
Ao legislador compete, dentro das reservas orçamentárias, dos planos econômicos e financeiros, das condições sociais e econômicas do país, garantir as prestações integradoras dos direitos sociais, económicos e culturais. [36]
A relação entre as políticas públicas e o orçamento é ponderada por Ricardo Lobo Torres ao destacarque o relacionamento entre políticas públicas e orçamento é dialético: o orçamento prevê e autoriza as despesas para a implementação das políticas públicas; mas estas ficam limitadas pelas possibilidades financeiras e por valores e princípios como o do equilíbrio orçamentário.[37]
Por sua vez, o conceito de política pública está relacionado com o orçamento, conforme ressalta Bucci:[38]Políticas públicas são programas de ação governamental visando a coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados. E prossegue[39]: Parece relativamente tranquila a ideia de que as grandes linhas das políticas públicas, as diretrizes, os objetivos, são opções políticas que cabem aos representantes do povo, e, portanto, ao Poder Legislativo, que as organiza sob forma de leis, para execução pelo Poder Executivo, segundo a clássica tripartição das funções estatais, em legislativa, executiva e judiciária. Entretanto, a realização concreta das políticas públicas demonstra que o próprio caráter diretivo do plano ou do programa implica a permanência de uma parcela da atividade “formadora” do direito nas mãos do governo (Poder Executivo), perdendo-se a nitidez da separação entre os dois centros de atribuições.
De qualquer forma, a relação entre orçamento público e políticas públicas,é bem estreita como menciona Régis Fernandes de Oliveira: a decisão de gastar é, fundamentalmente, uma decisão política. O administrador elabora um plano de ação, descreve-o no orçamento, aponta os meios disponíveis para seu atendimento e efetua o gasto. A decisão política já vem inserta no documento solene de previsão de despesas.[40]
As políticas públicas atuam de forma complementar, preenchendo os espaços normativos e concretizando os princípios e regras, com vista a objetivos determinados.[41] Frequentemente, para a efetivação dos direitos sociais a reserva do possível como limite, mas não se tem explorado tal reserva como obrigação de gastar todos os recursos possíveis/disponíveis para implementar os direitos fundamentais. Dá-se realce ao signo “reserva”, mas não ao qualificativo “possível”. Afinal, o que é possível para o Estado Brasileiro em matéria de alocação de recursos para a efetivação dos direitos sociais a prestações materiais? Será que não há mesmo dinheiro suficiente para investir em políticas públicas atinentes aos direitos sociais? Não, caso se queira resolver tudo de uma hora para outra. Mas sim, quando se projeta uma obrigação de progressiva satisfação desses direitos.[42]
O Ministro Celso de Melo, no julgamento da ADIn n.º 1458-7 DF, manifestou: se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exequíveis, abstendo-se, em consequência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional. E ainda adiantou: Não se pode tolerar que os órgãos do Poder Público, descumprindo, por inércia e omissão, o dever de emanação normativa que lhes foi imposto, infrinjam, com esse comportamento negativo, a própria autoridade da Constituição e efetuem, em consequência, o conteúdo eficacial dos preceitos que compõem a estrutura normativa da Lei Maior. Explicitou também, que a cláusula da ‘reserva do possível’ – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente auferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.
De igual modo é a manifestação de Burkle[43]: a omissão do Estado que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental.
O que se tem observado é que o Poder Judiciário tem verificado e exigido, não a mera alegação de inexistência de recursos, mas a comprovação de ausência total de recursos. Nesse sentido, é a decisão do Supremo Tribunal Federal: É que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais – além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização –depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, consideradaa limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política.[44]
Na decisão pode ser observado também que a cláusula da “reserva do possível” – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.[45]
Após estas considerações pode-se questionar: E se o orçamento não prever determinada despesa nem comportar a transferência ou realocação de verbas? Pode o Poder Judiciário determinar que o Gestor Público preste um serviço, ou atue de modo a atender um direito fundamental de forma isolada ou com vistas à execução de políticas públicas?
O grande número de pedidos para atendimento dos direitos sociais poderá provocar um desequilíbrio financeiro, com o comprometimento nas finanças públicas. Daí a reserva do possível forjar a abstenção de despesas desproporcionais, como é o caso de dispêndio de elevadíssima quantia em prol de um único beneficiário[46]. Por isso, deve ser realizada análise cuidadosa sobre esta situação, considerando que em alguns casos, os possíveis beneficiários dispõem de condições financeiras para pagar tais serviços.
Eduardo Appio, ao tratar do controle judicial das políticas públicas no Brasil enaltece que:
“Existe, portanto, um conflito direto entre o direito à vida de um cidadão, o qual busca através [sic] do Poder Judiciário, a sua sobrevivência, e o direito à vida de outros cidadãos, os quais dependem do orçamento público para sobreviver. A decisão acerca das prioridades a serem conferidas pelo Estado nesta área é essencialmente uma decisão política e moral, que refoge do âmbito do controle judicial, motivo pelo qual as ações individuais em face do Estado não podem implicar a ‘substituição da atividade administrativa”.[47]
Para analisar esta possibilidade de atuação do Poder Judiciário na destinação de recursos, se faz necessário abordar algumas considerações sobre a separação de poderes, que embora uno, é dividido em três: Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário. Poderes esses, independentes entre si, não podendo um deles sofrer interferência de outro. Muitas vezes, é observada relativa intervenção do Poder Judiciário junto aos demais Poderes, que por certo, coaduna com o objetivo descrito neste contexto.
Há, todavia, o entendimento segundo o qual, na verdade, no Brasil, não é adotado o mecanismo da separação dos poderes, e sim o do balanceamento dos poderes, pelo qual as funções típicas de cada poder podem, eventualmente, ser exercidas por outro.[48]
A Constituição Federal contempla ampla proteção aos direitos fundamentais, especialmente na defesa do princípio da dignidade da pessoa humana. Por isso, para alguns doutrinadores, seria possível ao Poder Judiciário intervir na esfera administrativa, quando o Poder Executivo deixar de atender os princípios fundamentais.
Mesmo que o princípio da separação dos poderes não resulte na não interferência do Poder Judiciário na esfera dos direitos sociais, é certo que deverá sempre haver um respeito pelo papel dos demais poderes da República.
Destaca Fernando Scaff que:
“O papel do Poder Judiciário não é o de substituir o Poder Legislativo, não é o de transformar “discricionariedade legislativa” em “discricionariedadejudicial”, mas o de dirimir conflitos nos termos da lei. Proferir sentenças aditivas sob o impacto da pressão dos fatos, mesmo que dos fatos sociais mais tristes, como a possibilidade da perda de uma vida ou de falta de recursos para a compra de remédios, não é papel do Judiciário”.[49] (destaques do original)
Na sequência enaltece o autor:
“Este não cria dinheiro, ele redistribui o dinheiro que possuía outras destinações estabelecidas pelo Legislativo e cumpridas pelo Executivo – é o “Limite do Orçamento” de que falam os economistas, ou a “Reserva do Possível” dos juristas. Ocorre que os recursos são escassos e as necessidades infinitas. Como o sistema financeiro é um sistema de vasos comunicantes, para se gastar de um lado precisa-se retirar dinheiro do outro. E aí será feito aquilo que no ditado popular se diz como “descobrir um santo para cobrir outro”.[50]
Nesse mesmo sentido destaca o Prof. Ricardo Lobo Torres, se valendo de análise do direito americano, ressalta que a ordem para que o Poder Legislativo edite a lei, necessária à apropriação de recursos para a garantia dos direitos humanos, com a conseqüente reformulação do orçamento, passa a ser vista como compatível com a separação dos poderes e o federalismo.[51]
Referindo-se à reserva do possível[52], com possível desequilíbrio no orçamento público, envolvendo questões pertinentes ao direito à saúde, Ingo Wolfgang Sarlet, ao comentar sobre o tem cita o Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes:
“O Ministro Gilmar Mendes também já lembrou, em decisão recente, que existe um dever constitucional de investir recursos e até mesmo limites e pisos, que devem ser investidos na área da Saúde. Há estudos atuais comprovando, categoricamente, que a União não gasta em nenhuma rubrica orçamentária aquilo que foi disponibilizado pelo orçamento, inclusive na área da Saúde. Há provas cabais de Estados e Municípios que não investem naquilo que foi imposto pela União no direito à Saúde. Alegar reserva do possível nessas circunstâncias é uma alegação vazia. […] O ônus da demonstração, o ônus da prova da falta de recurso é do Poder Público; o ônus da necessidade do pedido é do particular”.[53]
Há também o argumento de que ao administrador é dada certa discricionariedade, segundo a qual lhe é permitido fazer ou deixar de fazer algo em virtude da oportunidade e conveniência. Com isso, pode registrar a possibilidade do administrador se valer da reserva do possível, pela qual só se faz algo se os recursos o permitirem. Nesse sentido ressalta Gustavo Silva que engana-se, todavia, quem assim postula. Isso, porque em se tratando de direitos fundamentais, tem-se, na verdade, opções vinculativas que o constituinte legou ao legislador infraconstitucional, isto é, algum direito fundamental só pode sofrer restrição em face de outro direito igualmente fundamental; grosso modo, valendo-se da cláusula da reserva do possível, ao administrador cabe optar por realizar um entre dois direitos fundamentais, na impossibilidade de realizar os dois, e do modo mais adequado possível.[54]
É também, o entendimento de Germano Schwartz[55] que pontifica que não há como alegar ausência de verba orçamentária para a consecução da saúde que é um direito de todos e dever do Estado.
Ao comentar sobre o mandando de injunção, o professor Ricardo Lobo Torres destaca que o mesmo deixou de ser instrumento de garantia dos direitos da liberdade e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania, à cidadania que estão interligados para assegurar também os direitos sociais e até os econômicos. Mas, segundo o autor[56], estes direitos que vivem sob a “reserva do possível”, subordinados à concessão do legislador e à previsão orçamentária, não poderiam ser adjudicados de acordo com normas estabelecidas pelo juiz.
Ainda há controvérsias sobre a efetivação de políticas públicas em determinados casos concretos, por parte da atuação do Poder Judiciário como destaca Paula Afoncina Barros Ramalho[57], que algumas decisões principalmente de primeira instância, têm acenado para a possibilidade de revisão judicial das escolhas orçamentárias. Outras a têm negado, com base numa concepção ortodoxa do princípio da separação dos poderes e numa visão potencializadora dos espaços de discricionariedade administrativa. Falta, ainda, uma teorização consistente e um esforço analítico para a fixação de parâmetros de controle judicial, de modo a minorar essas oscilações jurisprudenciais, sempre danosas à segurança jurídica.
Ricardo Augusto Dias da Silva[58], ao tratar da jurisprudência nacional e a reserva dopossível, destacou que:
“A jurisprudência nacional, notadamente o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, como referido […] sobre o mínimoexistencial, tem pautado majoritariamente seu entendimento pela aplicabilidade e recepção da teoria da reserva do possível, fundamentando as decisões não somente pela disponibilidade de recursos, mas também ao argumento das competências constitucionais estabelecidas, do princípio da separação dos Poderes, da reserva da lei orçamentária e ainda do princípio federativo”. (destaques do original)
6. Conclusão
Cada um dos poderes constituídos deverá exercer o seu papel para implementar os direitos fundamentais, considerando que o orçamento de cada ente da Federação, deve incluir as políticas públicas, conforme previsões legais que as autorizem.
O Estado não pode perder de vista os objetivos fundamentais, traçados no artigo 3º da Constituição Federal. E, para atender tais objetivos, deve elaborar um planejamento adequado, com um orçamento que lhe permita a viabilização dos direitos sociais, assegurando existência digna a todos.
De igual modo, o Estado não pode alegar escassez de recursos, a fim de justificar sua omissão, se os limites constitucionais não tiverem sido observados. Por isso a reserva do possível não pode ser alegada para justificar o comportamento omissivo do Gestor Público.
Os direitos mínimos garantidos constitucionalmente e as políticas publicas necessárias para sua implementação, necessitam de recursos, para serem concretizados. É papel do Estado, tanto rever quanto aplicar adequadamente esses recursos arrecadados para atender as necessidades coletivas.
O orçamento é o principal instrumento de realização de políticas públicas, de modo que o controle judicial dessas políticas que viabilizam os direitos sociais que necessitam efetivar determinadas prestações passa necessariamente, pelo controle da disponibilidade de recursos e da execução orçamentária.
Até que ponto o Poder Judiciário pode exigir do Poder Executivo, a disponibilidade de recursos para atender os interesses da coletividade (necessidades públicas individuais e coletivas), em sede de direitos fundamentais? Não é uma tarefa fácil devido à subjetividade da situação. Isto porque, se o Poder Judiciário determinar ações para o cumprimento do Estado, que coloca em risco o equilíbrio orçamentário, em detrimento da garantia do atendimento de outros direitos de igual calibre, poderá comprometer outros Programas e Projetos, igualmente prioritários.
Deve ser avaliada que a reserva do possível pode ser requerida e concedida pelo Poder Judiciário para as situações individuais em demandem as condições, em cada caso, que se encontrem abaixo do mínimo existencial.
A sociedade deverá continuar participando de forma mais expressiva na elaboração e aprovação dos orçamentos, das audiências públicas e da execução do mesmo, viabilizando assim, a adoção de políticas públicas adequadas à realidade e às necessidades coletivas.
De igual modo, por meio das entidades representativas a sociedade poder participar ativamente, verificando a execução do orçamento e as respectivas aplicações de recursos financeiros destinados à execução e implementação de políticas públicas.
Doutora em Direito Tributário pela PUC-SP, Professora do Programa de Mestrado em Direito da UNIMAR e Vice-Presidente do Instituto de Direito Tributário de Londrina.
Uma das dúvidas mais comuns entre clientes e até mesmo entre profissionais de outras áreas…
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) regula o trabalho aos domingos, prevendo situações específicas…
O abono de falta é um direito previsto na legislação trabalhista que permite ao empregado…
O atestado médico é um documento essencial para justificar a ausência do trabalhador em caso…
O cálculo da falta injustificada no salário do trabalhador é feito considerando três principais aspectos:…
A falta injustificada é a ausência do trabalhador ao trabalho sem apresentação de motivo legal…