Resumo: O presente trabalha se dirige a esclarecer sobre a improbidade administrativa no que cerne a sua modalidade culposa, trazendo concepções acerca de constitucionalidade, e ainda fazendo relações com o direito penal em face dos aspectos principiológicos. Trabalha-se toda a construção constitucional acerca dos princípios administrativos balizadores do sentido puro da probidade em si. Tenta-se uma ponte tênue entre a conduta do agente versus o resultado da conduta para que a justiça seja alcançada na sua sanção, uma vez que se trata no presente trabalho os aspectos da necessidade do tipo culposo na improbidade.
Palavras-chave: 1. Improbidade. 2. Culpa. 3. Moralidade.
Abstract: This work is aimed to clarify the administrative impropriety in its core guilty modality, bringing conceptions of constitutionality , and still making relations with the criminal law in the face of principiológicos aspects . The work is all about the constitutional construction benchmarks administrative principles of the pure sense of probity itself. Try to be a tenuous link between the conduct of the agent versus the result of conduct for justice to be achieved in their sanction , since it is in this work aspects of the need for involuntary kind in misconduct.
Keywords: 1. Misconduct. 2. Guilt. 3. Morality
Sumário: 1. Introdução. 2. Improbidade administrativa. 3. A constitucionalidade da improbidade 3.1. Da sua inconstitucionalidade. 3.2. Da sua constitucionalidade. 4. O elemento volitivo na improbidade. 5. Conclusões. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O objetivo do trabalho é analisar a necessidade da análise do grau de culpabilidade do agente público face ao art.10 da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº8429/92). Busca-se atingir a inteligência de uma possibilidade de dosimetria entre a conduta e a lesão, de modo a não vulgarizar o diploma legal. A questão a que se suscita seria se seria possível, principalmente (tendo em vista o enfoque do presente) equilibrar a conduta lesiva culposa, ou seja não querida pelo agente, com as sanções previstas a este.
Será analisado o grau de culpa pelo qual se deu a ofensa ao erário, sob reserva de não vulgarizar o diploma legal em questão, de modo a obter uma compreensão mais detalhada do elemento culpa, fazendo breves comparações ao âmbito penal as quais possuem respaldo na jurisprudência.
O objetivo do trabalho é discutir a problemática interpretativa no que cerne a subjetividade do agente, ou seja, a análise de sua conduta versus o resultado da mesma a Administração Pública.
Pretende-se seguir a presente de modo que primeiramente se esclareça o que é a improbidade administrativa em si para que posteriormente se esclareça o que é a improbidade administrativa culposa especificamente a partir de uma visão legislativa e doutrinária e tudo o mais necessário a deixar claro o entendimento do que seria a improbidade administrativa culposa, que por sua vez é o enfoque do presente. Após tal esclarecimento, inicia-se uma análise sob o viés constitucional do tema no que cerne sua (in)constitucionalidade para que após isso possa-se discutir temas mais profundos uma vez já deixada clara todas as percepções essenciais.
Como mencionado, após a análise constitucional do tema, serão abordadas concepções mais profundas, como o que se faz ao analisar em determinado momento a boa-fé face a improbidade administrativa, prosseguindo para a análise do agente e seu animus diante das circunstâncias ensejadoras da improbidade administrativa e após verificaremos os atos do agente diante das circunstancias mencionadas sob o viés de outros ramos do direito que não o direito administrativo em si. Analisando o agente ativo da improbidade administrativa, bem como todos os aspectos que norteiam a sua conduta será possível resolver a questão da medida da sua conduta, isto é, a abrangência da mesma no âmbito de sua responsabilidade.
Por fim restara analisar o agente e sua conduta em si. Será trabalhada a analise ainda de cada tipo de sujeito ativo da improbidade administrativa, analisando a improbidade administrativa relacionada a cada um deles, não deixando de mencionar os crimes de responsabilidade bem como a lei da ficha limpa, a qual tem importância sui generis. Ainda por fim será tratado ato improbo em si, o momento da conduta, o destino do ato da agente face ao resultado lesivo.
2. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Neste capítulo será apresentada uma compreensão lata da improbidade administrativa e seu encaixe no ordenamento jurídico brasileiro, tanto no que cerne sua aplicação, quanto a sua constitucionalidade. Desta forma a improbidade administrativa em si será clara de modo a lograr a conceituação em si do que seria a sua modalidade culposa.
A conceituação da improbidade administrativa deve partir da análise constitucional, legislativa e também doutrinária, de modo a identificar o papel e as características desse tipo de sanção no ordenamento jurídico.
Antes que se inicie uma análise da improbidade administrativa em si, é importante identificar o conceito de Administração Pública. Com isso, torna-se possível entender a relação entre a improbidade administrativa, interesse público e a conduta esperada dos agentes públicos. Deve-se ainda trazer à tona o que seria a probidade, pois assim a concepção do que realmente seja a improbidade torna-se mais completa.
Ressalte-se que, quando utiliza-se na presente o termo Administração Pública da forma como apresentado, com letras maiúsculas, significa dizer que não se está referindo ao sentido objetivo do termo mas sim ao sentido subjetivo, sentido esse que, conforme bem explica José dos Santos Carvalho Filho, seria um “conjunto de agentes, órgãos e pessoas jurídicas que tenham a incumbência de executar as atividades administrativas”[1], segundo ele toma-se com importância nesse caso o sujeito em si, ou seja, o executor da função pública.
Por sua vez o agente público seria, conforme art.2º da Lei nº 8.429/92 (Lei da Improbidade Administrativa):
“Reputa-se agente público, para os efeitos desta Lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.”
Errôneo seria crer que tal denominação caberia tão somente ao funcionalismo público de baixo escalão pois, conforme pode-se notar, o sentido é realmente amplo, atingindo desde os servidores públicos com atividades mais simplórias, aos Chefes do Executivo, como bem explica nesse sentido José dos Santos Carvalho Filho[2].
Tendo-se então tais definições, torna-se possível entrar no que seria entre os deveres dos agentes públicos, o mais relevante diante do que deseja-se demonstrar, o dever geral de probidade.
Nesse sentido, tendo em vista o enfoque do presente, deve-se tratar do dever geral de probidade, dever esse que está positivado na Lei nº 8.429/92 em seu art.4º:
“Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhe são afetos.”
Nota-se desta forma que a própria lei dirige certa indicação de conduta voltada a um cumprimento produtivo do serviço. Importante ressaltar que o dever de probidade ultrapassa o próprio indivíduo, pois conforme bem elucidado por Waldo Fazzio Junior, o dever geral de probidade incorporado no art.4º da Lei nº 8.429/92, ao mencionar que deve-se “velar pela estrita observância”, deixa o comando de que se deve levar ao conhecimento daquele que seja o superior hierárquico, a pratica de condutas que atentem contra a probidade administrativa[3].
Aproveitando o ensejo, pode-se então tratar do que realmente é a probidade em si, para que assim possa-se adentrar no que seria a improbidade em si. A “probidade” nas palavras de Carvalho Filho (2013, p.244) “Tem o sentido de honestidade, boa-fé, moralidade por parte dos administradores”[4] ou seja, nota-se que a probidade está diretamente ligada a honra subjetiva daquele que atua na Administração Pública.
Nas palavras de Rosaura Moreira Brito Bastos, há o que se chama de moralidade administrativa, e será ela a nortear o presente trabalho pois dela flui a mais clara interpretação funcional da Administração Pública:
“A moralidade administrativa como princípio jurídico do Estado Moderno, com suas características de autonomia e eficácia, fundamenta, portanto, a interpretação das normas jurídicas e serve de critério objetivo à aferição da conduta do agente público. A consequência prática disso é a possibilidade de um controle de constitucionalidade com base no princípio da Moralidade, pois normas e atos que não respeitem tal princípio fundamental só sistema jurídico e, no dizer de Celso Bandeira de Mello, e muito mais grave ferir um princípio que ferir uma norma. Assim o controle da moralidade administrativa é fator que interessa não apenas ao administrador público, mas, antes, a toda coletividade.”[5]
Ainda nesse ínterim percebe-se nas palavras de Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves, com clareza tanto a significação bem explicitada da palavra Probidade em si, quanto a sua etimologia, que se demonstra relevante para possa-se compreender de forma mais completa a probidade:
“A probidade encontra sua origem mais remota no latim probus, que significa aquilo que brota bem (pro+bho-da raíz bhu, nascer, brotar), denotando o que é bom, o que tem boa qualidade. De forma correlata ao sentido etimológico, teve-se uma contínua utilização do vocábulo em uma concepção figurada, sendo frequentemente empregado para caracterizar o indivíduo honrado, íntegro, reto, leal que tem bons costumes e é honesto, casto e virtuoso. Este uso terminou por relegar a pureza linguística a plano secundário, tendo sido consagrada a linguagem figurada. Como derivação do designativo individual (probus) tem-se a variante caracterizadora de tal qualidade, papel desempenhado pelos vocábulos probitas ou probitatis, os quais, em vernáculo, espelham a probidade”. [6]
Pode-se, a partir do que fora explicado até o presente momento, compreender que a improbidade, conforme denotado pelas definições, seria uma ausência dessa honestidade e integridade mencionada, diante das funções públicas em termo genérico, conforme José dos Santos Carvalho Filho[7] seria uma “inobservância desses valores morais, retratando comportamentos desonestos, despidos de integridade e usualmente ofensivos aos direitos de outrem”.
A improbidade administrativa, segundo José Roberto Pimenta Oliveira, divide em 3 artigos conforme cada ofensa:
“Respeitando o marco axiológico objetivado na Constituição Federal, a Lei nº 8.249/92 enumerou três categorias de atos de improbidade administrativa, em seus artigos 9º, 10 e 11, adotando um critério formal: a relevância jurídica assinalada a ofensa a certa vertente axiológica específica, identificada a partir do processo de decomposição do bem jurídico fundamental da probidade”[8].
Desta forma, a gravidade fica em forma decrescente sendo a mais grave no artigo 9º da referida lei e a menos gravosa no artigo 11 da mesma.
Ao obter-se a exata noção probidade e a improbidade, bem como a definição do que seria o agente público, parte notadamente importante no trabalho, pode-se então falar em seguida no próximo tópico, especificamente do que seria a improbidade administrativa culposa, elencada no artigo 10 da referida lei de improbidade administrativa, sendo ela a de gravidade média segundo José Roberto Pimenta Oliveira [9].
Conforme já anteriormente citado e explicado, a improbidade administrativa se divide em três grandes divisões no que cerne a gravidade, e aqui falaremos especificamente da conduta culposa presente no art.10 da Lei de Improbidade Administrativa. A conduta culposa se encontra quando o referido artigo menciona “[…]qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa[…]”, e trataremos especificamente da ação culposa.
Tal artigo se mostra bem explicado nas palavras de Mauro Roberto Gomes de Matos[10]:
“O caput do art. 10 da Lei nº 8.429/92 afirma que constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no artigo inaugural da Lei nº 8.429/92.
Assim, para que haja a subsunção na hipótese em tela, a conduta do agente público, ainda que seja omissão, dolosa ou culposa, deverá acarretar prejuízo para o erário, causando-lhe lesão”.
O que importa na presente é tratar do próprio agente, os aspectos da sua conduta e, como o agente conduz sua vontade, segundo Waldo Fazzio Junior[11] a culpa seria o que realmente o agente deseja em relação ao fato em questão ainda que o resultado seja diverso do pretendido. Ele esclarece a culpa na improbidade administrativas[12] nos seguintes termos:
“Culpa é a omissão de diligência na observância da norma de conduta administrativa, ou seja, a negligência do agente em observá-la, com resultado não querido, mas previsível. É o descuido na consideração das consequência eventuais do ato, como prefere NUCCI (2006, p.216), “é o comportamento voluntário desatencioso, voltado a um determinado objetivo, lícito ou ilícito, embora produza resultado ilícito, não desejado, mas previsível, que podia ser evitável"
Nesse sentido da análise do elemento subjetivo, Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves[13] analisam a culpa, entendendo que o art.10 da referida lei não faz distinção de grau de culpa, não influindo na configuração do tipo tal analise de graus. O que seria segundo eles, muito relevante na configuração da culpa, seria a previsão do que seria o efeito danoso, e nesse sentido sim poderá ser valorado o grau de culpabilidade.
“Conforme José dos Santos Carvalho Filho, o dolo se faz necessário para a configuração da improbidade administrativa: elemento subjetivo é o dolo ou culpa, como consta no caput do dispositivo. Neste ponto o legislador adotou critério diverso em relação ao enriquecimento ilícito. É verdade que há autores que excluem a culpa, chegando mesmo a considerar inconstitucional tal referência no mandamento legal. Não lhes assiste razão, entretanto. O legislador teve realmente o desiderato de punir condutas culposas de agentes, que causem danos ao erário”. (Grifo nosso)[14]
Deve-se fazer ainda uma breve ponte entre o direito penal e a improbidade, no que cerne ao princípio da insignificância. Até dado momento, não se aplicava o princípio da insignificância, sob o argumento de que o a indisponibilidade dos bens públicos e a proteção do erário não poderia ter relevância diminuída nesse sentido. Verifica-se inicialmente uma ponderação entre dano causado e o aspecto volitivo do agente. Veja-se:
“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. RELEVÂNCIA ECONÔMICA DO DANO. AUSÊNCIA DE DANO AO ERÁRIO E DE MÁ-FÉ (DOLO). APLICAÇÃO DAS PENALIDADES. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE COGNIÇÃO DE MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA 07/STJ. (AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE REFERENTE À INSTALAÇÃO DE REFLETOR PARA ILUMINAR PROPAGANDA POLÍTICA DE CANDIDATO À DEPUTADO ESTADUAL QUE, ANTES DA CANDIDATURA, ERA PRESIDENTE DA COMPANHIA ENERGÉTICA) 1. A Lei 8.429/92 é aplicável aos agentes públicos que, por ação ou omissão, violem os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, lealdade às instituições e notadamente: a) importem em enriquecimento ilícito (art. 9º); b) causem prejuízo ao erário público (art. 10); c) atentem contra os princípios da Administração Pública (art. 11) compreendida nesse tópico a lesão à moralidade administrativa. 2. A exegese das regras insertas no art. 11 da Lei 8.429/92, considerada a gravidade das sanções e restrições impostas ao agente público, deve se realizada cum granu salis, máxime porque uma interpretação ampliativa poderá acoimar de ímprobas condutas meramente irregulares, suscetíveis de correção administrativa, posto ausente a má-fé do administrador público, preservada a moralidade administrativa e, a fortiori, ir além de que o legislador pretendeu. 3. A má-fé, consoante cediço, é premissa do ato ilegal e ímprobo e a ilegalidade só adquire o status de improbidade quando a conduta antijurídica fere os princípios constitucionais da Administração Pública coadjuvados pela má-intenção do administrador. 4. À luz de abalizada doutrina: "A probidade administrativa é uma forma de moralidade administrativa que mereceu consideração especial da Constituição, que pune o ímprobo com a suspensão de direitos políticos (art. 37, § 4º). A probidade administrativa consiste no dever de o "funcionário servir a Administração com honestidade, procedendo no exercício das suas funções, sem aproveitar os poderes ou facilidades delas decorrentes em proveito pessoal ou de outrem a quem queira favorecer". O desrespeito a esse dever é que caracteriza a improbidade administrativa. Cuida-se de uma imoralidade administrativa qualificada. A improbidade administrativa é uma imoralidade qualificada pelo dano ao erário e correspondente vantagem ao ímprobo ou a outrem (…)." in José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, 24ª ed., São Paulo, Malheiros Editores, 2005, p-669. 6. A lei de improbidade administrativa prescreve no capítulo das penas que na sua fixação o “juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.” (Parágrafo único do artigo 12 da lei nº 8.429/92). 7. In casu, a suscitada ausência de dano ao patrimônio público e de irrelevância econômica do mesmo, sob a alegação de que seria de apenas R$ 11,23 (onze reais e vinte e três centavos), revela-se matéria insindicável pelo E. STJ, ante o óbice da Súmula n.º 07, tendo em vista que o Tribunal a quo, com ampla cognição fático probatória assim assentou, verbis: Finalmente, quanto à alegação de coisa de menor importância, referindo-se ao custo de R$11,23 pelo serviço prestado pelos funcionários da ELETROCAR, que em suma este processo existiria só por causa de tal quantia, cumpre dizer que se trata de evidente desvio de foco. O processo não existe apenas por causa dos R$11,23, os quais – diga-se – só foram pagos depois de descoberto o problema, o que por si só já revela a má intenção original de não pagá-los. O processo existe por causa da atitude de improbidade de instalar num poste de iluminação pública um refletor direcionado a uma propaganda eleitoral do co-réu André, com o consumo de energia ligado à rede pública. Se, em tese, caracteriza até furto de energia, como sustentar que não há improbidade administrativa? Neste ponto, encampo o seguinte parágrafo das contra-razões à apelação (fl. 543): Insistem os apelantes em ressaltar a ausência de danos advindos de conduta empregada ou de sua insignificância. Tal argumentação evidencia a forma como os apelantes se relacionam com o poder, pois, conforme o entendimento deles, somente haveria motivo para uma condenação no campo da improbidade se a administração viesse a ser lesada com a conduta dos agentes, sendo que a utilização do emprego público para obter benefícios de ordem privada, em detrimento dos princípios que norteiam a atividade administrativa, nada teria de irregular. Noutro giro verbal: é possível se aproveitar, desde que seja por gotímetro. Isso lembra a tese da ínfima quantidade para descaracterizar o crime de tráfico de psicotrópicos. Trafica-se em pequenas quantidades. É o chamado comércio formiga que usa principalmente menores inimputáveis, chamados burrinhos de carga. A respeito dessa questão patrimonial, não é imprescindível a lesão ao patrimônio público nem a vantagem patrimonial. Fui relator da ap. cív. 70 001 644 467, resultando a seguinte ementa. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ATOS CAUSADORES E NÃO CAUSADORES DE PREJUÍZO MATERIAL. 1. Se, por um lado, o parágrafo único do art. 12 da Lei 8.429, de 02-06-92, enseja um juízo de suficiência na definição das penas, por outro lado não se pode, por meio dele, consagrar, na prática, a impunidade. Assim, relativamente aos atos que geram vantagens ao agente e/ou desvantagem ao erário, pode-se concluir que a condenação ao ressarcimento integral do dano e a perda dos bens e patrimônio acrescidos ilicitamente, dependendo das circunstâncias, seja suficiente. Porém, relativamente aos atos que não geram, pelo menos aparentemente, vantagens ao agente e/ou desvantagens ao erário, mas nem por isso deixam de ser típicos, não se pode concluir pelo puro e simples não-sancionamento, nem tampouco fazer compensação com aqueles, sob pena de consagrar-se, na prática, a impunidade. Para tais atos, aplica-se a multa civil de até cem vezes o valor da remuneração do agente, no caso específico entendida suficiente em número igual ao de meses em que perduraram as práticas ímprobas. Exegese do art. 12, incisos e parágrafo único da Lei 8.492/92. 2. Apelo provido. Ainda, também revelador de dolo é como os acontecimentos evoluíram na questão do pagamento, conforme bem destacado na douta sentença (l. 498): … além da utilização inadequada e indevida do bem público, há o fato de o serviço somente ter sido pago depois de oferecida a denúncia, em quantia meramente “simbólica”, aquém do valor e isento de taxa de disponibilidade, ocorrência demonstrada através dos documentos acostados às fls. 44/45, quais sejam, a ordem de serviço rasurada, com registro de serviço executado em 13.9.2002, e fatura no valor de R$11,23, com autenticação datada de 27.9.2002. Observe-se que o Ministério Público denunciou o fato ao juízo eleitoral, no tocante à propaganda irregular, no dia 26 de setembro (fls. 24-7). O pagamento ocorreu no dia seguinte. A explicação do co-réu Felipe para justificar essa disparidade (fls. 127-9), não convence. Aliás, uma longa explicação para um fato muito simples. A verdade é que o pagamento só ocorreu após a denúncia, e jamais teria ocorrido nem cessada a iluminação do outdoor do candidato André, por conta da rede pública, vale dizer do Município. E aqui, eminentes colegas, por falar em Município, um detalhe que no contexto geral também impressiona: o Prefeito Municipal era o Sr. Iron, já falecido, casualmente sogro do candidato André. Assim, quanto ao mérito em si, nenhum reparo merece a douta sentença da lavra da eminente Drª Marlene Marlei de Souza, inclusive no que tange ao valor da multa aplicada a cada réu, em relação ao qual ficou inclusive no patamar mínimo. 8. Recurso especial não conhecido.”[15]
Nota-se que o julgado tenta, a partir dos princípios administrativos bem como os sentidos norteadores do diploma legal que posicionam as sanções, arguir a medida entre o que foi a conduta e o resultado desta ao erário. Não vulgariza o diploma legal pois deixa de forma clara a necessidade de aplicar sanção aquele que atenta a inutilidade ao bem público.
Havia nesse sentido de ponderação, posicionamento jurisprudencial de que o Princípio da Insignificância pautado no direito penal não poderia ser aplicado no âmbito da Improbidade Administrativa.
Entretanto, pode-se encontrar julgados recentes que indicam a possibilidade de utiliza tal princípio oriundo do direito penal, uma vez que o mesmo já era utilizado sob outra roupagem, princípio da proporcionalidade, como vê-se nas palavras de Gina Copolla:
“As penas estão dispostas em gradações diversas nos incisos do art. 12 e, conforme o princípio da proporcionalidade, tais penas devem ser aplicadas de acordo com a extensão do dano e o proveito patrimonial obtido pelo agente, tudo isso conforme se lê do parágrafo único, do art. 12 da LIA.
A jurisprudência é farta no sentido de que é imperiosa a observância do princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade quando ocorre a aplicação das penas contidas no art.12, da LIA”.[16]
Dentro desse posicionamento pode-se seguir ao tópico que trata diretamente de sua constitucionalidade.
3. A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI DE IMPROBIDADE
Percebe-se haver grande divergência doutrinária quanto à constitucionalidade de certos artigos da Lei de Improbidade, havendo sobre o tema duas ADI’s 2.182 e 4.295, sendo uma ainda pendente de julgamento. O que ocorre são duas grandes discussões sendo a primeira em relação aos aspectos que contrariam a constituição face a ponderação de “penalidades”, já a segunda se relaciona a vicio formal, sendo esta última já julgada.
Será visto a seguir as discussões acerca da (in) constitucionalidade e todos os pontos importantes para a presente.
3.1 ARGUMENTOS EM FAVOR DA INCONSTITUCIONALIDADE
Partindo do art. 37 §4º da CRFB/88, nota-se ser difícil a configuração nesse sentido, de que seja possível uma modalidade culposa, pois ao observar-se a letra fria do referido artigo onde menciona a punição para tais atos ímprobos, verifica-se a intensidade das mesmas ao ponto de, por exemplo acarretar a suspensão dos direitos políticos. Vê-se que as penalidades deflagram um gênero de proporcionalidade danoso ao erário, eivado de dolo, remetendo a um ato intenso e perverso.
Conforme a Petição Inicial da ADI nº 4295 em tramitação no STF, onde se busca a declaração de inconstitucionalidade de determinados artigos da Lei de Improbidade Administrativa, fala-se sobre o artigo que importa no presente trabalho, o artigo 10 da Lei de improbidade.
Menciona-se na referida ADI que o legislador ao elaborar o referido artigo, utilizou de aspecto abrangente, não respeitando o princípio constitucional da individualização da pena.
Nesse sentido há julgados que corroboram a perspectiva lançada pela ADI em questão:
“APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO. ATOS ADMINISTRATIVOS. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SENTENÇA NULA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO – INDIVIDUALIZAÇÃO DAS PENAS. Em se tratando de atos de improbidade, cada agir deve receber sua respectiva reprimenda de forma individual, singular, devendo, ainda, ser estritamente observado o que dispõe o artigo 12 da Lei nº 8.429/92, com relação à individualização das penas. Pende ao Julgador dispensar motivação acerca da forma que elegeu a cada penalidade que aplicou e que deixou de aplicar. ACOLHERAM A PRELIMINAR DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DESCONSTITUIRAM PARCIALMENTE A SENTENÇA, PREJUDICADO O MÉRITO DOS RECURSOS. UNÂNIME”. (Apelação Cível Nº 70057534901, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Laura Louzada Jaccottet, Julgado em 21/05/2014)[17]
Ainda sob o mesmo prisma tem-se outros mais julgados relevantes que mencionam claramente:
“IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AÇÃO RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO LITERAL DE LEI. MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. DOSIMETRIA. SANÇÃO. INSTÂNCIA ORDINÁRIA. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Cuida-se, na origem, de Ação Rescisória proposta pelo ora recorrido contra o Ministério Público do Estado de São Paulo, com fundamento no artigo 485, inciso V, do CPC, objetivando desconstituir V. Acórdão da 9ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. 2. O Tribunal a quo julgou improcedente o pedido principal e procedente o pedido subsidiário ou sucessivo apenas para afastar a condenação imposta ao autor, ora recorrido, com referência à suspensão dos direitos políticos e à proibição de contratar com o Poder Público fixada na sentença mantida pelo V. Acórdão rescindendo, subsistentes as demais condenações, e assim consignou: "Ao contrário, limitou-se o julgado a aplicar, cumulativamente e no grau máximo, as penas de suspensão dos direitos políticos e de proibição de contratação com o Poder Público, omitindo-se de realizar a individualização da pena que, seja aflitiva, seja pecuniária, não é privilégio do direito penal, impondo-se, também, no campo do direito civil, administrativo e tributário (RT 781/218)" (fl. 1079, grifo acrescentado). 3. O Tribunal de origem foi categórico em afirmar que houve violação literal do artigo 12, parágrafo único, da Lei 8.429/92: "Em face desse quadro, à falta da respectiva dosimetria, não há como deixar de reconhecer a existência de violação literal ao art. 12, parágrafo único, da Lei nº 8.429/92" (fls. 811-812, grifo acrescentado). 4. Nesse contexto de limitação cognitiva, a alteração das conclusões firmadas pelas instâncias inferiores somente poderia ser alcançada com o revolvimento do conjunto fático-probatório, o que é vedado pela Súmula 7/STJ. 5. Ademais, o entendimento firmado na jurisprudência do STJ é no sentido de que, como regra geral, modificar o quantitativo da sanção aplicada pela instância de origem enseja reapreciação dos fatos e da prova, obstada nesta instância especial. Nesse sentido: AgRg no AREsp 435.657/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 22.5.2014; REsp 1.252.917/PB, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 27.2.2012; AgRg no AREsp 403.839/MG, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 11.3.2014; REsp 1.203.149/RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma DJe 7.2.2014; e REsp 1.326.762/SE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 17.9.2013. 6. Dessume-se que o acórdão recorrido está em sintonia com o atual entendimento do STJ, razão pela qual não merece prosperar a irresignação. Incide, in casu, o princípio estabelecido na Súmula 83/STJ. 7. Agravo Regimental não provido”.[18]
Ao analisar-se o referido artigo, de acordo com o princípio em questão, a não especificação da conduta gera certa discrepância, pois as condutas mais lesivas teriam uma pena em concreto tão rígida quanto aqueles que cometeram condutas desproporcionalmente mais lesivas.
Não obstante a referida ADI acima ainda pendente de julgamento, há a ADI 2182 – DF, na qual questionava-se a existência de um vício formal em razão de ter sido aprovada pelo Senado Federal, e o que restou decidido, entretanto era no sentido de que a lei era formalmente constitucional
O relator fora o único a sustentar a inconstitucionalidade formal, razão pela qual teve voto vencido:
“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. 1. QUESTÃO DE ORDEM: PEDIDO ÚNICO DE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DE LEI. IMPOSSIBILIDADE DE EXAMINAR A CONSTITUCIONALIDADE MATERIAL. 2. MÉRITO: ART. 65 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DA LEI 8.429/1992 (LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA): INEXISTÊNCIA. 1. Questão de ordem resolvida no sentido da impossibilidade de se examinar a constitucionalidade material dos dispositivos da Lei 8.429/1992 dada a circunstância de o pedido da ação direta de inconstitucionalidade se limitar única e exclusivamente à declaração de inconstitucionalidade formal da lei, sem qualquer argumentação relativa a eventuais vícios materiais de constitucionalidade da norma. 2. Iniciado o projeto de lei na Câmara de Deputados, cabia a esta o encaminhamento à sanção do Presidente da República depois de examinada a emenda apresentada pelo Senado da República. O substitutivo aprovado no Senado da República, atuando como Casa revisora, não caracterizou novo projeto de lei a exigir uma segunda revisão. 3. Ação direta de inconstitucionalidade improcedente”[19].
Importante ressaltar que, parece importar na ementa que a tramitação do processo no Supremo Tribunal Federal, não se discutiu questões de ordem formal ou material, o que não impede a proposição de futuras ações, como bem explica Gina Copola[20]:
“A inconstitucionalidade da lei reside no fato de que deveria o projeto de lei ter sido enviado ao Senado Federal novamente – após a aprovação da terceira redação – que funcionaria como Casa Revisora do projeto aprovado unicamente pela Câmara dos Deputados, já que projeto substitutivo foi rejeitado.
[…]Ocorre, porém, que a Câmara aprovou uma terceira redação do projeto, sem que essa redação fosse submetida à aprovação do Senado Federal, que funcionaria como Casa Revisora, já que não foi a versão do Senado que foi aprovada pela Câmara dos Deputados, e, sim, outra redação, e a inconstitucionalidade formal do projeto reside em tal irregularidade”.
Tanto é verdade, que a ação que realmente importa para o presente trabalho, a ADI 4295 trata exatamente de vários artigos da lei considerados materialmente inconstitucionais, e menciona que as punições ali descritas no artigo 10 da Lei de Improbidade, traz noção clara de uma conduta que, sendo ela culposa, não seria compatível com o próprio sentido improbidade.
Segundo a ação, a improbidade em si traz uma carga de reprovação e de dolo, ou seja, um alto nível de reprovação, o qual em nada se harmonizaria com uma conduta considerada “culposa”.
No que cerne a conduta em si pode-se dizer que a tratando de forma tão ampla ao mencionar-se “qualquer conduta” não se estaria respeitando o princípio presente na Carta Magna da individualização da pena. Pois analisando a culpa e o dolo vê-se a grande distância entre as condutas, uma eivada de má intenção no agir e a outra somente resultado não desejado diante de uma negligencia, imperícia ou imprudência, mas frise-se, a culpa tem característica primordial quanto ao dolo no que cerne ao resultado não querido.
Deste modo, o fato de não estar claro no artigo da referida lei a individualização dos atos, podemos aferir conforme bem destaca Figueiredo Dias[21]:
“No plano da determinabilidade do tipo legal ou tipo de garantia- precisamente, o tipo formado pelo conjunto de elementos cuja fixação se torna necessária para uma correcta observância do princípio da legalidade -, importa que a descrição da matéria proibida e de todos os outros requisitos de que dependa em concreto uma punição seja levada até a um ponto em que se tornem objetivamente determináveis os comportamentos proibidos e sancionados e, consequentemente, se torne objetivamente motivável e dirigível a conduta dos cidadãos. Considerar crime – para usar de exemplos que já atrás foram assinalados – as condutas que ofendem o “ são sentimento do povo” ou a “ordem dos operários e agricultores” tornaria supérfluo um grande número de incriminações dos códigos penais; mas não cumpriria minimamente as exigências de sentido ínsitas no princípio da legalidade. Do mesmo modo, se é inevitável que a formulação dos tipos legais não consiga renunciar à utilização de elementos normativos, de conceitos indeterminados, de cláusulas gerais e de fórmulas gerais de valor, é indispensável que a sua utilização não obste à determinabilidade objectiva das condutas proibidas e demais elementos de punibilidade requeridos, sob pena de violação irremissível, neste plano, do princípio da legalidade e sobretudo da sua teleologia garantística. Nesta acepção se afirma, com razão, que a lei penal fundamentadora ou agravadora da responsabilidade tem de ser uma lei certa e determinada; e se chama muito acertadamente a atenção, nos novos tempos, para que é mais aqui até do que no plano da proibição da analogia ou da retroactividade que reside o grande perigo para a consistência do princípio nullum crimen, que é nesse ponto que reside o verdadeiro cerne do princípio da legalidade”.
Pode-se então extrair que a partir da individualização da pena (princípio constitucional) estar-se-á respeitando por sua vez o princípio da legalidade, previsto também na Carta Magna. Tem-se então violação a mais de um princípio constitucional ao não deixar clara a conduta a ser tão duramente punida.
Tal posicionamento ocupa grande parte dos doutrinadores, que entendem ser esta uma das maiores razões para a inconstitucionalidade de tal modalidade culposa.
Faz-se necessária uma congruência entre a conduta (que pelo contexto constitucional deve ser eivada de má-fé) e a apenação, pois as penas dirigidas a conduta improba são graves, como bem explica Maria Sylvia Zanella Di Pietro[22]:
“A quantidade de leis, decretos, medidas provisórias, portarias torna praticamente impossível a aplicação do velho princípio de que todos conhecem a lei. Além disso, algumas normas admitem diferentes interpretações e são aplicadas por servidores públicos estranhos à área jurídica. Por isso mesmo, a aplicação da lei de improbidade exige bom-senso, pesquisa de intenção do agente, sob pena de sobrecarregar-se inutilmente o Judiciário com questões irrelevantes. A própria severidade das sanções previstas na Constituição está a demonstrar que o objetivo foi o de punir infrações que tenham um mínimo de gravidade, por apresentarem consequências danosas para o patrimônio público (em sentido amplo), ou propiciarem benefícios indevidos para o agente ou para terceiros (…). Sem um mínimo de má-fé, não se pode cogitar da aplicação de penalidades tão severas como a suspenção dos direitos políticos e a perda da função pública.”
Como resta bem esclarecido, e outrora já mencionado, realmente há uma presunção de gravidade no ato para que as sanções sejam gravosas como as que vemos na CRFB.
Falando-se ainda na inconstitucionalidade não se pode deixar de mencionar que, a inconstitucionalidade não é somente mencionada na doutrina em relação ao art.37, §4º CRFB, mas também em relação com o artigo 24 da CRFB, onde fala-se na competência para legislar, mencionando que a competência legislativa para tal lei seria para cada ente público, veja-se:
“Ainda sobre a inconstitucionalidade material da LIA, parte da doutrina entende que a lei é inconstitucional porque a Constituição Federal não outorgou qualquer autorização à União Federal para que edite normas gerais sobre a improbidade administrativa, e, ainda, que a competência legislativa para impor sanções aos funcionários e agentes da Administração é privativa de cada ente político”[23].
Como pode-se ver, o entendimento se baseia em uma inobservância da competência legislativa, não sendo esta da Entidade Federal. Porém em outro sentido tem-se o entendimento de que face ao mencionado artigo não há inconstitucionalidade. Tal entendimento vem por parte de Rapahel Peixoto de Paula Marques[24].
Entretanto como demonstrar-se-á a seguir há o posicionamento contrário, há quem defenda a constitucionalidade da mesma.
3.2 ARGUMENTOS EM FAVOR DA CONSTITUCIONALIDADE
Existem duas grandes correntes, a primeira acredita que a improbidade administrativa culposa é constitucional e que na Constituição não se exigiu o dolo. A outra corrente aduz que seria constitucional, mas que seria necessária um culpa grave, não sendo qualquer ato culposo ensejador de improbidade administrativa, é o que se passa a verificar.
Conforme afirmado a primeira corrente crê em uma não exigência constitucional de dolo, nesse sentido tem-se, por exemplo, a opinião de José dos Santos Carvalho Filho[25]:
“O elemento subjetivo é o dolo ou culpa, como consta no caput do dispositivo. Neste ponto o legislador adotou critério diverso em relação ao enriquecimento ilícito. É verdade que há autores que excluem a culpa, chegando mesmo a considerar inconstitucional tal referência no mandamento legal. Não lhes assiste razão, entretanto. O legislador teve realmente o desiderato de punir condutas culposas de agentes, que causem danos ao erário.
Aliás, para não deixar que, da mesma forma, dispõe sobre prejuízos ao erário. Em nosso entender, não colhe o argumento de que a conduta culposa não tem gravidade suficiente para propiciar a aplicação de penalidade. Com toda a certeza, há comportamentos culposos que, pelas repercussões que acarretam, têm maior densidade que algumas condutas dolosas.
Além disso, o princípio da proporcionalidade permite a perfeita adequação da sanção à maior ou menor gravidade do ato de improbidade. O que se exige, isto sim, é que haja comprovada demonstração do elemento subjetivo e também do dano causado ao erário. Tanto quanto na improbidade que importa em enriquecimento ilícito, não há ensejo para a tentativa.”
Pode-se notar pelo exposto, face ao respeitado doutrinador em direito administrativo, que o realmente importante é aferir o caráter subjetivo na conduta, analisar o elemento volitivo. Assim se torna claro o entender de que não se exige somente o dolo, e que mesmo na conduta culposa (ao seu ver constitucional), deve-se atentar ao animus.
Podemos ainda aferir, conforme já mencionado, que parte da doutrina que reconhece ser constitucional, devendo, entretanto, individualizar a pena, ponderar de acordo com a lesão ao erário.
Vê-se nas palavras de Waldo Fazzio, muito bem esclarecido, conforme supramencionado[26]:
“É verdade que todos os agentes têm obrigação de não ser imprudentes ou negligentes, ao desincumbir-se de seus deveres administrativos. Porém, daí a equiparar o dollus malus à culpa existe uma grande e significativa distância, que não é ignorada nem mesmo pela legislação penal.
[…]A partir dessa possibilidade, que tornaria ultrapassado o melhor Ionesco e mais criativo Arrabal, cresce em importância a necessidade de ponderação dos interesses em jogo, nas persecuções cifradas em atos de improbidade culposos ou condutas culposas ímprobas por assimilação, tarefa que impõe aos juízes um grau de valorização da proporcionalidade.”
Ou seja, a necessidade de uma valoração do ato, analisar a medida da culpabilidade do indivíduo face a seu ato, para que se tenha a exata ponderação ato x resultado, pois assim se atingira a justiça a qual os princípios administrativos se baseiam.
A partir do que se expos até o momento, mencionando desde o que seria realmente a improbidade administrativa, bem como seus aspectos de controle de constitucionalidade, expondo tanto quanto as razões de crerem em sua constitucionalidade quanto sua inconstitucionalidade, pode-se tratar do aspecto subjetivo, no próximo capítulo.
4. O ELEMENTO VOLITIVO NA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Foi tratado até o momento vários aspectos da improbidade administrativa, ressaltando sempre quanto a improbidade administrativa culposa, assunto o qual se trata o presente trabalho. Tratar-se-á nesse capitulo quanto ao sujeito, que não precisa ser necessariamente um agente público como restara demonstrado, mesmo sendo sabido que na própria lei menciona-se somente agente público, veja-se:
“Art. 2º Reputa-se agente público, para os efeitos desta Lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vinculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior”.
O conceito de que se passa a tratar não é restrito a palavra em si, mais sim abrangente face ao entendimento doutrinário que há uma amplitude conceitual, onde se engloba tanto os agentes políticos, quanto aqueles que recebam delegações de funções, e etc. Nesse sentido temos o conceito de Emerson Garcia[27]:
“Os elementos que compõe o Art. 2º da Lei nº 8.429/1992 conferem grande amplitude conceitual à expressão agente público, se não vejamos:
a) Lapso de exercício das atividades: irrelevante, podendo ser transitório ou duradouro;
b) Contraprestação pelas atividades: irrelevante, podendo ser gratuitas ou remuneradas;
c) Origem da relação: irrelevante, pois o preceito abrange todas as situações possíveis – eleição, nomeação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo”.
À mingua de uma maior uniformidade terminológica na doutrina e partindo-se da disciplina realizada pela Lei nº 8.429/1992, a expressão agente público deve ser considerada o gênero do qual emanam as diversas espécies.
Trata-se de conceito amplo que abrange os membros de todos os Poderes, qualquer que seja a atividade desempenhada, bem como os particulares que atuem em entidades que recebam verbas públicas, podendo ser subdividido nas seguintes categorias: agentes políticos, agentes particulares colaboradores, servidores públicos e agentes meramente particulares.
A lei de Improbidade Administrativa refere a agentes públicos de forma singularizada em seu significado, englobando até mesmo os agentes políticos, pois o que se procura é a proteção ao bem público, a moralidade pública, razão pela qual importa tratar todos os que podem lesar o mesmo.
Nesse sentir ainda, pode-se mencionar especialmente quanto a esses agentes políticos pois estes, conforme José Antônio Lisboa Neiva, mesmo sujeitos sob a conduta do crime de Responsabilidade, não eximiria o fato de submeter-se a Improbidade Administrativa. O mesmo dispõe com clareza tal fato, mencionando a decisão do STF que fora mister para as conclusões que seguem[28]
“CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA. AÇÃO DE IMPROBIDADE CONTRA GOVERNADOR DE ESTADO. DUPLO REGIME SANCIONATÓRIO DOS AGENTES POLÍTICOS: LEGITIMIDADE. FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO: RECONHECIMENTO. USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO STJ. PROCEDÊNCIA PARCIAL DA RECLAMAÇÃO. 1. Excetuada a hipótese de atos de improbidade praticados pelo Presidente da República (art. 85, V), cujo julgamento se dá em regime especial pelo Senado Federal (art. 86), não há norma constitucional alguma que imunize os agentes políticos, sujeitos a crime de responsabilidade, de qualquer das sanções por ato de improbidade previstas no art. 37, § 4.º. Seria incompatível com a Constituição eventual preceito normativo infraconstitucional que impusesse imunidade dessa natureza. 2. Por decisao de 13 de março de 2008, a Suprema Corte, com apenas um voto contrário, declarou que “compete ao Supremo Tribunal Federal julgar ação de improbidade contra seus membros” (QO na Pet. 3.211-0, Min. Menezes Direito, DJ 27.06.2008). Considerou, para tanto, que a prerrogativa de foro, em casos tais, decorre diretamente do sistema de competências estabelecido na Constituição, que assegura a seus Ministros foro por prerrogativa de função, tanto em crimes comuns, na própria Corte, quanto em crimes de responsabilidade, no Senado Federal. Por isso, "seria absurdo ou o máximo do contra-senso conceber que ordem jurídica permita que Ministro possa ser julgado por outro órgão em ação diversa, mas entre cujas sanções está também a perda do cargo. Isto seria a desestruturação de todo o sistema que fundamenta a distribuição da competência" (voto do Min.Cezar Peluso). 3. Esses mesmos fundamentos de natureza sistemática autorizam a concluir, por imposição lógica de coerência interpretativa, que norma infraconstitucional não pode atribuir a juiz de primeiro grau o julgamento de ação de improbidade administrativa, com possível aplicação da pena de perda do cargo, contra Governador do Estado, que, a exemplo dos Ministros do STF, também tem assegurado foro por prerrogativa de função, tanto em crimes comuns (perante o STJ), quanto em crimes de responsabilidade (perante a respectiva Assembléia Legislativa). É de se reconhecer que, por inafastável simetria com o que ocorre em relação aos crimes comuns (CF, art. 105, I, a), há, em casos tais, competência implícita complementar do Superior Tribunal de Justiça. 4. Reclamação procedente, em parte”.[29]
Restou-se o entendimento pelo que se nota do exposto que, no que se refere aos crimes cometidos que estejam positivados na Lei de Responsabilidade (leis especiais para cada agente político em seu grau), eles estariam sujeitos a sua disciplina e na ausência desta estariam então sob a lei de improbidade[30].
Nesse sentido de leis específicas há de se mencionar em particular a recente “Lei da ficha limpa” que por sua vez se trata de Lei Complementar nº 135/2010, que se destina a casos de inelegibilidade face condutas ímprobas. A Constituição Federal em seu art.14, §9º, indica que os casos de inelegibilidade seriam estabelecidos por lei complementar:
“Art.14, §9º CRFB-Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.” (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 4, de 1994)
Não se pode esquecer que a referida lei complementar alterou a Lei Complementar 64/1990.
A Lei da Ficha Limpa se destina a condutas que sejam dolosas e que tenha lesado o erário, pois as condutas culposas ensejariam somente a improbidade administrativa (Lei nº 8.429). Veja- se o julgado abaixo corroborando:
“RECURSO ELEITORAL – REGISTRO DE CANDIDATURA – ELEIÇÕES 2012 – CANDIDATO – VEREADOR – IMPUGNAÇÃO – INELEGIBILIDADE – REJEIÇÃO DE CONTAS PÚBLICAS – EX-PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL – TRIBUNAL DE CONTAS – COMPETÊNCIA – DESAPROVAÇÃO – CONTRATAÇÃO DE ASSESSORIA JURÍDICA E CONTÁBIL SEM PRÉVIA APROVAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO – ATO DE NATUREZA CULPOSA – ART. 1º,I,g, da LC 64/90 – HIPÓTESE DE INELEGIBILIDADE NÃO CONFIGURADA – DEFERIMENTO DO PEDIDO DE REGISTRO – MANUTENÇÃO DA SENTENÇA – DESPROVIMENTO É competente para apreciar e julgar contas de presidente de Câmara Municipal o Tribunal de Contas do Estado. A contratação de assessor jurídico e assessor contábil sem prévia aprovação em concurso público configuram, na espécie, ato de improbidade administrativa praticado na modalidade culposa, em face das peculiaridades do município, notadamente, a precariedade dos recursos financeiros e orçamentários. A inelegibilidade prevista na alínea g do art. 1º, I, da LC 64, com redação dada pela LC 135, não incide quando a irregularidade foi praticada de forma culposa. Recurso conhecido e desprovido.”[31]
Isso em razão do fato de que na “Lei da Ficha limpa”, antes de sua alteração, haviam as contas chamadas de insanáveis que se tratavam de um julgamento do Tribunal de Contas segundo a sua Lei Orgânica nº 8.843/92, no qual as contas reputadas insanáveis seriam aquelas em que fossem percebidas um ato de gestão o qual fosse ilegal, contrário a normas contábeis, financeiras, operacionais ou patrimoniais, e que não fosse possível a reversão ou reparação, conforme podemos observar no Anexo 2.
No que cerne a improbidade administrativa, faz sentido que exista a conduta culposa e uma sanção dirigida a mesma para esta pois o bem público deve ser protegido de qualquer lesão, seja ela dolosa, ou fruto de negligencia, imprudência ou imperícia. Porém, para fins de elegibilidade (baseado na Lei da Ficha Limpa), faz-se necessária a presença da má-fé bem como o enriquecimento ilícito, em razão de penalidade dura ensejadora da perda do exercício eleitoral no polo passivo. [32]Tal posicionamento possui guarida no informativo nº 0442 de 09 a 13 de agosto de 2010 do STJ[33]:
“MC. EFEITO SUSPENSIVO. RESP.
In casu, o Ministério Público propôs ação civil pública por ato de improbidade administrativa contra deputado estadual que, em 1998, como prefeito, contratou trabalhadores temporários sem respeitar o princípio do concurso público, visto não haver excepcional interesse público nem se tratar de contratações para cargos em comissão, evidenciando-se prejuízo ao erário. A sentença julgou procedente a ação, condenando o requerente à perda da função pública, suspensão dos direitos políticos por três anos, proibição de contratar com o Poder Público e receber benefícios por três anos, dentre outros. Por esses motivos, o requerente buscou, por medida cautelar, obter efeito suspensivo a recurso especial interposto contra acórdão de apelação que manteve a sentença de primeiro grau e, no especial, suspender a inelegibilidade decorrente da condenação. O Min. Relator reconheceu que a questão é excepcionalíssima e limítrofe ante os efeitos que a condenação por improbidade administrativa pode, de imediato, refletir no exercício da capacidade eleitoral passiva do requerente, especificamente quanto à suspensão dos seus direitos políticos. Dessarte, em tese, há plausibilidade nas alegações contidas no recurso especial bem como a possibilidade de êxito da irresignação concernente à imputação de conduta ímproba tipificada no art. 11 da Lei n. 8.429/1992, visto não ter sido apurado o elemento subjetivo (dolo) do agente. Para o Min. Relator, o art. 26-C da LC n. 64/1990, acrescentado pela LC n. 135/2010 (“Lei da Ficha Limpa”), prevê hipótese acautelatória que possibilita, ainda que em caráter precário, a suspensão dos efeitos de causa de inelegibilidade de candidato que, por meio de recurso pertinente, demonstre a plausibilidade de sua pretensão recursal tendente a anular ou a reformar a condenação judicial que impede o exercício de sua capacidade eleitoral passiva. Aduziu que a exegese desse artigo impõe reconhecer que é possível o STJ, mediante a concessão de efeito suspensivo a especial ou outro meio processual semelhante, suspender os efeitos da condenação de improbidade administrativa. Asseverou que, pela referida lei, não é qualquer condenação por improbidade que obstará a elegibilidade, mas apenas aquela resultante de ato doloso de agente público que, cumulativamente, importe em comprovado dano ao erário e correspondente enriquecimento ilícito. Ressaltou também que a decisão deste Superior Tribunal com base no supramencionado dispositivo legal não implica comando judicial que vincule a Justiça Eleitoral ao deferimento do registro da candidatura, mas importante ato jurídico a respaldar o deferimento dessa pretensão na Justiça Eleitoral ou, em última análise, no Supremo Tribunal Federal. Com essas considerações, a Turma, por maioria, referendou o deferimento da liminar. MC 16.932-PE, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgada em 10/8/2010.”
Há de se levar em conta, e com tamanha importância a menção àqueles que consideram a referida lei inconstitucional, tendo em vista o art.1º, I, “l”, da LC 135/2010 mencionar que a inelegibilidade decorre de condenação advinda de “órgão judicial colegiado”, independendo do transito em julgado. O entendimento de sua inconstitucionalidade se refere ao fato de crer-se em uma apenação sem que houvesse transitado em julgado, bem como um desrespeito a presunção de inocência. Entretanto a visão da qual se compartilha no presente é que em relação as mencionada “penas”, as mesmas não devem ser vistas sob tal viés pois são tão somente uma condição inelegibilidade, e quanto a presunção de inocência, esta se sobrepõe ao princípio também constitucional da moralidade administrativa. Tal raciocínio jurídico advém de Daniel Amorim Assumpção Neves e Rafael Carvalho Rezende Oliveira[34].
As considerações expostas em relação a LC 135/2010 são essenciais no presente trabalho pois, a referida lei tem caráter preventivo em relação a possibilidade de uma improbidade administrativa por parte daqueles que desejam candidatar-se a mandato eletivo.
Tais considerações acerca da “ Lei da ficha limpa” são especialmente importantes uma vez que ela se aplica tanto a cargos provisórios como comissionados, tanto quanto aos que pretendem candidatar-se a mandatos eletivos.
A existência de Ação de Improbidade Administrativa não anula a possibilidade de haver o crime de responsabilidade. Veja-se:
“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. APLICAÇÃO DA LEI 8.429/92 A AGENTES POLÍTICOS. POSSIBILIDADE. EX-PREFEITO MUNICIPAL. VERBAS REPASSADAS POR FORÇA DE CONVÊNIO COM O FNDE. OMISSÃO NO DEVER DE PRESTAR CONTAS. MULTA CIVIL REDUZIDA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. DESCABIMENTO. 1. A decisão proferida na Reclamação 2.138-6/STF não possui eficácia erga omnes nem efeito vinculante. A Lei 8.429/92, que regulamenta a cláusula constitucional de improbidade administrativa, não exclui os agentes políticos do rol daqueles que se sujeitam à sua aplicação – artigos 1º, 2º e 3º -; daí porque, excluí-los afronta o princípio da isonomia. É cabível ação de improbidade administrativa em face de agentes políticos – v.g.: ex-prefeito -, ainda que estes possam responder por crime de responsabilidade. 2. A doutrina mais qualificada estabelece como requisitos para caracterização do ato de improbidade, descrito no art. 11 da Lei 8.429/92, a existência de dolo. Os fatos narrados levam à convicção da prática do ato ímprobo de lesão à Administração Pública, em face das irregularidades comprovadas e da presença do elemento subjetivo, dolo. 3. Presentes as razões para alterar a dosimetria da sanção imposta – pagamento de multa civil no montante de 10 (dez) vezes o valor da última remuneração recebida pelo ex-prefeito -, pois, não obstante inserir-se dentro dos parâmetros normativos do art. 12 da Lei de Improbidade, foi aplicada em desacordo com o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade. 4. A aplicação do princípio da insignificância no caso presente é descabida. Embora o montante sobre o qual o requerido, ora apelante, tinha o dever legal de prestar contas fosse pequeno, a conduta ímproba foi facilitada por sua função – ex-gestor -, implicando quebra do dever de fidelidade e zelo para com a Administração Pública. Não houve simples lesão patrimonial de valor ínfimo suportado pelo Estado, mas, sim, reprovável afronta à moralidade administrativa. 5. Apelação do requerido a que se dá parcial provimento, para reduzir o pagamento da multa civil para o montante de 2 (duas) vezes o valor da última remuneração por ele recebida”.[35]
Em se tratando ainda dos sujeitos ativos políticos, há de se mencionar primeiramente, em especifico das leis de responsabilidade a que se sujeitam, pois estas tipificam a conduta lesiva e esclarecem a pena relativa. Deve-se ter clara cognição de que só atos ímprobos não fazem excluir as condutas elencadas no que seriam crimes de responsabilidade, não há bis in idem no caso em si.
O único momento em que se pode auferir a mesma tipificação, seriam os atos de improbidade cometidos pelo Presidente da República, veja-se:
“Não há, mesmo no complexo constitucional de normas exclusivamente processuais qualquer incompatibilidade material com o regime programado pelo art. 37, §4º, da Constituição.
O mesmo acontece a órbita das normas constitucionais que apontam para a tipificação de conduta do crime de responsabilidade, as normas objetivas.
Nesse complexo normativo, a improbidade administrativa como crime de responsabilidade é a que está embutida no inciso V do art. 85, ao considerar crime de responsabilidade os atos praticados pelo Presidente da República contra a probidade na administração. Portanto, so nessa hipótese é que ocorre uma efetiva concorrência de regimes no âmbito do direito material (o regime geral do art.37, §4º, e o regime especial do art.85, inciso V).”[36]
No que diz respeito a Magistrados e representantes do Ministério Público, há dê ressaltar suas peculiaridades tendo em vista que o art.2º da LIA, não elabora distinção com magistrados e representantes do Ministério Púbico. Primeiramente há de se mencionar que ambos cargos possuem suas leis orgânicas as quais não foram revogadas com o advento da Lei de Improbidade. Caberiam a este o enquadramento na LIA, quando ocupantes de cargos de função administrativa como por exemplo Presidência de Tribunal, ressalvados os casos em que a conduta seja culposa e não cause lesão ao erário[37].
Deve-se ainda, de forma meramente esclarecedora, quais são os agentes políticos a que se refere. São eles o Presidente da República, Governadores, Prefeitos, Senadores, Deputados Federais e os Estaduais bem como os Distritais ou Vereadores, e ainda aqueles que são nomeados, como Ministros e Secretário de Estado.
Deixe-se observado ainda que, os militares também são sujeitos ativos de improbidade administrativa (Art.142 CRFB) bem como os militares estaduais, observadas suas legislações específicas. Entretanto, quanto aos agentes ativos existem duas categorias que merecem especial atenção, veja-se.
Primeiramente deve-se tratar dos empregados e dirigentes de concessionárias de serviços públicos, os quais não podem ser incluídos no rol dos sujeitos ativos, veja-se:
“Não se sujeitam à Lei de Improbidade os empregados e dirigentes de concessionários e permissionários de serviços públicos. A despeito de tais pessoas prestarem serviço público por delegação, não se enquadrando no modelo da lei: as tarifas que auferem dos usuários são o preço pelo uso do serviço e resultam de contrato administrativo firmado com a concedente ou permitente. Desse modo, o Estado, como regra, não lhes destina benefícios, auxílios ou subvenções.”[38]
Ou seja, não há o devido enquadramento com o art. 2º da Lei 8.249/1992.
No que cerne a outra categoria merecedora de atenção, deve-se tratar nesse momento dos advogados. Este exerce função indispensável à administração judiciaria. Entretanto o que se pretende mencionar seria que estes não estão sujeitos a LIA, pois não há vínculo direto com a Administração Pública Indireta.[39]
Findada a breve relação de agentes ativos bem como suas especificações e considerações relevantes, falar-se-á sobre a conduta do agente em si.
No que cerne o aspecto volitivo do agente, este tem grande importância, pois se trata do modo como dirige suas intenções no momento da conduta. Nesse sentido vê-se que há tipificado na LIA tanto a conduta eivada de má intenção, sendo esta a dolosa bem como a culposa, em que resultado não querido pelo agente, sendo este o primeiro ponto de análise da subjetividade na improbidade administrativa.
No âmbito da responsabilidade subjetiva, Waldo Fazzio Junior muito bem esclarece:
“Sobre o vínculo subjetivo que liga o agente ao fato ilícito, Nelson Hungria (1959, p.112) lembra que “somente com averiguação in concreto desse nexo subjetivo se pode atribuir ao agente par o efeito da punibilidade, uma conduta objetivamente desconforme com a com a ordem ético-jurídica, ou reconhecer sua incidência no juízo de reprovação…”
Estendendo esse fundamento penal para o plano dos atos de improbidade, para que se considere um ato como passível de sofrer sanções, não é suficiente a existência da conexão causal objetiva (entre a ação[ou omissão] e o resultado), culpabilidade (culpa latu sensu) do agente público. Não se pune om fulcro em responsabilidade objetiva.”[40]
Ou seja, a reprovabilidade da conduta que deve ser o Norte para análise do sujeito ativo, a analise segundo o apontamento acima se dá de modo individual, uma análise em concreto da casuística.
Ainda nesse mesmo sentir, tem-se os ensinamentos de Emerson Garcia e Rogerio Pacheco Alves onde tratam especialmente de mencionar a singularidade do art.10 da LIA em relação a subjetividade, a análise do agente/conduta, e ainda esclarecer as culpas relativas ao mesmo:
“O art.10 da Lei nº 8.429/1992 não distingue entre os determinados graus da culpa. Assim quer seja leve, grave ou gravíssima, tal será, em princípio, desinfluente a configuração da tipologia legal. Situando-se a essência da culpa na previsibilidade do efeito danoso, neste elemento haverá de residir o critério de valoração dos graus de culpa.
Identificando o ápice da curva ascendente de previsibilidade, ali estará situada a culpa gravíssima, considerando-se como tal a ausência de previsão de um evento que o seria por qualquer homem normal. Na base da curva da previsibilidade, tem-se a culpa leve, onde o evento só poderia ser previsto com o emprego d uma diligencia incomum, própria daqueles que exercem atividades que pressupõem um maior grau de discernimento. Em posição intermediária, está a culpa grave, a qual se consubstancia na não previsibilidade de um evento que o seria pelos homens diligentes e responsáveis, qualidade esta indissociável dos gestores da coisa pública.”[41]
No âmbito do art. 10 da LIA, onde se fala da culpa, respeitada a necessidade de lesão ao erário para que seja improba a conduta, o resultado não é querido, pois ele se direciona a fato legal e previsto que por alguma razão gera resultado diverso, e conforme fora visto cima, tais gradações servem somente para formar critério de proporcionalidade entre o que seria previsível como evento de danos ao erário face ao agente, e em sendo o dano irrisório, este sera desconsiderado, conforme já demonstrado no presente trabalho.
Noutro sentido, há a menção qual não pode ser deixada em que se baseia na necessidade do tipo em especifico, desconsiderando a insignificância como princípio a aplicar pois, mesmo que ainda o agente não se direcione ao fato, o fato existe e causou diminuição patrimonial ao erário. Veja-se:
“O empenho na proteção do patrimônio público econômico é o que justiça a inserção entre os atos de improbidade administrativa (exteriorização da má-fé) de condutas culposas. Por isso, compreendem-se os atos de improbidade administrativa por assimilação. De fato, só podem ser condutas culposas equiparadas a atos de improbidade, uma vez que sem apego à ficção, não se poderá compatibilizar o contingente de má-fé dos atos improbidade com a imprevisibilidade (substancia do agir culposo)”.[42]
Ou seja, mesmo que quase insignificante a perda patrimonial ao Estado, esta não pode ser dispensada, mas tendo em vista tudo já exposto, há de se considerar que deve haver uma simetria na inserção da sanção.
Nesse diapasão, há a menção ao texto penal para a justificativa de que as sanções presentes são necessárias tendo em vista a indisponibilidade do bem público, mas com a ressalva de que certas condutas não seriam passiveis de sanção mas sim de medidas administrativas:
“Aliás, na forma culposa, há violação ao dever de cautela por parte do agente público e do terceiro, o que justifica, em princípio, a aplicação de sanções. Ora, se o Direito Penal, que estabelece sanções graves, inclusive com restrição da liberdade dos indivíduos, admite a pratica de crimes culposos, com maior razão deve ser admitida a previsão legal de atos de improbidade na forma culposa.
Isto não significa dizer que todo e qualquer deslize no dia a dia da Administração venha a configurar improbidade administrativa. Existem graus de violação à ordem jurídica que são sancionados com intensidades distintas. A mera irregularidade administrativa comporta sanção administrativa, mas não sanção de improbidade”.[43]
No mesmo ínterim Waldo Fazzio menciona que no art.12 da LIA, a menção a gravidade do fato indica o juízo de proporcionalidade que se faz necessário no que diz respeito a reprovabilidade bem como intensidade, pois assim se atingiria os mais fieis conceitos de direitos fundamentais presentes na Constituição.[44]
Desta forma resta clara que a maneira mais plausível de análise de conduta seria um olhar particular a cada caso, analisando a que o agente estava voltado no momento do ato, valorando assim, saber-se-á se o que deve ser feito seria uma reprovação administrativa ou ainda uma sanção advinda de ação de improbidade administrativa.
5. CONCLUSÕES
Foi discutido sobre a improbidade e analisado o que seria esta, bem como seu antônimo, e colocadas as significações, pode-se aferir quanto a sua importância constitucional e ainda esclarecer quanto ao que influenciou o trabalho: a modalidade culposa da improbidade administrativa.
Noutro momento foi tratado dos aspectos constitucionais, momento este em que se nota que a discussão envolve principalmente o fato da modalidade culposa ser ou não compatível com os preceitos constitucionais de conduta improba. Pode-se assim aferir que, respeitado o fato de haver ADI pendente de julgamento, até o momento a conclusão mais prudente seria no sentido de sua constitucionalidade, devendo então somente ser levado em consideração, o fato da relevância do ato. Como já mencionado no trabalho, a necessidade de um juízo de valor de conduta versus resultado seria o ideal, pois assim haveria por respeitada a condição da indisponibilidade do bem público, razão pela qual não há possibilidade de não haver sanção.
Por fim, seguiu-se a lógica acima mencionada, onde pode-se tratar do sujeito ativo da conduta improba o que foi lumiar para a análise minuciosa da subjetividade, em que ficou clara a necessidade de haver, como já dito, a o tipo legal da culpabilidade, valorando a gravidade do fato com a o resultado lesivo.
Pode-se concluir com o que fora tratado no presente trabalho que a modalidade culposa se faz necessária na seara administrativa, primeiramente para que não se vulgarize o diploma legal da lei, bem como para que a conduta lesiva não seja tratada como infame. Ela deve ser proporcional ao dano causado, e se insignificante, ser resolvida no âmbito administrativo do próprio órgão.
Advogada atuante em direito publico
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