Resumo: A modernidade propôs para a humanidade que a realização da razão seria o desenvolvimento para um sistema que concretizasse a igualdade formal. Entretanto, hoje vemos que persistem as diferenças sociais de um Estado que almeja ser Social. Mas quais são essas conseqüências diante de uma sociedade complexa? É aí que a hermenêutica passa a ter cada vez mais importância e um novo enfoque na contemporaneidade, onde os pressupostos metodológicos devem ser reavaliados em razão dos novos valores político-sociais impostos pela real racionalidade, isto é, ir além da norma no processo interpretativo é fundamental para o ajuste do descompasso das regras com os anseios do jurisdicionado e com o interpretar criativo calcado nos direitos fundamentais.
Sumário: 1. Introdução. 2. O Constitucionalismo da Efetividade e a Judicialização da Política. 3. Uma Nova Hermenêutica Jurídica. 4. Considerações finais. Bibliografia.
1. Introdução
A modernidade propôs para a humanidade que a realização da razão seria o desenvolvimento para um sistema que concretizasse a igualdade formal. Entretanto, hoje vemos que persistem as diferenças sociais de um Estado que almeja ser Social. Mas quais são essas conseqüências diante de uma sociedade complexa?
A tradição romanística do nosso Direito muitas vezes ainda o concebe como a vontade do poder aplicado de modo mecânico na solução das controvérsias. Entretanto, no contexto da pluralidade atual exige-se a superação da dogmática estrita, onde seja, sobretudo, alterado o modo de aplicar o Direito na atualidade.
É assim que a hermenêutica passa a ter cada vez mais importância e um novo enfoque na contemporaneidade, onde os pressupostos metodológicos devem ser reavaliados em razão dos novos valores político-sociais impostos pela real racionalidade, isto é, ir além da norma no processo interpretativo é fundamental para o ajuste do descompasso das regras com os anseios do jurisdicionado e com o interpretar critativo calcado nos direitos fundamentais.
Tem-se a chegada da era de um ideal de Constituição, mais conhecido hodiernamente por Constitucionalismo, e isso representa um movimento onde a vontade dos povos se oriente por uma norma fundamental que consagre todas as aspirações (políticas, ideológicas, valorativas) prevalecentes em um dado momento histórico, de forma que as disposições normativas sejam plenamente eficazes e venham a se concretizar, realizando o direito.
Nos moldes de uma concepção jurídico-formalista, os Poderes Executivo e Legislativo sobrepõem-se ao Judiciário na formação de políticas públicas e na própria condução do Estado, não cabendo ao Judiciário a participação – legítima e democrática – em decisões públicas.[1]
O fato concreto é que temos um Judiciário mais participativo, capaz de decidir conflitos de diversas matizes – muitas questões de índole estritamente política são trazidas ao exame do Poder Judiciário. Como compatibilizar essa judicialização da política com a ordem e segurança legitimadas por um sistema incompleto?
Refletir sobre essas questões passa a ser um divisor de águas para o jurista comprometido com a criação de soluções interpretativas que busquem um referencial epistemológico longe da simples cultura normativista.
2. O Constitucionalismo da Efetividade e a Judicialização da Política
Segundo André Ramos Tavares[2], podemos encontrar ao menos quatro acepções sobre o constitucionalismo, in verbis:
“Numa primeira acepção, emprega-se a referência ao movimento político-social com origens históricas bastante remotas que pretende, em especial, limitar o poder arbitrário. Numa segunda acepção, é identificado com a imposição de que haja cartas constitucionais escritas. Tem-se utilizado, numa terceira concepção possível, para indicar os propósitos mais latentes e atuais da função e posição das constituições nas sociedades. Numa vertente mais restrita, o constitucionalismo é reduzido à evolução histórico-constitucional de um determinado Estado.”
Trata-se de limitação à atividade política por parte dos detentores do poder. É dizer que tal atividade seja exercida dentro dos parâmetros constitucionais válidos. A Constituição há de corresponder integralmente aos valores da sociedade que ela pretende disciplinar, de forma que haja uma identidade entre o que está escrito e o que se faz.
Esse verdadeiro movimento constitucional, ora denominado pela moderna doutrina de constitucionalismo, não se exaure com a positivação da ideologia, eis que pretende a total realização dos preceitos ínsitos na Constituição. Significa, deste modo, que não deve haver um abismo capaz de inviabilizar a integração entre a norma constitucional e a realidade da constituição.
Konrad Hesse[3] sustenta que a Constituição contém uma força normativa que estimula e coordena as relações entre os cidadãos e o Estado. Por sua vez, rejeita o que preconiza Ferdinand Lassale quando afirma que o Direito Constitucional teria apenas a função de justificar as relações de poder dominantes.
Não se pode descartar, sem dúvida alguma, que haja a presença dos fatores reais de poder em uma Constituição. O balanceamento entre estes e a força própria da normatividade é que dependerá do contexto atual de cada sociedade. A partir daí é que o constitucionalismo deve adaptar-se às novas circunstâncias sociais e aos novos valores presentes na sociedade.
Ressalte-se que hoje se faz necessário seja discutido o papel do Poder Judiciário na atual democracia. Por isso, há de ser avaliado se é possível considerar ofensivo ao Estado de Direito que questões políticas sejam decididas por tribunais e não pelos representantes eleitos pelo povo. Conceder ao Judiciário a última palavra – inclusive em aspecto político – é o meio adequado para a garantia dos princípios democráticos? Qual o papel que o Poder Judiciário desempenha na construção de uma democracia que esteja em consonância com a preservação e o respeito aos direitos fundamentais?
A essa expansão dos poderes do Judiciário sobre as políticas legislativas ou executivas do Estado tem-se dado o nome de judicialização da política. Entendemos que o controle judicial sobre os atos do Poder Legislativo pode não ser um modelo perfeito de exercício democrático do poder, mas é notório que funciona como garantia da democracia, pois estabelece um controle judicial sobre o que o Legislativo majoritariamente decide, garantindo que os direitos não serão violados.
Ao efetuar esse controle de constitucionalidade, em muitos momentos, os tribunais acabam por adentrar em questões eminentemente políticas – mas para a própria garantia dos direitos fundamentais, o que é uma exigência da democracia.[4]
Ao juiz é dado desenvolver o direito não exclusivamente com fidelidade à lei, mas em harmonia com os anseios da vida, avaliando os interesses em jogo, de forma que há casos em que a ordem jurídica deve ser flexível e adaptável ao caso concreto, pois interpretar normas antigas com critérios atualizados cientificamente é privilegiar o ideal de justiça.
Nesse cenário, o judiciário se converte em uma instituição altamente politizada e de grande visibilidade perante a opinião pública, e muitas vezes levantam-se até dúvidas quanto à própria legitimidade de suas decisões.
Vê-se que o desafio é compatibilizar o ativismo judicial dos tribunais com a separação de poderes, evitando-se uma usurpação de funções e uma interferência desmedida na esfera de competência das instituições republicanas.
Se uma regra é ambígua ou lacunosa, e ainda se no direito não se encontram padrões aceitáveis ou de pouca aceitabilidade em razão da natural incompletude do sistema, é necessário recorrer – paradoxalmente – a padrões meta-jurídicos para criar uma saída. É o ato valorativo e criativo que não é controlável. Daí é que devem os juízes decidir, trazendo consigo o âmago dos direitos consagrados em nossa Constituição: celeridade e fruição dos direitos fundamentais sob um enfoque pós-moderno.
3. Uma Nova Hermenêutica Jurídica
Na atualidade perpassa, nos diferentes campos das ciências humanas, uma certa dificuldade em se encontrar um novo parâmetro de verdade diante da crise de fundamento que vive a sociedade hodierna.[5]
Na verdade, é chegado o momento de se buscar um referencial epistemológico que atenda à modernidade, eis que o modelo do discurso jurídico liberal-individualista e a cultura normativista se esgotaram.
Os pesquisadores da seara da filosofia jurídica, em geral, já vêm alertando há bastante tempo sobre o fato de que a resistência positivista mantém os operadores do Direito como reféns de um paradigma interpretativo que idolatra a supremacia das regras em detrimento de princípios constitucionais, o que torna ainda mais difícil a missão do Estado de espectro democrático de direito.[6]
Nas ciências humanas busca-se explicação para os fatos e suas ligações. Contudo, nelas aparece o ser humano com suas ações como objeto de investigação. Essas ações e as intrincadas relações interpessoais, que trazem resultados imprevisíveis, obrigam à introdução do ato de compreender junto ao de explicar. É necessário, nas ciências humanas, captar o sentido dos fenômenos humanos; é preciso compreendê-lo, portanto, numa acepção valorativa.[7]
Já ALEXY[8] questiona se é possível uma fundamentação racional das decisões jurídicas com critérios e objetivações de metas que traduzam a idéia reguladora do discurso real, consubstanciada em sua Teoria da argumentação jurídica. Para ele, a racionalidade e a universalidade proporcionam no discurso jurídico a legitimidade da legislação e a controlabilidade das decisões judiciais, de modo que propõe a observância a cânones interpretativos numa completa fidelização ao silogismo puro que tanto combate.
É possível afirmar que as sociedades atuais não mais aceitam as formas gerais e globalizadoras que alimentavam o positivismo jurídico, pois há uma tendência de desgaste que a generalidade e abstração da lei sofre, mesmo que imanente à sua essência.
Ao referir-se à dogmática hermenêutica, Tércio Sampaio Ferraz Júnior elucida que a determinação do sentido das normas, o correto entendimento do significado dos seus textos e intenções, tendo em vista a decidibilidade de conflitos constitui a tarefa da dogmática hermenêutica.[9]
Para Carlos Maximiliano[10], “interpretar é explicar, esclarecer; dar o significado de vocábulo, atitude ou gesto; reproduzir por outras palavras um pensamento exteriorizado, mostrar o sentido verdadeiro de uma expressão; extrair, de frase, sentença ou norma, tudo o que na mesma se contém.”
MÜLLER[11], por sua vez, critica a teoria da interpretação dominante, de vertente mais positivista, onde se limitam as formas de intepretação quanto aos métodos gramático, lógico, histórico e sistemático, pois tenta uma hermenêutica mais realista, evitando uma concepção simplista.
Interpretar é conhecer e decidir, compreendendo a norma diante da situação concreta. No âmbito das ciências jurídicas, a atividade de interpretação é essencial, consistindo numa tarefa indispensável à aplicação e realização do direito.
É preciso ter como ponto de partida o texto normativo, sabendo que a real construção do jurista se dá diante do caso concreto. As mudanças no direito nada mais são do que adaptações à realidade social, onde a ordem jurídica, em que pesem as rupturas causadas pelo descompasso natural das reformas, necessita estar amparada pelos pilares constitucionais, mormente o da razoável duração do processo e o do devido processo legal, ambos devidamente amparados por uma metodologia criativa, onde seja dada ênfase à construção de um comando normativo sensível às necessidades do jurisdicionado.
GOUVEIA,[12] com propriedade, se manifesta, in verbis:
“Cabe ao juiz, ao decidir casos concretos, considerar os aspectos normativo-fático-axiológicos que lhe são apresentados. Deve atuar valorativamente para, diante de um caso concreto, aplicar o comando normativo em sua forma mais justa e adequada à realidade social atual, utilizando-se das estratégias hermenêuticas viáveis, chegando a uma decisão justa, equitativa ou razoável.”
Num Estado de feição democrática, impõe-se repensar a modalidade de interpretação, de forma que sejam superados dogmas da prática subsuntivo-dedutiva rumo à coerência na realização do direito. Não se defende a criação da norma a qualquer custo, onde a imprevisibilidade ganhe força, mas sim que a tensão entre segurança e justiça seja reavaliada, de modo que a dogmática atual caminhe no encontro do pós-positivismo.
Não obstante, a discussão metodológica atual confirma a importância da segurança e da ordem. Afinal, é princípio basilar do Estado Democrático de Direito o conhecimento e a não-arbitrariedade de suas decisões. Um grau considerável de previsibilidade deverá viabilizar os investimentos sugeridos pelo progresso e trazer confiança às relações sociais. O que se discute é a racionalidade deste novo saber concreto que trabalha com valores, conferindo algum nível de objetividade às decisões judiciais, de forma a submetê-los a uma instância de conhecimento e controle.[13]
Os fatos que sucederam na Alemanha, depois de 1933, demonstraram que é impossível identificar o direito com a lei, pois há princípios que, mesmo não sendo objeto de uma legislação expressa, impõem-se a todos aqueles para quem o direito é a expressão não só da vontade do legislador, mas dos valores que este tem por missão promover, dentre os quais figura em primeiro plano a justiça.[14]
Com isso, podemos entender que as falhas da lógica tradicional, sustentada pela generalidade da norma nos mostra que deve haver ponderação entre os elementos do caso concreto, sendo incerto e às vezes difícil de delimitar o limite de discricionariedade. Mas, com certeza, da passagem da norma às controvérsias judiciais há de se ter em mente que as disposições legais devem passar pelos valores em conflito.
4. Considerações finais
Neste estágio de evolução da ciência jurídica, onde o Judiciário ativo se porta como sendo a melhor saída para a crise de fundamento do paradigma atual, verifica-se que na dogmática pura e simples não se tem uma base de raciocínio que deva ser sustentada pela cultura jurídica contemporânea. Isto significa que a flexibilidade de interpretação da norma vai além de um sistema linear.
Como o direito origina-se da prática, tem-se no seu novo modo de pensar uma alternativa de impor por meio de argumentos não só a aceitabilidade e legitimidade das decisões, mas a concretização da norma, sempre com o auxílio do intérprete que extirpe a prática do positivismo jurídico desenfreado e realce a criação do direito no processo interpretativo.
De fato, o discurso jurídico perpassa por uma entrega na prestação jurisdicional rápida, onde muitas vezes se põe de lado o caráter dialético necessário para o conhecimento da verdade. A norma é o ponto de partida e a sua mera aplicação deve ceder espaço à realização do direito, onde a criatividade do jurista faça parte desse Judiciário ativo e que dê guarida à consagração dos direitos fundamentais.
Advogado. Mestre em Direito Processual Civil pela Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP; Especialista em Processo Civil pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE; Professor de Processo Civil da Faculdade Salesiana do Nordeste – FASNE
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