Resumo: O Erro Médico, ética médica, a responsabilidade civil e penal do médico.
Desde o início da vida em sociedade, e logicamente, desde que o homem passou a assimilar técnicas de cura e diagnósticos dos males que atormentam a sua vida e a de seu semelhante, a humanidade passou a ver os médicos como verdadeiros deuses, entidades divinas cuja a responsabilidade maior é de livrar o mundo dos males que o afligem e devolver a paz, a segurança e, evidentemente, a saúde perdida.
No Brasil não existem dados estatísticos sobre o número aproximado de erros médicos cometidos anualmente, mas estima-se que existam, hoje, cerca de dez mil processos tramitando nos tribunais contra médicos acusados de falta de ética e profissionalismo na prática da medicina, em sua maioria argüindo pela responsabilidade civil do requerido.
Contudo, a problemática desta imensa responsabilidade sobre a área médica traz repercussões penais, civis e administrativas, as quais nascem em decorrência de atos falhos cometidos pelo profissional e que acabam gerando conseqüências danosas a seu paciente.
O médico tem influência direta sobre o corpo, ou parte dele, e o psiquismo humano, devendo ter plena consciência dos deveres éticos e jurídicos que lhe advém pelo exercício de sua profissão, dever este que visa a redução ao máximo, para os pacientes e a comunidade em geral, dos efeitos nocivos possíveis nessa área.
Verificam-se hoje freqüentes casos de omissão por parte dos profissionais da área de saúde, bem como erros, cirurgias desnecessárias ou indevidas, tratamentos impróprios, extrações ou transplantes imperfeitos, prescrição e colocação de aparelhos inadequados e outras desagradáveis conseqüências de imperícia, negligência ou imprudência.
Para fins efetivos, o ato médico deve se configurar livre de qualquer espécie de omissão que possa ser caracterizada como inércia, indiferença, passividade, descaso ou abandono do paciente.
Quanto às entidades hospitalares, somam-se ao quadro já descrito os problemas de dificuldades de acesso agravadas com constantes greves decorrentes de reivindicações salariais, cobrança coercitiva antecipada, não atendimento por falta de elementos de cunho formal, quando não atendimentos imperfeitos etc.
As falhas médicas vêm aumentando em parte justamente por este quadro degenerado do sistema de saúde do país. A péssima remuneração dos médicos e a falta de condições ideais de trabalho são os motivos apontados pelos profissionais, bem como o stress constante, que os torna mais passíveis de falhas e cometimentos enganosos.
Conseqüentemente, o que ocorre com os pacientes também vítimas desses infortúnios sofridos por muitos médicos são, não raro, mortes, lesões irremediáveis, choques, desgastes emocionais e outras tantas perturbações ao doente e a seus familiares, que constituem, sob o ponto de vista jurídico, quando culpado o agente, ou a entidade, atos ilícitos, caracterizando violações aos direitos da personalidade humana e sancionáveis em diferentes níveis: civil, penal e administrativo.
Tangenciando estes fatos, ocorre a responsabilidade médica, ou seja, a obrigação do profissional em sofrer as conseqüências das faltas por eles cometidas no exercício da sua especialidade.
A responsabilidade médica como é aceita hoje tem os seus fundamentos na moral e na legislação.
Moralmente os seus alicerces são a consciência e a observância à lei natural, Consciência é a capacidade de autocrítica moral que preside a elaboração dos critérios de conduta, de ação, e de julgamento dos valores. A paz de espírito, a consciência tranqüila é o desejo constante dos que agem com responsabilidade moral.
O fim existencial indica, juntamente com a razão moral, a retidão da natureza, isto é, o modo correto de viver, e garante a sobrevivência orgânica e psíquica. O homem tem vontade racional, visando imperativos da consciência e tendência para valores, tendo muito mais dentro de si do que o conhecimento intuitivo dos animais. Apreende a realidade e aperfeiçoa conhecimentos instintivos. O conhecimento do bem e do mal e a percepção imediata de certas regras de conduta, como a gratidão, a fidelidade, a honestidade, a justiça etc., é que estabelecem a consciência moral.
Fatores de risco
Não há como se falar em erro médico sem mencionar antes alguns fatores que podem levar à configuração do ato lesivo. Inúmeras podem ser as circunstâncias que acarretam o erro, mas convém destacar algumas, a título ilustrativo, a saber:
1. Péssimas condições para o pleno e bom exercício da medicina, variando desde a falta de recursos materiais até o excesso de pacientes diante de um número pequeno de profissionais disponíveis para o atendimento de toda a massa que busca orientação e aconselhamento.
2. Formação médico-universitária inapropriada ou deficiente diante do péssimo sistema de ensino vigente em algumas instituições do país, bem como a acomodação do profissional que não procura especializar-se e atualizar-se cada vez mais em sua área profissional.
3. Interesses meramente comerciais, onde o paciente é visto como um polpudo cheque ou notas de dinheiro, seja por iniciativa isolada do médico em especialidades rendosas ou em conjunto por meio de cooperativas ou empresas médicas comprometidas com o lucro.
4. O baixo nível salarial dos profissionais empregados de empresas públicas.
5. O alto nível de stress diante da realidade sócio-econômica do país e das péssimas condições de trabalho e emprego.
6. Distorções e desorganização do sistema de saúde pública, que acarretam complexas implicações de ordem ética e legal.
7. A falta de compromisso do médico.
8. Precária fiscalização do exercício profissional por parte das entidades de classe, que nem sempre procuram ajustar o profissional às normas éticas que regem seu ofício.
Existem outros fatores, mas acima se destacam os mais preocupantes e vistos como diretamente ligados à maioria dos casos de erro médico.
Conceito
O Direito Brasileiro considera o contrato entre um médico e um paciente como sendo um acordo bilateral de meios e não de fins, ou seja, o profissional se compromete a tratar do paciente sem a obrigação de curá-lo, fazendo uso de todo o seu conhecimento técnico-científico e oferecendo o melhor de si para alcançar os melhores resultados possíveis. Assim, não tem o médico a obrigação de curar, mas sim de fazer o possível para melhorar a saúde do paciente.
Baseado na teoria da culpa, a ser analisada a seguir, é que Júlio Cezar Meirelles Gomes e Genival Veloso França definem “erro médico” em sua obra “Erro Médico”[1]:
“Erro Médico é a conduta profissional inadequada que supõe uma inobservância técnica, capaz de produzir um dano à vida ou à saúde de outrem, caracterizada por imperícia, imprudência ou negligência”.
Reza nosso Direito Brasileiro que para que se configure a responsabilidade civil do médico por erro ocorre a necessidade de que se prove a conduta delituosa no exercício da atividade médica. Cabe, pois, ao paciente provar que o profissional médico incorreu em culpa.
Além disso, erro médico também pode ser entendido como “o mau resultado ou resultado adverso decorrente de ação ou omissão do médico.”
Quanto à configuração do erro médico, citamos a explicação de GOMES[2]:
“O erro médico pode se verificar por três vias principais. A primeira delas é o caminho da imperícia decorrente da “falta de observação das normas técnicas”, “por despreparo prático” ou “insuficiência de conhecimento” como aponta o autor Genival Veloso de França. É mais freqüente na iniciativa privada por motivação mercantilista. O segundo caminho é o da imprudência e daí nasce o erro quando o médico por ação ou omissão assume procedimentos de risco para o paciente sem respaldo científico ou, sobretudo, sem esclarecimentos à parte interessada. O terceiro caminho é o da negligência, a forma mais freqüente de erro médico no serviço público, quando o profissional negligencia, trata com descaso ou pouco interesse os deveres e compromissos éticos com o paciente e até com a instituição. O erro médico pode também se realizar por vias esconsas quando decorre do resultado adverso da ação médica, do conjunto de ações coletivas de planejamento para prevenção ou combate às doenças.”
O Manual de Orientação Ética Disciplinar do Conselho Federal de Medicina define o erro médico como sendo
“a falha do médico no exercício da profissão. É o mau resultado ou resultado adverso decorrente da ação ou da omissão do médico, por inobservância de conduta técnica, estando o profissional no pleno exercício de suas faculdades mentais. Excluem-se as limitações impostas pela própria natureza da doença, bem como as lesões produzidas deliberadamente pelo médico para tratar um mal maior. Observa-se que todos os casos de erro médico julgados nos Conselhos de Medicina ou na Justiça, em que o médico foi condenado, o foi por erro culposo”.
Os danos podem ter origem em ato culposo ou doloso do médico, acarretando uma obrigação de compensação.
Responsabilidade Médica
O paciente vítima de erro médico pode acionar o profissional diante de três esferas distintas: criminal, cível e junto ao Conselho Regional de Medicina.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, parágrafo 6º, bem como o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 14, destacaram a responsabilidade objetiva para as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos, assim como para os prestadores de serviços em geral. Os dispositivos mencionados enquadram hospitais, clínicas, casas de saúde, laboratórios, dentre outros, como responsáveis, independentemente da comprovação de culpa, pelos danos alegados por aqueles que usaram seus serviços. Para isso é necessário que o paciente ou vítima comprove que fez uso do serviço oferecido pela empresa, e que sofreu um dano por conseqüência desse serviço. Não importa se houve culpa por parte daquele que prestou o serviço na configuração do dano à vítima, pois reza da Carta Magna e o Código de Defesa do Consumidor de que existe o dever de indenizar e, caso seja de interessante da perda prejudicada, o posterior ingresso em juízo contra o causador direto do dano.
Já a responsabilidade subjetiva, que se aplica aos médicos enquanto profissionais liberais, existe o dever de indenizar se a vítima ou paciente demonstrar, em juízo, que existiu culpa por parte do profissional contratado para a realização do serviço médico, dentro dos fatores de culpa que nascem a partir da negligência, imprudência ou imperícia.
Legalmente a responsabilidade médica está fundamentada nas normas jurídicas civis e penais que consubstanciam os anseios comportamentais da época. Baseia-se, entretanto, nos critérios de avaliação da culpabilidade do agente a partir de duas teorias distintas: a teoria da responsabilidade subjetiva ou teoria da culpa e a teoria da responsabilidade objetiva ou teoria do risco.
No Brasil, a teoria adotada pelo Código Civil nos artigos 159 e 1545 demonstra que a teoria subjetiva foi a adotada pelo nosso Direito pátrio, uma vez que transfere à vítima ou seu representante legal o dever de provar a culpa, em sentido estrito, do agente, para obter a respectiva reparação do dano. Esta é a teoria da culpa, que pressupõe a existência de culpa no agir do agente causador do dano. Esta é a regra geral em nosso ordenamento jurídico, porém existe legislação específica baseada na responsabilidade objetiva do agente.
Ressalve-se, entretanto, que o Novo Código Civil Brasileiro, sancionado em janeiro de 2002, mantém a teoria da culpa, o qual suprimiu o art. 1545 do Código Civil Brasileiro vigente e elencou a responsabilidade civil no erro médico na legislação geral da responsabilidade civil. Pelo Novo Código Civil, os dispositivos que versam sobre o tema são os artigos 929 a 945, os quais versam sobre a obrigação de indenizar, e os artigos 946 a 956, que correspondem aos casos de indenização baseada em responsabilidade civil.
A partir da teoria da culpa a responsabilidade civil encontra fundamento na verificação de culpa por parte do agente que provocou o dano, ou assume o risco de que o mesmo venha a configurar-se (culpa) ou age por meio de negligência, imprudência ou imperícia. Neste caso, independentemente de culpa, o resultado danoso será sempre embasado em culpa do agente que será, por conseqüência, obrigado a ressarcir o prejuízo causado em resposta à conduta culposa. Ou seja, toda ação culposa gerará uma indenização.
Assim, em nosso Direito Pátrio, a responsabilidade civil do agente nasce da comprovação de sua culpa.
Em nossa legislação o Código de Defesa do Consumidor, vigente no Brasil, é um bom exemplo de caracterização da responsabilização subjetiva, pois exige que se verifique a existência de culpa dos profissionais liberais, além do que estabelece a inversão do ônus da prova em seu artigo 6o, incisos VI e VIII, como sendo direitos básicos do consumidor:[3]
“VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.
…
VIII: a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hiposuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência”. (grifamos)
Ainda o mesmo Código estabelece em seu artigo 14, § 4o: “a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.”
Já a teoria objetiva não exige a prova de culpa do agente, uma vez que esta passa a ser presumida pela lei ou simplesmente se dispensa a sua comprovação por quem quer que seja. Simplesmente não ocorre a necessidade de se provar a culpa do agente para estabelecer o nexo causal entre sua conduta e o dano causado, bastando apenas que o agente responsável por um ato lesivo coloque em risco algum bem jurídico de outrem por meio de seu ato. Deve existir apenas o nexo causal entre o ato lesivo de alguém e o prejuízo acarretado a outrem. Os doutrinadores chamam esta teoria de teoria do risco ou responsabilidade sem culpa, ou seja, todo aquele que danificar bem alheio é responsável pelo seu ressarcimento, sem a necessidade de se comprovar a culpa embutida no ato, pois esta é presumida pela lei. Independe, assim, a responsabilidade objetiva da comprovação da culpa do agente, bastando existir apenas o nexo causal entre o ato lesivo e o prejuízo ou dano.
A partir destes pressupostos, compreende-se que há três espécies de responsabilidade médica em nosso Direito Brasileiro: a ética (ou moral), e a legal, subdividida em civil e penal.
O Código Civil Brasileiro adota a palavra dano em sentido amplo, abrangendo tanto os danos materiais (lesão aos direitos reais e pessoais), como os danos morais (direitos da personalidade e da família).[4]
01. Responsabilidade Ética
O médico Hipócrates, na sua escola de Cós, deu muita ênfase aos ensinamentos éticos da medicina. Seu juramento chega aos nossos dias repetido por milhares de médicos em todo o mundo, fazendo-os sentir na alma todo o peso da responsabilidade de sua profissão.
O princípio da responsabilidade é uma determinação natural das sociedades humanas organizadas. Todo homem mentalmente são e mentalmente desenvolvido é considerado responsável. E sobre o médico recai a obrigação de sofrer as conseqüências de certas faltas que comete no exercício de sua arte e que lhe podem acarretar ação civil ou penal.
A ética é necessária para formar verdadeiro conceito das coisas e saber dar-lhe estimação que cada um merece: saber distinguir a virtude do vício, reprovando este e estimando aquela.
Através dos tempos sempre houve a necessidade primaz de estruturar eticamente a vida social e de organizar, também eticamente, as profissões, porque fora da lei moral e dos bons costumes não pode haver disciplina, trabalho organizado, confiança mútua e entendimento entre os homens.
A ética profissional médica tem entre nós sua legislação específica e sua competente jurisdição especial: os Conselhos de Medicina e o Código de Ética. E todos estão obrigados a seguir este código de conduta moral no exercício de sua profissão, o qual, em seus 87 artigos, ocupa-se dos deveres morais dos médicos no exercício do seu ministério. A simples consciência moral do médico como guia para o seu comportamento não é suficiente. Há, pois, uma lei expressa a observar.
02. Responsabilidade Civil
A responsabilidade civil do médico tem sua primeira aparição com a Lei das XII Tábuas, onde se permitiu uma transação entre a vítima e o autor, convertendo uma pena em uma indenização.
Já no Direito Brasileiro, a matéria está contida no artigo 159 do Código Civil: “aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano”.
Por combinação legal, soma-se a este dispositivo o artigo 1.545 do mesmo Código:
Art. 1.545 – “Os médicos, cirurgiões, farmacêuticos, parteiras e dentistas são obrigados a satisfazer o dano, sempre que da imperícia, em atos profissionais, resultar morte, inabilitação de servir, ou ferimento “.
Assim, para que ocorra a responsabilidade civil médica, é necessária a caracterização dos seguintes pressupostos:
– ação ou omissão lesiva do médico;
– dano injusto, de conteúdo pessoal, moral ou patrimonial;
– nexo causal, a relação de causa (ação), e efeito (dano).
O acórdão publicado na RT 694/84 traz um texto muito esclarecedor do desembargador Sousa Lima:
“(…)a responsabilidade civil do médico não é idêntica à dos outros profissionais, já que a sua obrigação é de meio e não de resultado, exceção feita à cirurgia plástica. Se isso é assim não é porque o médico deva ser considerado um privilegiado em relação aos outros profissionais, mas porque lida ele com a vida e a saúde humanas, que são ditadas por conceitos não exatos, alguns até mesmo não explicados pela Ciência. Nestes termos, cabe ao médico tratar o doente com zelo e diligência, com todos os recursos de sua profissão para curar o mal, mas sem se obrigar a fazê-lo, de tal modo que o resultado final não pode ser cobrado, ou exigido.”
No que diz respeito à ação lesiva, esta se caracteriza com a culpa, no caso a imprudência, a negligência e a imperícia.
Quanto à responsabilidade civil do médico, Delton Croce e Delton Croce Júnior têm a esclarecer o seguinte:
“Há um salutar princípio jurídico geral que, objetivando resguardar os interesses, os direitos e as obrigações do homem no seio da sociedade, estabelece a todo indivíduo mentalmente sadio e capaz a obrigação de responder por prejuízos cometidos a outrem, por meio do dolo ou da atuação negligente, imperita ou imprudente, obrigação esta que será calculada, sob a perspectiva civilista, exclusivamente sobre a extensão do dano e não pelo grau de culpa, seja ela grave, seja leve ou mesmo levíssima”.[5]
O dano é toda ofensa ou prejuízo moral, material ou patrimonial que o paciente possa sofrer em conseqüência do ato médico.
O nexo de causa e efeito é a relação causal entre o médico e o dano. A causa de um dano resultaria do somatório dos fenômenos sucessivos, alcançando um determinado efeito prejudicial aos patrimônios pessoal e real do indivíduo.
Além disso, toda doutrina sobre o assunto é unânime em afirmar que a responsabilidade civil do médico é contratual, ou seja, a obrigação configurada por meio de contrato escrito ou verbal entre o paciente e seu médico.
Em síntese, a responsabilidade civil é nasce sempre que houver, por parte de um agente, seja pessoa física ou jurídica, violação de um dever jurídico preexistente, e dessa violação resultar um certo dano a outrem.
03. Responsabilidade Penal
Esta é a responsabilidade mais antiga do médico. Como vimos, anteriormente, na época de Hamurabi (Babilônia 2.500 a.C.), o médico respondia com a amputação das mãos pelo dano que viesse a causar. A Lex Aquília (Roma, 572 d.C.) obrigava o médico a indenizar, aos senhores, os danos causados aos seus escravos e aplicava-lhe a pena máxima no caso de morte de um cidadão romano, mas também obrigava o médico a indenizar a morte de um escravo sob seus cuidados e aquele que agisse com negligência, imprudência ou imperícia poderia ser exilado, vendido ou deportado. No Egito, as regras da arte de curar estavam contidas nos livros sagrados e, quando os médicos se desviavam do cumprimento destas regras, estavam sujeitos a inúmeras penas, inclusive a de morte. E a matéria foi se desenvolvendo passo a passo com a evolução gradativa das sociedades humanas.
Nos dias de hoje, a lei penal brasileira prevê diversas hipóteses da responsabilidade penal do médico. No Código Penal vigente desde 1940, estabelece-se:
Art. 15 – Diz-se o crime:
I – doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo;
II – culposo, quando o agente deu causa ao ” resultado por imprudência, negligência ou imperícia.
Em ambas as questões, enquadram-se outros dois dispositivos penais: homicídio, descrito pelo artigo 121 do mesmo Código Penal e as lesões corporais, no artigo 129.
Em qualquer fase de uma atuação médica: diagnóstico, prognóstico e tratamento, pode haver erros que se caracterizam como culpa.
Quanto à negligência, imprudência e imperícia, tanto podem apresentar-se como figuras criminais próprias ou antônomas, como constituírem simplesmente circunstâncias agravantes de outros crimes. Configuram-se, geralmente, em atos, ou na omissão de providências que deveriam ser tomadas pelo indivíduo no exercício de profissão, cargo, arte ou oficio. Assim, exige-se que cada um seja perito em seu oficio.
Se o profissional se dedica com afinco ao trabalho escolhido terá, sempre, alargados os horizontes da sua dedicação, cada vez mais obrigado a especializar-se para melhor capacitar-se. Assim, em cada atividade profissional, o seu executor deve empregar constantes esforços de aperfeiçoamento, em contato permanente com a evolução obtida no seu setor de atividades especializadas.
Nesse sentido, a participação do médico no erro sempre se configura como culposa e não dolosa. O que fugir dos fatores de negligência, imprudência ou imperícia não se considera como sendo erro médico.
Negligência, Imprudência e Imperícia
A negligência, a imprudência e a imperícia são os fatores mais comuns que levam ao erro médico e à posterior propositura de ações indenizatórias na Justiça e na abertura de processos ético-profissionais nos Conselhos Regionais de Medicina contra os médicos.
A negligência deriva do Latim negligentia, e significa um descuido, desleixo, uma falta de diligência, incúria, preguiça, com uma falta de desatenção e um profundo menosprezo. Ela se configura quando o profissional deixa de observar os deveres impostos à execução de qualquer ato. Pode ocorrer quando o doente é abandonado à própria sorte ou em mãos inexperientes, assim como quando sofre a omissão de socorro, a violação do dever de diligência e a impontualidade do médico.
A imprudência se caracteriza pelo risco tomado pelo profissional no exercício de seu dever, optando por uma atuação de caráter perigoso e esquecendo-se dos cuidados necessários para alcançar o fim colimado: a saúde do paciente. Muitos médicos praticam determinados atos sem disporem dos recursos necessários para se chegar ao sucesso do empreendimento, podendo serem estes recursos materiais ou humanos.
A imperícia deriva do Latim imperitia de imperitus (ignorante, inábil, inexperiente), e entende-se como falta de prática ou ausência de conhecimento, que se mostram necessários ao exercício de uma profissão ou de uma arte qualquer. Ela nada mais é que a execução de algum ato por parte do médico sobre o qual o profissional não possui o domínio ou a aptidão necessários para tal. Na prática existem médicos despreparados para determinado trabalho. Muitos prescrevem medicamentos errôneos, falham na prática de uma técnica cirúrgica etc., por isso, apesar de um médico estar técnica e legalmente habilitado para o exercício de sua profissão, não está livre da prática de atos que revelem sua falta de aptidão para esta ou aquela técnica.
Em conseqüência, para qualquer dos três casos, há de se observar a ocorrência da conduta contrária ao dever e que leve ao resultado de dano ou perigo a fim de se ver caracterizado o crime culposo. Sem isso, o ato inicial voluntário não constitui, por si mesmo, fato punível, ao menos como imprudência, negligência ou imperícia.
A problemática do erro médico, no Brasil, vem aumentando gradativamente devido ao degenerado sistema de saúde brasileiro.
Associado às três figuras culposas anteriormente citadas, somem-se as questões da péssima remuneração dos especialistas, principalmente os que trabalham em hospitais públicos, o stress do profissional e os problemas ocasionados por um imperfeito sistema de saúde, o qual termina sendo melhor demonstrado em um setor de emergência, dificultado pelas más condições de trabalho, de poder prestar o atendimento adequado e mais vulnerável às falhas profissionais no momento de decidir sobre a conduta a ser seguida para o auxílio ao doente.
O Médico, o exercício da Medicina e seus deveres
A medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade e deve ser exercida sem discriminação de qualquer natureza, e o médico deve agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional. Para que isso aconteça, deve ter boas condições de trabalho e ser remunerado de forma justa, de tal maneira que possa viver com conforto e possa se atualizar constantemente, podendo sempre indicar o procedimento adequado ao paciente. A péssima remuneração do profissional é fator impeditivo de sua atualização profissional e aprimoração de seus serviços.
Na área de emergência médica, onde ocorrem a maioria dos erros médicos, o trabalho é longo, penoso, estressante, sem adequado repouso e alimentação. Os médicos são chamados a tomar conta e a coordenar o cuidado de muitos pacientes simultaneamente. Eles devem estar cientes de suas limitações para dar o melhor cuidado aos seus pacientes e mesmo assim não diminuir sua efetividade pela fadiga ou frustração.
O médico insere-se nos três setores básicos de qualquer hospital: o de pronto atendimento, o de internamento e o de atendimento ambulatorial.
No primeiro, o médico deve direcionar seus esforços no sentido de prestar os primeiros cuidados clínicos ao paciente. Se o indivíduo tiver dado entrada em estado de risco iminente de vida, procurará o profissional primar pela manutenção ou o restabelecimento de seus sinais vitais através dos recursos próprios, como desobstrução da traquéia, respiração boca a boca, massagem do tórax, combate à hemorragias etc.
O setor de internamento comporta as unidades de terapia intensiva (para onde são levados os pacientes em estado grave e a sala de cirurgia.
O setor ambulatorial é utilizado, basicamente, para a realização de consultas regulares e exames rotineiros.
O vínculo entre o médico e o paciente se configura com a consulta, onde ocorre a apuração de eventuais sintomas para se chegar a um diagnóstico e um prognóstico precisos, e então se estabelecer a melhor terapêutica a ser adotada. As fases de uma consulta bem efetuada compõem-se da Anamnese, dos exames físicos geral e especial, e da requisição de exames subsidiários ou complementares.
Ao ser fixado o diagnóstico e previsto o prognóstico, estabelece-se o tratamento a ser ministrado ao doente. A terapêutica prescrita é o caminho a ser seguido pelo paciente para debelar o mal que o atormenta. Vê-se, então, a importância de uma consulta bem realizada, pois uma falha em qualquer de suas fases poderá comprometer o diagnóstico, o prognóstico e, por conseqüência, o tratamento. Desta maneira, constatada a imprudência, a negligência ou a imperícia, o médico responderá pelas eventuais conseqüências.
Pela lei, é defeso ao médico deixar de atender em setores de urgência e emergência, quando for de sua obrigação fazê-lo, colocando em risco a vida dos pacientes. Esta é a obrigação maior da profissão médica, caracterizando o respeito pela vida de seu semelhante.
O direito ao setor de emergência é um direito individual de toda a pessoa humana, assim como o direito à vida.
No hospital, o médico, ao entrar em contato com o paciente, deverá proporcionar o melhor de si, respeitando a dignidade de seu paciente. Ele trabalha num ambiente com enfermeiras, técnicos de raios-X, técnicos de laboratório, assistentes sociais e outros médicos. Deve existir um relacionamento onde impere a cordialidade e a competência profissional. Os médicos tem a obrigação de dar o melhor de sua atenção técnica e ética a todos os pacientes que venham em busca de seu auxílio, e a instituição que mantém o profissional tem a obrigação de proporcionar a ele, direta ou indiretamente, uma educação médica continuada, que possa manter sua qualidade no atendimento.
Segundo o médico Hipócrates, a “medicina seria o encontro de uma consciência limpa com uma consciência angustiada“. Infelizmente, nos dias de hoje, encontra-se um salário e um número.
O médico deve respeitar as normas de conduta do mundo contemporâneo e cumprir bem o seu dever, ou então procurar outra atividade que tenha menos compromisso com a tradição e o futuro passando pelo presente, a ciência e a moral.
Nos dias de hoje, o doente não vê mais no médico a figura do cidadão caridoso e sábio, mas um assalariado impontual, desumano, negligente, irresponsável que visa apenas receber uma remuneração às custas da sua saúde. E, ao mesmo tempo, muitos médicos vêem no doente alguém exigente e ranzinza cujo retorno e retribuição será apenas um valor pecuniário.
A medicina é uma atividade que, sobre visar a promoção, a prevenção e a recuperação da saúde do homem, oferece muito risco, tanto para aquele que se beneficia da sua ação, como para aquele que a exerce. Todo ato médico encerra a possibilidade de produzir maus resultados ao invés de bons.
Hoje, devido à problemática econômica que vive o país, testemunha-se uma verdadeira socialização da medicina, rompendo os princípios básicos da medicina liberal, piorando seus serviços e prejudicando a dignidade do seu exercício. A responsabilização do agente por ato danoso praticado segue sendo a mais importante via de satisfação de interesses do lesado no campo do Direito. Os efeitos sancionários e reparatórios que, de suas duas funções básicas definem, são a resposta mais adequada na ordem jurídica para ações ilícitas praticadas em detrimento de direitos da personalidade.
Infelizmente, casos como exames superficiais do paciente e conseqüente diagnósticos baseados em erro, cirurgias desnecessárias, omissão de tratamento ou demora no reencaminhamento do paciente para outro especialista, imprudência nas transfusões de sangue ou anestesistas, prescrições incorretas de medicamentos, abandono do paciente, receita ilegível, dentre outros, estão sendo cada vez mais comuns nos hospitais e consultórios médicos do país. Profissionais que juram sob a proteção do manto de Hipócrates em preservar a saúde e a vida de seu semelhante estão cada vez mais agindo com negligência, imprudência ou imperícia.
Evidentemente que o médico não pode jamais ser responsabilizado por possíveis insucessos terapêuticos. Não se pode exigir de nenhum profissional a garantia de êxito de qualquer tratamento, pelo simples fato de que a ciência médica não é um conhecimento matemático, absoluto, infalível. Lidando com elementos dos mais complexos (como são os biológicos), e com fatores variáveis de paciente a paciente, a medicina tem algo de conjectural, de fortuito, de hipotético. O que realmente se exige do médico não é que ele garanta o resultado de sua ação, mas que empregue os meios técnicos e científicos de que dispõe a sua arte para alcançar o fim almejado, que é a cura da enfermidade ou a sua prevenção.
Em síntese, deve o médico trabalhar em prol da saúde, da ética e do profissionalismo mediante o respeito aos seguintes deveres:
– Dever de informação, isto é, o dever de informar ao paciente tudo o que tenha a ver direta ou indiretamente com sua saúde, bem como demonstrar-lhe os procedimentos a serem tomados diante da relação médico-paciente em curso de forma clara e transparente.
– Dever de atualização, que é o contínuo aprimoramento da profissão médica, acompanhando o progresso e a evolução da ciência médica, de forma a espantar o fantasma da imperícia.
– Dever de abstenção de abuso, ou seja, de não se exceder em medidas arriscadas e desnecessárias, o que pode vir a acarretar dano por imprudência.
– Dever de vigilância, o que significa estar atento e fazer o melhor possível para não incorrer em qualquer tipo de omissão que possa caracterizar inércia, passividade ou descaso, obrigando o profissional a ser atencioso e cuidadoso em seu ofício, impedindo a configuração de qualquer tipo de negligência.
Perícia médica e dano
A perícia médica é a forma pela qual se busca comprovar a configuração de um dano ou lesão numa suposta vítima de erro médico. Busca não somente comprovar a alteração na anatomia corpórea ou funcional da vítima, mas também a toda anomalia que se configura por ocasião do dano.
Nas questões de natureza criminal, a perícia médica tenta encontrar elementos que demonstrem o corpus criminis (corpo da vítima), o corpus instrumentorum (o meio ou a ação que produziu o dano) e o corpus probatorum (o conjunto dos elementos sensíveis do dano causado)[6], bem como identificar o meio ou ação que acarretou o prejuízo por meio de fatores mecânicos, físicos, químicos, físico-químicos, bioquímicos, biodinâmicos e mistos.
O laudo pericial dentro da esfera penal envolvendo o erro médico visa demonstrar o grau da lesão produzida pelo erro e suas conseqüências para a vida da vítima. Nesse sentido, visa averiguar se do dano resultou:
– Incapacidade real para as ocupações habituais por mais de trinta (30) dias, impedindo a vítima de exercer as atividades que costumeiramente realizava, independentemente da ocorrência de prejuízo pecuniário.
– Aceleração do parto, ou a antecipação do parto provocada imediata ou imediatamente pelo ato lesivo.
– Incapacidade permanente para o trabalho genérico, que se caracteriza pela privação permanente da vítima em exercer qualquer atividade genérica que lhe garanta o sustento e é comumente conhecida como invalidez.
– Configuração de perigo à vida da vítima, ou seja, toda situação em que ocorra iminência de morte, um perigo evidente e próximo, e não a mera presunção de risco remoto ou condicionado.
– Debilidade permanente de membro, sentido ou função, isto é, a perda da capacidade funcional ou a debilitação do uso de um membro, de um sentido ou de uma função corporal, de sua fisiologia.
– Deformidade permanente, caracterizando-se pela modificação estética que compromete a harmonia da estética individual, do aspecto habitual que caracterizava o indivíduo, sendo mais um dano moral do que material.
– Aborto, provocado após um dano produzido à gestante, quando a gravidez é conhecida ou manifesta, seja óvulo, embrião ou feto.
– Enfermidade incurável, ou seja, que após a ocorrência do dano a vítima passou a desenvolver anomalia grave ou perturbação das funções orgânicas de forma permanente.
– Perda ou inutilização de membro, sentido ou função.
Nas questões cíveis, a perícia médica busca evidenciar as perdas patrimoniais da vítima e se do dano ocorreu:
1. Incapacidade temporária, total ou parcial, que ao contrário da incapacidade permanente, trata da incapacidade ou inaptidão para atividades por tempo limitado envolvendo todo o ciclo de tempo a partir da configuração do dano até a recuperação. Configura-se, pois, pelo tempo decorrido entre o dano e a cura do membro afetado.
2. Quantum doloris, isto é, a análise subjetiva do período de tempo em que a vítima sofreu dores físicas motivadas pelo dano e pelas suas conseqüências, bem como a dor moral evidenciada pela depressão, tristeza, ansiedade e perda de animus diante do mal que lhe acometeu.
3. Incapacidade permanente de natureza total ou parcial.
4. Prejuízo estético, levando em conta a personalização do dano, no que diz respeito ao sexo, idade, estado civil, profissão, situação anterior e comportamento da vítima em relação ao dano estético.
5. Prejuízo da auto-estima.
Erro médico, prova e indenização
O médico comete erro quando incorre em casos de negligência, imprudência e imperícia, devidamente analisados por perícia médica a posteriori, onde se verificará que o profissional é responsável pelo dano por não ter cumprido com suas obrigações básicas no exercício da profissão, que são o dever de informar e orientar o paciente, assistindo-o sempre que necessário e trabalhar com prudência.
O dever de assistir diz respeito à prestação dos serviços contratados de forma eficaz, onde o profissional se prontifica a atender aos chamados e procura se inteirar a todo instante quanto possível das condições de saúde do paciente durante o tratamento. Isso se evidencia quando o médico oferece ao paciente as condições para que este o encontre sem dificuldades sempre que necessário, pois no caso de ocorrerem danos pela falta de assistência pode vir a caracterizar o abandono, o que gera a responsabilidade do profissional. Abandono difere da convenção recíproca do paciente em não mais receber os cuidados do médico. Isso se chama consentimento entre as partes. O abandono, entretanto, configura a indiferença e a falta de zelo do profissional para com alguém que depende de seus cuidados.
O dever de prudência está diretamente ligado à maneira de atuar do médico, o qual não poderá fazer exames em seus pacientes ou realizar cirurgias de modo que traga prejuízos ou risco à vida do paciente, e sem a prévia autorização, expressa ou tácita, do paciente ou de seus familiares.
Quando algumas destas regras básicas é quebrada, configura-se a culpa do médico, que pode ser objetiva ou subjetiva.
Quanto aos danos a serem reparados pelo médico, estes podem ser classificados como sendo físicos, materiais e morais, o que exige da vítima ou seu representante legal, no momento de descrever a lesão sofrida, que o mesmo aponte quais foram as conseqüências do dano, sua localização, a possibilidade ou não de seu reparo a nível corporal, estado civil, o eventual retorno da vítima ao convívio social ou não quando se apresenta um erro médico de cunho estético, dentre outros.
Na averiguação da culpa do médico diante do ato lesivo, a lei determina que seja cumprida uma indenização à vítima lesada ou aos familiares do falecido.
A culpa atrelada a erros médicos é mais comum do que o ato doloso, e a responsabilidade médica está basicamente vinculada ao conceito de culpa diante da classificação de atos envolvendo negligência, imprudência e imperícia. Uma vez que é dever do médico orientar e informar o paciente, sempre que se configurar ato lesivo ao paciente justamente por falta de orientação e informação e, conseqüentemente, de prudência, configura-se o erro médico.
Diante da prova do erro, cabe ao médico indenizar a vítima ou seus parentes no caso de falecimento da mesma, e o valor da indenização poderá englobar tanto ressarcimento material quanto moral em seus variados graus de configuração e valores, conforme disposto em legislação específica. As indenizações por dano moral são sempre fixadas a critério do juiz, diante de seu caráter subjetivo e de acordo com os fatos envolvendo a configuração do ato lesivo, bem como a dor, vergonha ou outras conseqüências psicológicas que aquele venha a causar na vítima.
Ainda no que diz respeito à indenização, o artigo 159, do Código Civil destaca a responsabilidade civil subjetiva, isto é, aquela que exige a prova do dano e dos elementos que o acarretaram, configurando a culpa (negligência, imprudência ou imperícia), a qual se efetiva mediante perícia médica e posterior lavratura de laudo pericial. Alguns autores discutem a viabilidade de uma perícia médica praticada por outro “colega” de profissão, o que lesa o princípio da imparcialidade, já que se presume que o profissional procure proteger, resguardar ou mesmo inocentar seu parceiro profissional e que é comumente conhecido hoje como a “máfia de branco”.
Uma forma de provar o erro, além do laudo pericial, está na apresentação em juízo, a requerimento da vítima e determinado pelo juiz, do devido prontuário médico do paciente, o qual contém o histórico técnico da vítima. No caso do médico negar a apresentação do prontuário, por qualquer motivo, pode o juiz condená-lo às penas devidas por presunção de culpabilidade, oferecendo ao magistrado a oportunidade de admitir como verdadeiros os fatos narrados na inicial. Neste caso, inverte-se o ônus da prova, que passa do autor para o réu. A obtenção do prontuário nem sempre é de fácil acesso e para minimizar esta dificuldade é que a jurisprudência tem acatado a tese da inversão do ônus da prova, cabendo portanto ao médico e demais responsáveis solidários a apresentação do documento.
Os prejuízos e lesões de natureza física estão diretamente ligados à estrutura corporal do paciente e dizem respeito a perda total ou parcial do órgão, sentido ou função, bem como do agravamento do estado patológico do doente por culpa do médico.
Já os danos materiais ou patrimoniais decorrem, na maioria das vezes, dos próprios danos físicos, isto é, despesa médico-hospitalares, exames, medicamentos etc. A indenização material compreende a reposição de tudo quanto a vítima perdeu, como também tudo quanto ficou impedida de perceber (lucros cessantes).
Quanto aos danos morais, estes se classificam em danos estéticos, ou seja, aqueles relacionados com lesões permanentes à beleza física do paciente e danos morais propriamente ditos, os quais não possuem conteúdo patrimonial, mas fica a critério do magistrado atribuir valor pecuniário diante de ofensa moral provocada pelo erro médico. Apesar do dano estético ser uma espécie de dano moral, em muitos casos pode ser considerado dano patrimonial, como explica DIAS, citado por CAHALI (1998)[7]:
“A alteração do aspecto estético, se acarreta maior dificuldade no granjeio da subsistência, se torna mais difíceis para a vítima as condições de trabalho, se diminui suas probabilidades de colocação ou de exercício da atividade a que se dedica, constitui sem dúvida um dano patrimonial. Não se pode objetar contra a sua reparação, nem quando, erradamente, se considere dano moral, porque nem apresenta dificuldade para avaliação. Dever ser indenizado, pois, como dano patrimonial, o resultado prejudicial da ofensa ao aspecto estético, sempre que se traduza em repercussão de ordem material, porque a lesão a sentimento ou a dor psíquica, com repercussões patrimoniais, traduz dano patrimonial. É dessa natureza o dano estético que deforme desagradavelmente as feições, de modo que cause repugnância ou ridículo e, portanto, dificuldade à atividade da vítima.”
Todos estes danos podem ter origem em ato culposo ou doloso do médico, acarretando uma obrigação de compensação.
O Código Civil, em seus artigos 1.518, e 1.538 a 1.545, rege a verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade:
“Art. 1518. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado, e, se tiver mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação.
Art. 1538. No caso de ferimento ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até o fim da convalescença, além de lhe pagar a importância da multa no grau médio da pena criminal correspondente.
§ 1º. Esta soma será duplicada, se do ferimento resultar aleijão ou deformidade.
§ 2º. Se o ofendido, aleijado ou deformado, for mulher solteira ou viúva, ainda capaz de casar, a indenização consistirá em dotá-la, segundo as posses do ofensor, as circunstâncias do ofendido e a gravidade do defeito.
Art. 1545. Os médicos, cirurgiões, farmacêuticos, parteiras e dentistas são obrigados a satisfazer o dano, sempre que da imprudência, negligência, ou imperícia em atos profissionais, resultar morte, inabilitação de servir, ou ferimento.
Finalmente, como forma de garantir sempre um melhor desempenho nas atividades médicas, cabe ao profissional o dever de atualização de seu ofício, pois não basta tão somente a habilitação legal. Mister se faz um aprimoramento continuado, buscando atualizar-se através de novos conceitos e conhecimentos envolvendo sua profissão.
Denúncia do erro médico
Diante da configuração de dano ou lesão, a vítima deve procurar pela defesa dos direitos que lhe cabem pelos órgãos competentes. Assim, a pessoa lesada deve procurar um representante legal que a assista, bem como promover a denúncia do profissional mal qualificado, negligente ou imprudente nas Casas de Cidadania ou Promotorias Especializadas na Defesa de Direitos Humanos, quando o dano se configurar mediante atendimento público promovido pelo Estado.
É importante, também, que a vítima apresente denúncia por escrito junto ao Conselho Regional de Medicina de seu Estado contra o profissional que violou seus direitos.
No Brasil, hoje, cresce a cada dia o número de entidades e organizações comunitárias que lutam pelo direito à saúde e à vida, por isso sempre é possível recorrer a uma destas instituições privadas para a defesa do direito que cabe à vítima de erro médico.
É obrigação do médico e do hospital fornecer ao doente um diagnóstico por escrito de seu estado físico e mental, bem como uma cópia de todas as anotações do profissional sobre o quadro clínico do paciente, dos exames realizados pelo hospital ou laboratório e das notas de enfermagem.
De posse destes dados, bem como da avaliação a posteriori de outro profissional que possa atestar o dano, o paciente está hábil a promover a denúncia contra o médico que incorreu em erro. No caso de falecimento do paciente, um membro da família é parte legítima para processar o médico e/ou o hospital.
Da exclusão de responsabilidade
Não se pode deixar de mencionar algumas causas que, quando evidenciadas, excluem a culpabilidade do médico e que levam à improcedência de uma possível ação de indenização. Tais causas são comumente chamadas de excludentes de responsabilidade.
Jerônimo Romanello Neto[8] arrola algumas causas que eximem a responsabilidade do médico e que devem ser analisadas sob o princípio da interpretação do magistrado: iatrogenia, estado de necessidade, obediência devida, cumprimento de um dever legal e exercício regular de um direito, erro e ignorância, caso fortuito e força maior, dispensa de culpa, culpa do enfermo e culpa concorrente.
Para a maioria dos juristas a presença de uma ou mais destas causas excludentes já exime o médico da responsabilidade, mesmo que se verifique dano, nexo causal e culpa.
Advogado, especialista em Educação Patrimonial, Mestrando em Constituição, Processo e Sociedade pela UNOESTE (Presidente Prudente/SP), Professor de Direito Constitucional, Ciência Política e Teoria Geral do Estado, escritor, pesquisador.
Ponta Grossa/PR
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