O caso Moïse Kagabambe, jovem de 24 anos, negro, congolês, refugiado, morto por espancamento no início deste mês, em um quiosque na orla da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, faz necessário reafirmar o óbvio: vidas negras importam.
Moïse teria ido até o local para cobrar o pagamento atrasado dos dias trabalhados no quiosque. O desprezo pela vida de Moïse não é fato isolado no país em que se diz hospitaleiro e acolhedor com a diversidade de povos, etnias, raças e gêneros. No último dia 9, Marcelo Caraballo, venezuelano, negro, jovem de 21 anos, foi morto em São Paulo, durante uma briga, após cobrar dívida de aluguel no valor de R$ 100,00. No último dia 2, no Rio de Janeiro, um sargento da Marinha matou a tiros, um vizinho negro por tê-lo confundido com um bandido. Durval Teófilo Filho, de 38 anos, que chegava em casa, depois do trabalho, segurando uma mochila.
Nesses três exemplos acima mencionados, demonstram que os alvos dos massacres têm cor: preta.
O professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), mestre em Política Social e Ciências Sociais e doutor em Antropologia Social, Handerson Joseph, explica que as mortes reafirmam a seletividade do Brasil, projeto de genocídio e embranquecimento da população. “Na Era vargas, no período do Estado Novo, havia programas de imigração para os povos europeus, com o intuito de embranquer a nação”, explicou.
Para o professor, ainda que a nova lei de migrações (13.445/17) tenha substituído o Estatuto do Estrangeiro (lei 6.815/80), da época da Ditadura Militar, é necessário evoluir com políticas públicas antirracistas e contra a xenofobia. “Os negros, refugiados e imigrantes africanos são tratados com desumanidade. Como peças descartáveis. Essas pessoas vêm para o Brasil em busca de melhores oportunidades, fogem da guerra em seu país de origem, perseguição política e à elas são oferecidos trabalhos de força, algo que muito lembra o período escravagista e reforça o racismo estrutural enraizado no país. Ou, então, são assassinadas”.
A não manifestação do presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, sobre a brutalidade da morte de Moïse, representa, para Joseph, a invisibilidade dos grupos. “Não houve manifestação sobre o caso. Ele silenciou. Isso diz muito sobre o país em que vivemos e sobre quem está no poder”, disse o professor.
Um levantamento feito pelo Instituto Sou da Paz apontou que, entre os anos de 2012 a 2019, a taxa de mortalidade por homicídio de jovens negros foi 6,5 vezes maior que a taxa nacional. Um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) demonstrou que, das quase 35 mil mortes de jovens entre 2016 e 2020 no Brasil, 80% eram de negros. “Nós, negros, de países africanos, temos que estar sempre confirmando a nossa existência enquanto seres humanos, como pessoas. Temos que comprovar todos os dias que não somos criminosos”, explica Joseph. No Brasil, em de 2019, a taxa de homicídios por 100 mil habitantes negros foi de 29,2, enquanto a dos não negros foi de 11,2, conforme apontou o Atlas da Violência 2021.
Diante dos números, Joseph destaca e lembra da importância do conhecimento da história dos negros, na rede de ensino. A lei 10.693/03, sancionada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, inseriu nos currículos escolares ensino sobre a história da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à história do Brasil. “É preciso falar sobre racismo, xenofobia e todos os outros temas que excluem os negros enquanto cidadãos. Os direitos são violados diariamente no Brasil. É necessário políticas públicas efetivas destinadas a esses grupos. Sim todas as vidas importam mas as vidas negras se faz preciso reafirmar isso todos os dias”, ressaltou.
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