Introdução
Não têm sido poucas as transformações pelas quais o Estado passou nestes últimos vinte e cinco anos, principalmente na América Latina. Analisadas algumas diferentes concepções ideológicas sobre o papel do Estado na sociedade contemporânea constata-se que há uma convergência entre elas para um ponto comum: a necessidade de repensar o modo da intervenção estatal que possa fazer frente aos desafios impostos pela globalização. Isso significa a necessidade de redefinir os papéis a serem desempenhados pelo Estado a partir da proposição de uma economia solidária e participativa que preserve os avanços do período do Estado de bem-estar social.
A mudança na concepção do papel do Estado que vem sendo realizada, e é tendência mundial, está relacionada com os processos de liberalização ou desestatização, difundindo-se a noção de um Estado subsidiário, onde o mercado passa a ter uma condição de destaque.
Quando são examinados os modos e instrumentos através dos quais o Estado intervém na sociedade – pela política, economia ou direito –, deve-se levar em conta que o desenho das instituições e a forma de estabelecer o seu papel decorre de um processo histórico recente, que molda a intervenção e, ao mesmo tempo resiste à sua mudança. Tanto a finalidade de restringir ao mínimo a intervenção do Estado, na lógica da supremacia do mercado, quanto a manutenção de uma intervenção fundada no princípio da solidariedade e da justiça social, encontram no aparato do próprio Estado uma série de entraves, principalmente quando se confrontam os interesses dos grupos e classes sociais.
A partir de décadas recentes, os governos que se aproximaram do ideário neoliberal, têm-se voltado para um processo de mudança ou conjunto de reformas no perfil do Estado nacional identificado com o projeto de “reinvenção” do aparato burocrático do Estado. Essa “reinvenção” está situada na promessa de criar meios e condições administrativas capazes de tornar o Estado mais ágil e eficiente sem os custos e as estruturas tradicionais, principalmente no que se refere à prestação de serviços públicos postos à disposição do mercado. Implica, de certo modo, redefinir as atribuições e funções do Estado, especialmente no que se refere ao seu arcabouço institucional. Muda-se o seu perfil estatal, onde a sua função “passa a ser a de planificador, mobilizador e de agente regulador”[1] das relações econômicas e de utilidades postas à disposição dos cidadãos.
Mudar o aparato burocrático do Estado, no entanto, significa algo mais amplo. Significa quebrar a estrutura de poder enraizada nos diversos grupos identificados com as elites tradicionais que controlam os espaços privados e públicos e romper a teia de interesses que operam em detrimento do interesse da coletividade e do desenvolvimento do Estado[2].
Um dos fenômenos que advêm com os programas de reforma do Estado – e que radica na essência do modelo estatal intervencionista – é a “organização do mercado”[3]. Isso deve ser entendido como uma forma de revitalização do próprio sistema capitalista que procura, em tempos de crise, superar as suas contradições estruturais para continuar propiciando, através do Direito, a necessária mediação entre os interesses meramente privados e aqueles públicos, o que equivale dizer, cumprir uma função social. Para Vera Sueli Storck, “reformar o Estado, em sua mais pura acepção, é cambiar de um para outro modo de dominação no sentido weberiano. É, no caso brasileiro, derrocar o patrimonialismo e em seu lugar instalar a dominação racional-legal por exemplo”[4].
Com as decisões políticas e econômicas dos governos, voltados às reformas do Estado, chegou-se à construção de um novo aparato burocrático do Estado[5], só que agora baseado na noção de “marco regulatório”. A idéia lançada nesse processo é a da regulação, como forma de estabelecer um novo padrão de relacionamento entre o Estado e o mercado, como forma de intervenção no domínio econômico para cumprimentos das regras voltadas à defesa da ordem econômica e, no conseqüente desenvolvimento do pais.
Note-se que a própria ordem econômica não prescinde de dois elementos fundamentais á dinâmica econômica do mercado e que merecem a tutela efetiva do Estado: a concorrência e o consumo. Esses dois elementos são centrais na visão do mercado que aloca recursos e os distribui para melhor atender as necessidades humanas. Entre a produção e o consumo, existem um largo espaço de transações econômico-jurídicas que serão reguladas pela atuação estatal. O próprio ato de consumo terá forte regulação jurídica, eis que se constitui em valor superior da ordem jurídica de consumo, constituindo-se, em essência, num próprio direito fundamental da pessoa humana.
E é, justamente, nesse ponto que se acham as modernas relações entre Estado e mercado: a possibilidade de privilegiar uma adequada convivência entre concorrência e consumo, sob a ótica da participação dos agentes do mercado, não só pela perspectiva da regulação mas, sobretudo, pela participação que se traduzirá no conceito de controle social.
Esse trabalho, de caráter teórico e descritivo, pretende, ainda que de forma superficial, indicar algumas reflexões sobre como a reforma do Estado refletiu na sua atuação frente ao mercado e, como isso acaba reproduzindo novos espaços de controle social institucionalizado, que, se bem explorado, mediante um sistema jurídico eficiente, pode operar em benefício dos cidadãos, enquanto consumidores e das empresas, enquanto unidades econômicas.
1. Estado versus Mercado: sobreposição ou conciliação?
Os mercados são redes complexas[6] que estabelecem e ressaltam as contradições existentes nas estruturas sociais, de acordo com o modo de produção capitalista presente nas sociedades industriais. Disso não há, talvez, como fugir, pois é uma realidade histórica e que se consolida a cada dia com o processo de globalização[7]. Porém é preciso compreender a dicotomia existente entre Estado[8] e mercado, para que se reconheça, antes de tudo, a natureza dialética dessa relação. Deve-se procurar a síntese que aponte para o caminho da convivência ou da correção de rumos que surge das diferenças entre ambos. Com isso, afirma-se, que não se pode mais analisar a relação entre Estado e mercado nos moldes tradicionais[9].
Toda a atividade interventiva do Estado, no modelo capitalista, pressupõe a utilização de um arcabouço jurídico-formal para controlar e legitimar as opções e medidas de regulação dos mercados. Esse fato é reforçado pelo caráter mutável e transformador dos mercados como condição de competitividade e lucro para garantir o processo de acumulação do capital. Diante dessa lógica, em que medida os interesses econômicos expressos na dinâmica do mercado podem ser decisivos para moldar os rumos da sociedade contemporânea, principalmente relacionada com a atual sociedade de consumo?
Nessa esteira de raciocínio outra cogitação vem à baila: de que modo o direito pode flexibilizar a dinâmica ortodoxa do mercado para torná-lo mais “social” ou “aberto” a uma função social determinada?
Levando-se em conta que o mercado centraliza uma série de processos de produção, distribuição e consumo de bens e serviços de toda ordem, direcionados à satisfação individual e coletiva, devem existir mecanismos hábeis a estipular controles que possam estar a serviço de um interesse mais amplo como o da própria sociedade[10]. Que controles são estes, já que não podemos esquecer que a intervenção do Estado na ordem econômica foi, historicamente, um meio de se possibilitar controles do Estado liberal para que fossem afastadas as hipóteses de crises que convulsionassem a dinâmica do mercado?
Isso leva à consideração de que seria interessante, nos dias de hoje, a possibilidade de propor um controle social sobre o mercado, demonstrando que, em certos casos, a intervenção estatal é possível e necessária, desde que voltada aos interesses da coletividade e predisposta a garantir os direitos sociais e coletivos.
Em conferência sobre as relações entre Estado, mercado, liberdade e democracia, o sociólogo Fernando Henrique Cardoso[11], discorria sobre as origens do mercado, baseado nas lições de Alberto O. Hirschman: “A reflexão de Hirschman é a seguinte: nos seus primórdios, o mercado – o capitalismo se expandiu antes de mais nada pelo comércio – era apresentado como se fosse o grande instrumento civilizador. Montesquieu, por exemplo, tinha o mercado – ou o comércio mais do que o mercado – como uma alternativa para conter os impulsos autoritários do soberano. Não foi o único autor a pensar dessa maneira: James Stuart também. Enfim, a primeira imagem do mercado – usando a expressão que Hirschman reproduz – era de um doux commerce. Realmente, o comércio era visto como suave,. Era um instrumento de suavização das relações humanas, até porque obrigava a uma troca, obrigava à reciprocidade. Existia portanto a possibilidade de se pensar o mercado como instrumento para adocicar as relações. Nesta primeira visão, o mercado não se contrapõe ao Estado propriamente dito, mas ao soberano. O mercado limita o arbítrio, se imaginava; cria regras de convivência. Esta primeira visão do mercado, não propriamente em oposição ao Estado, mas como instrumento capaz de transformar as relações sociais numa forma de sociabilidade superior, era a visão predominante no século XIX. Mas ela se desfez em seguida, com o capitalismo industrial”[12].
Considerando que o Estado também apresentou fases distintas que passaram por momentos de liberdade e de puro totalitarismo, a indagação a ser feita é: por que o mercado tem sido incensado por alguns e demonizado por outros? Haverá uma forma intermediária que admita a sua existência? Ou, ao contrário, deverá desaparecer depois de alguns séculos?
Por trás das trás das razões de fundo ideológico que animam o debate, procurando situar as relações entre Estado e o mercado, questões de ordem prática, que envolvem a dinâmica capitalista e sua presença na vida cotidiana, demonstram que tem sido difícil estabelecer mecanismos de controle sobre o mercado.
Daí, talvez, a constatação de que o mercado tornou-se violento a partir da própria violência do processo produtivo do capitalismo. E essa percepção aumentou durante as tensões e lutas sociais iniciadas no século XIX e continuadas ao longo do século XX e, ao que tudo indica, tendem a ser alimentadas no século XXI. É nesse momento surge a alternativa de buscar o Estado, não como um substituto do mercado, mas como um referencial que possa oferecer o contraponto à violência apresentada, estabelecendo condições de controle e possibilitando um acesso maior da sociedade às benesses econômicas.
Como forma de minimizar as distorções e exageros do período liberal, o Estado chamou a si determinadas funções que puderam assegurar a justiça social e a distribuição de riqueza, o que implicou estabelecer uma forte demarcação de atribuições, com um efetivo controle público sobre o mercado. Significou, também, equilibrar as relações de poder entre o Estado e os grupos econômicos privados através de mecanismos de regulação jurídica e econômica, onde o Estado detivesse funções de coordenação e orientação no processo de acumulação[13].
Por outro lado, é preciso reafirmar a importância do regime de serviço público[14] (típico e atípico) como forma que consagra e assegura a presença do Estado na mediação no mercado. Isso possibilitou uma maior acessibilidade da maioria da população à fruição das utilidades oferecidas pelo setor privado e público, garantindo a universalidade do acesso, a democratização do uso e a fiscalização continuada. Tratou-se de atribuir funções claras e definidas ao Estado e, não simplesmente, subtraí-lo ou torná-lo infenso às relações do mercado[15]. O Estado passo a ser o árbitro e garantidor da manutenção das regras do jogo, premiando ou sancionando os competidores além de promover políticas públicas de inclusão social no próprio mercado.
Se o mercado é o lugar de destaque das ações individuais, o Estado passa a desempenhar o papel de mediador dos conflitos e de catalizador das ações voltadas para a afirmação do coletivo. A ação do Estado reside na afirmação da política como espaço para a satisfação das necessidades sociais através de limitações impostas ao funcionamento do mercado e dos interesses dos que nele tomam parte.
A ampliação das potencialidades do capitalismo e do próprio mercado através do incremento das forças produtivas gerou um esgotamento na capacidade de estender os benefícios da riqueza a uma maior número de destinatários, o que leva a uma situação de insatisfação muito grande, para não dizer de exclusão.
Recuperando-se o conceito histórico de Estado de bem-estar social, há que se reconhecer que este foi o elemento que fez o contraponto ao próprio mercado. Tem sido o alter das contradições do próprio capitalismo. Indispensável afirmar que a presença do Estado impõe limites à autuação violenta do mercado, sendo possível aplicar um critério de racionalidade ao seu funcionamento.
A partir da fixação da noção de constituição econômica foi possível elaborar um arcabouço jurídico-institucional que passou a consolidar a experiência intervencionista nos Estados contemporâneos conciliada com os avanços políticos da afirmação e preservação da liberdade[16]. Na seqüência, foi possível moldar um sistema não só constitucional, mas principalmente administrativo, que foram decisivos para desenvolver os conceitos e respectivas regras nas diversas modalidades da intervenção do Estado na ordem econômica.
O que se precisa, hoje, é de mecanismos que ofereçam condições de controle sobre o mercado. Um controle social e racional capaz de afirmar uma nova sociabilidade que afirme a liberdade de cada indivíduo e dos grupos e não somente a propriedade de poucos. Karl Polanyi afirmava: “A liberdade jurídica e real pode se tornar mais ampla e mais geral do que em qualquer tempo; a regulação e o controle podem atingir a liberdade, mas para todos e não apenas para alguns. Liberdade não como complemento do privilégio, contaminada em sua fonte, mas como um direito consagrado, que se estende muito além dos estreitos limites da esfera política e atinge a organização íntima da própria sociedade. Assim, as antigas liberdades e direitos civis serão acrescentados ao fundo de uma nova liberdade gerada pelo lazer e pela segurança que a sociedade oferece a todos. Uma tal sociedade pode-se permitir ser ao mesmo tempo justa e livre”[17].
Não se quer dizer com isso que o objetivo é engessar o mercado, o que só desnaturaria sua razão de ser. É preciso, ao contrário, instituir formas próprias e peculiares a entender as relações entre mercado e Estado, principalmente aquelas constituídas no Brasil, como também em toda a América Latina[18]. Eros Grau avança em seu argumento e arremata: “De modo que ser moderno, hoje, é no mínimo já ter consciência de que o mercado é impossível sem uma legislação que o proteja e uma vigorosamente racional intervenção, destinada a assegurar sua existência e preservação; de que os postulados da racionalidade dos comportamentos individuais, do ajuste espontâneo das preferências e da harmonia natural dos interesses particulares e do interesse geral são insuficientes; de que os fenômenos de dominação desnaturam o mercado. Assim, parece-me que a opção por um mercado livre[19], hoje, apenas não corresponde a uma aspiração de volta ao passado porque em verdade os mercados jamais funcionaram livremente. A noção de mercado livre tem sentido única e exclusivamente enquanto expressiva de um tipo ideal. O entrelaçamento que une mercado capitalista e Estado é vigoroso, pois o Estado moderno, em última instância, é produzido pelo capitalismo”[20].
Importante lembrar que os neoliberais, ao falarem de liberdade e democracia como sendo sinônimo do funcionamento do mercado sem amarras, livre, absoluto tendem a relativizar estes conceitos e esse entendimento não pode prosperar. Contrário senso, deve-se buscar na noção de democracia a possibilidade de se estabelecer limites em nome da maioria. Diz Fernando Henrique Cardoso: “Durante muito tempo resolvemos essa temática sem conclusões claras. Nos últimos vinte anos, porém, ocorreram transformações de fundo que passaram a conformar a discussão sobre Estado e sociedade de maneira diferente. Houve, por um lado, o esgotamento, talvez provisório, do modelo do welfare State. Na era thatcheriana e reganiana domina a idéia de que o welfare State criou obstáculos ao processo de acumulação e ao crescimento econômico; reinvindica-se, por isso, a volta do mercado livre como regulador de tudo. Nas últimas décadas voltou-se, com uma velocidade muito grande, a uma ideologia dita neoliberal, talvez com injustiça para com os liberais autênticos, que assumiu o tom de propaganda simplificadora, como ocorre com quase toda a ideologia. De novo vê-se o mercado como sinônimo de democracia e de liberdade. Fala-se em ‘desregulamentar’. Tudo o que foi construído como um passo necessário para assegurar a democracia, a regulamentação para corrigir as distorções do mercado, dá marcha à ré. É preciso acabar com o Estado, dizem os neoliberais, porque o Estado é necessariamente a burocracia e porque ele impede a livre expansão do indivíduo. Renasce assim a esperança de um mercado soft, suave, doce”[21].
Também não procede a alegação de que a democracia é um obstáculo ao livre funcionamento do mercado[22]. Isso se liga às freqüentes afirmações de que a democracia só seria exercitada plena e amplamente em regimes liberais. Do contrário, haveria espaço para retrocessos institucionais, principalmente se não fossem feitos os ajustes econômicos suficientes para promover a liberalização ou abertura econômica[23].
Nesse sentido é que Jacques Fontanel assevera: “A economia de mercado desenvolve uma contração. A concorrência não é jamais pura e perfeita, ela é fundada sobre desigualdades de poder sobre os mercados. Ora, o mais forte pode ter a tentação de eliminar os mais fracos e de, assim, tornar-se um monopólio, ou seja, de estabelecer a antítese da competição”[24].
Há que se democratizar o mercado criando condições de permanente acesso a ele. Para que sejam mantidas as regras do jogo e, portanto, um mínimo de regras capazes de assegurar o funcionamento do mercado é indispensável um quadro jurídico-normativo que assegure o seu funcionamento. Nos países de democracia recente a afirmação de que é necessário um quadro jurídico institucional (via de regra, através da constituição) faz com que se legitime, ao menos aparentemente, as mudanças na ordem econômica. Tarso Genro afirma que “para buscar uma sociedade estável e democrática, nas condições atuais, é necessário preservar o mercado como o sinalizador que orientará a produção”[25]. Tarso Genro deixa claro que: “O controle social do mercado substitui a planificação centralizada e sua degeneração totalitária. Ele pode evitar não só os monopólios e os oligopólios, mas também combater a criação de necessidades artificiais, feitas através de manipulação pela mídia. Só instituições plenamente vinculadas a todos os setores da sociedade – plurais, heterogêneas e conflitantes na sua representação – poderiam democratizar as relações de mercado, canalizando a ambição e a iniciativa para criar mercadorias qualificadoras da vida material e espiritual da sociedade e, ao mesmo tempo que o mercado se torne uma resposta às necessidades e, ao mesmo tempo, faça a regulação destas necessidades, momento em que a sociedade defrontar-se-á, conscientemente, com a finitude dos recursos naturais, questão que hoje não pode ser contornada”[26].
Uma análise que cabe nesta discussão tem a ver com a idéia de estabelecer a identidade entre regime político e sistema econômico. Será verdadeira a premissa de que regimes autoritários estão identificados com sistemas econômicos intervencionistas enquanto os regimes democráticos se consolidam na economia de mercado? No caso brasileiro esta afirmação pode ser parcialmente verdadeira. O Brasil partiu de um regime autoritário baseado num Estado intervencionista que abre gradualmente tanto o seu regime político quanto o econômico.
Pela nossa tradição, eminentemente estatista, quando não havia regulação, sendo o Estado o prestador do serviço e o órgão fiscalizador, os instrumentos de controle não geravam a eficiência esperada. Pelo poder e alcance das empresas estatais, o poder de pressão e controle do próprio Estado e da sociedade ficaram muito reduzidos.
Assim, ao que parece tudo irá depender dos atores sociais envolvidos no processo político e os níveis de pressão política exercidos. Só para lembrar, o regime autoritário teve seu ocaso a partir do momento em que as elites romperam (ainda que tacitamente) com os militares no poder e puderam formar uma aliança com setores médios da sociedade.
Para Eduardo Carrion: “Os neoliberais acreditam na superioridade da regulação pelo mercado, o intervencionismo estatal representando assim um fator de transtorno e de desajustamento da economia de mercado. Entretanto, esta apologia do mercado livre não seria uma maneira de mascarar uma investida do capital contra as conquistas históricas da classe trabalhadora, expressas no pacto social-democrata do Estado social?”[27].
Diante dos novos padrões surgidos com a reforma do Estado, através do processo de desestatização, uma nova relação entre Estado e mercado deve surgir. Esta nova noção está calcada na figura de um Estado regulador que se adequará aos novos moldes das relações políticas, econômicas e sociais de cada realidade. Isso poderá ocorrer através de uma visão liberal pura, onde o Estado se resume a ser o árbitro do mercado, sem interferir nas regras do jogo ou, ao contrário, através de uma atitude intervencionista, que procura efetivar a justiça social.
Esta última opção, concebida como “estruturante”[28], muito embora reconhecendo os mecanismos e a lógica de funcionamento do mercado, onde a liberdade de iniciativa é um dos fundamentos vitais, deverá garantir que o mercado cumpra com uma função social, no sentido de democratização de acesso e da distribuição de renda e benefícios coletivos à população.
2. A adequação entre as políticas públicas do Estado e a dinâmica do mercado voltado às relações de consumo e da concorrência
Diante das crescentes exigências, da sociedade pós-moderna, por novas e constantes soluções para a satisfação das necessidades humanas e coletivas vemos retrair-se o espaço público e expandir-se o espaço privado envolvidos com os componentes da economia, onde o consumo se apresenta como a ponta final da cadeia produtiva. Isso reflete a situação em que se acham as relações entre Estado e mercado, e que atingem a sociedade de consumo.
Sabe-se que a economia, enquanto ciência social, tem por função geral a busca de atendimento das necessidades humanas por intermédio da adequada escolha de recursos escassos. Em resumo, trata-se da administração da escassez[29].
Pelo constante aumento das necessidades humanas, em proporções desmedidas frente aos recursos disponíveis, o acesso à satisfação dessas mesmas necessidades depara-se com problemas de toda a ordem e que acabam se refletindo nas ações dos atores que desempenham suas funções no espaço público e no espaço privado. A interação entre os agentes do Estado e do mercado passa a ter largo espectro de protagonismo não só econômico, mas principalmente jurídico e social.
Com particular respeito ao caso brasileiro, numa visão moderna e inovadora, a Constituição Federal de 1988 procurou adequar uma solução de convívio entre o espaço público e o espaço privado, comprometendo-se a estabelecer, do ponto de vista jurídico, situações que indicassem a preocupação com a realidade econômica e social.
Nesse sentido, o texto constitucional, ao lado de consagrar no seu art. 3º, os objetivos fundamentais da República[30], dispôs no art. 170, os princípios gerais que regem a atividade econômica.[31]
Numa visão sistemática é preciso salientar que todos esses princípios se preordenam a constituir uma ordem econômica baseada na livre iniciativa (espaço privado) que está jungida ao alcance daqueles objetivos consagrados no art 3º, supra mencionado, com mecanismos de controle por parte do Estado e da sociedade civil organizada (espaço público)[32].
Assim, a interação entre os atores da ordem econômica que transitam no espaço público e no espaço privado deve ser, antes de tudo, pautada pelo sistema constitucional que visa assegurar a perfeito funcionamento da ordem econômica, principalmente no que tange à efetivação/concretização e adequação/harmonização entre o princípio da livre concorrência (inciso IV) e o princípio de defesa do consumidor (inciso V).
Estas duas áreas disciplinadas pela Constituição Federal tiveram forte desdobramento na legislação infraconstitucional e constituem-se em verdadeira política pública assumida pelo governo brasileiro, constituindo-se em verdadeiro Sistema Nacional de Defesa do Consumidor já previsto no Título IV da Lei n. 8078/90 (arts. 105 e 106) e no Capítulo II (arts 3º a 8º) do Decreto Federal n. 2.181, de 20 de março de 1997.
Não há como desconhecer que um dos pressupostos da existência explícita da regulação no nosso sistema constitucional[33], antes mesmo que se falasse na implantação de um “marco regulatório”, estruturado em normas legais e disposições regulamentares.
O conceito de regulação[34] também se aplica às relações concorrenciais e de consumo, sem que se necessite criar nova(s) agência(s) para desencumbir-se dessa função estatal. A estrutura formal, orgânica e funcional não é elemento essencial para o cumprimento de objetivos constitucionais superiores. Por isso que, como forma de garantir a observância das regras da concorrência e da defesa do consumidor o governo federal estruturou sua atuação administrativa, no âmbito do Ministério da Justiça, que possui em sua estrutura a Secretaria de Direito Econômico – SDE. A Secretaria tem a sua competência estabelecida pelo Decreto 4.991, de 18 de fevereiro de 2004 e possui dentro de suas estruturas o Departamento de Proteção e Defesa Econômica (DPDE) e o Departamento e Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC)[35]. Além disso, no âmbito do Ministério da Fazenda, achava localizada a Secretaria de Acompanhamento Econômico – SEAE, que foi criada pela Medida Provisória n.º 813, de 1º de janeiro de 1995. É o principal órgão do Poder Executivo encarregado de acompanhar os preços da economia, subsidiar decisões em matéria de reajustes e revisões de tarifas públicas, bem como apreciar atos de concentração entre empresas e reprimir condutas anticoncorrenciais. O perfil da SEAE acima exposto reflete-se nas suas três esferas de atuação: promoção e defesa da concorrência, regulação econômica e acompanhamento de mercado .
A defesa da concorrência está delineada na Lei n. 8.884, de 11 de junho de 1994 que, ao transformar o CADE[36] em autarquia, dispôs sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica.
A proteção e defesa do consumidor, por sua vez, decorre de mandamento constitucional que assegura aos cidadãos consumidores a tutela de seus direitos fundamentais, quando no art. 5º, XXXII está consignado que: “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. Este dispositivo, conjugado com a dicção do art. 48, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que determinava ao legislador ordinário a edição de um Código de Defesa do Consumidor, tornou-se completo quando da edição da Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990, com vigência a partir de 11 de março de 1991.
O quadro institucional de defesa do consumidor no Brasil acha-se descentralizado pelos três níveis federativos, eis que a matéria sujeita-se ao regime de competência legislativa concorrente, conforme emana do art. 24, V, da Constituição Federal. Nesse sentido, cada uma das pessoas políticas (União, Estados-membros e Municípios) poderá legislar sobre a matéria que evolva a produção e o consumo.
Isso faz com que haja mecanismos de atuação nacional, estadual e municipal capazes de alcançar uma proteção mais efetiva aos consumidores no mercado de consumo. Órgãos como os Programas de Proteção e Defesa dos Consumidores (Procon)[37] estão estruturados nos Estados-membros e municípios, vinculados à estrutura dos respectivos governos para auxiliar no desenvolvimento da Política Nacional das Relações de Consumo, coordenada pelo Ministério da Justiça, por intermédio do DPDC. A referida Política, aliás, está disciplinada no art. 4º, da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor)[38].
O referido Sistema conta, ainda, com a presença e atuação do Ministério Público Federal e Estadual, órgãos governamentais que tenham uma interface com a defesa da concorrência e do consumidor (INMETRO e agências reguladoras, por exemplo), além das Associações de Defesa dos Consumidores.
O postulado de que a ordem econômica entre nós está estruturada e bem articulada não serve de pretexto, no entanto, para se achar que todos os nossos problemas estão resolvidos na esfera da defesa do consumidor e da concorrência. Muito existe para se fazer com vistas a uma articulação mais efetiva que forneça um sistema mais protetivo.
Podem ser citados alguns pontos de fragilidade, tanto na área da concorrência (as condutas ilícitas e anticoncorrenciais – cartéis, práticas monopolistas e de concentração econômica[39], assimetria nas informações) como na esfera da defesa do consumidor (sobrecarga do MP na tutela dos interesses dos consumidores, a pouca atuação das associações de defesa dos consumidores,que deveriam buscar ser independentes, a falta de integração ou sopreposição de atribuições e competências dos órgãos de defesa dos consumidores, a pouca representatividade dos consumidores em foros, conselhos, comissões, etc).
3. O desempenho das instituições públicas (e privadas) no mercado de consumo sob a perspectiva do controle social
Sistematicamente o poder público tem sido acusado de ineficiência e má prestação de serviços públicos, deixando espaço para que se afirme que só a iniciativa privada pode oferecer resultados compensadores e de maior qualidade aos usuários. Na verdade, há uma comparação constante entre os bens e serviços prestados pelo mercado e aqueles prestados pelas instituições públicas. Isso nem sempre significa que os bens e serviços produzidos pela iniciativa privada sejam melhores e, mais eficientes, do que aqueles produzidos pela esfera estatal. Os países europeus estão a comprovar que, na sua larga experiência de prestação de serviços públicos, sempre conseguiram atingir ótimos níveis de excelência e resultados. Por outro lado, as condições econômicas aliadas às novas técnicas de administração e gerenciamento, demonstram que é preciso uma descentralização e formulação de parcerias entre Estado e iniciativa privada para que os serviços públicos, tradicionalmente oferecidos pelo Estado possam ter continuidade de fruição pelo público em geral.
As reformas setoriais trouxeram mudanças à Administração Pública. A idéia central da reforma administrativa foi a de desburocratizar a máquina estatal, criando condições para que a Administração pudesse prestar serviços de maior qualidade e de forma mais dinâmica aos cidadãos. Ao lado disso, com a quebra de inúmeros monopólios naturais, desempenhados pelo Estado e a abertura econômica, oportunizou-se a entrada de diversas empresas privadas no setor de prestação de serviços públicos, passando a competir entre si.
Em outras palavras, as idéias que nortearam a reforma foram as de ter uma Administração a serviço do público; uma Administração eficiente, ágil, rápida, pronta para atender adequadamente às necessidades da população, facilitando o combate à corrupção; uma Administração que preza pela economicidade, transparência e publicidade; uma Administração de resultados. E também um incremento da capacidade competitiva e de qualidade por parte da iniciativa privada, ao assumir, por delegação, parcela das atribuições que são, originariamente, do Estado.
Glória Conforto ensina: “Deve ser tomado como orientação filosófica o esforço para buscar desenvolver mais altos padrões de responsabilidade política, administrativa e gerencial. E o fundamento dessa orientação é a idéia de que a responsabilidade das administrações é ser provedora de serviços pela população, em interação com ela, rompendo a relação com o velho sentido do prestar serviço para ela. A população deve ser absorvida como parte do novo sistema, com ênfase sobre a questão de que cada parte da nova organização pode e deve contribuir para a qualidade do serviço”[40].
Desde o momento em que se começou a falar na reforma do Estado brasileiro passou-se a estudar e discutir os meios pelos quais a Administração Pública deveria alterar os seus padrões tradicionais e reformular suas concepções para desempenhar com maior eficiência os seus papéis. Para Osvaldo Sunkel: “Durante os últimos anos, o Estado teve seu tamanho reduzido, as empresas e os serviços públicos foram privatizados, os mercados foram desregulamentados e liberalizados, buscou-se o equilíbrio macroeconômico, os governos foram descentralizados e a administração pública foi melhorada. Na medida em que estas metas são atingidas, têm de ser identificadas novas metas para as quais é necessária a intervenção pública. Por exemplo, é necessária maior supervisão e regulamentação das atividades que passaram para o setor privado (nas quais o interesse público precisa ser protegido). O Estado também precisa manter sua participação nos setores sociais e nos setores produtivos mais precários. Além disso, é absolutamente imperativo que o Estado assuma sua parcela de responsabilidade na contribuição para a coordenação de um plano nacional estratégico de médio e longo prazos. Seu objetivo deve ser oferecer um arcabouço orientador para o estabelecimento de incentivos adequados e uma estrutura reguladora coerente com ele, bem como garantir o necessário consenso, por meio do diálogo, entre todos os setores sociais e políticos, afim de garantir apoio a essa estratégia de médio e longo prazos”[41].
Observe-se, portanto, que antes havia um modelo de Estado burocrático[42], de cunho racional-legal, que tinha no procedimento sua forma de operacionalização. Com as reformas administrativas operadas a partir de 1995, passou-se a difundir a idéia de que este modelo estaria ultrapassado e de que deveria ser substituído pelo Estado gerencial, respaldado no controle social e no de resultados. Os defensores dessa teoria têm no conceito de eficiência – melhor trabalhado a partir da aludida reforma – o eixo do discurso para o desmonte das estruturas burocráticas.
Todavia, é preciso registrar que, em verdade, não existe incompatibilidade entre Estado burocrático e Estado gerencial. Vem se tentando imprimir a idéia de que eficiência é sinônimo de Estado gerencial, e que é contrária ao procedimentalismo do Estado burocrático. Porém, a verdade não é bem esta. Procedimentos como o concurso público e a licitação são louváveis na medida em que proporcionam o controle da Administração pública e preservam princípios como o da isonomia e o da moralidade[43].
Não se deve, portanto, querer refutar de todo as práticas do Estado burocrático. O importante é que se concilie o procedimentalismo que lhe é inerente com a novas formas de administrativas apresentadas pelo Estado gerencial. A propósito, a ênfase que se vem dando ao controle social é uma das novidades do Estado gerencial. Poder-se-ia dizer que é a sua essência, principalmente quando tal controle pode vir a ser implementado em relação à intervenção do Estado na atividade econômica.
Nesse diapasão, o cerne da questão a respeito da reforma do Estado pode ser resumida numa dupla indagação: como tornar as instituições eficientes? E, como decorrência disso, de que modo se pode controlá-las, para que cumpram um papel baseado na legitimidade e na eficácia de seus objetivos?
O modo adequado de cuidar deste tema é refletir que estas duas atitudes dependem uma da outra, ou seja, que a melhor maneira de fazer com que as instituições funcionem bem é colocá-las sob um regime de controle e supervisão estritos. A prática, no entanto, assim como todas as teorias organizacionais modernas, mostra uma realidade diferente.
Como forma de garantir a universalização do serviço e o efetivo controle sobre as condições de prestação é preciso referendar mecanismos de regulação estatal aptos a garantir a qualidade que os usuários tanto esperam. É nesse sentido que Glória Conforto se manifesta: “Tendo como marco teórico a análise da conjuntura desses países periféricos, a proposta de descentralização implica o estabelecimento de mecanismos de regulação como instrumento de controle dos mercados setoriais, de fiscalização do processo e da garantia de qualidade dos serviços prestados. Marcos regulatórios que tomam forma genérica no nível federal, a partir de um processo de integração, avaliação, assessoramento e troca com as diversas instâncias de governo e setores representativos da sociedade civil, se desdobram em formalizações mais específicas no nível dos estados e podem aparecem, inclusive, em regionalizações no nível de conjuntos de municípios”[46].
Em geral, o funcionamento e desempenho das instituições públicas requer a combinação de dois ingredientes que nem sempre andam juntos, a legitimidade e a competência técnica e profissional dos responsáveis pelos mecanismos de avaliação e acompanhamento.
As funções reguladoras do Estado são muito distintas das funções executivas e de ordem legal de tipo tradicional, principalmente quando a regulação não é feita pela simples aplicação da letra da lei, mas requer uma avaliação qualitativa de processos e resultados. Isto significa que a reforma da Administração Pública brasileira não será o simples resultado de modificações legislativas, por mais importantes que estas modificações sejam. Ela requer toda uma mudança de cultura, todo um novo aprendizado.
Além disso, é preciso instrumentalizar medidas que partam do pressuposto de uma Administração Pública baseada em critérios regulatórios, normatizáveis, que sejam fiscalizados quando da implementação de políticas a atividades públicas voltadas para o espaço coletivo.[47] Significa dizer, que o Estado e o mercado devem estar sob a possibilidade de regulação efetiva das práticas sociais[48], que podem ser denominadas, pelas ciências sociais de controle social.
A par de existirem vários concepções de controle social, o importante é saber como aplicá-lo. Nesse sentido, Luiz Carlos Bresser Pereira, destaca as perspectivas institucional e funcional do controle social.[49] Segundo este autor, sob uma perspectiva institucional existem três as formas de controle social: a) o Estado com seu sistema legal ou jurídico de normas e instituições que estabelecem os princípios básicos para os demais; b) o mercado, sistema econômico em que o controle social se realiza pela competição; e, c) a sociedade civil (estruturada) de grupos sociais defensores de interesses particulares, corporativos mas também de interesses públicos, mecanismos essenciais de controle. Na perspectiva funcional também se encontram três formas de controle: a) o controle hierárquico ou administrativo exercido dentro das organizações públicas ou privadas; b) O controle democrático ou social que se exerce em termos políticos sobre as organizações e os indivíduos; e, c) o controle econômico via mercado.
A partir dessa perspectiva funcional dispõem-se de mecanismos de controle social mais difuso, automático ou mais concentrado e fruto de deliberação; ou do mais democrático ao mais autoritário: sistema jurídico, mercado, controle social (democracia direta), controle democrático representativo, controle hierárquico gerencial, controle hierárquico burocrático e controle hierárquico tradicional. Mas o princípio geral é o de que o mecanismo de controle social mais indicado seria o que fosse mais geral, mais difuso e mais automático. O mercado seria inicialmente o que ofereceria os melhores resultados com os menores custos, mas muita coisa escapa ao mesmo. A democracia direta ou o controle social vem em seguida como o mecanismo de controle mais democrático e difuso para controlar os comportamentos individuais, para controlar as organizações públicas, e no plano político concretizando-se através de plebiscitos ou referendos. O controle social das organizações públicas pode, na verdade, ocorrer de cima para baixo, de baixo para cima ou na horizontalidade. Nesse sentido, a democracia direta seria a ideal, mas somente podendo ser aplicada no plano local por meio de consulta popular para referendar ou orientar as decisões dos representantes democraticamente eleitos.
Segundo Vera Sueli Storck, a reorientação do aparato administrativo do Estado deve estar calcada em duas variáveis: a) uma administração pública mais ágil em seus procedimentos e ações voltada para uma maior eficiência; e b) uma administração pública mais transparente – que impõe uma democratização do Estado. Para Adilson Dallari “o conteúdo do direito administrativo depende do caráter democrático ou autoritário, liberal ou intervencionista etc. da Administração Pública que estiver sendo por ele disciplinada, a qual, por sua vez, é condicionada pelo tipo de Estado ao qual pertence, não existindo, portanto, um direito administrativo universal”[50].
Quanto às empresas privadas, os economistas são categóricos em afirmar que a principal garantia do bom desempenho é a concorrência. Se existe competição por produtos, as firmas que produzem mercadorias de má qualidade, ou a preços demasiado elevados, abrem falência; se há competição por talento, as firmas que pagam mal, ou não cuidam de seus funcionários, não conseguem pessoas capazes, e por isto não conseguem competir, e acabam também expulsas do mercado. A palavra chave, aqui, é a competição, que não se limita aos mercados convencionais[51].
O discurso neoliberal sempre insiste em afirmar que o primado do mercado[52] instala a competição. No entanto quando não há mercado propriamente dito, há sempre lugar para a instalação de mecanismos competitivos por recursos públicos, através de indicadores de desempenho, sistemas permanentes de avaliação e competição no oferecimento de serviços para o público. Alguns destes mecanismos podem ser automáticos, ou depender das preferências do público; outros dependem de procedimentos mais complexos de avaliação.
Em comum, tanto as instituições públicas quanto aquelas privadas devem ter a preocupação de estabelecer as metas de prestação de serviços públicos de acordo com as efetivas demandas por parte dos usuários/consumidores e também com as condições sociais em que se inserem. Estabelecer critérios que possam aferir o nível de investimento, implementação e desenvolvimento e avaliação de resultados, são úteis para uma maior percepção do todo. Incluir os usuários/consumidores ao longo deste processo é uma das formas de valorizar a participação e fortalecer o controle social.[53]
O exemplo de participação dos cidadãos no processo de decisões administrativas se dá de vários modos, principalmente através do “direito de ser ouvido” que se efetiva através das consultas ou do referendum administrativo[54].
Além disso, outros tantos instrumentos são postos à disposição dos cidadãos para o exercício de seus direitos de cidadania no confronto com a Administração Pública. Entre eles se acha a figura do ombudsman que é dotado de certo grau de independência e de poderes de investigação com capacidade de resolver conflitos não jurisdicionais.[55] Também é reconhecido ao cidadão lançar mão do procedimento administrativo que realça uma diversidade de direitos fundamentais: direito de ser informado, direito de intervir (diretamente ou por meio de representante) nos procedimentos administrativos, direito de obter um provimento administrativo dentro de um tempo determinado, direito de conhecer as decisões administrativas e sua motivação, direito de acesso aos documentos públicos, etc.[56]
Para ilustrar o novo equilíbrio que se estabelece entre a Administração Pública e o cidadão, Sabino Cassese adota um modelo de comparação entre empresa privada e cliente. Enquanto no setor público o cidadão não tem liberdade de escolha porque a Administração Pública encontra-se em posição monopolística, no setor privado o cliente pode escolher um produtor ou fornecedor livremente; se a Administração Pública não cuida do próprio interesse e sim do interesse geral, as empresas privadas visam o lucro que, em última análise é o fim último de seu interesse e, uma entidade estranha (Parlamento, governo ou ambos) dirige-lhe a ação definindo a sua finalidade[57].
Um outro aspecto a ser ressaltado quando se considera o desempenho das instituições diz respeito com o modo de prestação descentralizado para garantir a universalidade do acesso. A fragmentação da organização pública promove a fratura entre concepção, execução e acompanhamento dos serviços públicos. Isso acarreta um obstáculo ao cidadão comum, ao acesso à informação e aos próprios serviços. A perspectiva de recuperação da rede de serviços públicos, a criação de mecanismos de democratização do Estado e o avanço da recomposição e redirecionamento das prioridades implica pensar soluções para a organização e prestações dos serviços. Uma das formas encontradas para a democratização do acesso aos serviços talvez seja a descentralização administrativa, através de um sólido plano de regionalização de serviços públicos[58].
As regionalizações do Estado, enquanto projeto de descentralização e racionalização, devem perseguir uma maior eficiência na utilização dos recursos, com o objetivo final de qualificar o atendimento da demanda por serviços públicos. Para que seja possível esta qualificação, torna-se necessária a readequação das estruturas regionais de apoio à gestão pública existentes, de forma a permitir a democratização do acesso aos serviços, bem como o controle social sobre a ação do Estado no âmbito das diversas regiões que o compõem.
Assim, verifica-se a necessidade de implantação de novas estruturas administrativas, com a finalidade de facilitar o planejamento, acompanhamento e controle dos resultados das ações do Governo em todo o Estado. Uma iniciativa de governo neste sentido deve avaliar a efetividade de sua ação através do grau de atendimento das demandas sociais às quais se destina.
A alternativa a ser construída para garantir a democratização do acesso aos serviços está na aproximação do gestor público do beneficiário de sua ação e, também, concentrar serviços e unidades de atuação, imprimindo-lhes um padrão de prestação adequado e desejável do ponto de vista do usuário. Isso se obtém a partir do controle que este exerce sobre as ações. É importante definir quais as necessidades são mais prementes e como o poder centralizado poderá interagir diretamente com as comunidades, inovando no acesso e na forma de gestão para que esteja adequado à sua natureza e finalidades[59]. Glória Conforto diz que:“…uma das principais diretrizes norteadoras do Estado moderno é a descentralização da atividade econômica, objetivando aumentar a autonomia dos estados e municípios na prestação dos serviços que lhes são próprios, reconhecendo a maior flexibilidade e capacidade de as instâncias mais próximas da população identificarem soluções criativas e eficazes para o seu adequado atendimento, além de articular-se com a iniciativa privada para o desempenho conjunto, ou delegado, de grande parte dessas atividades”.[60]
Na vigência do regime plenamente democrático, as formas de exercício da cidadania se afiguram como instrumento hábil para efetivar-se o controle social do Estado e do mercado.[61]
Como já não bastam os estreitos limites da democracia representativa como forma de atuação da sociedade, a democracia participativa alarga suas possibilidades de interação dos indivíduos e, principalmente dos diversos grupos sociais. Prova disso foi a manifestação de Marilena Lazzarini, Presidente da Consumers International, falando ao Banco Mundial, em Washington, em 4 de maio de 2004 sobre a participação dos consumidores.[62]
Na esfera dos serviços públicos, que atingem diretamente os cidadãos (usuários/consumidores) aumentam os níveis de participação que visam estabelecer mecanismos de controle social sobre os órgãos públicos e, também, sobre empresas privadas que, incumbidas ou delegadas pelo Estado passam a prestar esses serviços[63]. Questões como qualidade, eficiência e custos acessíveis na prestação dos serviços públicos passam a ser temas de grande interesse que afetam a vida dos cidadãos e cada vez mais são discutidos. Um fator importante na prestação de serviços públicos é a valorização das comunidades e governos locais. Estabelecer uma clara política de descentralização na prestação de serviços públicos é muito valioso. Isso porque os usuários tem maiores condições de não só receber os serviços mas de atuar no seu controle através das várias formas de participação (conselhos populares, comissões paritárias, ouvidorias, etc.)[64].
Considerações Finais
A realidade tem mostrado que, tanto a liberdade absoluta no mercado quanto a intervenção desordenada do Estado nas atividades econômicas, tem favorecido a alguns setores ou classes, permanecendo sem nenhuma transparência e controle por parte da sociedade, confrontando-se, em última análise, com o princípio democrático que anima o Estado de Direito. É preciso, pois, controlar tanto o Estado quanto o mercado.
Quando se fala em mudanças substanciais no Estado brasileiro é preciso que se tenha claramente definido o alcance que isso representa e a significação de se adaptar toda a máquina administrativa às necessidades de caráter estrutural e político das instituições nacionais. Muito embora a natureza do Estado brasileiro não tenha sofrido alterações substanciais desde 1930, a sua matriz continuou radicada no intervencionismo estatal.
A crise do padrão de financiamento que fez que o Estado minimizasse seu papel tradicional de produtor de bens e serviços, e passasse a desempenhar uma função central de coordenação e regulação das atividades de infra-estrutura, abrindo espaço para o setor privado atuar como parceiro.
A estrutura de prestação de serviços públicos por empresas públicas e privadas, decorrente do processo de privatização brasileiro, levou o governo federal a importar o sistema de agências reguladoras, muito utilizado nos países centrais.
Basicamente a diretriz estratégica em que se baseou a privatização dos serviços públicos foi a de assegurar novas formas de financiamento, garantindo a viabilização econômico-financeira das empresas dentro das principais formas de gestão capitalista por meio da expansão da oferta via mecanismos que assegurassem o retorno, rápido e com poucas chances de risco, do capital privado investido naquelas áreas, considerando-se a natureza pública do serviço.
Dentre as medidas de ajuste estrutural e de reorganização do Estado brasileiro destacaram-se, como se viu, as políticas de privatizações das empresas industriais ou de infra-estrutura, além de serviços públicos (energia elétrica, telecomunicações, saneamento, saúde, transportes, etc.). Junto a este processo privatizante foi implantado um regime jurídico de instituições governamentais – as agências reguladoras – com o fim de controlar e fiscalizar a ação das instituições públicas e privadas, prestadores dos serviços públicos delegados.
Essa diretriz estratégica trouxe consigo a necessidade da formulação de um conjunto de políticas públicas capazes de afirmar o marco regulatório no Brasil, representando uma expectativa no arcabouço institucional da Administração Pública. Ao se implementar os sistema de agências para controlar a prestação dos serviços públicos e também o alcance das metas propostas pelas instituições públicas e privadas se quis buscar critérios de transparência e responsabilidade do processo regulatório pela garantia do controle social.
Esta nova visão da atuação do Estado no domínio econômico, com a diminuição de sua participação direta na prestação de serviços, impôs, por outro lado, a necessidade de se reestruturar a Administração, de maneira que esta pudesse controlar eficientemente as empresas públicas e privadas, além de outras organizações que venham a assumir a prestação dos serviços públicos, principalmente se houver uma participação efetiva do cidadão.
A questão que se põe é que nem sempre a teoria é de fácil aplicação prática. Como toda transformação social, a adoção de uma Administração Pública moderna – absolutamente comprometida com o cidadão, amplamente eficiente e submetida ao controle social – demanda tempo. A sociedade e o próprio Estado precisam de um tempo de adaptação para se acostumarem com novas idéias, novos conceitos e novas formas de se viver. É o que ocorre com a concepção de controle social.
A idéia de controle social já foi lançada. No entanto, não se espera que seja assimilada imediatamente. Só o tempo e o grau de esforço conjunto de administradores e administrados, irá dizer se esse tipo de controle tem chances de vingar no Brasil. O certo é que é estamos diante de nova forma organizativa da esfera pública que precisa ser aperfeiçoada para que os bons resultados se façam sentir a curto e médio prazos.
Notas:
[1] Gloria Conforto. “Novos modelos de gestão na prestação de serviços públicos e o estabelecimento do marco regulatório”, in: Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro, vol. 31, n. 4, jul./ago., 1997, p. 218).
[2] Por exemplo, algumas corporações profissionais de classe média que tradicionalmente foram empregadas pelo Estado e segmentos da antiga classe dominante, como as elites agrárias, às quais o Estado serviu durante décadas. E também há os novos interesses – como os gestores do capital financeiro – que se escoram no mesmo aparato que criticam, toda vez que o jogo do mercado põe suas posições em risco. A organização tradicional do governo no Brasil responde a antigos paradigmas organizacionais aonde a sua formação histórica vem de valores patrimonialistas e clientelistas presentes na sociedade. Nesse sentido, conformou-se um Estado excludente tanto do ponto de vista da participação nas decisões quanto na redistribuição de riquezas. As políticas implementadas ao longo dos anos, de acordo com esse modelo de Estado tiveram caráter compensatório, através de controles efetivos sobre as classes subalternas da sociedade para não ameaçar as elites e o seu processo de acumulação de riqueza. Para uma visão mais aprofundada das características da nossa formação social e política consulte-se Raymundo Faoro. Os donos do poder, Porto Alegre: Ed. do Globo, 1979 e Caio Prado Júnior. A Formação do Brasil Contemporâneo, 8.ed., São Paulo: Ed. Brasiliense, 1965.
[3] “A história econômica mostra que a emergência de mercados nacionais não foi, de forma alguma, o resultado da emancipação gradual e espontânea da esfera econômica do controle governamental. Pelo contrário, o mercado foi a conseqüência de uma intervenção consciente, e às vezes violenta, por parte do governo que impôs à sociedade a organização do mercado, por finalidades não-econômicas. Examinado mais de perto, o mercado auto-regulável do século XIX se revela radicalmente diferente até mesmo do seu predecessor imediato, pois ele dependia do auto-interesse econômico para a sua regulação”. (Karl Polanyi, A Grande Transformação. As Origens da Nossa Época, 2.ed., trad. Fanny Wrobel, Rio de Janeiro: Campus, 2000, p. 290).
[4] Vera Sueli Storck. “A reforma administrativa do governo Collor”, Revista de Administração. São Paulo, vol. 27, n. 3, jul/set., 1992, pp. 66-77.ob. cit., p. 67.
[5] “A consolidação da moderna burocracia, enquanto forma típica de organização e gestão administrativa, produziu importantes conseqüências de natureza política e econômica. Ao nível político, permitiu compatibilizar a igualdade formal requerida pela cidadania, um dos temas mais caros aos paradigmas do liberalismo clássico, com uma concepção de Estado como um aparato neutro; ao instrumentalizar (sic) deste modo um determinado tipo de dominação, ela tornou possível a nivelação dos interesses e a garantia formal da impessoalidade, pressuposto básico para a segurança das oportunidades iguais e para o primado do império do direito. A burocracia, nesse sentido,é encarada como parte integrante da organização democrática. (José Eduardo Faria. Eficácia jurídica e violência simbólica. O Direito como instrumento de transformação social, São Paulo: EDUSP, 1988, p. 50).
[6] “A transformação radical do cenário mundial – com a universalização da informação, o desenvolvimento tecnológico e a conseqüente aceleração e expansão do processo produtivo – faz parte do processo de uma nova organização das relações internacionais, tendo como pano de fundo a globalização da economia. Nessa nova forma de organização, a multiplicação dos pólos produtivos e a diversificação dos agentes produtores aceleram também as exigências quanto à máquina administrativa do Estado, apontando para a urgente necessidade de transformação de suas estruturas e de seu papel no campo social. É o estado centralizador, detentor, distribuidor e executor das políticas de produção, proprietário dos meios, vertical em sua organização funcional, que está sendo questionado”. (Glória Conforto. “Novos modelos…”, ob. cit., p. 216).
[7] Pode-se dizer que, com o processo da globalização, também vão surgir rupturas institucionais nas estruturas jurídicas e políticas legadas pelo Estado liberal, no século XIX, e pelo Estado social, no século XX. A este respeito consulte-se a instigante obra de José Eduardo Faria. O direito na economia globalizada, São Paulo: Malheiros Ed., 1999. Nesse sentido impõe-se articular um discurso que possa oferecer alternativas às políticas meramente liberais que identificam na crise do Estado o motivo para afastar toda e qualquer forma de regulação. Principalmente àquelas políticas que somente identificam a globalização com uma “percepção economicista” (José Marques-Pereira. “Trabalho, cidadania e eficiência da regulação econômica: uma comparação Europa/América Latina”, in Regulação econômica e globalização. Bruno Théret e José Carlos de Souza Braga (orgs.), Campinas: Unicamp, IE, 1998, p. 321 e ss.).
[8] Aqui tomada a acepção de Estado moderno que é representativo da evolução de diversas instituições políticas e sociais que se consolidaram e evoluíram a partir da Revolução Francesa e dos ideais da Ilustração. Sobre este argumento consulte-se a obra de João Carlos Brum Torres. Figuras do Estado moderno. Representação política no Ocidente, São Paulo: Ed. Brasiliense/ CNPq, 1988.
[9] Gláucia Angélica Campregher. “Para a crítica da visão idealista da relação mercado e Estado”. Ensaios FEE, Porto Alegre, vol. 19, n. 2, 1998, pp. 93-95. A discussão acerca da relação entre Estado versus mercado prende-se a um compromisso de análise mais aprofundado que abarque outros elementos. Lourdes Sola afirma: “O debate sobre a natureza da relação entre instituições políticas e instituições econômicas, entre democracia e mercados (…) voltou a ganhar impulso a partir das experiências de liberalização econômica nos países em vias de democratização. Existirá uma conexão necessária entre esses dois processos de mudança – de regime econômico e de regime político? Se sim, em que medida caminham juntos, ou, ao contrário, são conflitivos? Nesse caso, a questão é bem mais controversa. O debate em torno das insuficiências x eficácia dos mercados e, em conseqüência, em torno à ação estatal como necessária ou perniciosa para a promoção do crescimento e do bem-estar material, continua produzindo modelos irredutíveis, mas internamente plausíveis. Suas vantagens comparativas só podem ser avaliadas, portanto, em outra instância: a da observação. A variedade de experiências efetivas até aqui obriga o cientista social ao pluralismo, pois não justifica que se postule uma relação positiva ou negativa unívoca, nem mesmo na formação das democracias industrializadas”. (“Estado, transformação econômica e democratização no Brasil”, in Estado, mercado e democracia: política e economia comparadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993, pp. 237-238).
[10] Interessante consultar a obra de Fábio Nusdeo. Fundamentos para uma codificação do Direito Econômico. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1995.
[11] Fernando Henrique Cardoso. “Estado, mercado, democracia: existe uma perspectiva latino-americana?”, in Estado, mercado e democracia: política e economia comparadas. Lourdes Sola (org.), Rio de janeiro: Ed. Paz e Terra, 1993, p. 20.
[12] No mesmo sentido, Tarso Genro descreve a sua visão do mercado: “Quando se fala em mercado, as pessoas pensam em mercado capitalista. Isso é u grande erro teórico: o mercado vem de antes da sociedade capitalista moderna. O mercado foi o primeiro marco civilizatório nas relações entre os homens (…) Assim, a história do mercado acompanha a história da humanidade, até chegar ao mercado capitalista, onde ocorre um grande salto nas relações humanas: a humanidade pode começar a dispensar o homem enquanto mercadoria direta. O homem deixa de ser servo, deixa de ser escravo e passa a integrar uma relação mercantil através da sua força de trabalho alienada. O próprio trabalho inscreve-se como mercantil e passa a ser objeto de uma relação contratual: o contrato de trabalho, que vai resultar no contrato de trabalho da sociedade moderna. O mercado, assim, é um traço civilizatório da humanidade. Discordo, porém da visão de que o mercado é eterno. Quando afirmam isso, querem dizer que o mercado capitalista é eterno e nenhum foi eterno até agora. Nem o tipo de mercado da sociedade escravagista, nem o tipo de mercado que se deu em volta das cidades na sociedade feudal.(…) O mercado capitalista é, até hoje, um elemento imprescindível para o desenvolvimento das relações econômicas, só porque não surgiu ainda nenhum outro tipo de mecanismo que pudesse estabelecer o valor das mercadorias, já que o valor é algo atribuído às mercadorias através da história da mercadoria numa sociedade complexa e instável. Esse é o sistema mais perfeito para o cálculo do preço.(…) A visão que o neoliberalismo tem do mercado é uma visão instigadora da barbárie. É uma visão que quer impor a idéia de que os homens são iguais para terem as suas oportunidades e que o regramento natural do mercado vai, por si só, levar à melhor possibilidade social.(…) Quando se aceita o mercado como regulador de algumas funções, não se está aceitando a eternidade do mercado capitalista, nem se defendendo a visão neoliberal de mercado. O mercado deve ser um instrumento do homem para criar novas oportunidades na sociedade para democratizar as relações econômicas e repartir os frutos do trabalho, os frutos do processo, e não o elemento impositivo do desenvolvimento, que leva para a concentração econômica e para a redução do mercado de trabalho como ocorre atualmente no mundo. (…) O que se coloca como patamar mínimo para se pensar numa retomada do desenvolvimento econômico, que aponte para uma sociedade mais livre e democrática, é a criação de estruturas públicas não-estatais de controle sobre o Estado e sobre o próprio mercado”. (“O mercado”, in Na contramão da Pré-História, Porto Alegre: Artes e Ofícios Ed., 1992, pp. 55-60).
[13] “Na realidade, todo modo de regulação descreve a maneira como a conjunção de formas institucionais cria, direciona e, em alguns casos dificulta os comportamentos individuais e predetermina os mecanismos de ajustamento nos mercados que, na maioria das vezes, resultam de um conjunto de regras e de princípios de organização sem os quais não poderiam funcionar. Nesta concepção, não haveria dicotomia entre a economia pura, de um lado, e o espaço social, de outro: mesmo os mercados de concorrência pura e perfeita resultam de uma determinada configuração do espaço social, de uma construção a partir de relações de poder e de regras jurídicas”. (Robert Boyer. A teoria da regulação: uma análise crítica, São Paulo: Ed. Nobel, 1990, p. 80).
[14] Para que se tenha uma noção deste importante conceito de Direito Administrativo, lanço mão da explicação didática utilizada por Celso Antônio Bandeira de Mello, quando se propõe a definir serviço público. Diz o ilustre administrativista: “Deixaremos de lado qualquer propósito de aprofundamento sobre as testilhas doutrinárias ao respeito de seu conceito. Sem embargo, não se pode deixar de registrar, quando menos, dois sentidos atribuíveis a tal expressão. Um deles, de cunho antes sociológico que jurídico, foi cunhado por Léon Duguit, publicista notável e que foi o próprio fundador e chefe da chamada Escola do Serviço Público, segundo o qual serviço público é todo o serviço que resulta da interdependência social e que, bem por isto, não pode ser assumido senão pela intervenção da força governante. Desta mesma compostura é a noção adotada pelo eminente e saudoso administrativista gaúcho Rui Cirne Lima, para quem serviço público é todo serviço existencial à coletividade em um momento dado e que, dessarte, necessita ser prestado pelo Poder Público. A este tipo de formulação contrapõe-se outra, de natureza profundamente diversa, e que foi sustentada exemplarmente por Gaston Jèze, o mais notável discípulo de Duguit, que, censurando o caráter sociologista desta forma de conceber serviço público, propunha que dele se tivesse uma noção estritamente técnico-jurídica, de acordo com a qual serviço público é um processo técnico – e não o único – através do qual se satisfazem necessidades de interesse geral. Ao falar em processo técnico pretendia Jèze enfatizar que o que caracteriza o serviço público é o fato de ser prestado sob a égide de um regime jurídico específico, característico, marcado pela existência de prerrogativas de autoridade, consagradoras da supremacia do interesse público, bem como por restrições especiais, igualmente instituídas no interesse da coletividade. A importância da noção de serviço público é de imediato perceptível se considerarmos que é a partir dela que se separa o campo específicamente pertinente à atuação do Estado como protagonista da prestação, direta ou indireta, de certas atividades, havidas como ínsitas à sua esfera, daqueloutro campo que concerne aos particulares e que, nesta conformidade, haverá de ficar entregue à livre iniciativa, compondo o domínio próprio da atividade econômica”. (“Privatização e serviços públicos”. Revista Trimestral de Direito Público, vol. 22, pp. 172-173).
[15] “Os governos pelo mundo afora estão sob a pressão de promover a reforma do Estado e as mudanças dela resultantes em suas administrações públicas. Essas mudanças são movidas pela grande quantidade de transformações globais, assim como pela necessidade de alcançar níveis cada vez mais altos de eficiência. Também movendo essas mudanças estão a tendência global à liberalização política e econômica baseada no domínio do mercado e o recuo do controle do Estado nas economias. A regra prática para lidar com a esfera de ação do Estado é que ele deveria ser o mais estreito possível e tão amplo quanto necessário”. (Rogério F. Pinto. “Inovações no fornecimento de bens e serviços públicos”, Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro, vol. 33, n. 1, 1999, p. 135).
[16] Uma análise instigante sobre a relação entre mercado e liberdade é feita por Karl Polanyi, ob cit., pp. 289-301.
[17] Karl Polanyi, ob. cit., p. 297.
[18] Diz Fernando Henrique Cardoso: “A força do mercado sempre foi muito mais acanhada e constrangida pela existência de fatores políticos, por um tipo de dominação política que nada tem a ver com a ação de um Estado reformador do mercado, à européia. O Estado aqui se acomodou à sociedade e ambos a um certo tipo de produção, guardando características mais do que conhecidas de patrimonialismo, de clientelismo, etc.; então, ‘as aves que aqui gorjeiam, não gorjeiam como lá’. Parece que é a mesma coisa, são aves, mas cantam de modo diferente. Houve a formação do capitalismo, existe uma burguesia, existe um empresariado, uma classe trabalhadora, etc., mas a formação histórica destas categorias teve peculiaridades de peso”. (ob. cit., p. 28).
[19] O professor Eros Roberto Grau aprofundando sua análise, estabelece qual o significado que aplica à expressão: “‘Mercado livre’ pode, por um lado, expressar estereótipo que se coloca em oposição ao modelo de Estado moderno. A crise do nosso tempo é, em sua origem, não crise da intervenção estatal na e sobre a economia, porém crise do Estado. O que se encontra enterrado sob o muro de Berlim – tenho reiteradamente repetido – é esse modelo de Estado. Da crise do Estado decorre não apenas a crise do socialismo, mas uma outra crise, mais ampla, que abrange os sistemas econômicos apoiados sobre aquele modelo de Estado, o direito e os próprios mercados. ‘Mercado livre’, expressão tomada sob essa conotação, há de ser então concebida como idéia de correção menos da intervenção estatal do que da própria noção de Estado, do que há de sobrevir não a destruição, mas a constituição de um novo modelo de Estado. Neste sentido, ao que tudo indica, caminhamos. Se, no entanto, a expressão ‘mercado livre’ for usada sob conotação indicativa de um retorno ao passado, neste caso nem será necessário que afastemos, pois a realidade histórica – e basta lembrar as experiências, recentíssimas, inglesa e norte-americana – recusa as postulações ideológicas por ela veiculadas”. (“O Discurso neoliberal e a teoria da regulação”, in Desenvolvimento econômico e intervenção do Estado na ordem constitucional. Estudos jurídicos em homenagem ao professor Washington Peluso Albino de Souza. Ricardo Antônio Lucas Camargo (org.), Porto Alegre: SAFe, 1995, pp. 70-71.
[20] Idem, ob. cit., pp. 69-70.
[21] Fernando Henrique Cardoso, ob. cit., p. 29.
[22] Wilson Ramos Filho. “Direito-pós moderno: caos criativo e neoliberalismo”, in Direito e psicanálise: elementos para uma leitura interdisciplinar. Curitiba, Edibej, 1996, p.90: “Há uma incompatibilidade entre o tempo da democracia e o tempo de uma economia globalizada. Empresas podem perder bilhões de dólares se uma decisão administrativa por um órgão burocrático tiver que ser debatida amplamente com os setores sociais envolvidos ou se um Estado nacional soberano demorar meses discutindo uma alteração legislativa”.
[23] “Para aqueles que consideram a democracia um obstáculo ao desenvolvimento econômico, a virtude de um regime mais fechado estaria na eliminação do populismo distributivista . Para os que formulam hipóteses na direção contrária, a democracia eliminaria o arbítrio e, portanto, garantiria a estabilidade na produção de governos. Trata-se de dimensões que interessariam tanto aos detentores de recursos econômicos quanto aos que participam do sistema político primordialmente na qualidade de votantes. No caso particular da América Latina , e do Brasil por extensão, o longo período de governos de exceção teria gerado uma preferência por estabilidade das regras do jogo, na medida em que o regime autoritário produzia enormes incertezas quanto ao funcionamento do mercado. Assim sendo, a opção pelos regimes militares passou a ser fator de risco, principalmente para os segmentos da elite empresarial que, em vários contextos, passaram a impulsionar o processo de abertura política em virtude de conseqüências não esperadas tendo a ver com a sua exclusão dos processos de decisão. (Maria Regina Soares de Lima e Renato Raul Boschi. “Democracia e reforma econômica: a visão das elites brasileiras”, in Dados – Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, vol. 38, n. 1, 1995, p. 9).
[24] Jacques Fontanel. “O Estado e o processo de globalização”. Trad. Moema Kray, in Ensaios FEE, Porto Alegre, vol. 19, n. 2, 1998, p. 10.
[25] Tarso Genro. “Modesta utopia contra a barbárie”. in Utopia possível. Porto Alegre: Artes e Ofícios Editora, 1994, p.132.
[26] Idem, ob. cit., p.133
[27] Eduardo Carrion. “Neoliberalismo e reforma constitucional”, in Globalização, neoliberalismo e o mundo do trabalho. Edmundo Lima de Arruda Júnior e Alexandre Ramos (org.), Curitiba: Editora IBEJ, 1998, p. 286.
[28] “Na direção do outro extremo do espectro encontra-se a concepção a que se pode chamar ‘estruturante’. Esta visa, mais que regular a competição, a estruturar a oferta de bens ou serviços de modo a atender a determinada agenda de objetivos estabelecida no processo político. Nessa categoria podem-se enquadrar políticas de barreiras tarifárias e não tarifárias À entrada de bens e serviços e diversas modalidades de controles de qualidade e preços e incentivos ao investimento em determinados campos, entre outras. Sua característica básica é entendera regulação como meio, sendo seu objetivo o fomento. O modo de ação neste caso é proativo e matizado, variando a atuação governamental desde a simples indução por incentivos até a imposição de novos comportamentos através de sanções aos agentes dos sistema”. (Anna Maria Campos. Jorge Paula Costa Ávila e Dércio Santiago da Silva Jr. “Avaliação de agências regulatórias: uma agenda e desafios para a sociedade brasileira”, Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro, vol. 34, n. 5, set./out., 2000, p. 32).
[29] Fábio Nusdeo. Curso de Economia. Introdução ao Direito Econômico. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 28.
[30] “Constituem objetivos fundamentais da república federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
[31] “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I – soberania nacional; II – propriedade privada; III – função social da propriedade; IV – livre concorrência; V – defesa do consumidor; VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII – redução das desigualdades regionais e sociais; VIII – busca do pleno emprego; IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
[32] Para Cláudio Considera: “Economias competitivas são uma condição necessária para o desenvolvimento econômico sustentável a longo prazo. Nelas, os consumidores dispõem da maior variedade de produtos pelos menores preços possíveis. Nesse ambiente econômico, as empresas defrontam-se com os incentivos adequados para aumentar a produtividade e introduzir novos e melhores produtos, de maneira a não perderem mercado e a aumentarem os seus lucros, gerando crescimento econômico e emprego, aumentos salariais e melhoria na distribuição da renda. Em países em que a oferta de mão de obra é relativamente abundante, a busca de menores custos com a alocação competitiva dos recursos irá privilegiar setores e tecnologias intensivas nesse fator, aumentando o nível de emprego e os salários. Ganham todos: empresas, trabalhadores e consumidores, e também o governo, com o aumento da arrecadação de tributos. Apenas infratores da ordem econômica perderiam”. (Concorrência e Desenvolvimento Econômico, in http://www.fazenda.gov.br/seae/artigos/Artigos03.html).
[33] Art. 174, da Constituição Federal.
[34] São muitos os conceitos de regulação. Pode-se partir desde o conceito tradicional de regulação econômica (consulte-se a obra sintética de Isaac Benjó. Fundamentos de Economia da Regulação. Rio de Janeiro: Thex Editora, 1999) e chegando ao conceito de regulação jurídica, que pode ser variado, conforme o uso de que dela se faça. Só para citar dois exemplos, existem aqueles que vêem na regulação mera atuação interventiva na esfera dos concessionários e permissionários (Guilherme Socias Villela, “Marco Regulatório – Introdução”, in Marco Regulatório – Revista da Agergs, n. 1, 1º semestre/1999, p. 6) ou, mais amplo, como ação planejadora do Estado (Calixto Salomão Filho, “Regulação e Desenvolvimento”, in Regulação e Desenvolvimento, Calixto Salomão Filho (coord.). São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 59.
[35] As competências do DPDC acham-se estabelecidas no art. 106, da Lei Federal n. 8.078/90 (CDC) e no art. 3º, do Decreto Federal n. 2.181/97.
[36] A sigla CADE foi criada com o Decreto-lei n° 7666/46, designando Comissão Administrativa de Defesa Econômica. Depois, pela Lei Federal n. 4.137, de 10 de setembro de 1962, transformou-se no Conselho de Defesa Econômica.
[37] Os Programas Estaduais e Municipais de Defesa do Consumidor (Procon), retiram suas competências, respectivamente do art. 105, da Lei Federal n. 8.078/90 (CDC) e do art. 4º, do Decreto Federal n. 2.181/97. No Estado do Rio Grande do Sul, existe o Sistema Estadual de Defesa do Consumidor, previsto na Lei Estadual n. 10.913, de 03 de janeiro de 1997, que foi regulamentada pelo Decreto Estadual n. 38.864, de 09 de setembro de 1998.
[38] Art. 4º – A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I – reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; II – ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor: a) por iniciativa direta; b) por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas; c) pela presença do Estado no mercado de consumo; d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho; III – harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores; IV – educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo;
V – incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo; VI – coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores; VII – racionalização e melhoria dos serviços públicos; VIII – estudo constante das modificações do mercado de consumo”.
[39] Exemplo de integração entre a realidade da defesa da concorrência que tem grande repercussão no espectro da defesa do consumidor pode ser dada pelos seguintes casos de concentração de empresas, sob apreciação do CADE, que são paradigmáticos, não só pela repercussão, mas, sobretudo pelos desdobramentos de seus efeitos: caso Colgate/Palmolive, caso Ambev e o caso Nestlé/Garoto. Para o futuro se aguarda desdobramento do caso Varig/Tam.
[40] Glória Conforto, ob. cit., p. 220.
[41] Osvaldo Sunkel. “Globalização, neoliberalismo e reforma do Estado”, in Sociedade e Estado em transformação. Luiz Carlos Bresser Pereira, Jorge Wilheim e Lourdes Sola (org.). São Paulo: Ed. Unesp; Brasília: Enap, 1999, p. 190.
[42] “Uma burocracia muy desarollada constituye una de las organizaciones sociales de más difícil destrucción. La burocratización es el procedimiento específico de transformar una ‘acción comunitaria’ en una ‘ acción societaria’ racionalmente ordenada. Como instrumento de la socialización’ de las relaciones de dominación ha sido y es un recurso de poder de primera classe para aquel que dispone del aparato burocrático”. (Max Weber, Economia y Sociedad. Esbozo de Sciología Comprensiva, 2.ed., trad. José Medina Echavarría, Juan Roura Paralla, Eugenio Ímaz, Eduardo García Maynez e José Ferrrater Mora, México: Fondo de Cultura Econômica, 1997, p. 741).
[43] A esse respeito consulte-se Celso Antonio Bandeira de Mello. Curso de direito administrativo, 4.ed., São Paulo: Malheiros Ed., 1993, pp. 15-42.
[44] “A falta de recursos, a impossibilidade de agilizar investimentos, a falta de qualificação de pessoal, acobertada por uma estrutura legal morosa, mantenedora de privilégios e a serviço de interesses fortemente corporativos, os interesses políticos de curto prazo e a tradição populista desses países levaram a estrutura dos serviços públicos à falência, com a destruição da infra-estrutura e a deterioração profissional de seus quadros”. (Gloria Conforto. ob. cit., p. 218)
[45] ”Los cambios en la administración y en la regulación de los servicios públicos -agua potable, energía eléctrica, gas, transporte público, servicios postales y telecomunicaciones- así como en la tecnología que utilizan, afectan de manera directa su valor, calidad, confiabilidad y accesibilidad, influyendo en los derechos fundamentales de los consumidores. El interés del consumidor debería ser la principal preocupación en la proyección futura de estos servicios, más aún cuando se trata de decidir sobre su privatización. Los requisitos esenciales son: acceso universal, incluyendo –si es necesario- programas especiales para cubrir las necesidades de los consumidores pobres; cobros exactos y formas de pago convenientes; normas formales y públicas para asegurar la calidad, la durabilidad y la seguridad del servicio y una especial atención a la mantención de largo plazo de la red de infraestructura del servicio; la promoción de la conservación de la energía y del agua; procedimientos justos y completos frente a reclamos y demandas, y un sistema independiente de regulación de precios y estándares de desempeño basados en una autoridad legal efectiva, independiente del propietario del servicio. Debería existir participación y representación de los consumidores en los procesos regulatorios y, asimismo, en el monitoreo de los servicios. Es previsible que en el futuro la mayoría de los servicios de agua y alcantarillado sean suministrados por el sector público. El derecho a la satisfacción de las necesidades básicas incluye el derecho al agua. La primera prioridad de todos los gobiernos debería ser asegurar que toda la población tenga acceso al agua potable y al alcantarillado. Los subsidios deberían focalizarse en los consumidores de bajos ingresos. Cuando la privatización tiene lugar, siempre debería estar precedida por una legislación que efectivamente proteja a los consumidores, así como por la creación de instituciones y regulaciones. Sin lo anterior, será difícil tener éxito. Los gobiernos deben asegurar que los puntos de vista de las comunidades locales hayan sido adecuadamente considerados para proteger sus intereses, y las diversas alternativas hayan sido estudiadas con detención. Las organizaciones de consumidores deberían desempeñar un papel activo en los debates sobre la privatización, los cuales deberían ser transparentes e incluir el acceso público a los documentos relevantes. Estos documentos deberían dar a conocer materias como la política de precios y los costos y la adjudicación de contratos antes y después de la concesión. Cuando los gobiernos se comprometen a operar en el marco del Acuerdo General sobre el Comercio de Servicios (GATS) ofreciendo utilidades por la liberalización, deben retener para sí el derecho de regular el sistema”.
[46] Glória Conforto, ob. cit., p. 219.
[47] A título de exemplo, pode-se citar a concessão dos serviços públicos ao setor privado, mediante delegação contratual ou legal para a operação dos serviços remunerados por tarifa e onde, no entanto, a titularidade permanece com o poder concedente (Lei n. 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, complementada pela Lei n. 9.074, de 7 de junho de 1995).
[48] Uma síntese do modelo de regulação jurídica que vem sendo adotado no Brasil é feita pelo Ministro substituto do TCU, Benjamin Zymler: “A nova concepção de Estado que resulta da reforma que vem sendo implantada no Brasil decorre da tentativa de adaptar a Administração Pública ao novo cenário globalizado e à conseqüente crise do modelo de estado Social, cujos custos crescentes denotariam a incapacidade de o Poder Público responder às demandas igualmente crescentes da população. Os déficits fiscais do Estado têm ensejado um movimento de enxugamento das máquinas administrativas estatais, por meio da desestatização de empresas estatais, descentralização e desconcentração administrativa e da concessão de serviços públicos para particulares. Em especial, destaca-se a atração de entidades civis para ocuparem um espaço público não-estatal, por meio da prestação de serviços públicos não-exclusivos do Estado. Constata-se a emergência do chamado ‘Terceiro Setor’, que passa a dividir com o Estado as responsabilidades de implementação de ações tendentes a alcançar os bens públicos confiados originalmente ao Estado e que é formado por um vastíssimo conjunto de organizações públicas não-estatais. Busca-se avaliar o potencial regulatório do novo Direito Administrativo que vem sendo criado pelas alterações normativas derivadas do Plano de Reforma do Estado brasileiro. (“Política, direito e reforma do Estado: uma visão funcional-sistêmica”, Revista de Informação Legislativa. Brasília: Senado Federal, a. 37, n.º 147, jul./set., 2000, p. 44).
[49] Luiz Carlos Bresser Pereira. “Leque dos mecanismos de controles”, in A reforma do Estado dos anos 90: lógica e mecanismo de controle. Brasília:MARE, 1997.
[50] Adílson Abreu Dallari. “Os poderes administrativos e as relações jurídico-administrativas”. Revista de Informação Legislativa. Brasília: Senado Federal, a. 36, n. 141, jan./mar., 1999, p. 75.
[51] A excelência da pesquisa cientifica norte-americana, e de seu sistema universitário, se explica em grande parte pela intensa competição que existe entre pesquisadores e instituições por estudantes qualificados, professores de prestígio, contratos de pesquisa com o setor privado, verbas de agências de fomento e um amplo mercado de instituições filantrópicas.
[52] “Sabe-se que , nos sistemas capitalistas, três núcleos dividem o espaço da arquitetura do poder coletivo: o Estado, como esfera pública governamental; a sociedade, como espaço público originário, tendo no cidadão a simplificação de sua expressão; e o mercado, como núcleo privado, cujo móvel é o lucro. Tais núcleos tendem a estabelecer entre si múltiplas relações de complementariedade, cooperação e interdependência, as quais devem, ao final, ser harmonizadas no âmbito do Estado como dimensão especial da sociedade”. (Maria Coeli Simões Pires. “Descentralização e subsidiariedade”, Revista de Informação Legislativa. Brasília: Senado Federal, a. 37, n.º 147, jul./set., 2000, p. 162).
[53] Sabino Cassese aponta alguns motivos para a mudança radical da relação entre Administração Pública e cidadãos, onde a primeira passa a reconhecer os particulares como cidadãos, postos sobre o mesmo nível das administrações e dotados de direitos: 1) o crescimento em número e dimensões das administrações públicas, o que torna impossível o anonimato dos escritórios públicos e retira a sua condição de “longa manus” do governo, passando a agirem pessoalmente; 2) a democracia política no Estado que passa a influenciar a administração pública. A administração pública perde a sua posição de superioridade sobre os cidadãos; 3) a difusão dos serviços públicos. Pela importância assumida os serviços públicos ganham destaque com relação a outras atividades públicas; 4) a atenuação entre a separação entre setor público e setor privado. Na medida que a administração adota os modelos de gestão da iniciativa privada, porque não dar ouvidos ao cliente? (“Il cittadino e l´amministrazione pubblica”, in Revista Trimestrale di Diritto Pubblico, n. 4, 1998, pp. 1019-1020).
[54] Idem, ob. cit., p. 1021. Ainda, diz Cassese: “La partecipazione del cittadino si estende, in alcuni paesi all´attività di regolazione: è il caso della regulatory negotiation negli Stati Uniti, dove il right to a hearing é divenuto un surrogate political process. La formula più diffusa è quella francese dell´enquête d´utilité publique (democratizzata nel 1983), a cui corrisponde, nel Regno Unito, la public enquiry. La partecipazione dei cittadini al processo di decisione amministrativa porta le pubbliche amministrazioni più vicino ai cittadini e le obbliga a rispondere alle esigenze di questi”. (idem, ob cit., p. 1022).
[55] Idem, ibidem.
[56] Vários países europeus possuem leis especiais (quase Código) que tratam dos procedimentos administrativos postos à disposição dos cidadãos para uso no confronto com a administração pública: Espanha (1958), Portugal (1962), Alemanha e Luxemburgo (1978), Dinamarca (1985) e Itália (1990). Por outro lado, países co2mo Finlândia (1951), Dinamarca (1964), Estados Unidos (1966 e 1970), Noruega (1970), França (1978), Canadá (1982), além do Conselho da Europa (1996) apresentam leis esparsas relativas a cada direito a ser tutelado.
[57] Sabino Cassese, ob. cit., p. 1025.
[58] A descentralização somente pode ser pensada para os serviços públicos com característica de interface direta do Estado, através de seus órgãos setoriais, com a população, singular enquanto cidadão isolado, ou plural no sentido de organizada na forma de entidades ou instituições políticas, usuária dos serviços públicos ou necessitada de uma ação de parte do Estado para o encaminhamento de soluções no âmbito do setor público.
[59] Para isso alguns procedimentos precisam ser adotados: a) um sistema de informação a respeito do funcionamento e acesso aos serviços públicos, transparente para todos os segmentos sociais; b) mecanismos que permitam o recebimento unificado de reclamações e sugestões sobre a qualidade e a eficácia dos serviços públicos, independente da qualificação do usuário e da natureza do serviço, propiciando a avaliação e reformulação da prestação do serviço, quando isto for evidenciado; c) a simplificação de processos impostos ao cidadão para acessar os serviços públicos, de forma a promover a democratização do acesso; e, d) um canal de intercâmbio da sociedade com o poder público, promovendo a interface com a população, com o objetivo final de qualificar o atendimento da demanda por serviços públicos nas diversas regiões ou áreas.
[60] Glória Conforto, Novos modelos…, ob. cit., p. 224.
[61]“Geralmente democracias representativas necessitam ser complementadas por outros processos de envolvimento dos cidadãos. Serviços que não contam níveis de participação do usuário tornam-se suspeitos, o que pode levar à sua crescente desvalorização e conseqüente falta de credibilidade. Governos não são simplesmente sistemas de provisão de benesses de cidadãos. A estes também cabem compromissos, obrigações, suporte e obediência, além da expressão conseqüente de posições políticas e sociais em suas ações. Assim, as bases do Estado de bem-estar estas assentadas no fato de que todos têm o direito de, no mínimo, ter garantidas suas necessidades básicas, dentro dos limites da capacidade social e econômica deste Estado. É forçoso e inevitável considerar elementos de distribuição na provisão desses serviço, e não poderia ser diferente numa sociedade humana. Valores de igualdade, ao menos em termos de oportunidade e eqüidade, sustentam a provisão de serviços públicos”. (Glória Conforto. “Descentralização e regulação da gestão de serviços públicos”, Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro, vol. 32, n. 1, jan./fev., 1998, p. 28.
[62] “A medida que avanzamos en la lista de funciones antes señaladas, me referiré en último término a las materias políticas. Ello refleja las dificultades enfrentadas por algunas de nuestras asociaciones a quienes -tanto gobiernos y reguladores e incluso la industria- piden aportar la “visión del consumidor” en circunstancias que ellas no han adquirido aún la pericia ni el conocimiento necesario para hacer de ésta una visión experta. Con frecuencia, los consumidores aprenden sus políticas a medida que avanzan. No obstante, creemos que es preferible estar presente y tener voz -aunque sea enfrentando este problema- que no ser consultados del todo. En su declaración final, nuestro Congreso Mundial de Consumidores, realizado en octubre del año pasado en Lisboa, señaló lo siguiente: “Debería existir participación y representación en el proceso regulatorio y en el monitoreo de estas industrias” (refiriéndose a los servicios públicos). Esta declaración fue cuidadosamente redactada y tuvo la intención de promover la participación de los consumidores en el debate de las políticas y los planes para el desarrollo de esos servicios, más que promover su membresía directa en los organismos reguladores. Ser parte de directorios reguladores puede llevar a conflictos de intereses y ocasionar que los representantes de los consumidores se vean obligados a la confidencialidad. Sin embargo, es difícil para nosotros ser demasiado categóricos acerca de este tema y algún criterio debe utilizarse de forma que podamos avanzar en la representación. Esta discusión sobre los principios para la participación continuará en tanto nuestras asociaciones sean cada día más solicitadas”. (Marilena Lazzarini. “Mejorando los servicios públicos Organizaciones de consumidores – Política y representación”, in: http://www.consumidoresint.cl/documentos/economia/charla_marilena_banco_mundial.doc ).
[63] Aqui cabe lembrar que o art. 175, em seu § único determina, como impositiva, a atuação do Estado , no sentido de dispor, mediante lei, sobre as condições gerais de funcionamento dos serviços públicos. Tal determinação foi atendida pela edição da Lei n. 8.987, de 13.02.95 e Lei n. 9.074, de 07.07.1995.
[64] Uma iniciativa de controle social do mercado está sendo desenvolvida pelo Fórum de Associações de Defesa dos Consumidores da Argentina. Trata-se do Projeto COSOCO (Controle Social dos Organismos de Controle) que visa propiciar uma ação coordenada por parte das entidades de consumidores em favor dos usuários de serviços públicos privatizados, nas áreas de eletricidade, água, energia e gás. Dentre os objetivos do Projeto estão o acompanhamento das resoluções dos entes reguladores dos serviços públicos, propondo recomendações e reformas legislativas aos marcos regulatórios dos serviços públicos privatizados (Romina Wurst. “Proyecto COSOCO Un ejercicio de control social”, in Consumidores y Desarollo. Ano XIX, n. 1, enero-abril, 2004, pp. 26-27).
Aperfeiçoamento em Direito Comparado e Europeu (Universidade de Roma); Especialização em Ciência Política (PUCRS); Mestrado em Direito Público (UNISINOS); Doutorado em Ciência Política (UFRGS). Professor da Faculdade de Direito da UFRGS e AJURIS. Advogado.
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