Resumo: Este artigo tem por objetivo apresentar as regras prescricionais prevista na Lei Anticorrupção – de nº 12.846/2013 e realizar um estudo sobre essas regras abordando na análise os marcos iniciais da contagem prescricional, as causas interruptivas, a inter-relação desses marcos a partir da ótica das esferas de responsabilização administrativa e civil e os efeitos que o reconhecimento da prescrição opera no processo administrativo de responsabilização e na ação civil pública prevista no art. 19 da Lei anticorrupção.
Palavras-chave: Lei anticorrupção. Prescrição. Processos Administrativo de Responsabilização.
Abstract: The purpose of this article is to present the prescriptive rules provided in the Anti-Corruption law – nº 12.846/2013 and to carry out a study of these rules bya analyzing the initial milestones of the prescriptive count, the interruptive causes, the interrelation of these milestones from the optics Of the administrative and civil accountability spheres and the effects that the recognition of the prescription operates in the administrative process of accountability and in the public civil action foreseen in art. 19 of the Anti-Corruption Law.
Keywords: Anti-Corruption law. Prescription. Administrative Process of Accountability.
Sumário: Introdução. 1. O regramento prescricional trazido pela Lei 12.846/13 1.1. Regra Geral – Inicio da Contagem prescricional. 1.2. Regra específica – infrações permanentes ou continuadas. 2. Interrupção e suspensão da prescrição. 3. Efeitos da prescrição nos processos administrativo ou civil de responsabilização. 4. Conclusão. 5. Bibliografia.
Introdução
A lei 12.846 de 1º de agosto de 2013 mais conhecida como Lei Anticorrupção – LAC representou um avanço legislativo na repressão e no combate à corrupção. Ela veio com a missão de suprir uma lacuna no âmbito da responsabilização de pessoas jurídicas por atos de corrupção nas suas relações com o poder público, entendendo-se como “relações com o poder público” tanto as relacionadas ao tema licitações e contratos como qualquer outra que importe benefício indevido à pessoa jurídica.
Em seu desiderato, o legislador tipificou as condutas que são consideradas lesivas à administração pública nacional ou estrangeira, as quais ficaram positivadas no artigo 5º, podendo-se classificá-las em atos lesivos à administração pública relacionados a licitações e contratos (art. 5º, IV) e atos lesivos à administração pública não relacionados ao tema licitações e contratos (art. 5º, I, II, III e V).
É importante ainda destacar que a Lei 12.846/13 previu a responsabilização objetiva da pessoa jurídica nos âmbitos administrativo e civil. Para a apuração da responsabilidade administrativa da pessoa jurídica, a LAC criou o Processo Administrativo de Responsabilização – PAR. Já para a responsabilização civil, a LAC previu que esta se dará por meio de ação civil pública.
Seja na esfera civil ou administrativa, por se tratar de responsabilização de pessoa jurídica por ato ilícito praticado, as referidas modalidades de responsabilização se situam na esfera do direito sancionador, o qual, por sua natureza, apresenta uma série de princípios norteadores que devem ser necessariamente observados pelos legitimados a proceder a apuração, tais como o devido processo legal, contraditório e ampla defesa, non bis in idem, proporcionalidade e razoabilidade, dentre outros.
Dentre as diversas consequências que o enquadramento da responsabilização prevista na LAC ao direito sancionador impõe, pode-se citar a necessidade de observância do instituto da prescrição, o qual será o objeto de estudo deste artigo.
O eminente professor Luiz Roberto Barroso[1] já ensinava que em qualquer dos campos do direito, a prescrição tem como fundamento lógico o princípio geral de segurança das relações jurídicas e como tal, é a regra. A imprescritibilidade é exceção da regra; ambas são tratadas pontualmente na Constituição Federal de 1988.
No mesmo sentido se pronunciou o Ministro Benjamin Zymler. Para ele, “com a finalidade de impor regras aplicáveis a todos os atores sociais, o Estado do Direito tem como um de seus pilares centrais a segurança jurídica, que, no caso do direito de ação, tem como consectário as regras prescricionais. Almeja-se, com o instituto da prescrição, a estabilização das relações sócio-jurídicas em face da inércia do detentor original do direito. A imprescritibilidade, por se opor à ideia de segurança jurídica, é exceção, sendo admitida em direito apenas quando expressamente prevista e autorizada na Constituição ou na lei, o que não é o caso em exame.”[2]
Também assim é o entendimento de Márcio de Aguiar Ribeiro[3]: “Percebe-se, desse modo, que a Carta Magna fez prevalecer como regra geral a prescrição do poder punitivo estatal, sendo os casos de imprescritibilidade elencados de forma absolutamente excepcional, como o fez em relação às ações de ressarcimento dos danos causados ao erário público ou em relação ao crime de racismo.
À vista disso, conclui Munhoz de Mello que a omissão legislativa a respeito do prazo prescricional não poderá significar, jamais, que a atuação punitiva estatal da Administração será exercida sem limitações temporais. É em razão desse raciocínio que, apesar da ausência de expressa previsão do prazo prescricional do processo administrativo sancionador previsto na Lei nº 8.666/93, buscou-se a aplicação analógica de outros diplomas legais, a exemplo da Lei nº 9.873/99.”
A própria Constituição Federal já previu a necessidade de normas prevendo a prescrição. Veja-se:
“Art. 37, § 5º da CF88
§ 5º A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.”
Daí a conclusão de que ainda que não haja previsão específica de prescrição em lei que trata de procedimento e de sanção administrativa, a prescrição continua sendo a regra, devendo-se utilizar a prescrição de outra lei em analogia.
É dizer que o nosso ordenamento jurídico entende que ninguém pode ficar à mercê de eventual aplicação de penalidade por prazo indeterminado. Após o decurso de determinado prazo prescricional previsto na norma, o Estado perde o seu poder sancionador, ficando impedido de aplicar sanção em decorrência de algum ilícito.
Feita essa breve introdução, propõe-se com este artigo realizar um estudo sobre as regras prescricionais trazidas pela LAC, as hipóteses de interrupção e os efeitos do reconhecimento da prescrição.
1. O regramento prescricional trazido pela Lei 12.846/13
A Lei Anticorrupção trouxe norma prescricional própria a qual ficou assentada no seu artigo 25. São duas normas prescricionais, uma geral e uma específica.
Segundo a norma geral, as infrações previstas na Lei 12.846/13 prescrevem no prazo de 05 anos a contar da data da ciência da infração. Já a norma específica tem o mesmo prazo prescricional de 05 anos, porém difere no marco inicial da prescrição. É que se trata de norma específica para os casos de infração permanente ou continuada, sendo o marco do início da contagem prescricional o dia em que a infração cessar.
1.1 Regra Geral – Inicio da Contagem prescricional
O marco do início da contagem prescricional trazida pela Lei 12.846/13 no sentido de que a prescrição tem seu início a partir do momento em que a infração se torna conhecida é técnica pouco comum no direito administrativo sancionador. Essa técnica tem como exemplo de maior expoente a previsão prescricional da Lei 8.112/90, a qual previu no § 1º do artigo 142 que o “prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido”.
Essa técnica de contagem prescricional (a partir da ciência do fato) cria algumas dificuldades para o operador da norma, pois, se em algumas situações parece muito fácil identificar a data em que a infração se tornou conhecida, em outras situações não é tão simples assim.
A primeira dificuldade que se aponta é que a norma informou que a prescrição começa a contar a partir da data da ciência da infração, mas não informou por quem essa infração deve se tornar conhecida para que se inicie a contagem prescricional.
Como já visto, a LAC é uma lei que prevê a responsabilização civil e administrativa de pessoas jurídicas. Logo, há mais de um legitimado para promover a apuração e consequente responsabilização da pessoa jurídica.
Se no lado da responsabilização administrativa temos como legitimado para promover a apuração a autoridade máxima de cada órgão ou entidade que sofreu o ato lesivo[4], no lado da responsabilização civil temos 02 legitimados diferentes e independentes entre si[5]: a) a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, por meio das respectivas Advocacias Públicas ou órgãos de representação judicial e b) o Ministério Público.
Se focarmos apenas na responsabilização administrativa, já há um grande espaço para muitas discussões sobre a forma que se entende hábil para considerar a ciência da infração para fins de início da contagem prescricional.
A título de exemplo, podemos imaginar uma situação em que é entregue uma denúncia no protocolo de uma repartição pública narrando irregularidades cometidas por uma pessoa jurídica em determinado procedimento licitatório ocorrido na referida repartição pública. O recebimento dessa denúncia é suficiente para iniciar a contagem da prescrição ou esta contagem apenas se iniciará quando a denúncia for formalmente encaminhada para a autoridade máxima dessa repartição pública, autoridade legitimada pela LAC para promover a apuração?
Para responder essa questão é necessário verificar os entendimentos sobre o tema no que tange à prescrição prevista na Lei 8.112/90, a qual apresenta técnica de início da contagem prescricional semelhante (data da ciência da infração) e já está consolidada a partir de entendimentos jurisprudenciais. Inclusive já há posicionamento do STJ nos autos dos Mandados de Segurança nº 14.446-DF e nº 11.974-DF, respectivamente, in verbis:
“Ementa: A Terceira Seção desta Corte pacificou o entendimento de que o termo inicial do prazo prescricional da Ação Disciplinar é a data em que o fato se tornou conhecido da Administração, mas não necessariamente por aquela autoridade específica competente para a instauração do Processo Administrativo Disciplinar (art. 142, § 1º da Lei 8.112/90). Precedentes. (…)
4. Qualquer autoridade administrativa que tiver ciência da ocorrência de infração no Serviço Público tem o dever de proceder à apuração do ilícito ou comunicar imediatamente à autoridade competente para promovê-la, sob pena de incidir no delito de condescendência criminosa (art. 143 da Lei 8.112/90); considera-se autoridade, para os efeitos dessa orientação, somente quem estiver investido de poder decisório na estrutura administrativa, ou seja, o integrante da hierarquia superior da Administração.” (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. MS nº 14.446/DF – 2009/0121575-7. Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 13/12/2010)
“Ementa: O art. 142 da Lei nº 8.112/90 – o qual prescreve que “O prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido” – não delimita qual autoridade deverá ter obtido conhecimento do ilícito administrativo. Dessa forma, não cabe ao intérprete restringir onde o legislador não o fez. Desse modo, é razoável entender-se que o prazo prescricional de cinco anos, para a ação disciplinar tendente à apuração de infrações puníveis com demissão ou cassação de aposentadoria, comece a correr da data em que autoridade da administração tem ciência inequívoca do fato imputado ao servidor, e não apenas a partir do conhecimento de tais irregularidades pela autoridade competente para a instauração do processo administrativo disciplinar.” (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. MS nº 11.974/DF – 2006/0133789-1. Relatora: Ministra Laurita Vaz, julgado em 7/5/2007)
Logo, parece apropriado defender entendimento similar ao STJ no sentido de que no que tange à responsabilização administrativa prevista na LAC, o marco inicial da regra geral seria a partir da ciência da infração por qualquer autoridade administrativa do órgão ou entidade que sofreu o ato lesivo, sendo prescindível para o início da contagem prescricional a ciência da autoridade máxima do órgão ou entidade pública lesada[6].
Ainda resta a dificuldade de se identificar o marco inicial da contagem prescricional para a responsabilização civil prevista na LAC. Como já apontado, a LAC trouxe dois legitimados diferentes e independentes entre si para promover a ação civil pública prevista no seu artigo 19. Nesse sentido, a partir da ciência de qual desses legitimados é que começa a contar o prazo prescricional para a responsabilização civil? Na hipótese de o Ministério Público tomar ciência de determinada infração, pode-se entender que iniciou a contagem prescricional em face do outro legitimado (ente subnacional), ainda que este último ainda não tenha tomado ciência?
Dado o pouco tempo de vigência da lei anticorrupção, não se conhece posicionamentos jurisprudenciais a esse respeito.
Entretanto, parece razoável defender que a prescrição deve ser contada por esfera de responsabilização e não necessariamente por legitimado. Caso contrário, poder-se-ia imaginar uma situação em que um dos legitimados tomasse conhecimento e, por inércia ou ineficiência, deixasse a infração prescrever; após a ocorrência da prescrição, incitasse o outro legitimado a realizar a responsabilização. Esse exemplo afronta justamente o princípio que o instituto da prescrição visou tutelar: a segurança jurídica.
Portanto, em respeito à independência que cada um dos legitimados para responsabilização civil mantém em relação ao outro, defende-se que cada um desses legitimados que venha a tomar ciência de uma infração tipificada na LAC poderá iniciar seus procedimentos apuratório próprios.
Entretanto, caso a pessoa jurídica objeto da apuração venha a arguir prescrição comprovando inequivocamente que o outro legitimado para promover a responsabilização civil tomou ciência da irregularidade, esse marco inicial da contagem prescricional terá de ser respeitado por ambos os legitimados.
1.2 Regra específica – infrações permanentes ou continuadas
A LAC criou, além da regra geral prescricional, a regra específica para os casos de infração continuada ou permanente, cujo início da contagem prescricional terá como marco o dia em que a infração cessar.
Numa leitura superficial, parece que o legislador quis resguardar um prazo maior de prescrição para as situações em que uma pessoa jurídica comete uma infração continuada ou permanente.
É que nos casos de infração continuada ou permanente, mesmo que o órgão legitimado para promover a apuração tome conhecimento da infração, ainda assim não teria início a contagem prescricional, haja vista a infração continuar acontecendo.
Indo para um exemplo prático, uma pessoa jurídica comete infrações continuadas desde janeiro de 2014. Em fevereiro de 2015 a auditoria interna do órgão público lesado identificou a infração, porém, a pessoa jurídica manteve sua conduta ilícita continuada até outubro de 2016. Nesse caso, o início da contagem prescricional não teria início em fevereiro de 2015 (regra geral), mas tão somente em outubro de 2016, que é a data em que a infração continuada cessou.
Ocorre que ao criar uma regra específica alterando a técnica utilizada para o início da contagem do prazo prescricional (mudando de ciência do fato para ocorrência do fato), em muitos casos essa regra específica, ao invés de aumentar o prazo prescricional, como parece ter sido a intenção do legislador, acabará por diminuir esse prazo prescricional, se a compararmos com a regra geral.
Partindo para outro exemplo, suponhamos que uma pessoa jurídica cometeu infrações continuadas ou permanentes no período de janeiro de 2014 a outubro de 2016. Entretanto, o órgão legitimado para promover a apuração só tomou conhecimento da(s) infração(ões) em julho de 2017. Neste caso, utilizando a regra específica teríamos que o marco inicial da contagem prescricional seria em outubro de 2016, antes, portanto, do conhecimento do órgão legitimado para promover a apuração.
Ora, neste exemplo, a utilização da regra específica proporcionará a ocorrência da prescrição antes do que ocorreria se utilizássemos a regra geral. No limite, poderemos chegar a situações concretas em que o órgão legitimado para promover a apuração só venha a tomar conhecimento do ilícito após transcorridos 05 anos desde a cessação da infração. Nesses casos limites, quando a infração se tornar conhecida ela já estará prescrita.
Entretanto, importante pontuar que não cabe ao órgão legitimado, diante de uma infração continuada ou permanente, decidir discricionariamente se utiliza a regra geral ou a específica. Ora, se a LAC criou uma regra específica para uma situação específica, sempre que se estiver diante dessa situação específica ter-se-á que se adotar a regra específica.
2. Interrupção e suspensão da prescrição
Ainda sobre a prescrição, necessário verificar os casos de interrupção e suspensão previstos na Lei e como se dá a aplicação desses institutos na contagem prescricional.
Inicialmente, cabe esclarecer a diferença entre interrupção e suspensão da prescrição e como elas interferem no cálculo prescricional.
A suspensão do prazo prescricional ocorre por determinado período de tempo em decorrência de alguma situação prevista em lei. Deixando de subsistir a situação que justificou a suspensão do prazo prescricional, este volta a correr de onde parou.
Então, se já havia se passado 03 anos desde o início da contagem prescricional e acontece uma situação em que a lei prevê a suspensão da prescrição, ao se encerrar essa situação que provocou a suspensão do prazo prescricional, a prescrição volta a correr, restando 02 anos até que se opere.
Já a interrupção do prazo prescricional faz com que ele retorne sua contagem do zero. Então, se já havia se passado 03 anos desde o início da contagem prescricional e acontece uma situação que a lei prevê a interrupção da prescrição, esta voltará a contar do zero restando ainda 05 anos até que se opere a prescrição.
A LAC previu duas situações distintas que interrompem a prescrição: a) a instauração de processo que tenha por objeto a apuração da infração[7] e b) a celebração de acordo de leniência[8].
Em relação à instauração de processo que tenha por objeto a apuração da infração, parece razoável defender que a instauração do PAR é o ato apto a interromper a prescrição para a esfera de responsabilização administrativa e que o ajuizamento da ação civil pública previsto no art. 19 da LAC seria o marco da interrupção da prescrição na esfera de responsabilização civil.
Já a celebração do acordo de leniência, a partir da leitura do § 9º do art. 16, aparentemente teria a capacidade de interromper a contagem prescricional tanto da responsabilização administrativa quanto da responsabilização civil.
“§ 9o A celebração do acordo de leniência interrompe o prazo prescricional dos atos ilícitos previstos nesta Lei.”
Mas tal entendimento gera algumas dificuldades práticas. Inicialmente, a LAC legitimou para celebrar o acordo de leniência a autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública que sofreu o ato lesivo. Logo, a celebração de um acordo de leniência é em essência um ato administrativo que não vincula o Ministério Público.
Então, dada a natureza de ato administrativo do acordo de leniência, parece razoável defender que a celebração do acordo de leniência teria a capacidade de interromper tão somente o prazo prescricional da responsabilização administrativa, não tendo nenhum efeito na contagem prescricional da responsabilização civil, haja vista a independência que as esferas de responsabilização guardam entre si. É dizer que um ato administrativo não teria a capacidade de influir na contagem prescricional de uma esfera de responsabilização que é alheia à autoridade administrativa competente para firmar o acordo de leniência.
No que se refere à suspensão da contagem prescricional, a LAC não trouxe nenhuma previsão. Logo, não há que se falar em suspensão do prazo prescricional para as infrações previstas na lei anticorrupção.
3. Efeitos da prescrição nos processos administrativo ou civil de responsabilização.
Outro ponto que merece análise é o efeito que o reconhecimento da prescrição opera nos processos a instaurar ou já instaurados, mas não encerrados. Há dois posicionamentos possíveis que inclusive, podem repercutir de forma diferente em cada uma das esferas de responsabilização.
O primeiro posicionamento é o de que a prescrição impede tão somente a aplicação da sanção. Nesse caso, o reconhecimento da prescrição pela autoridade legitimada para promover a apuração não impede a instauração do PAR ou propositura da ação civil pública, seu processamento e julgamento, ficando o Estado apenas impedido de aplicar a sanção.
O segundo posicionamento é que o reconhecimento da prescrição pelo legitimado para promover a apuração seria um prejudicial ou impeditivo para a instauração do PAR ou propositura da ação civil pública, seu processamento e julgamento. Nesse segundo caso, ainda que já haja uma ação civil pública em curso ou um PAR instaurado, o reconhecimento da prescrição teria como consequência o arquivamento do processo sem análise da responsabilização da pessoa jurídica processada.
Trata-se de uma definição relevante, já que a LAC não deixou claro qual o efeito decorrente do reconhecimento da prescrição, mas que tem significativos impactos nos processos de responsabilização instaurados ou a instaurar.
Partindo-se para analogias, se tomarmos o processo administrativo disciplinar – PAD, cujas regras prescricionais estão insculpidas no art. 142 da Lei 8.112/90 como referência, verificamos que na seara disciplinar já restou consolidado o entendimento de que o reconhecimento da prescrição não é prejudicial à continuidade do processo. Tem-se por prática que, em se reconhecendo a prescrição, o processo segue seu curso normalmente até o julgamento. Ao final, a autoridade profere o julgamento (realiza juízo final de mérito) do processo e, em caso de condenação, declara na portaria de julgamento que deixa de aplicar a sanção em decorrência do reconhecimento da prescrição.
Então, no PAD, mesmo que a Administração Pública reconheça a prescrição de determinada infração, ainda assim o processo segue seu curso normal, realizando-se todos os atos instrutórios subsequentes, inclusive observando as garantias do contraditório e da ampla defesa. Isso porque a apuração disciplinar se fundamenta na busca da verdade real dos fatos, com o fim de alcançar a eventual melhoria dos procedimentos administrativos a partir das investigações e independentemente da eventual aplicação de uma sanção ao seu final.
No âmbito do direito processual penal, busca-se a construção de uma verdade formal, em que interessa para uma eventual condenação, os fatos e as provas que constam dos autos, independentemente se estão alinhadas – total ou parcialmente – com a realidade dos acontecimentos.
Tomando como referência o código penal – CP e o processo penal, verifica-se que o CP elencou a prescrição como causa da extinção da punibilidade (art. 107). Inclusive, é prática comum no âmbito do processo penal que, caso seja declarada a prescrição pelo juiz ainda no curso do processo, ou mesmo antes do recebimento da denúncia, tal declaração extingue o processo quanto àquele enquadramento ou se torna prejudicial ao próprio recebimento da denúncia, ou seja, o juiz sequer realiza juízo final de mérito condenando o réu. Para o processo penal, o reconhecimento da prescrição é um prejudicial da continuidade do próprio processo.
Inclusive já há posicionamento do STJ nesse sentido. Veja-se:
“(REsp 1586096 – publicado em 12/09/2016)
33.1 – Contudo, passados os 12 anos previstos no Código Penal, art. 109, III [litteris, "a prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final (…)regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se em 12 anos, se o máximo da pena é superior a 4 anos e não excede a 8"], sem a ultimação das investigações, sobreveio a decisão judicial a que se reporta o Código Penal, art. 107, IV, figura [verbis, "extingue-se a punibilidade pela prescrição"], com a qual se declarou extinta sua punibilidade.
33.2 -Dessa decisão, proferida no juízo criminal, advieram efeitos jurídico-materiais penais, dentre eles o de considerar-se inexistente o crime, uma vez' que, tal qual se assenta na doutrina e na jurisprudência, com a prescrição da pretensão punitiva é como se o crime não houvesse sido praticado, assim já se pronunciou essa colenda Corte:” (grifei)
Outros julgados no mesmo sentido:
“TJ-RS – Recurso Crime RC 71002977411 RS (TJ-RS)
Data de publicação: 31/01/2012
Ementa: QUEIXA-CRIME. REJEIÇÃO DA QUEIXA. PRESCRIÇÃO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. A prescrição extingue a punibilidade e fulmina o exame do mérito. Transcorrido prazo superior a dois anos da data do fato até o presente momento, sem qualquer março suspensivo ou interruptivo da prescrição, operou-se a prescrição com base na pena projetada. Incidência da Súmula 241 do TRF, prejudicado o exame do mérito. DECLARADA EXTINTA A PUNIBILIDADE PELA PRESCRIÇÃO, PREJUDICADO O EXAME DO MÉRITO DA APELAÇÃO. (Recurso Crime Nº 71002977411, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Volcir Antônio…
TJ-CE – Habeas Corpus HC 06256209820158060000 CE 0625620-98.2015.8.06.0000 (TJ-CE)
Data de publicação: 01/09/2015”
“Ementa: HABEAS CORPUS – PENAL E PROCESSUAL PENAL – USO DE DOCUMENTO FALSO – PEDIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL COM O RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO – SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA EXTINGUINDO A PUNIBILIDADE, EM FACE DA PRESCRIÇÃO – PERDA DO OBJETO – WRIT PREJUDICADO – ART. 659 DO CPP. 1. Tendo sido concedido o benefício pleiteado pelo paciente, com a consequente extinção da punibilidade, perde objeto o presente writ. 2. Ordem prejudicada. A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de Habeas Corpus, ACORDAM os Desembargadores integrantes da Turma julgadora da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, à unanimidade, em considerar prejudicada a presente ordem liberatória, tudo em conformidade com o voto do Relator. Fortaleza, 01 de setembro de 2015”.
Veja ainda posicionamento de Celso Martinez em artigo publicado no site jusbrasil[9]:
“A prescrição da pretensão punitiva é chamada impropriamente de prescrição da ação, onde decurso do tempo faz com que o Estado perca o direito de punir, no tocante à pretensão do Poder Judiciário julgar a lide e aplicar a sanção abstrata. Pena abstrata é a cominada no preceito secundário da norma incriminadora. Esse tipo de prescrição ocorre antes da sentença final transitar em julgado e regula-se pela pena privativa de liberdade cominada para o delito. Com ela, fica extinta a própria pretensão do Estado de obter uma decisão a respeito do fato apontado como criminoso. Essa espécie de prescrição é equiparada à declaração da inocência, para efeitos penais. Não implica responsabilidade ou culpabilidade do agente, não lhe marca os antecedentes, nem gera futura reincidência”.
No mesmo sentido o posicionamento de Rafael Araripe Carneiro e Igor Lacerda de Vasconcelos em artigo publicado no site Conjur[10]:
“A prescrição é matéria prejudicial que impede a análise do mérito da ação penal, inclusive em grau de recurso, o que exige constante atenção aos prazos prescricionais. O entendimento perfilhado pela melhor doutrina ressalta o caráter prejudicial da prescrição. Veja-se:
“A prescrição (…) constitui-se em matéria preliminar, isto é, impede a análise do mérito da ação penal, seja pelo juízo natural, seja em grau de recurso. Logo, em caso de prescrição não há falar em absolvição ou condenação, apenas em extinção da punibilidade. Nessa esteira, dispunha a Súmula 241 do extinto Tribunal Federal de Recursos: “A extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva prejudica o exame de mérito da apelação criminal” (Masson, Cleber. Prescrição Penal como Direito Fundamental: correlação lógica entre limites estatais ao direito de punir. In Tratado Luso-Brasileiro da Dignidade Humana, p. 817).
Do mesmo modo, se tomarmos o processo civil como referência, caso haja o reconhecimento da prescrição pelo juiz, ato contínuo o processo é extinto sem o efetivo julgamento do pedido do autor da ação. A propósito tal procedimento restou consignado no art. 332, § 1º, do Novo Código de Processo Civil, nos seguintes termos:
“§ 1o O juiz também poderá julgar liminarmente improcedente o pedido se verificar, desde logo, a ocorrência de decadência ou de prescrição”.
Também no artigo 487, II do novo CPC, o tema foi tratado de forma semelhante. Senão vejamos.
“Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz:
II – decidir, de ofício ou a requerimento, sobre a ocorrência de decadência ou prescrição;”
Retornando à questão inicial: no caso das regras de prescrição trazidas pela Lei Anticorrupção, o reconhecimento da prescrição é um fato prejudicial à continuidade da apuração da infração? Uma vez reconhecida a prescrição de determinada infração, deve a Administração Pública arquivar o PAR e o juiz julgar a ação civil pública extinguindo-a sem analisar o mérito do pedido inicial, ao menos em relação à infração prescrita?
Há bons argumentos para ambas as soluções possíveis.
Pelo lado do entendimento de que a prescrição não prejudica a continuidade das apurações e julgamento das infrações, podemos trazer o princípio da verdade real e do dever de apurar que regem os processos de responsabilização, conforme mencionado. É dizer que a finalidade do processo de responsabilização não é punir e sim apurar a verdade dos fatos. A punição é mera consequência. Logo, se a punição não é a finalidade do processo, constitui interesse público a regular instrução e julgamento do processo, ainda que eventual sanção já esteja prescrita.
Já em relação à defesa da tese de que a prescrição é prejudicial à continuidade da apuração e julgamento da infração, podemos trazer os princípios da eficiência, da economicidade, do resultado útil do processo e do tempo razoável de duração dos processos.
Se a infração está reconhecidamente prescrita e já sabe de antemão que não poderá ser aplicada sanção alguma pelos fatos sob investigação, sob a perspectiva do princípio da eficiência, não faria sentido se continuar gastando recursos materiais, financeiros e humanos para ultimar o processo e vê-lo julgado no mérito. Atenderia melhor o princípio da eficiência e da economicidade utilizar esses recursos materiais, humanos e financeiros em outras apurações ainda não prescritas.
Portanto, entende-se que a interpretação de que o reconhecimento da prescrição é prejudicial à continuidade da apuração, ao menos em relação às infrações prescritas, é a que melhor atende ao interesse público.
4. Conclusão
Em suma, foi visto que em relação ao instituto da prescrição, a Lei Anticorrupção trouxe uma regra geral e uma específica. O prazo prescricional em ambos os casos é de 05 anos, alterando-se a técnica utilizada para o início da contagem do prazo prescricional. Na regra geral, inicia-se a contagem a partir do dia em que a infração se tornar conhecida e no caso da regra específica, no dia em que a infração continuada ou permanente cessar.
Apontou-se ainda, o entendimento de que o cálculo da prescrição se dá de forma independente por esfera de responsabilização, ou seja, os marcos de início, de interrupção e de ocorrência da prescrição devem ser analisados de forma autônoma e independente em cada uma das esferas de responsabilização (civil e administrativa).
Por fim, foi defendida a ideia de que o reconhecimento da prescrição prejudica a continuidade e o julgamento de mérito do processo, devendo importar no arquivamento do processo em relação aos fatos prescritos, caso já instaurado, ou a sua não instauração, caso ainda esteja pendente de instauração para averiguação daqueles fatos.
Auditor Federal de Finanças e Controle da CGU desde 2008. Graduado em Administração pela Universidade Federal da Bahia – UNEB. Especialista em Logística Empresarial e em Planejamento e Orçamento Público
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