“Nunca é lícito matar o outro: ainda que ele o quisesse, mesmo se ele o pedisse (…) nem é lícito sequer quando o doente já não estivesse em condições de sobreviver”.
(Santo Agostinho in Epistula 204,5: CSEL 57,320)
Existem assuntos que mesmo com o transcorrer do tempo ainda continuam com controvérsias pungentes. Casos do aborto e da eutanásia.
A partir do juramento de Hipócrates, principal pilar de sustentação da dignidade da profissão médica até os dias de hoje, a administração de drogas letais ao paciente terminal ou a omissão de determinados recursos disponíveis na terapêutica têm motivado intenso debate no seio da sociedade. Alguns filósofos, entre eles Thomas Morus e Francis Bacon, já advogavam a prática da eutanásia ativa entre seus contemporâneos.
Diversos povos, como os celtas, por exemplo, tinham por hábito que os filhos matassem os seus pais quando estes estivessem velhos e doentes. Na Índia os doentes incuráveis eram levados até a beira do rio Ganges, onde tinham as suas narinas e a boca obstruídas com o barro. Uma vez feito isto eram atirados ao rio para morrerem.
Em Atenas, o Senado tinha o poder absoluto de decidir sobre a eliminação dos velhos e incuráveis, dando-lhes o conium maculatum – bebida venenosa, em cerimônias especiais. Na Idade Média, oferecia-se aos guerreiros feridos um punhal muito afiado, conhecido por misericórdia, que lhes servia para evitar o sofrimento e a desonra. O polegar para baixo dos césares era uma indulgente autorização à morte, permitindo aos gladiadores feridos evitarem a agonia e o ultraje.
Até mesmo um dos grandes cientistas da humanidade foi responsável pela propalação da eutanásia. Quando em The origin of species, de 1859, Darwin propôs que a seleção natural fosse o processo de sobrevivência a governar a maioria dos seres vivos, importantes pensadores passaram a destilar suas idéias num conceito novo – o darwinismo social.
“Devemos suportar o efeito, indubitavelmente mau, do fato de que os fracos sobrevivem e propagam o próprio gênero, mas pelo menos se deveria deter a sua ação constante, impedindo os membros mais débeis e inferiores de se casarem livremente com os sadios”. Darwin acreditava que os criminosos, por sua vida mais breve e a dificuldade de se casarem, naturalmente livrariam as raças superiores de sua má influencia. Além disso, com o predomínio dos casamentos entre os mais fortes, sábios e moralmente superiores – e evitando a miscigenação com as “raças inferiores” – Darwin acreditava na evolução física, moral e intelectual das “raças superiores” pela seleção natural.
Esse conceito, de que na luta pela sobrevivência muitos seres humanos eram não só menos valiosos, mas destinados a desaparecer, culminou em uma nova ideologia de melhoria da raça humana por meio da ciência. Por trás dessa ideologia estava sir Francis J. Galton, que era parente de Darwin, cujo nome é associado ao surgimento da genética humana e da eugenia.
As propostas de Galton ficaram conhecidas como “eugenia positiva”. Nos EUA, porém, elas foram modificadas, na direção da chamada “eugenia negativa”, de eliminação das futuras gerações de “geneticamente incapazes” – enfermos, racialmente indesejados e economicamente empobrecidos –, por meio de proibição marital, esterilização compulsória, eutanásia passiva e, em última análise, extermínio.
No mesmo esteio tivemos a Alemanha nazista de Hitler. O Estado alemão de então estabelecia legalmente que pessoas com incapacidades crônicas e profundas viessem a ser mortas em prol do bem-estar de toda a sociedade. Estes eram os casos de crianças com deficiências mentais severas para as quais o Estado considerava que o mais apropriado seria terminar com suas existências em vez de investir recursos que poderiam ser utilizados de forma mais proveitosa à sociedade.
Em se tratando do século XXI a eutanásia está particularmente em voga, primeiro com o premiado filme espanhol Mar adentro (que conta a história de Ramón Sampedro, um tetraplégico, que tentou legalizar a eutanásia na Espanha).
Na mesma Espanha tivemos um caso recente: Inmaculada Echevarría, de 51 anos Nos últimos 10 anos, Inmaculada foi tratada por um hospital ligado à Igreja Católica – o que dificultava a decisão pela eutanásia. Ela sofria de distrofia muscular progressiva desde os 11 anos e nos últimos 20 anos foi mantida em uma cama de hospital, conectada a um respirador artificial.
O caminho para a discussão sobre a aplicação da eutanásia foi aberto depois de ela ter dito que sua vida não tinha significado e que desejava que a ajudassem a morrer.
A eutanásia é ilegal na Espanha e ajudar alguém a morrer é crime, com pena de pelo menos seis meses de prisão. Echevarría, que ficou conhecida como a enferma de Granada – sua cidade de origem – tinha, no entanto, a autorização do Comitê Ético da Junta de Andaluzia e do Conselho Consultivo Andaluz. Os dois órgãos diferenciaram o ato de desligar os aparelhos da aplicação de eutanásia. Para eles, tratava-se de um caso de “limitação de esforço terapêutico e não de eutanásia”. [1]
A questão também fora suscitada nos Estados Unidos, o que ensejou, a manifestação do próprio presidente criando um dispositivo legislativo que proíbe expressamente a prática da eutanásia.
A discussão agora paira sobre a Resolução 1.805/2006 construída pelo Conselho Federal de Medicina, ao qual autorizava o médico a praticar a ortotanásia, desde que com expresso consentimento dos familiares ou do próprio paciente.
“Art. 1º É permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal.
§ 1º O médico tem a obrigação de esclarecer ao doente ou a seu representante legal as modalidades terapêuticas adequadas para cada situação.
§ 2º A decisão referida no caput deve ser fundamentada e registrada no prontuário.
§ 3º É assegurado ao doente ou a seu representante legal o direito de solicitar uma segunda opinião médica.
Art. 2º O doente continuará a receber todos os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, assegurada a assistência integral, o conforto físico, psíquico, social e espiritual, inclusive assegurando-lhe o direito da alta hospitalar.”
Neste esteio também temos a Lei Estadual 10.241/1999, criada pelo Estado de São Paulo, que regula sobre os direitos dos usuários dos serviços de saúde, assegura ao paciente terminal o direito de recusar tratamentos dolorosos ou extraordinários para tentar prolongar a vida.
O título deste artigo oferta duas possibilidades: a primeira uma indagação se o próprio médico pode praticar a ortotanásia, e a segunda o pedido expresso da família ou do paciente para que o profissional o faça.
Fundamentalmente, numa análise precípua, faz-se a mais inocente das perguntas: e o que vem a ser a eutanásia?
Qual é a primeira imagem que vem à cabeça das pessoas quando o assunto é eutanásia? Para a maioria, é de alguém desligando um aparelho conectado ao paciente em estado terminal.
A eutanásia etimologicamente, a palavra “eutanásia” deriva do grego “eu”, que significa “bom”, e “thanatos” que significa “morte”, Isto quer dizer principalmente boa morte, morte aprazível, sem sofrimento. E refere-se a o ato consciente e voluntário de retirar a vida de outrem, ou melhor, o conjunto de métodos que buscam uma morte sem sofrimento, a fim de abreviar os tormentos de um paciente portador de uma doença muito dolorosa e incurável. [2]
O termo foi proposto por Francis Bacon, em 1623, em sua obra “Historia vitae et mortis”, como sendo o “tratamento adequado as doenças incuráveis”.
O que não se confunde com a distanásia, a ortotanásia ou com suicídio assistido.
Distanásia significa o prolongamento do momento da morte do paciente, através do uso de métodos reanimatórios.
Já a ortotanásia é a suspensão por parte do médico dos meios artificiais para prolongar a vida de um doente terminal, ou seja, a morte natural decorrente da interrupção de tratamento terapêutico, cuja permanência seria inútil em se tratando de quadro clínico irreversível.
Por fim, o suicídio assistido ocorre quando o próprio paciente passa a ser o agente ativo, com a orientação e auxílio de um médico ou terceiro. Como pode ser acompanhado no filme espanhol Mar adentro.
A maioria dos países sempre refutou a prática da eutanásia. Entretanto, a Holanda, desde 2002, legalizou a eutanásia. A Bélgica, depois da Holanda, também já permite a eutanásia ativa, segundo a lei, o médico não estará cometendo infração se o paciente for “capaz e consciente no momento do pedido”. Na França, o Parlamento aprovou uma lei que define o direito de “deixar morrer” doentes incuráveis (eutanásia passiva). Na Noruega a eutanásia passiva é permitida a pedido de um paciente agonizante ou de seus familiares, se este não puder se comunicar. Nos Estados Unidos, o Estado de Oregon autoriza a morte assistida, que não se confunde com a eutanásia, visto que se trata de uma ajuda para que o paciente terminal realize sua própria morte.
No Brasil existe uma gama infindável de justificativas para a proibição da eutanásia.
No âmbito religioso é inquestionável a reprovação de tal procedimento. Afinal, para os religiosos, de uma maneira geral, Deus concedeu vida a todos e somente Ele poderia retirá-la.
Além disso, temos uma outra questão: No aspecto moral ou religioso, os riscos seriam incalculáveis: o médico é falível e poderá errar no diagnóstico e também não podemos olvidar os interesses de herdeiros apegados e mesquinhos que teriam sua herança garantida com a brevidade da vida do doente.
No aspecto legislativo os problemas se avolumam.
O primeiro deles surge em nossa Carta Constitucional, através do artigo 5°:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (grifo nosso).
O artigo 5º da Constituição Federal de 1988 garante a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade e à segurança, dentre outros. Ocorre que tais direitos não são absolutos. E, principalmente, não são deveres. O artigo 5º não estabelece deveres de vida, liberdade e segurança.
Os incisos do artigo 5º estabelecem os termos nos quais estes direitos são garantidos: II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento degradante; IV – é livre a manifestação de pensamento…; VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença…; VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei; X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
A vontade do legislador é expressa no sentido de vedar qualquer possibilidade de ortotanásia, e o caput do artigo 121 do Código Penal é claro: matar alguém. O que denota que a abreviação da vida de outrem é crime previsto e apenável em nosso Direito.
Alguns códigos penais em outros países prevêem diminuição de pena para a eutanásia.
Maria Helena Diniz relata que os Códigos Penais da Alemanha, da Suíça e da Itália encaixam a eutanásia no tipo de homicídio atenuado por motivo piedoso, não se admitindo absolvição nem perdão judicial.
Além do aspecto legislativo existe um outro conflito claro: o ético. E este afeta diretamente o profissional autorizado pelo Conselho Federal de Medicina, qual seja, o próprio médico.
Afinal, o Código de Ética Médica (Resolução do Conselho Federal de Medicina n° 1.246/88), elemento norteador de todo profissional de medicina é claro aos afirmar em seus artigos:
Artigo 6°. O médico deve guardar absoluto respeito pela vida humana, atuando sempre em benefício do paciente. Jamais utilizará seus conhecimentos para gerar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano ou para permitir e acobertar tentativa contra a sua dignidade e integridade. (grifo nosso)
Artigo 29. Praticar atos profissionais danosos ao paciente, que possam ser caracterizados como imperícia, imprudência ou negligência. (grifo nosso)
Para alimentar ainda mais a discussão surge o aspecto moral da discussão, que suscita uma ambigüidade ao profissional da medicina que se vê num dilema, como expresso no Código de Processo Ético-profissional (resolução do Conselho Federal de Medicina n° 1.617/01) em seus considerandos:
Considerando o art. 142 do Código de Ética Médica (CEM) que preceitua que “o médico está obrigado a acatar e respeitar os acórdãos e resoluções dos Conselhos Federal e Regionais de Medicina”.
Pelo considerando acima, o médico será responsabilizado se praticar a ortotanásia, afinal, a prática é refutada pelo Código Ético. Todavia, o profissional é obrigado a acatar as Resoluções dos Conselhos, órgão que autorizou a ortotanásia.
Desta feita pode ser apenado se praticar uma conduta contrária ao Código, mas de acordo com o Conselho?
A resposta é trazida por Pontes de Miranda: “As limitações à liberdade e as limitações obedecem ao cânone geral: só se permitem feitas em lei, que tenha origem no povo e seja igual para todos. ‘Ninguém pode ser preso nem detido senão nos casos da lei e pela forma que a lei estabelecer’”. [4]
O que significa que se existe uma previsão legal esta deverá ser respeitada. E apesar da Resolução do Conselho Federal ter força legislativa, e por assim, derrogar as questões do Código de Ética Médica, na hierarquia legislativa, não supera a lei federal materializada no Código Penal, e muito menos os preceitos Constitucionais.
Denota o sistema brasileiro uma completa consonância com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, que prevê em seu artigo III: Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.
Juridicamente a proibição se demonstra acertada, todavia, uma dúvida suscita em nossa mente toda a vez que refletimos sobre o assunto: que vida tem uma pessoa que está sendo mantida neste plano existencial apenas pelo auxílio de aparelhos? Ou pior, uma pessoa com morte cerebral, mas viva, também devido aos aparelhos.
A probabilidade de reversão de um paciente neste estado é muito remota, e caso ocorra, os danos produzidos são irreparáveis.
Pontes de Miranda ao falar de psique explicita que todo o homem tem um objetivo: “o que é certo é que, normalmente, o homem tem a vida psíquica condicionada por fim ou objetivo, que a movem que a põe em certo sentido e a distingue das outras vidas”. E esse fim a faz “consciente”. [5]
Por isso, o cerne da questão não é a eutanásia apenas, mas sim, o desejo manifesto de uma pessoa que vê todos os seus sonhos futuros abortados por uma condição completa de incapacidade e dependência.
O mundo pode presenciar o caso de Theresa Marie Schiavo, ou melhor, Terri Schiavo, que permaneceu em uma cama por quinze anos em estado vegetativo considerado irreversível.
Tal fato apenas reacende a polêmica em torno da eutanásia. No caso de Terri, o estado vegetativo se comprovou devido à falta de oxigenação em seu cérebro por cinco minutos decorrente de um infarto e desde o dia 25 de fevereiro de 1990 passou a ser alimentada e hidratada por um tubo.
Nos quinze anos que se sucederam esta foi sua rotina e sua “vida”.
Uma consulta rápida ao dicionário nos remete que vida é a característica própria aos seres vivos que possuem estruturas complexas capazes de resistir a diversas modificações, aptos a renovar, por assimilação, seus elementos constitutivos, a crescer e se reproduzir. São os conjuntos de condições, especialmente materiais (habitação, alimentação, vestuário, etc.), somente necessárias à preservação da existência.
É impossível saber se a pessoa que está em processo vegetativo sente alguma coisa, se consegue ouvir, apesar de não demonstrar reação alguma, porque cada caso tem uma reação distinta.
Apenas um fato é certo, que a vida que a pessoa leva até o seu falecimento não pode ser considerada como normal e saudável. Um corpo que funciona porque é mantido artificialmente, com o seu dono totalmente incapaz de aproveitar qualquer coisa que seja, o que produz uma tristeza sem tamanho para aqueles entes queridos que a cerque.
Imaginamos a dor de uma mãe quando acompanha diariamente o rosto impassível e inerte de sua filha. Os conflitos existenciais, os diálogos com Deus numa tentativa de obter qualquer alteração e ter sua filha de volta.
Anos se passaram e a dor da família somente se acumulou. Com a medicina no estágio em que se encontra seria possível que Terri vivesse mais do que seus próprios pais, e para que?
Apenas para a sociedade dizer que não se pode tirar uma vida, que este é o trabalho de Deus, e a este cabe a decisão da vida e da morte.
Uma pessoa mantida viva. Graças à evolução da medicina, por anos, representa um sofrimento, não apenas ao paciente em si, mas à família em geral, que sabe a extensão do dano. Não há como mensurar a dor de uma mãe visitando um filho por anos, sem qualquer mísero sinal de melhora, e com um futuro não menos desanimador.
Isto apenas para explicitar o aspecto sentimental, porque também existe o custo financeiro de manter a pessoa no hospital por tempo indeterminado. Porém, o dinheiro não é o ponto central, mas sim a qualidade de vida deste indivíduo, se é que se pode qualificar uma vida em estado vegetativo como qualificadamente saudável.
A mantenedura de uma vida a todo o custo tem implicações muito maiores do que o simples desligar de uma tomada.
No Brasil, apesar de ilegal, a eutanásia – apressar, sem dor ou sofrimento, a morte de um doente incurável é ato freqüente e, muitas vezes, pouco discutido nas UTIs de hospitais brasileiros.
Prolongar artificialmente a vida também tem um custo alto para o sistema público, carente de vagas na UTI. Orlando diz que há pelo menos um paciente terminal em cada uma das 1.440 UTIs do país. [6]
Estamos falando da pressão econômica. E para salientar tal realidade temos o relato do Dr. Eduardo Casanova: Como é sabido, um leito de CTI, custa U$ 1000 diários. Mas vale literalmente, quando alguém paga; por exemplo, quando o Ministério de Saúde Pública, (com sua carência crônica de leitos), paga a um CTI particular, isto vale U$ 1000 diários. Mas …, esse mesmo leito, quando a ocupa um velho conveniado, embora valha o mesmo, só se paga U$ 650 mensais, que é o valor de sua cota de conveniado.
É muita a diferença, entre 650 mensais, e mil dólares diários, e é peremptória a necessidade, de documentar o motivo pelo qual, em um caso se suspende o tratamento, e em outro, não se suspende. Terá que explicar, por que um doente é considerado “terminal”, e outro não.
Se não contarmos com um critério claramente definido, para esta “suspensão de tratamento”, podemos pôr em perigo, o slogan de “morrer com dignidade”. Não haveria, por exemplo, dignidade alguma, em uma morte decidida com um critério não já econômico, mas economicista, anti-humano.
Só a morte dos animais, pode ser decidida com critério econômico; por isso, não existe o “animalicídio”, nem a eutanásia animal, mas simplesmente, “o rifle sanitário”. No caso humano, existe o homicídio, e não há “morte digna”, sem uma “vida digna”, respeitada, e assistida, como bem “não negociável”, nem manipulável, até seu fim natural. Proceder de outra maneira, tornaria impossível, a convivência social. [7]
O próprio Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, o Dr. Luiz Flávio Borges D´Urso em artigo publicado no Jornal do Grande ABC teceu considerações favoráveis: “Ora, não sejamos hipócritas, pois o que realmente leva à prática da eutanásia não é piedade ou a compaixão, mas sim o propósito mórbido e egoístico de poupar-se ao pungente drama da dor alheia. Somente os indivíduos sujeitos a estados de extrema angústia são capazes do golpe fatal eutanásico, pois o alívio que se busca não é o do enfermo, mas sim o próprio; que ficará livre do fardo que se encontra obrigado a carregar”. [8]
E deixamos claro, que nosso posicionamento tange a eutanásia passiva apenas, qual seja, o desligamento dos aparelhos que mantém a pessoa tecnicamente viva.
Argumentos como abreviação do sofrimento, o fim da dor, a chegada da paz, não são considerados válidos, ao menos para nós, porque a pessoa, infelizmente não está reagindo positivamente ou negativamente, está inerte, viva mecanicamente.
O que realmente conta, já que a manifestação pessoal da vontade da pessoa não é possível, é a família da envolvida.
Se estes sopesarem que é válido, justo e viável, em todos os aspectos manter um parente seu vivo apenas por estar conectado a uma máquina, tal opinião deverá ser respeitada.
Outrossim, o contrário também, porque, não existe ninguém que se importe mais com outra pessoa do que seus familiares mais próximos. Apesar da própria pessoa não ser capaz de demonstrar o anseio de abreviar sua existência, a família deverá ser considerada como extensão da voz da incapacitada.
Sem dúvida, um dos bens mais importantes, senão o mais importante, é a vida. E permitir que alguém termine com ela deverá ser uma decisão muito pensada e justificada.
Os parentes que reiteradamente sofrem e permanecem ao lado do paciente. Alguns, como os pais de Terri são contra terminar com seu próprio sofrimento, preferem ter uma sombra do era sua filha.
Entretanto, garantimos que se Terri pudesse se manifestar, talvez a opinião dos pais mudasse radicalmente. A dependência do corpo é total, o cérebro não reage, como que uma pessoa pode ter qualquer tipo de benefício em manter-se viva?
O que não se pode tentar é esconder o assunto e a necessidade de uma abertura de conceitos na mentalidade das pessoas. É demasiado simplista rejeitar a eutanásia, até ser obrigado, infelizmente, a suportar as mesmas agruras de uma família que tem uma filha em estado vegetativo por anos.
A eutanásia deve deixar de ser encarada com uma questão proibitiva, um tabu, como no dito popular, e ser amplamente discutida, para que se faça o melhor para o doente e sua família, e não para aqueles que estão no plano externo da questão.
Não se podem vendar os olhos, mas também jamais banalizar sua prática. Que a eutanásia exista, seja justificada, e a família seja a interlocutora daquele que não puder mais exprimir sua própria vontade.
Crime será manter vivo aquele que todos os familiares próximos concordem com sua “liberação” e com o atestado dos médicos que o estado é permanente e irreversível.
Ninguém em condições mentais perfeitas deseja desligar um aparelho médico, seja qual for a sua função, entretanto, como ignorar a representatividade impactante de um indivíduo tecnicamente morto para fins sociais, que atrela a si seus familiares, impedindo, de certo modo a seqüência da vida destes.
A pessoa mantida viva não sofre, mas a dor de quem acompanha seu estado inerte é reiterada e contínua. Pensando nestas pessoas que a lei deve ser revista. Desde que presentes os requisitos já mencionados.
A dor de perder um ente querido é incomensurável, mas creio ser mais vil manter uma vida artificialmente sem propiciar qualquer possibilidade de desfrute, ou seja, que a pessoa possa realmente viver.
Antecipação da morte não pode ser considerada um crime, porque o real delito é praticado dia após dia contra a família que sofre ao ver seu parente vivo, mas incapaz de viver e desfrutar de sua própria vida.
Por este e vários casos similares o debate sobre a ortotanásia não pode abrandar. Uma pessoa não pode pagar o preço de ser mantida viva apenas pelo avanço da ciência, é como cumprir uma pena em liberdade.
E ninguém pode receber o “prêmio” de uma prisão perpétua em liberdade, o simples desligar de uma tomada não resgata a dignidade da vida humana, mas concede a honra à própria pessoa que está atrelada a um aparelho.
Já é chegado o momento de uma reflexão maior sobre está questão e visualizar que a luta não é pela morte, mas sim por uma vida, mas uma vida de verdade.
Advogado, Membro da Association Internationale de Droit Penal, Membro da Associação Brasileira dos Constitucionalistas. Membro da Comissão dos Direitos Humanos da OAB/SP, Mestrando em Filosofia do Direito – PUC/SP, Especialista em International Criminal Law: Terrorism´s New Wars and ICL´s, Responses – Istituto Superiore Internazionale di Scienze Criminali, Especialista em Direito Penal Econômico Europeu pela Universidade de Coimbra, Pós Graduado em Direito Penal – Teoria dos delitos – Universidade de Salamanca, Pós Graduado em Direito Penal Econômico da Fundação Getúlio Vargas – FGV
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