Evolução histórica da medida de segurança a luz das legislações penais brasileiras

Resumo: O presente estudo visa analisar a evolução histórica da medida de segurança no Brasil. Mais precisamente, o artigo em questão, busca avaliar o desenvolvimento desse instituto no direito penal brasileiro desde o Código Criminal do Império de 1830 até a reforma da parte geral do Código Penal datada de 1984. O objetivo dessa análise histórica é observar como se deu tal desenvolvimento nos diferentes códigos criminais existentes no Brasil e comparar as melhorias ou retrocesso do respectivo instituto em cada legislação, tendo em consideração os diferentes momentos históricos. A metodologia utilizada foi o método de abordagem dialético, pois o estudo visa interpretar a aplicação e utilidade da medida de segurança em cada momento histórico, justamente para averiguar se houve melhorias ou não no contexto da medida de segurança. O método de procedimento utilizado foi o método comparativo, o qual buscou comparar o tratamento dado a medida de segurança nos diferentes ordenamentos jurídicos criminais brasileiros; também foi utilizado a técnica de coleta de dados por meio da pesquisa bibliográfica e documental.[1]

 Palavras-chave: medida de segurança, evolução, legislações.

Abstract: This study aims to examine the historical evolution of security measures in Brazil. More precisely, the article in question seeks to assess the development of this institution in the Brazilian criminal law since the Criminal Code of the Empire from 1830 to reform the general part of the Criminal Code dated 1984. The purpose of this historical analysis is to observe how was this development in the existing criminal codes in Brazil and compare the improvements or reverse its Office in each legislation taking into account the different historical moments. The methodology used was the method of dialectical approach, because the study aims to interpret the application and utility of safety measure in each historical moment, just to see whether or not there have been improvements in the context of a security measure. The method of procedure used was the comparative method, which aimed to compare the treatment of security measure in different Brazilian criminal jurisdictions; used to collect data through a bibliographical and documentary research was also used.

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Keywords: security measure, evolution, laws.

Sumário: Introdução. 1 Evolução Histórica da Medida de Segurança a Luz das Legislações Penais Brasileiras. 1.1 Evolução histórica. 1.1.1 Código Criminal do Império de 1830. 1.1.2 Código Penal de 1940. 1.1.3 Reforma Penal de 1984.

 Introdução

A medida de segurança é um instituto do direito penal usado para regular as situações que envolvem inimputáveis que cometem delito tipificado como crime no código penal. Tal instituto merece destaque tendo em vista sua função socializadora, uma vez que, diferente do instituto da pena a qual tem o objetivo punitivo a medida de segurança visa o tratamento do individuo considerado como doente mental.

Por isso sua importância no mundo jurídico, justamente pelo fato de os doentes mentais não terem consciência sobre a ilicitude do fato praticado não podendo, portanto, ser submetidos ao regime normal existente no direito penal, qual seja, cumprir a pena imposta pelo Estado-juiz.

Nesse sentido, o estudo vai analisar como se desenvolveu o instituto da medida de segurança desde suas primeiras aplicações no direito penal brasileiro até sua aplicação nos dias atuais. Vai avaliar a aplicação da medida de segurança nos diferentes ordenamentos jurídicos e diferentes momentos sociais para averiguar todo seu desenrolar com o passar dos anos observando todo seu aperfeiçoamento diante da realidade fática.

1 Evolução Histórica da Medida de Segurança a Luz  Das Legislações Penais Brasileiras

1.1.Evolução histórica

Desde muitos anos atrás, o homem viva em agrupamentos sociais. Ensina Silva (2006) que o homem é um ser social e que não consegue viver sozinho, com a exceção de casos isolados. Pelo fato de o homem ser um ser social, o citado autor declara que, regras de convivência são fundamentais para a vida em grupo bem como as sanções são necessárias para coagir o grupo a obedecer às normas estabelecidas.

Com o aumento das relações interpessoais e a complexidade maior dos conflitos foi preciso a elaboração de um arcabouço jurídico capaz de abarcar as infrações ocorridas no dia-a-dia. Por essa razão, surge o primeiro Código Criminal, tal Código trazia um direito penal menos complexo, ou seja, após sua elaboração a ideia de Direito Penal foi sendo desenvolvida e evoluindo até os dias atuais.

Consoante Prado (2011) no Século XVI surgiu a pena de prisão, sendo aplicada, primeiramente, a vagabundos e mendigos. Com o aumento populacional também houve grande aumento no que se refere aos estabelecimentos penais, que na referida época, eram denominadas de casas de trabalho e correção.

O crescimento populacional e o das cidades influenciaram diretamente no aumento das práticas criminosas. Mas, uma questão relevante deu-se devido ao fato de, em alguns casos, o criminoso ser portador de doença mental e não se sabia como deveria tratar aquele infrator, que apesar de ter praticado um delito, de certo modo, não tinha o discernimento necessário para entender a ilicitude do fato delitivo.

Nesse contexto, leciona Prado (2011) que a Inglaterra foi um dos primeiros países a determinar o aprisionamento de doentes mentais que praticassem crimes, a partir do Criminal Lunatic Asylum Act[2] (1860), essa foi uma das primeiras legislações que normatizou o tratamento dos pacientes portadores de transtornos mentais.

 Nesse mesmo país, surgiu o primeiro manicômio judiciário (1800), devido ao fato de o rei Jorge III ter sofrido uma tentativa de homicídio por um doente mental. Por isso, os criminosos portadores de doenças mentais começaram a ter um tratamento diferenciado, uma vez que, eram recolhidos em asilos com objetivo de receberem tratamento adequado às suas necessidades especiais.

Seguindo esse modelo da Inglaterra, Prado (2011) salienta que outros países também fizeram essa experiência para regulamentação do tratamento desses infratores. É o caso da França com o Código Penal Francês de 1810, bem com o Código Italiano de 1889, dentre outros.

Preconiza Ferrarri (2001) sobre a origem histórica da medida de segurança que, inicialmente consistia em um meio de defesa social contra atos anti-sociais. Sua aplicabilidade estava voltada para menores infratores, ébrios habituais ou vagabundos e não dependia da prática de crimes para ser imposta, pois, visava reprimir o mau exemplo que o indivíduo representava para sociedade.

Ocorre que a partir do séc. XIX a eficácia da pena como sanção começou a ser questionada, uma vez que, sua utilização não estava sendo suficiente para coibir atos de reincidência. Por isso, estudiosos do direito repensaram sobre o sistema penal, no intuito de buscar sanções de cunho preventivo capazes de substituir a sanção meramente retributiva – punitiva.

Diante desses fatores, dois posicionamento surgiram. Ainda segundo Ferrarri (2001), o primeiro posicionamento defendia a tese de que a pena deveria continuar como única modalidade de resposta sancionatória, porém passaria a ter um caráter preventivo, o qual promoveria a redução da criminalidade. Já o segundo posicionamento entendia que a pena deveria permanecer com o cunho retributivo, enquanto deveria ser criada outra espécie de sanção e esta sim deveria ter a natureza preventiva.

Assim, ambas correntes tinham um ponto em comum, qual seja, compreendiam a pena, meramente retributiva, insuficiente para abarcar a defesa e proteção da sociedade. Surge, assim, a ideia da medida de segurança com a roupagem voltada para regular a crise da pena e promover a defesa efetiva da sociedade. Sua função não era meramente punir os crimes, mas sim prevenir a prática de outras infrações penais e, consequentemente, reduzir a criminalidade.

 1.1.1 Código Criminal do império de 1830

Em relação ao Brasil, somente no ano de 1830 com o Código Criminal do Império, que, pela primeira vez, descreveu o modo como deveria ser tratado o doente mental. Entretanto, segundo Ferrarri (2001) a primeira vez que a medida de segurança foi sistematizada foi em 1893 no Anteprojeto do Código Penal Suíço, elaborado por Karl Stooss, mas Ferrarri (2001, p. 30) afirma que "apesar de a sistematização […] ter ocorrido em 1893, muitos países Europeus já possuíam sanções que, ainda denominadas como pena, em termos dogmáticos modernos, devessem ser reconduzidas à categoria das medidas de segurança […]". Pode-se declarar que o Código de Karl Stooss representou um marco na história, devido o fato de apresentar a medida de segurança diferentemente das outras legislações que também a contemplava, mas com uma aplicabilidade relacionada mais com a pena em si.

No Brasil, a partir do código de 1830, houve uma expressiva melhoria no tratamento dado aos portadores de transtornos mentais, isso porque, o código estabelecia que os doentes mentais não fossem julgados como criminosos. De acordo com o art. 12 do referido código “Os loucos que tiverem commettido (sic) crimes, serão recolhidos ás (sic) casas para elles (sic) destinadas, ou entregues ás (sic) suas famílias, como ao Juiz parecer mais conveniente.” [3]

Segundo o dispositivo de lei citado acima, percebe-se um tratamento diferenciado ao doente mental, apesar de, naquela época, serem apelidados como “loucos” foi a partir desse momento no Brasil que houve significativas mudanças em relação ao criminoso portador de doença mental. Todavia, nesse momento da história ensina Ferrarri (2001) que as medidas de tratamento ainda eram denominas como pena e não como medida de segurança propriamente dita.

Outros dois dispositivos legais foram inseridos no Código Criminal do Império de 1830 sendo de suma importância no correspondente ao tratamento que era dado a essas pessoas, o art. 10, §2º dizia que: “Tambem (sic) não se julgarão criminosos: § 2º Os loucos de todo o gênero (sic), salvo se tiverem lucidos (sic) intervallos (sic), e nelles commetterem (sic) o crime”[4]. E também o art. 64 “Os deliquentes (sic) que, sendo condemnados (sic), se acharem no estado de loucura, não serão punidos, emquanto (sic) nesse estado se conservarem.” [5]

 Os dois dispositivos legais em apreço vêm reforçar as prerrogativas inerentes aos doentes mentais. Esse momento da história do Brasil foi essencial para se compreender a necessidade de oferecer um tratamento capaz de tratar o insano mental entendendo-o como doente que necessita de tratamentos especiais e retirando assim, a conceituação de criminoso. Isso porque, nesse contexto histórico os direitos inerentes a dignidade da pessoa humana eram timidamente, pois o Código Criminal em questão contemplava a pena de morte, e por esse fator, abordar a questão dos doentes mentais como pessoas que necessitavam de tratamentos específicos era uma grande evolução no pensamento da época.

Portanto, segundo Anibal Bruno (1967, p. 257) as medidas de segurança “nasceram de exigências práticas da vida. Foram surgindo como providências fragmentárias, nesta ou naquela legislação, para atender às imposições mais urgentes da prevenção da criminalidade”. Em outras palavras, as medidas de segurança foram nascendo das necessidades cotidianas das sociedades, no sentido de prevenir os crimes, proporcionando um tratamento diferenciado para àquelas pessoas portadoras de transtornos psíquicos em geral[6].

1.1.2 Código Penal de 1940

Antes da elaboração do Código Penal de 1940 houve o Código Penal de 1890, nos dizeres de Prado (2011, p. 643) esse código:

"Seguiu o anterior no que diz respeito ao destino que deveria ser dado aos loucos (art. 29), abstendo-se de fazer qualquer referência aos semi-imputáveis, preferindo incluí-los, na maioria das vezes, entre aqueles que se achavam completamente turbados de inteligência no momento do crime (art. 27, §4º)."

Percebe-se que o referido código não trouxe inovações ao instituto da medida de segurança se comparado ao Código de 1830. Ele manteve, praticamente, a mesma sistemática do anterior. Após esse momento surgiram alguns projetos de Código Penal, embora a maioria desses projetos não terem saído do papel alguns foram importantíssimos para a criação do Código Penal de 1940. Isso porque tais projetos evoluíram a questão a respeito da medida de segurança, apesar de na época a expressão não ser conhecida como medida de segurança.

Tal evolução no contexto da medida de segurança, observa Prado (2011) é perceptível inicialmente no projeto de Vieira de Araújo de 1843, mais precisamente em seu art. 25, o qual pregava a separação dos insanos em hospício penal até a obtenção da completa cura ou total inofensividade. Frisa-se aqui a questão do referido projeto de não ter estipulado prazo máximo de duração para os indivíduos permanecerem no hospício penal, tendo como único e exclusivo o critério da periculosidade como requisito para liberação da pessoa.

Por sua vez, o projeto de Galdino Siqueira datado de 1913 salientava a necessidade de internação dos inimputáveis perigosos em manicômios judiciários ou em hospitais de alienados, ainda tímido, esse projeto contribuiu muito para o projeto que viria posteriormente. Diretamente influenciado por Stooss e as teorias de Von Listz, para Ferrarri (2001, p. 33) nesse projeto foi "incorporado uma pena complementar imposta ao reincidente perigoso, com duração de um período três vezes superior ao da pena, não ultrapassando, em qualquer caso, os quinze anos". Mas esse projeto não vigorou.

Foi no projeto de Virgílio de Sá Pereira em 1927 que as medidas de segurança foram sistematizadas. Segundo Prado (2011, p. 643):

"[…] inaugurou o reconhecimento expresso à responsabilidade diminuída ou atenuada. Não obstante esse projeto previa para semi-imputável o cumprimento cumulativo de pena e medida de segurança, numa expressa adoção do sistema duplo binário."

 Com esse projeto foi possível levar em consideração a capacidade do indivíduo de compreender a ilicitude ou não do fato. Apesar de esse projeto consagrar o sistema do duplo binário, o qual será melhor explicado posteriormente, para o contexto histórico em análise o projeto foi um grande avanço para a medida de segurança.

Mas, Ferrarri (2001, p. 33 – 34) é taxativo ao dizer que na proposta legislativa desse projeto havia temas como "a habitualidade e as medidas pós-delituosas […], exigiu apenas a perigosidade social – e não criminal". Significa que poderia ser aplicada a medida de segurança pelo fato de a pessoa representar um "perigo" para sociedade e não somente seria aplicada no caso de descumprimento aos preceitos legais. Contudo, felizmente esse projeto também não teve êxito.

Após uma breve análise de alguns projetos, os quais contribuíram muito para a formação do Código Penal de 1940 no que corresponde as medidas de segurança, Prado (2011, p. 643) explica que a redação do Código de 1940:

"[…] agasalhou, como critério de verificação da responsabilidade penal, a capacidade de entender o caráter criminoso do fato e determinar-se segundo esse entendimento (art.22). Assim, é considerado inimputável aquele inteiramente incapaz de entender o caráter delituoso do fato e de orientar seu atuar de acordo com aquela compreensão e semi-imputável quem não possui plenamente esse discernimento. Ao semi-imputável são aplicáveis pena e medida de segurança, cumulativamente, ao passo que ao inimputável está reservada apenas esta última medida."

Percebe-se que com esse projeto foi possível uma singela definição terminológica do que vem a ser o inimputável e também a definição de semi-imputável. Apesar de haver algumas diferenças basilares em relação ao código vigente atualmente, como por exemplo, o sistema do duplo binário que ainda era aplicado ao semi-imputável, como característica principal o Código Penal de 1940 muito se assemelha ao Código Penal de 1984 o qual sofreu algumas reformas significativas durante esse período.

De acordo com as ideias de Zaffaroni e Pierangeli (2002, p. 222) o Código de 1940 caracteriza-se por ser um:

"Código rigoroso, rígido, autoritário no seu cunho ideológico, impregnado de “medidas de segurança” pós-delitiosas, que operavam através do sistema do “duplo binário” ou da “dupla via”. Através desse sistema de “medidas” e da supressão de toda norma reguladora da pena no concurso real, chegava-se a burlar, dessa forma, a proibição constitucional da pena perpétua. Seu texto corresponde a um “tecnicismo jurídico” autoritário que, com a combinação de penas retributivas e medidas de segurança indeterminadas (própria do Código de Rocco), desemboca numa clara deteriorização da segurança jurídica e converte-se num instrumento de neutralização de “indesejáveis”, pela simples deteriorização provocada pela institucionalização demasiadamente prolongada."

Em conformidade com Zaffaroni e Pierangeli (2002), portanto, observa-se uma severa crítica ao Código de 1940, justamente por ser um Código tendencioso, pois ainda fazia previsão ao sistema do duplo binário, que era caracterizado pelo fato do condenado cumprir duas sanções penais correspondentes ao mesmo fato delituoso. Além disso, os autores questionam a possibilidade de haver prisão perpétua de modo “mascarado” pela medida de segurança, pois não havia prazo de duração máximo determinado. Acarretando uma insegurança jurídica, uma vez que, o sistema acaba selecionando os considerados como indesejáveis e os coloca em um ambiente institucionalizado sem ao menos terem o conhecimento de quando terão sua liberdade.

O sistema do duplo binário foi alvo de muitas críticas, pode-se destacar Biterncourt (2010, p. 780) o qual afirma que:

"[…] aplicação conjunta da pena e medida de segurança lesa o princípio do ne bis in idem[7], pois, por mais que se diga que o fundamento e os fins de uma e outra são distintos, na realidade, é o indivíduo que suporta as duas conseqüências pelo mesmo fato praticado." (grifo do autor)

 Por meio dos dizeres de Bitencourt (2010) é de bom grado ressaltar que esse sistema, justamente, por conta da possibilidade de um mesmo indivíduo responder duas vezes pelo mesmo fato, não perdurou por muito tempo. Nesse mesmo entendimento Greco (2009, p. 677) leciona que:

"No sistema do duplo binário ou também conhecido como duplo trilho, […] a medida de segurança somente tinha sua execução iniciada após o condenado cumprir a pena privativa de liberdade ou, no caso de absolvição, de condenação à pena de multa, depois de passada em julgado a sentença, conforme incisos I e II do art. 82 do Código Penal de 1940."

Com apoio das citações de Bitencourt (2010), Prado (2011), Greco (2009) e, por último, mas não menos importante, Zaffaroni e Pierangeli (2002) pode-se verificar o alto rigor de punição contido no sistema do duplo binário, pois, como se nota, o fato de o agente ter que cumprir a pena e a medida de segurança, correspondente ao mesmo delito praticado, demonstra uma grande atuação do Estado no que corresponde a punição do agente, não tendo a preocupação em ressocializa-lo, bem como tratá-lo, pode-se cogitar, portanto um instrumento de vingança utilizado pelo Direito Penal. 

1.1.3 A reforma penal de 1984

Para falar sobre a reforma do Código Penal ocorrida em 1984 é imperioso destacar o anteprojeto de Código Penal de 1969. Aduz Prado (2011, p. 644) que esse projeto “permitia, nos casos de semi-imputabilidade, a aplicação da pena atenuada ou, em substituição a essa, a internação em manicômio judiciário ou em outro estabelecimento psiquiátrico”.

Pode-se dizer que esse projeto foi o percussor de uma grande revolução no que corresponde à medida de segurança. O fato de estar inserido no Código de 1940 o sistema do duplo binário fez que esse projeto de 1969 fosse a base para a implantação do sistema vicariante, pelo qual o condenado somente sujeitar-se-á a pena ou a medida de segurança, abolindo, dessa forma, a possibilidade de ser submetido à pena e à medida de segurança cumulativamente. Além de abolir o sistema do duplo binário, no entendimento de Ferrarri (2001) esse código penal também eliminou as sanções de caráter detentivas o que revolucionou a execução da medida profilática.

Nesse sentido, Cordeiro, Ribeiro, Pinheiro e Marafanti (2013)[8] aduzem que:

"A Lei nº 7.209, de 11 de julho de 1984, reformou totalmente a Parte Geral do Código Penal de 1940, perdurando até os dias atuais. Dentre as principais modificações está o abandono do sistema do duplo-binário, que possibilitava a aplicação da pena e da medida de segurança cumulativamente."

Após a Reforma Penal de 1984, o sistema a ser adotado foi o vicariante, conforme a citação descrita acima. Quanto ao sistema vicariante, leciona Borelli[9] (2011, p. 60) que de acordo com esse sistema:

"[…] o imputável que praticar conduta definida como crime cumprirá pena e o inimputável sofrerá a medida de segurança. O ‘limítrofe’ semi-imputável sofrerá ou pena ou medida de segurança, de maneira diametralmente oposta ao que ocorria no sistema duplo binário."

O sistema vicariante é mais vantajoso que o antigo sistema, qual seja, o duplo binário, isso porque com o antigo sistema haveria sérias consequências em relação ao princípio do ne bis in idem[10], pois a mesma pessoa seria punida duas vezes pelo mesmo fato criminoso. Embora os fundamentos da pena e medida de segurança sejam diferentes, como afirma Bitencourt (2010) é o mesmo indivíduo que vai suportar as duas consequências pelo mesmo fato praticado. Portanto, Bitencourt (2010, p. 782) argumenta que:

"A partir da Reforma Penal de 1984 os condenados imputáveis não estarão mais sujeitos à medida de segurança. Os inimputáveis são isentos de pena, (art. 26 do CP), mas ficam sujeitos à medida de segurança. Os semi-imputáveis estão sujeitos à pena ou à medida de segurança, ou uma ou outra."

Essa Reforma Penal veio para dar coerência ao sistema, pois como já foi afirmado, o sistema do duplo binário feria expressivamente o princípio do ne bis in idem, bem como o princípio da dignidade da pessoa humana.

Assim, maiores condições de dignidade humana puderam ser visualizadas no cumprimento da medida de segurança, isso porque, não mais havia possibilidade de se cogitar em cumular o cumprimento da pena com a medida de segurança. Ocorre que mesmo nesse código não houve regulamentação em relação ao limite máximo de duração da medida de segurança.

Conclusão

A intenção do estudo foi desenvolver e analisar as medidas de segurança criminais no aspecto da sua evolução histórica tendo como premissa as legislações criminais brasileiras e, com base nessa análise, avaliar as melhorias ou retrocesso do instituto.

No desenvolver da pesquisa pode-se perceber como as medidas de segurança eram aplicadas desde o início na legislação pátria até a atualidade. Assim, é perceptível que, inicialmente, as medidas de segurança existiram no mundo jurídico com outra roupagem e possuindo um aspecto negativo.

Tal negatividade em torna da medida de segurança, em um primeiro momento, dá-se ao fato de sua aplicação ser pautada no sistema nomeado de duplo binário. Esse sistema tornou a medida de segurança extremamente severa, uma vez que, a pessoa considerada como inimputável e que cometesse crimes receberia, a título de punição, a pena e depois de cumprida seria aplicada a mesma pessoa a medida de segurança. Em outras palavras, a mesma pessoa seria imposta pena e medida de segurança pelo mesmo crime praticado, não havendo uma ponderação entre aplicação ou da pena ou da medida de segurança.

O sistema do duplo binário recebeu muitas críticas pelo fato de ferir o princípio do ne bis in idem, no qual a mesma pessoa não pode responder pelo mesmo fato duas vezes, por essa razão tal sistema deixou de existir e o seu substituto é chamado de sistema vicariante.

Por esse sistema ou a pessoa responde com a imposição da pena ou de medida de segurança, não podendo haver cumulação dos institutos. Tal modificação no sistema de aplicação da medida de segurança foi fundamental para os dias atuais, isso porque o direito penal deve ser usado de maneira mínima, não devendo ser aplicado como meio de vingança.

Como base nessas premissas pode-se concluir que a medida de segurança sofreu grandes modificações nas legislações criminais e, cada legislação buscou melhorar  a aplicabilidade da medida. Atualmente, tal medida tem uma função e aplicação fundamental no Ordenamento Jurídico da qual muito se difere da forma como era aplicada e sua definição se comparado à legislação penal de 1830.

Referências:
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 15 ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2010.
BORELLI, Rafael de Souza. O Limite Máximo da Medida de Segurança. Revista De Direito Público, Londrina, v 6, n. 3, p. 53-77 , out/dez. 2011. Disponível em: <http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/direitopub/article/download/8219/9069.>. Acesso em: 12 ago. 2013.
BRASIL. Código Criminal de Império (1830). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim-16-12-1830.htm>. Acesso em: 12 ago. 2013.
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CORDEIRO, Quirino. PINHEIRO, Maria Carolina Pedalino. MARAFANTI, Ísis. RIBEIRO, Rafael Bernardon.  Aspectos Históricos Da Medida De Segurança E Sua Evolução No Direito Penal Brasileiro. Revista de Criminologia e Ciências Penitenciárias PROCRIM – SP Programa de Estudos em Criminologia e Ciências Penitenciárias Ano 3 – nº. 01 – Março / Abril / Maio – 2013. ISSN: 2238-1678.Disponível em: <http://www.procrim.org/revista/index.php/COPEN/article/view/194/314> Acesso em: 31 ago. 2013.
ESTEFAM, André. GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito Penal Esquematizado. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013.
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ZAFFARONI, Eugenio Raúl. PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. 4. ed. ver. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
Notas:
[1] Trabalho orientado pela Profa. Tacyana Karolline Araújo Lopes. Professora de Direito penal na Faculdade Santo Agostinho, Mestre e Doutorando em direito pelo Universidade Federal de Minas Gerais
[2] A referida expressão traduzida para o português significa “Lei Criminal dos Asilos de Loucos”.
[3]Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim-16-12-1830.htm>. Acesso em: 12 ago. 2013.
[4] Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim-16-12-1830.htm>. Acesso em: 12 ago 2013.
[5]Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim-16-12-1830.htm>. Acesso em: 12 ago. 2013.
[6] Cabe salientar, entretanto, que durante a vigência do Código de 1830 o tratamento diferenciado dado aos doentes mentais não era reconhecido com a definição terminológica "medida de segurança".
[7] Baseado nas lições de Estefam e Gonçalvez (2013, p. 140) em relação ao ne bis in idem cabe dizer que é uma “proibição de dupla condenação por fato único […] Uma vez imposta e executada a sanção, esgota-se a função da pena, de tal modo que a renovação do apenado pelo mesmo ato constituiria punição gratuita  e infundada, fazendo do Direito Penal instrumento de vingança, e não de justiça.”
[8] Disponível em: <http://www.procrim.org/revista/index.php/COPEN/article/view/194/314> Acesso em: 31 ago. 2013.
[9]Disponível em < http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/direitopub/article/download/8219/9069.>. Acesso em: 13 ago. 2013.
[10] Ver nota de rodapé nº 5.

Informações Sobre o Autor

Emanuelli Dal Col Stinghel

Acadêmica de Direito na Faculdade Santo Agostinho


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Equipe Âmbito Jurídico

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