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Exame da Ordem – Dirigente da OAB nacional diz que ensino jurídico precisa passar por “refundação” no País

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Advogado Gustavo Freire, presidente da Comissão Nacional do Exame da Ordem, avalia os índices de aprovação, revelados recentemente pelo jornal Folha de São Paulo: nove em cada dez faculdades aprovam menos de 30% de seus alunos na prova da OAB, obrigatória desde 1994 para o exercício da profissão

Diz o lugar-comum que números não mentem.

Foi de posse com números sobre o percentual de aprovação das faculdades de Direito no exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que o Âmbito Jurídico ouviu nesta semana o advogado Gustavo Freire, presidente da Comissão Nacional do Exame da OAB.

Segundo levantamento do jornal Folha de São Paulo, publicado em janeiro deste ano, dos 790 cursos superiores de Direito, 679 não aprovaram sequer um terço dos seus alunos entre 2017 e 2019.

Os números correspondem a nove em cada dez faculdades, de acordo com o jornal, que realizou a pesquisa cruzando a lista dos cursos superiores com a dos alunos aprovados no período.

Os números apresentados pelo Jornal preocupam a OAB “e não de agora”, sublinha o advogado ouvido pelo AJ.

Radicado no Recife (PE), onde é Conselheiro eleito da Seccional da Ordem há seis mandatos, Freire defende que o rigor solicitado no exame, tornado obrigatório para o exercício da profissão desde julho de 1994, coerente ao que se espera de conhecimentos básicos da profissão, desmistifica o temor quanto à prova que domina o imaginário de parcela de bacharéis em Direito, conclama o Ministério da Educação a uma fiscalização “séria” e republicana sobre os cursos e não economiza palavras quanto ao ensino jurídico no Brasil, que para ele precisa passar por uma “refundação”.

Confira a seguir os principais trechos da entrevista concedida ao Âmbito Jurídico, na qual o representante da OAB Nacional falou também sobre os novos desafios impostos ao advogado:

Âmbito Jurídico – Nove em dez cursos superiores de Direito aprovam menos de 30% dos seus alunos em exames da Ordem, revelou recentemente o jornal Folha de São Paulo. É um percentual baixo? Como a OAB se posiciona diante desses dados e o que recomenda para um maior percentual de aprovação?

Gustavo Freire – Inegavelmente os números preocupam e não de agora. É preciso entender que a responsabilidade pelo estado-de-coisas que o País enfrenta no que se refere à qualidade do seu ensino jurídico não é o Exame da Ordem, cujo padrão de rigor está absolutamente coerente ao que se espera de conhecimentos básicos para o desempenho de uma profissão liberal constitucionalmente tratada como essencial à administração da Justiça. O Exame da Ordem atua, neste panorama, como uma janela em relação à paisagem. Tão somente retrata a realidade, não é seu idealizador. Se ninguém em sã consciência se opõe a concursos públicos para as demais carreiras jurídicas, por que com a Advocacia a seleção deveria ser menos criteriosa? Já está mais do que na hora de o MEC [Ministério da Educação] perceber que do jeito como está não dá para prosseguir. Para a OAB só existe um caminho, a refundação do ensino jurídico, com critérios efetivamente republicanos para a abertura de cursos, fiscalização séria e um ensino voltado tanto à teoria como à prática.

AJ – Mas por que esta percepção de que o Exame é tão difícil, chega a ser “temido” por tantos recém formados?

GF – É uma percepção equivocada que costuma ser massificada para atacar a prova em si, quando o que ela traz é o papel de um concurso público, ao aferir conhecimentos que são considerados básicos por todo bacharel em Direito.

AJ – Por que, para a OAB, o Exame é tão necessário?

GF – Não só para a OAB. O Plenário do STF já decidiu há mais de uma década, ao analisar o Recurso Extraordinário 603.583/RS, que a exigência do Exame da Ordem é perfeitamente compatível com o espírito da Constituição de 1988, sobretudo em seu artigo 5º, inciso XIII, que cuida da garantia do trabalho, ofício ou profissão. Vale salientar que a exigência do Exame da Ordem é obrigatória desde a Lei 8.906, de julho de 1994, e a logística envolvida em sua aplicação é única em avaliações do tipo, por que implica em cerca de 180 cidades espalhadas pelo País, sem o aporte de um centavo do contribuinte. Dito isso: o Exame tem a finalidade de atestar a capacidade jurídica do candidato e foi concebido para proteger o cidadão, haja vista a própria indispensabilidade da figura do advogado para o sistema de Justiça, nos termos do artigo 133 da Constituição de 1988. Trata-se de habilitar aquele que irá defender o direito do outro, uma responsabilidade muito grande, que entre nós é reservada por lei, de forma exclusiva e privativa, à OAB. De forma alguma a intenção, sequer indireta, do Exame da Ordem é de reprovar. E aqui cabe dizer também que a aprovação do candidato nas duas etapas do Exame da Ordem não é o único requisito, é um dos requisitos legais para requerer a inscrição na OAB. Ser aprovado no Exame é um grande passo, mas não automaticamente garante a inscrição advocatícia.

AJ – O senhor disse há pouco que para a OAB o ensino jurídico no País precisa de uma refundação. Qual a posição da Ordem sobre a quantidade de cursos que existem hoje no Brasil e também quanto ao Ensino a Distância ou Ensino Remoto?

GF – Hoje quase duas mil instituições oferecem ensino superior em Direito no Brasil. Este número é superior ao do próprio somatório das faculdades de Direito existentes no restante do mundo. Quanto ao Ensino a Distância, a OAB não é contrária, mas defende um marco regulatório. Hoje o que se tem é uma abertura desenfreada de cursos de Direito, somada à fragilidade técnica dos parâmetros utilizados pelo governo para conferir a nota máxima de qualidade a um curso. A preocupação é com o profissional que a sociedade irá receber. O nível de quem vai chegar ao mercado. Foi nesse sentido o ofício enviado ao MEC em 7 de dezembro passado, assinado pelo presidente nacional da OAB, Felipe Santa Cruz, pelo coordenador geral das comissões e do Exame da Ordem, José Alberto Simonetti, e pelo presidente da Comissão Nacional Ensino Jurídico, professor Marisvaldo Cortez Amado. No documento a OAB Nacional expressou a sua preocupação com a qualidade da educação jurídica ofertada no País, principalmente pelo cenário atual com a possibilidade da abertura indiscriminada de diversos cursos de Direito na modalidade a distância.

AJ – Não raro se escuta de críticos que a obrigatoriedade do Exame seria uma forma de a OAB contar com uma fonte fixa de recursos.

GF – Acusações como essas, de que o Exame é caça-níqueis ou de que é pré-elaborado com a intenção de reprovar, desmoronam diante da própria realidade e do papel da OAB de zelar pela seleção dos seus inscritos. A arrecadação do Exame da Ordem é rigorosamente suficiente para cobrir os seus custos de elaboração, aplicação e os seus custos logísticos, lembrando que a aplicação se dá em mais de 180 locais espalhados pelo País, inclusive, em cidades do interior, o que já não se dá com os concursos públicos a rigor. Não existe lucro obtido com o Exame da Ordem, nem prejuízo. Destacando ainda que a taxa de inscrição se encontra congelada há bastante tempo.

AF – Existe a possibilidade de isenção da taxa?

GF – Sim, desde que atendidas determinadas condições por parte do candidato. Tomando-se como exemplo o Edital do 34º Exame da Ordem Unificado, o qual se encontra em andamento, está detalhadamente prevista nele a regulação do assunto em seu item 2.6. Para isso, o candidato deve, cumulativamente, em primeiro lugar, estar inscrito no Cadastro Único do Governo Federal, e comprovar hipossuficiência financeira (família de baixa renda).

AF – Mudando um pouco o foco, quais os principais desafios que o profissional enfrenta no momento e como enfrentá-los?

GF – O advogado precisa atualizar-se permanentemente. Isso consta, por sinal, no Código de Ética da profissão. O Exame da Ordem é, insisto, uma prova de aferição de conhecimentos básicos, tanto teóricos como práticos. Ao longo da sua trajetória o advogado tem o dever de estar em dia com as muitas mudanças que o Direito sofre, estendendo-se à doutrina e à jurisprudência. A pandemia do Covid 19, que ainda persiste, acelerou a virtualização e exigiu, como ainda exige, do advogado a sua devida preparação. Da mesma forma, para lidar com as situações extrajudiciais para os conflitos, minimizando-os e optando pela consensualidade. Eu cito ainda a questão da comunicação profissional e fazê-la de modo a não ferir os ditames éticos, em especial das proibições da mercantilização e da captação da clientela, para o quê aí está um novo Provimento sobre o assunto, o 205 do Conselho Federal, cuja essência todo advogado é convocado a incorporar como rotina.

AJ – O senhor nos poderia apontar os mercados mais atrativos para o profissional do Direito na atual realidade, em que a tecnologia se faz presente em praticamente todas as áreas?

GF – Eu poderia citar, apenas exemplificativamente, o direito digital, as questões ligadas à segurança da informação e à LGPD (Lei Geral da Proteção de Dados), o compliance, as consultorias na área de condomínios, de marketing jurídico, da adoção de casais homoafetivos, a consultoria litigiosa preventiva no segmento hospitalar, os próprios métodos extrajudiciais de resolução de conflitos como arbitragem, entre outros nichos. O certo é que estruturas de gestões verticais nos escritórios perderam sentido, até por que o trabalho remoto levou os escritórios a se espalharem, obrigando-os a um mindset mais participativo. A pandemia do coronavírus acelerou essa tendência, que já se desenhava.

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