Resumo: O presente artigo busca expor a sobrevivência da figura da exceção de pré-executividade, após o advento da reforma processual dos embargos à execução. A partir da vigência da Lei nº. 11.382 de 06 de dezembro de 2006, a garantia do juízo deixou de ser imprescindível para que o jurisdicionado embargasse a execução. Dessa feita, admitindo a reforma do Código de Processo Civil que o executado interponha embargos sem a garantia do juízo, resplandece a dúvida se a referida lei veio abolir a exceção de pré-executividade. Serão analisados os principais posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais acerca da sobrevivência do instituto processual da exceção de pré-executividade, após a reforma legislativa no Processo de Execução.
Palavras-chave: Exceção de pré-executividade. Lei nº. 11.382/2006. Nova sistemática processual. Sobrevivência do instituto.
Abstract: This article aims to explain the survival of the figure exception of pre-executividade after the advent of novel systematic procedure for the implementation of embargoes. From the validity of the law 11.382/2006 of 06 December 2006, the security of judgement is no longer essential for the jurisdicionado embargasse implementation. That done, assuming the reform of the Code of Civil Procedure that the defendant interponha embargoes without the guarantee of judgement, resplandece is unclear whether the law adjetiva civil came to abolish the exception of pre-executividade. They will be examined the main law and doctrinal positions on the survival of the Office of procedural exception of pre-executividade after the legislative reform process in the Executive.
Keywords: Exception to pre-executividade. Law 11.382/2006. New systematic procedure. Survival of the Institute.
Sumário: Introdução. 1- A nova sistemática processual; 2- Conceito e procedimento da exceção de pré-executividade; 3- Posições doutinárias acerca da exceção de pré-executividade após a reforma processual executiva. Conclusão. Bibliografia.
INTRODUÇÃO
O direito de defesa constitui, de maneira primordial, a contrapartida do direito de ação, e, ambos possuem guarida constitucional (art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal)[1], uma vez que expressam a concreta possibilidade do cidadão acionar o Estado para obter a tutela jurisdicional.
Anteriormente ao advento da Lei nº. 11.382/2006[2], os embargos à execução eram a única forma de oposição de defesa perante uma ação de execução, com a condição sine qua non da garantia do juízo.
Sem o direito de defender-se numa execução antes de garantido o juízo com a constrição indevida de seus bens, o executado tornava-se um mero espectador passivo do processo, o que violava o princípio constitucional do contraditório.
De tal sorte, a doutrina, visando ofertar outro mecanismo que possibilitasse a defesa daquele que estivesse sendo executado injustamente, criou o instituto da exceção de pré-executividade, que dispensava a segurança do juízo.
O referido mecanismo foi criado com o escopo de diminuir a desproporção havida entre credor e devedor no processo executivo, criando mecanismos garantidores da igualdade entre as partes e possibilitando um contraditório real.
A partir da vigência da Lei nº. 11.382/2006[3], a garantia do juízo deixou de ser imprescindível para que o jurisdicionado embargasse a execução.
Assim, face à referida reforma processual, surgiu entre os doutrinadores e operadores do direito, opiniões divergentes acerca da utilidade e/ou viabilidade da exceção de pré-executividade: se referido instituto caiu no desuso por perda de objeto, ou, se permanece ativo e reconhecido como mais uma opção de defesa do executado dentro do processo executivo.
1. A NOVA SISTEMÁTICA PROCESSUAL
A reforma promovida pela nova lei foi complementada com a Lei nº. 11.382[4], de 06 de dezembro de 2006, publicada no Diário Oficial da União (DOU) em 06.012.06 entrou em vigor no dia 20 de janeiro de 2007.
Dentre as várias reformas instituídas pela Lei nº. 11.382/2006[5], está a oposição do devedor no processo de execução de título extrajudicial, sem a necessidade da garantia do juízo (penhora). Exigência esta que foi amplamente protestada antes da reforma processual, uma vez que, representava uma afronta aos princípios constitucionais, em especial o art. 5º, inciso LIV[6].
Segundo tal dispositivo constitucional, o executado somente poderia sofrer a constrição de seus bens após o devido processo legal, o que pressupunha o contraditório e a ampla defesa. Tal fato inocorria no caso dos embargos, pois, ao contrário sensu, a garantia do juízo era tida como requisito de admissibilidade dos embargos, caracterizando-se como verdadeiro pressuposto ao exercício do direito de defesa do executado, no qual a ampla defesa e o contraditório ficavam postergados para outra fase, quando do regular andamento do processo.
Assim, sem prévia garantia do juízo, os embargos do devedor não eram recebidos e conseqüentemente o executado tinha o exercício do seu direito de defesa prejudicado. Somente em casos excepcionais de comprovada hipossuficiência financeira do executado, tal requisito poderia ser dispensado a critério do juízo da execução, o que na prática forense dificilmente ocorria, visto que tal liberalidade poderia ensejar a interposição de recurso pelo exeqüente, tumultuando ainda mais a ação executiva.
Luiz Guilherme Marinoni, acerca de tal possibilidade que era conferida ao executado, leciona que:
“No regime anterior às reformas instituídas pelas leis 11.232/2005 e 11.382/2006, admitia-se que o executado se opusesse à execução (por meio de embargos do executado) sem a prévia garantia do juízo apenas quando fosse financeiramente carente, não dispondo de bens penhoráveis. Alegava-se que a insuficiência econômica do executado não podia tolher o seu direito de se defender em juízo. É certo que a hipótese era rara, uma vez que o credor não tem interesse na via executiva quando o devedor não possui patrimônio”.[7] (grifo do autor)
Porém, com o advento da Lei nº. 11.382/06[8], ante as modificações ocorridas no processo executivo, em especial no art. 736 do CPC[9], foi permitido ao executado exercer o seu direito de defesa através dos embargos do devedor, independentemente de penhora, depósito ou caução.
Através da referida modificação, atendeu o legislador aos anseios dos processualistas e operadores do direito, pois estendeu-se o direito de defesa ao executado, independentemente do seguro judicial dos valores discutidos. Vale dizer que a garantia do juízo não é mais condição para o conhecimento dos embargos.
Assim, pela atual sistemática, a penhora somente ocorrerá caso o devedor citado, não efetue o pagamento integral do débito no prazo de 03 (três) dias, nos termos do art. 652 do Estatuto Processual Civil:
“Art. 652. O executado será citado para, no prazo de 3 (três) dias, efetuar o pagamento da dívida.
§ 1º Não efetuado o pagamento, munido da segunda via do mandado, o oficial de justiça procederá de imediato à penhora de bens e a sua avaliação, lavrando-se o respectivo auto e de tais atos intimando, na mesma oportunidade, o executado.” (grifo do autor)[10]
Porém, mesmo face à inovação legislativa, a constrição de bens continua sendo figura viva no processo executivo, não mais como requisito do exercício do direito de defesa do executado, e sim, como uma garantia da satisfação do exeqüente. Assim, ainda que o executado esteja sendo vítima de uma execução indevida ou carreada de vícios formais de evidente constatação, caso não venha a pagar o valor cobrado ou não apresente embargos no prazo legal, poderá ter o seu patrimônio constrito.
Nessa linha de raciocínio, cumpre indagar o quão injusto é o fato da pessoa executada indevidamente ter a liberdade sobre seus bens tolhida devido a uma execução ilegal ou nula. Assim, questiona-se qual o instituto processual mais célere e pertinente apto a dar fim a esta execução independentemente da propositura dos embargos?
Trata-se da exceção de pré-executividade, figura processual, sem previsão expressa no Código de Processo Civil, mas com efeitos substanciais sobre o Processo de Execução. Oriunda de criação doutrinária, a exceção ou objeção de pré-executividade, continua sendo adotada e reconhecida no mundo jurídico brasileiro como um novo meio de defesa do devedor no processo executivo.
Nessa vertente, é a lição de Hélio Apoliano:
“Apesar da ausência de previsão legal explícita, o capital da investigação científica reconhece expressamente a utilização da exceção de pré-executividade, tendo a jurisprudência não só apreciado e acolhido a medida em alguns casos, principalmente em primeiro grau de jurisdição, mas também, reconhecendo casos escandalosos em que se afigura injusto ou abusivo submeter o patrimônio do devedor aparente à penhora por tempo indeterminado, cujos efeitos são, sabidamente, graves”.[11]
3. CONCEITO E PROCEDIMENTO DA EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE
Com relação à definição do que vem a ser a exceção de pré-executividade, muitos são os conceitos existentes, os quais apontam com unanimidade o fundamento constitucional do direito de defesa.
Nesse sentido, Celso Neto, conceitua a exceção de pré-executividade como sendo:
“(…) uma defesa contra o processo (em outras palavras, a alegação do contradireito ao direito de ação) sempre que o executado atacar a executoriedade de um pretenso título executivo trazido à colação”.[12]
Luiz Peixoto de Siqueira Filho a define nos seguintes termos:
“Argüição de nulidade feita pelo devedor, terceiro interessado, ou credor, independente de forma, em qualquer tempo ou grau de jurisdição, referente aos requisitos da execução, que suspende o curso do processo até o seu julgamento, mediante procedimento próprio, e que visa à desconstituição da relação jurídica processual executiva e conseqüente sustação dos atos de constrição material”. (grifo do autor) [13]
Nesta mesma linha, José Reinaldo Coser ao conceituar a exceção de pré-executividade, menciona que:
“A exceção de pré-executividade é o meio possível de se buscar a extinção do processo de execução em função de vícios relativos às condições e pressupostos processuais, reclamados para existência válida do próprio processo executivo. Vícios que nulificam o processo no nascedouro. É iniciativa que busca proteger o executado, de uma ação que não pode nem deve produzir qualquer efeito efetivamente válido[14].” (grifo do autor)
Cláudio Armando Couce de Menezes e Leonardo Dias Borges a conceituam como sendo “a possibilidade de o executado alegar determinadas questões, em execução, sem a prévia garantia do juízo e o ajuizamento dos embargos do devedor”[15]. (grifo do autor)
Este também é o entendimento de Humberto Theodoro Junior, conforme:
“Mostrando-se visivelmente nulo o título executivo ou manifestamente ilegítima a parte contra quem se intenta a execução fiscal, ou ainda, estando a relação processual contaminada de nulidade plena e ostensiva, cabe o expediente que se vem denominando “exceção de pré-executividade”, que nada mais é do que o simples pedido direto de extinção do processo, independentemente do uso dos embargos e da segurança do juízo”.[16]
Quanto aos requisitos formais de sua interposição, a exceção de pré-executividade não apresenta forma prevista no Código de Processo Civil. Caracteriza-se como um incidente processual interposto independentemente de ação autônoma, protocolada através de simples petição dirigida ao juiz do processo executivo. Não exige a observância de prazos preclusivos, sequer o recolhimento de custas processuais, porém cabe a condenação em honorários advocatícios que podem ser compensados com os honorários da execução. A decisão que rejeitar ou aceitar a exceção de pré-executividade é decisão interlocutória, decidida através do recurso de agravo de instrumento, e, em caso de acolhida, a pretensão nela deduzida será encerrada por sentença, da qual caberá recurso de apelação.
Sobre tais particularidades, Cássio Scarpinella Bueno leciona que:
“A inexistência de procedimento reservado para as exceções e objeções de pré-executividade no Código de Processo Civil, não significa – nem poderia ser diferente- que sua apresentação e sua resolução não devam observar o “modelo constitucional do processo civil”.
Desde que apresentadas – e a sua apresentação não tem o condão de suspender a prática dos atos executivos em situação que a própria “ impugnação” ou os “ embargos à execução” não suspenderiam – , a parte contrária terá prazo para se manifestar sobre elas. À falta de prazo legal, cabe ao juiz fixar, consoante o caso concreto, prazo específico para tal fim. No silêncio, deve prevalecer a regra do art. 185”.[17]
4. POSIÇÕES DOUTRINÁRIAS ACERCA DA SOBREVIVÊNCIA DA EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE APÓS A REFORMA PROCESSUAL EXECUTIVA
O juiz ou Tribunal, ao aceitar a exceção de pré-executividade, põe em voga um raciocínio lógico, posto que propicia ao executado a oportunidade de alegar, initio litis, a existência de máculas que afetam o desenvolvimento regular do processo executivo; poupa uma série de atos processuais que seriam nitidamente dispensáveis, homenageando, dessa feita, o princípio da economia processual.
A Lei nº. 11.382/2006[18] modificou substancialmente o que se entendia por execução, trazendo conseqüências para o instituto da exceção de pré-executividade, especialmente quanto a sua vigência dentro do sistema atual. As alterações ocorreram principalmente no livro I, que tratava da execução de títulos extrajudiciais.
Mas resta, então, a indagação: se os embargos à execução poderão ser oferecidos sem a prévia garantia do juízo, qual será a finalidade, a partir de agora, da exceção de pré-executividade?
A nova lei fez surgir, na doutrina, algumas correntes que defendem a inutilidade da exceção de pré-executividade, pois sistemática atual teria igualado o procedimento dos embargos ao já verificado naquela, ou seja: ausência de garantia do juízo pela penhora ou caução.
Alguns doutrinadores alegam que a exceção de pré-executividade tenderia a desaparecer, argumentando para tanto, que ela não possui mais nenhuma utilidade prática, uma vez que para o ajuizamento dos embargos à execução não mais se faz necessário garantir o juízo.
Os adeptos de tal posição defendem suas teses na exposição de motivos da Lei nº 11.382/2006, a qual dispõe que:
“Nas execuções por título extrajudicial a defesa do executado – que não mais dependerá da ‘segurança do juízo’, far-se-á através de embargos, de regra sem efeito suspensivo (a serem opostos nos quinze dias subseqüentes à citação), seguindo-se instrução probatória e sentença.”[19]
Nesse passo é a posição de Diele José Coelho Nunes:
“(…) a alteração inviabiliza quase que completamente a possibilidade de interposição de defesa (objeção) no âmbito da execução, estruturada pelo gênio de Pontes de Miranda na década de sessenta e que ganhara força na jurisprudência: a exceção de pré-executividade (…) Vislumbra-se, assim, com a reforma, a desnecessidade da utilização da técnica processual sem a prévia garantia do juízo, e como esta não será mais necessária, o mecanismo não terá mais razão de existir, a não ser no âmbito das execuções fiscais e nas hipóteses que a jurisprudência vem admitindo a sua apresentação posterior à oferta de embargos por argüição de matérias cognoscíveis de ofício pelo juízo (…)”[20]. (grifo do autor)
Adriano Perácio de Paula possui o mesmo entendimento, conforme:
“Com a possibilidade do uso dos embargos do devedor e da impugnação, independente de penhora, perdem razão de ser as chamadas exceções de pré-executividade; pois, o ato de promover a cognição das condições da ação e dos pressupostos da ação de execução passa a ser produzido através dos meios próprios de defesa, e venham eles pela impugnação ou pelos embargos do devedor, respectivamente para atacar o cumprimento da sentença ou a exigibilidade da obrigação constante de título extrajudicial”.[21]
No entanto, outra parte dos doutrinadores brasileiros seguem corrente contrária a qual milita em favor da sobrevivência da exceção como um meio de impedir os efeitos negativos que uma execução viciada possa causar ao patrimônio do executado, o qual, muitas vezes, face à falta de disposição legal, fica impedido de trazer a juízo a apreciação de vícios capazes de macular todo processo executivo.
Assim defende Cássio Scarpinella Bueno:
“(…) trata-se de um mecanismo que decorre do sistema processual civil, forte na concepção de uma maior racionalização da atividade jurisdicional (art.5º, LXXVIII, da Constituição Federal) e que – mesmo para a doutrina amplamente majoritária de que os embargos são e continuam a ser ação – permite que, na execução, o magistrado desenvolva cognição suficiente para, se for o caso, obstar o prosseguimento das atividades jurisdicionais executivas, inclusive por inexistência de fundamento calcado no direito material. Por isto, é irrecusável compreender as tais “ exceções ou objeções de pré-executividade como verdadeiros mecanismos ínsitos ao sistema processual civil e que não subsistem a ele as Reformas até aqui feitas. Trata-se de instituto, vale insistir, que decorre do sistema processual civil como um todo e não de um específico dispositivo que possa ou tenha sido alterado por alguma lei reformadora”.[22]
Nessa esteira, Cássio Scarpinella Bueno[23], também esclarece que não há como recusar a possibilidade de o executado valer-se da exceção de pré-executividade para questionar a regularidade, amplamente considerada, da atividade jurisdicional executiva. Ainda, relata que em cada ponto do sistema processual civil em que houver algum “estrangulamento”, não obstante as amplas modificações empreendidas pela Lei nº.11.232/2005 e pela Lei nº. 11.382/2006, é irrecusável a pertinência do emprego do instituto processual em questão, inclusive, nos casos de inexistência de prévia avaliação dos bens penhorados na ação executiva; bem como, quando da existência de erro na memória de cálculo apresentada pelo exeqüente ou porque a prévia garantia do juízo for necessária para a atribuição do efeitos suspensivo à execução ( art. 739-A, § 1º).
O Superior Tribunal de Justiça também já se posicionou a favor da adoção da exceção em nosso direito, tendo decidido em julgados posteriores à reforma processual, pela sobrevivência do instituto em comento. Vejamos:
“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. PRESCRIÇÃO. RECONHECIMENTO. POSSIBILIDADE. 1- A exceção de pré-executividade constitui instrumento idôneo à argüição da prescrição, bem como ao reconhecimento de nulidade de título verificada de plano, desde que não haja necessidade de contraditório e dilação probatória. Precedentes. 2- Recurso especial provido”.[24] (grifo nosso)
Destaca-se que a mesma corrente que milita a favor da sobrevivência da exceção de pré-executividade aponta outros benefícios desse instrumento processual, o qual além de caracterizar mais uma opção de defesa ao injustamente executado, também configura um meio processual mais simples e menos oneroso que os embargos do devedor. Verifica-se, assim, que a referida corrente inova no sentido de afirmar que tal instituto não está limitado apenas à atual sistemática dos embargos do devedor, os quais dispensam a garantia do juízo, uma vez que, também pode abranger outras questões capazes de ampliar seu campo de atuação.
Seguindo esse raciocínio, Casio Scarpinella Bueno, opina que:
“A evolução das exceções e objeções de pré-executividade, contudo, vai além. Gradativamente, não só questões passíveis de apreciação de ofício mas também matérias que, embora dependessem de iniciativa da parte, não reclamassem produção de prova complexa, suficiente à apresentação de algum documento, passaram a ter sua veiculação ao juiz admitida independentemente dos embargos”.[25]
Nesse aspecto, Antônio Carlos Muniz destaca que:
“Incompreensível que se eliminem os instrumentos de defesa do devedor de oposição à execução, inclusive por simples petição, ou que se restrinja o seu alcance, se o objeto precípuo da função jurisdicional é distribuir a justiça, o “dikaion” dos gregos ou o “suum cuique tribuere” dos romanos, de forma célere, menos gravosa e dentro do “devido processo legal”, se a ação de execução se encontra viciada ou nula, sem condição de ter curso válido. (…)
(…) Abonam esse palmilhar, sufragando a total pertinência e subsistência da exceção de pré-executividade com o advento da Lei n° 11.382/2006, e até ampliando o seu campo de atuação, ARAKEN DE ASSS, HUMBERTO THEODORO JUNIOR e THEOTONIO NEGRÃO.”[26](grifos do autor)
Também, Leonardo Ayres Santiago:
“Ora, esta não nos parece a melhor solução, sobretudo, porque a execução, se viciada ou nula, representará um obstáculo na prestação jurisdicional, inflando ainda mais o Poder Judiciário e violando o princípio da utilidade. Ademais, diante de prejudicialidade, não se vislumbra motivo para obrigar o jurisdicionado ao ajuizamento de embargos, que o onerará com prévio recolhimento de custas”.[27]
Já, Fernando Augusto de Vita Borges de Sales[28], defende que a exceção de pré-executividade pode ser aplicada nas hipóteses em que o devedor deixa transcorrer in albis o prazo para o oferecimento dos embargos à execução. Advoga o doutrinador em comento, que tal fato não será o fim para o executado, que poderá se valer da exceção de pré-executividade para ventilar matérias ligadas ao cumprimento da obrigação ou à ausência dos pressupostos processuais ou das condições da ação. De acordo com este entendimento, segue o seguinte julgado:
PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. OPOSIÇÃO INTEMPESTIVA DE EMBARGOS DO DEVEDOR. RECEBIMENTO COMO EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. DISCUSSÃO DA DECADÊNCIA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. POSSIBILIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. EXCLUSÃO PARCIAL DA DÍVIDA EXEQÜENDA. NÃO-EXTINÇÃO DO PROCESSO. DESCABIMENTO. 1. É viável veicular-se, em exceção de pré-executividade, questões relacionadas à prescrição ou decadência do crédito executado, contanto que não seja necessária a dilação probatória. 2. Ainda que os embargos do devedor hajam sido opostos de forma serôdia, se a matéria neles versada for daquelas que devem ser conhecidas de ofício pelo julgador, nada impede seja examinada no próprio bojo da execução fiscal, revelando-se adequado o procedimento do magistrado que determina a extração de cópias da petição inicial dos embargos para analisá-las como exceção de pré-executividade. 3- Na espécie, a matéria aventada nos embargos e que restou conhecida pelo d. julgador singular, nos autos da execução fiscal, a título de exceção de pré-executividade, pertine à decadência do crédito tributário exeqüendo, passível, pois, de ser conhecida, eis que não atingida pela preclusão. 4. Descabe cogitar-se em fixação de honorários advocatícios quando não se está frente à sentença, cujo efeito é o de extinguir a execução fiscal, mas, sim, decisão interlocutória que reconheceu, apenas, que parcela do crédito exeqüendo encontrava-se extinta pela decadência. Inteligência do art. 20 do CPC. 5. Agravo de instrumento parcialmente provido. Agravo regimental prejudicado.”[29] (grifos nossos).
Considerando o teor da decisão acima exposta, ressalta-se o cuidado do Judiciário ao admitir a interposição da exceção de pré-executividade após decorridos o prazo legal dos embargos do devedor, somente quando tratar-se de questões de ordem pública, visto que as matérias a serem alegadas através de embargos após esgotados o prazo legal destes, estarão preclusas. Porém, não apresentados os embargos tempestivamente a obrigação torna-se exigível, e foi para permitir ao executado um mecanismo eficaz de tutela de seus direitos sem qualquer constrição incidente sobre seu patrimônio é que a exceção de pré-executividade passou a ser admitida em nosso ordenamento jurídico, mesmo após as reformas legislativas atinenetes ao caso, qualquer decisão contrária a este entendimento ferem os princípios processuais, em especial, o princípio da segurança das relações jurídicas.
Ante a existência de entendimentos doutrinários contrários sobre esse novo instrumento processual, suas características, vantagens, desvantagens, em especial a repulsa por alguns operadores do direito sobre sua utilização decorrente da falta de disposição legal hábil a regulamentá-la processualmente em nosso ordenamento jurídico, destaca-se a louvável ressalva feita por Adriano Perácio de Paula:
“Conquanto, é preciso ter em conta que este vaticínio do legislador pode não se realizar na prática forense, que já adotou e conduz a exceção de pré executividade de maneira até natural. Além do que, existe o hábito brasileiro já sedimentado de que somente se admite a revogação de um determinado instituto quando vem declinado expressamente. Mas, não se deve esquecer que a exceção de pré-executividade não pode ser revogada por lei, uma vez que não é por lei que ela se criou.” (grifo do autor)[30]
CONCLUSÃO
De fato, iniciado o processo executivo que não preencha os requisitos legais, a intromissão estatal no patrimônio do devedor passa a ser ato ilegal, vez que vem a privar o executado de seus bens sem observância do devido processo legal, assegurado pelo art. 5º, LIV[31], da Constituição Federal.
Sendo assim, analisando as posições doutrinárias e jurisprudenciais supramencionadas, depreende-se que o instituto processual da exceção de pré-executividade ainda possui espaço no mundo processualista civil pátrio, mesmo após as alterações processuais que entraram em vigor no ano de 2007.
Não há como abandonar o uso da exceção de pré-executividade como um dos meios de defesa do devedor, sendo certo que qualquer entendimento contrário, configuraria uma afronta ao art. 5º, XXXV, da Constituição Federal de 1988[32].
Porém, é absolutamente necessário e imperioso reconhecer que se deve fazer uso do bom senso no emprego do instituto em exame, evitando sua utilização abusiva, principalmente em razão de tratar-se de construção doutrinária e jurisprudencial e não possuir previsão expressa no direito positivo.
Assim, tendo em vista os princípios norteadores expressos em nossa Carta Maior, os quais estão acima de qualquer outro ordenamento legal, bem como em homenagem à efetividade e instrumentalidade do processo, entende-se que a Lei n.º 11.382/2006[33] não colocou, de forma alguma, fim ao cabimento da exceção de pré-executividade como hipótese de defesa do executado nas execuções fundadas em título executivo extrajudicial.
Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa/PR. Pós-graduando em Direito Público pela Uniasselvi – Centro Universitário Leonardo da Vinci. Assessor de Promotor do Ministério Público do Estado do Paraná.
Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG); Mestra e doutoranda em Ciências Sociais e Aplicadas pela UEPG
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