1. Introdução
A exceção de pré-executividade não é instituto previsto na lei processual, tendo sido admitida em nosso direito por construção doutrinário-jurisprudencial. Passou a ser admitida para possibilitar a discussão de certas questões sem submeter o executado ao ônus da penhora. Por meio dela, tornou-se viável o exercício da defesa no processo de execução sem o condicionamento da prévia constrição patrimonial do devedor. Facultou-se o comparecimento de imediato nos autos para submeter ao conhecimento do magistrado determinadas matérias relativas à nulidade do título, independentemente de penhora ou embargos. A idéia era de que não se justificava submeter o executado à constrição patrimonial quando flagrante ou evidente a nulidade do título e, por conseguinte, do próprio processo executivo. Como salienta Candido Rangel Dinamarco: “a aceitação em tese das objeções de pré-executividade constitui o reconhecimento de que não seria legítimo deixar invariavelmente aberto o campo para execuções desprovidas de requisitos indispensáveis, com a possibilidade de exercer constrições sobre o patrimônio de um sujeito, e o ônus, imposto a este de oferecer embargos depois…”[1].
Embora, nas suas origens, a utilização da exceção de pré-executividade tivesse espectro mais restrito, relacionada a matérias cognoscíveis de ofício (como, v.g., prescrição, ilegitimidade e nulidades absolutas), com o passar do tempo a jurisprudência passou a balizar o seu cabimento muito mais pela desnecessidade de dilação probatória. Assim, a substituição da cognoscibilidade de ofício da matéria pela desnecessidade de dilação probatória[2], como requisito de cabimento, fez com que na prática toda e qualquer matéria de defesa na execução pudesse ser ventilada por meio da objeção de pré-executividade, inclusive excesso de execução[3] e compensação da dívida[4]. Tal concepção elasteceu demasiadamente o campo para o manejo da exceção[5], que ao invés de incidente excepcional (como o próprio nome já diz), passou a ser utilizada como sucedâneo dos próprios embargos e, também, como o meio de evitar o pagamento de custas no exercício da defesa do executado. Além de evitar o pagamento de custas, o executado auferia dois momentos para apresentação de sua defesa: um anterior (da exceção) e o dos próprios embargos (quando e se ultrapassadas as questões postas previamente). Obviamente que a amplitude atribuída à exceção de pré-executividade em sede jurisprudencial fez com que o instituto não só perdesse suas características originais (delineadas em plano doutrinário), mas se transformasse em fator de desvirtuamento da estrutura do processo executivo.
Com o advento da Lei 11.382/06 não há mais razão para subsistir em nosso sistema o famigerado instituto, tendo em vista que foi feita uma alteração no caput do art. 736 do CPC (e revogado o art. 737), de modo a permitir ao executado ingressar com os embargos independentemente de penhora, depósito ou caução. Antes do advento da mencionada Lei, a utilização dos embargos dependia da prévia segurança do juízo. Como essa providência passou a ser desnecessária, a exceção de pré-executividade perdeu sua utilidade. Sabendo-se que seu objetivo era propiciar ao executado a possibilidade de se defender de uma execução notadamente indevida, sem ter de enfrentar o constrangimento decorrente da constrição de seus bens, não há mais sentido a sua utilização quando a penhora do patrimônio do devedor não é mais exigida como condição para o exercício de sua defesa processual.
Todavia, mesmo após a Lei 11.382/06, parte da doutrina insiste em defender a permanência da exceção de pré-executividade, como mecanismo para o executado viabilizar a discussão, em determinados momentos, de certas questões não passíveis de veiculação por meio dos embargos. No presente trabalho, mostramos, ao contrário do que se pode supor, que, além de o devedor não mais ter que comprometer seu patrimônio, para poder se defender de uma persecução creditícia ilegítima, também pode no âmbito dos embargos alegar qualquer tipo de matéria, não havendo, dessa forma, mais sentido na utilização e aceitação em juízo da exceção de pré-executividade, que só faz criar incidentes desnecessários no processo (de execução), retardando a marcha processual e fazendo com que o Juiz tenha trabalho desnecessário para apreciar questões que podem ser discutidas na fase apropriada (dos embargos à execução).
2. A posição (divergente) da doutrina sobre o tema
A doutrina não é unânime quanto ao fato de a Lei 11.382/06 ter produzido a extinção do instituto da exceção de pré-executividade. Pela eliminação do instituto, pronunciou-se Luiz Fux, com a observação de não apenas ser inútil sua preservação mas também nitidamente ilegal a continuidade de sua utilização, nesses termos:
“É cediço que em processo, o que é desnecessário é proibido. Conseqüentemente extraindo-se a razão de ser do dispositivo, juntamente com a interpretação histórica a que conduz a exposição de motivos, veda-se ao executado a apresentação de peças informais nos autos da execução para provocação acerca desses temas, anteriormente enquadráveis na denominada exceção de pré-executividade. Interpretação diversa é notoriamente contra a mens legis.
Destarte, muito embora a exposição de motivos apresente uma justificação para a dispensa da garantia do juízo, a realidade é que essa exoneração de segurança judicial atende ao postulado do acesso à justiça, não só em relação aos que pretendiam se opor ao crédito exeqüendo e não ostentavam condições para caucionar, como também para aquelas hipóteses em que a fragilidade do crédito exeqüendo tornava injusto que o devedor comprometesse o seu patrimônio para livrar-se de um crédito evidentemente ilegítimo”[6].
Outros processualistas, a exemplo de Luiz Rodrigues Wambier, Tereza Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina, também se posicionam no mesmo sentido, enxergando, ante a inovação da possibilidade dos embargos independentemente de penhora, se não a completa extinção da exceção de pré-executividade ao menos que ficou bastante reduzida e esvaziada[7]. Defendendo a subsistência do incidente encontramos Araken de Assis[8], Humberto Theodoro Junior[9] e Eduardo Arruda Alvim[10].
Os principais argumentos, daqueles que defendem a sobrevivência da exceção de pré-executividade, são no sentido de que ela preserva a possibilidade de o devedor veicular matérias, não compatíveis com a estreiteza da defesa prevista para os embargos, bem como possibilita a atribuição de efeito suspensivo à execução sem necessidade de penhora. Nas palavras de Eduardo Arruda Alvim:
“Mesmo no contexto legislativo atual, pode subsistir o interesse do executado de impedir a realização da constrição judicial, por força de circunstâncias capazes de extinguir a execução, como a falta de citação, a inexigibilidade do título executivo, ou, até mesmo, a ilegitimidade de qualquer das partes, mesmo porque o art. 739-A, § 1.º é expresso no sentido de que a concessão de efeito suspensivo aos embargos à execução deve necessariamente ser precedida de penhora, depósito ou caução suficientes”[11].
Todavia, esses argumentos, que objetivam emprestar uma sobrevida à exceção de pré-executividade no nosso sistema processual, não prosperam. Na verdade, desde a edição da Lei 11.382/06, não há mais qualquer restrição às matérias que podem ser alegadas nos embargos do executado. Antes dela, o art. 741 realmente elencava as hipóteses de cabimento para a “execução fundada em título judicial”[12], prevendo os tipos de matérias ou classes de assuntos que poderiam versar os embargos do executado. Com a reforma promovida pela citada Lei, o art. 741 passou a ser aplicável apenas para a “execução contra a Fazenda Pública”, onde os embargos continuam com a limitação de matérias. Os embargos do devedor (sob a rubrica de “embargos à execução”) passaram a ser tratados de forma genérica no art. 745, que deu a maior amplidão possível ao conteúdo de sua peça de defesa[13]. Agora, nos embargos, o executado pode alegar toda e qualquer questão de direito ou de fato, inclusive “qualquer matéria que lhe seria lícito deduzir como defesa em processo de conhecimento” (inc. V). Portanto, pelo menos do ponto de vista da largueza como os embargos foram tratados pelo legislador reformista, que agora não tem qualquer tipo de restrição quanto à matéria que pode ser nele veiculada, o executado não sofrerá qualquer prejuízo com a eliminação definitiva do uso da exceção de pré-executividade no nosso sistema jurídico.
Não se justifica, por outro lado, o argumento de que a exceção de pré-executividade deve ser mantida para facultar ao executado a possibilidade de suspender a execução. A suspensividade que se concebia em relação a ela só era possível porque os embargos, como regra, também suspendiam a execução. Havia, portanto, uma simetria de tratamento entre os dois institutos, quanto aos efeitos que produziam no andamento processual. Todavia, na sistemática atual (introduzida pela Lei 11.382/06), os embargos perderam o efeito suspensivo, sendo a regra o regular processamento da ação executória[14]. Como, então, se defender a preservação da exceção de pré-executividade, com atribuição de efeito suspensivo, sem previsão em lei? Se ela nem sequer é prevista na legislação processual, como argumentar sua subsistência com efeitos (de suspensão processual) que nem os próprios embargos costumam ter? Seria um contra-senso pretender criar um meio de defesa processual mais largo e abrangente do que o previsto na legislação.
Há quem argumente de uma maneira diferente, embora também objetivando a sobrevida da exceção de pré-executividade. O que se sustenta é que a penhora antes era exigida como condição para a propositura dos embargos, mas hoje ela é exigida para se atribuir efeito suspensivo à execução[15], daí dever preservar-se a existência da exceção (com efeito suspensivo) como expediente para evitar esse tipo de constrição patrimonial ao devedor. Nas palavras de Thiago Luiz Pacheco de Carvalho, um dos defensores desse ponto de vista:
“Hodiernamente, apesar de não haver exigência de penhora dos bens do executado para a apresentação dos embargos à execução, esta é mister para a concessão do efeito suspensivo. Ora, a simples penhora é ato executivo de constrição de bens. Desta forma, a exceção de pré-executividade demonstra-se o único meio hábil para evitar tal constrangimento ao executado”[16].
Esse tipo de raciocínio peca por não observar que, na sistemática atual, a suspensão da execução não mais evita os atos executórios do tipo da penhora. Enquanto suspensa a execução, não pode haver atos de adjudicação ou alienação dos bens do executado, mas ela não impede a efetivação dos atos de penhora e de avaliação dos bens (§ 6o. do art. 739-A do CPC)[17]. Portanto, em nenhuma hipótese poderá haver impedimento à realização da penhora pelo simples ingresso da peça de defesa do executado. Não mais sendo possível a suspensão da penhora, não se justifica a permanência do instituto da exceção de pré-executividade.
3. Trabalho do legislador reformista
Além da inutilidade da exceção de pré-executividade na sistemática processual atual, temos que observar também o claro propósito do legislador em eliminar a possibilidade de utilização desse instrumento. Com efeito, não foi somente o art. 736 que sofreu alteração, para permitir o ajuizamento dos embargos “independentemente de penhora, depósito ou caução”. Na verdade, todo um conjunto de normas foi retocado para adaptar o Código à nova sistemática do processo executivo. Por exemplo, pela nova redação atribuída ao art. 652 do CPC, ao invés de ser citado para (no prazo de 24 horas) “pagar ou nomear bens” à penhora, agora o devedor é citado para (no prazo de 03 dias) “efetuar o pagamento da dívida”. O termo inicial do prazo para embargos também teve que ser alterado, passando a constar que devem ser oferecidos no prazo de 15 dias a contar da “data da juntada aos autos do mandado de citação”; antes, como se sabe, o art. 738 (inc. I) estabelecia que o prazo corria a partir da intimação da penhora. Como se observa, foi realizado todo um trabalho sistematizado de correção legislativa, para retirar a penhora como condição aos embargos e, por essa via, tornar desnecessária a permanência da exceção de pré-executividade.
No Projeto de Lei Complementar n. 51 de 2006, que deu origem à Lei n. 11.382/2006, o então Ministro da Justiça, Márcio Thomas Bastos, deixou claro na exposição de motivos o propósito de eliminar da processualística brasileira o instituto da exceção de pré-executividade, com a seguinte explicação:
“d) nas execuções por título extrajudicial a defesa do executado – que não mais dependerá da ”segurança do juízo”, far-se-á através de embargos, de regra sem efeito suspensivo (a serem opostos nos quinze dias subseqüentes à citação), seguindo-se instrução probatória e sentença; com tal sistema, desaparecerá qualquer motivo para a interposição da assim chamada (mui impropriamente) ”exceção de pré-executividade”, de criação pretoriana e que tantos embaraços e demoras atualmente causa ao andamento das execuções;”.
4. Momento posterior à fluência do prazo para embargos – matérias de ordem pública
Embora exista uma concordância majoritária acerca da eliminação da exceção de pré-executividade como expediente de defesa no processo de execução atual, muitos autores ainda defendem a possibilidade de sua utilização quando já escoado o prazo para o oferecimento de embargos e pendam questões de ordem pública, para as quais não ocorre o fenômeno da preclusão. É o que sustenta Fernando Augusto de Vita Borges de Sales, ao explicar:
“A perda do prazo para o oferecimento dos embargos à execução não será fim para o executado, que poderá ser valer da exceção de pré-executividade para ventilar matérias ligadas ao cumprimento da obrigação ou à ausência dos pressupostos processuais ou das condições da ação.
Ora, se já aceitávamos a possibilidade do oferecimento da exceção, antes do oferecimento dos embargos à execução, para alegar pagamento (ou qualquer outra forma de extinção da obrigação) ou matérias de ordem pública (especialmente as condições da ação e os pressupostos processuais), nada obsta que passemos a utilizá-la, no curso no processo, nos casos em que o prazo para oferecimento dos embargos já tenha escoado, pois o objetivo prático é o mesmo, independentemente do momento processual em que a exceção é produzida.
Afinal de contas, as matérias enfrentadas na exceção – de caráter sempre restrito, é bom lembrar – podem ser alegadas em qualquer tempo e grau de jurisdição, nos termos do art. 267, § 3º, do CPC e não se submetem ao fenômeno da preclusão” [18].
E continua:
“A aceitação da exceção de pré-executividade para tal desiderato, longe de constituir um tumulto processual, dará legitimidade ao procedimento, pois não deixará, por conta de um descuido do devedor, o caminho aberto para execuções infundadas ou desprovidas dos requisitos necessários.
Entendemos, desta forma, que mesmo que o prazo para oferecimento dos embargos à execução tenha transcorrido in albis, as matérias de ordem pública, ligadas às condições da ação e aos pressupostos processuais, podem – e devem – ser alegadas através de exceção de pré-executividade”.
Essa posição tem seu reforço ainda no ensinamento de Luiz Rodrigues Wambier, Tereza Arruda Alvim e José Miguel Garcia Medina, para os quais não desapareceu totalmente a utilidade da exceção de pré-executividade, mesmo após a introdução da Lei n. 11.382/2006:
“(…) continua possível o manejo de exceção de pré-executividade no processo de execução de título extrajudicial, com o intuito de se alegarem matérias a respeito das quais não tenha ocorrido preclusão, ainda que já se tenha exaurido o prazo para a apresentação dos embargos”[19].
Em nossa opinião, todavia, não se justifica a defesa da permanência desse instituto (inclusive com o mesmo nome que tinha antes da reforma do processo execução) mesmo nessas circunstâncias. É certo que os embargos à arrematação ou à adjudicação previstos no art. 746 do CPC não se prestam a ventilar nulidades do processo de execução ou causas de extinção da obrigação anteriores à penhora[20], daí porque não se mostram suficientes para permitir ao executado invocar toda e qualquer matéria de ordem pública, não podendo substituir os embargos à execução. Contudo, mesmo assim não há necessidade de preservar um instituto não previsto em lei (de criação pretoriana) e que se mostra incompatível com a nova sistemática do processo de execução. Uma simples petição é suficiente para alertar ao Juiz que aprecie as matérias que ele deve conhecer de ofício (as matérias de ordem pública não precluem e podem ser apreciadas a qualquer tempo, art. 267, § 3o.). Em existindo matérias de defesa apreciáveis de oficio, não há necessidade de que seja oferecida uma petição denominada tecnicamente de exceção de pré-executividade. A parte interessada simplesmente alerta o juiz para o fato de que deve pronunciar-se ex officio sobre determinada matéria. Sem essa denominação, pode o magistrado recebê-la e apreciar, sem necessidade de dizer que a recebe com fundamento na fungibilidade dos institutos dos embargos do devedor ou da exceção de pré-executividade. Não haveria, portanto, qualquer prejuízo para o executado a concepção do desaparecimento da objeção/exceção de pré-executividade.
É até mesmo incongruente a permanência do instituto com o antigo nome de (exceção/objeção) pré-executividade. A presença do prefixo “pré” (que tem o sentido de anterioridade) denotava coisa que precedia à iniciação dos atos executórios. Se agora, como defendem os citados autores, é para ser utilizada somente no momento posterior à fluência do prazo dos embargos, quando já poderão ter ocorrido atos de execução (avaliação e penhora de bens), não pode continuar a ser chamado de pré algo que tem lugar ou vem a acontecer depois deles.
5. Na fase de cumprimento de sentença
Como se sabe, a Lei n. 11.232/2005 eliminou o processo de execução para os títulos judiciais, instituindo, em seu lugar, a fase de cumprimento de sentença (art. 475-I)[21], que compreende a realização de atos executórios para a satisfação da obrigação, no mesmo processo de conhecimento, sem a necessidade de instauração de um (outro) novo processo. Em se tratando de título executivo judicial (sentença)[22], a execução se perfaz no próprio processo originário, como fase posterior à de cognição. Tudo se resolve em um único processo, dividido em fases (cognitiva, de liquidação e executiva).
Em relação ao cumprimento de sentença (fase executiva do processo), o art. 475-J do CPC estabelece que o executado será intimado do auto de penhora e de avaliação, quando se abre o prazo de quinze dias para a impugnação (defesa do executado). Depois de indicar no caput do mencionado artigo que o devedor será citado para pagar a dívida (no prazo de 15 dias), sob pena de pagamento de multa (de 10% sobre o valor devido), o legislador estabeleceu que, não realizando o pagamento da dívida, o executado deve ser intimado do auto de penhora e avaliação, oportunidade em que começa os 15 dias para oferecer impugnação. O dispositivo mencionado tem a seguinte redação:
“Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze (15) dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.
§ 1o. Do auto de penhora e avaliação será de imediato intimado o executado, na pessoa de seu advogado (arts. 236 e 237), ou, na falta deste, o seu representante legal, ou pessoalmente, por mandado ou pelo correio, podendo oferecer impugnação, querendo, no prazo de quinze (15) dias.”
Tendo em vista a literalidade do dispositivo, especialmente seu § 1o., que expressa que o prazo para a impugnação passa a correr após a intimação do executado do auto de penhora, muitos o interpretam como regra que condiciona a defesa na fase de cumprimento de sentença à existência de prévia garantia do juízo. Para esses, somente depois de existir nos autos um termo de penhora e avaliação, é que o executado poderia ingressar com petição de impugnação ao cumprimento de sentença[23]. Veja-se, a propósito, o que diz Thiago Luiz Pacheco de Carvalho sobre o tema:
“Neste ponto, possível entender as razões que registram a necessidade de mantença do instituto da Exceção de Pré-executividade para resguardar os direitos do executado.
Conforme alhures demonstrado, as profundas inovações foram pertinentes e trouxeram efetiva celeridade processual, entretanto, não garantiu ao devedor/executado qualquer meio de evitar a penhora de seus bens, uma vez que a impugnação não prescinde do auto de penhora, iniciando-se, então, o prazo de sua interposição”[24].
Essa interpretação, todavia, não é a mais consentânea com o espírito da reforma processual, que procurou atribuir à fase de execução do processo (assim como ao processo autônomo de execução) maior celeridade processual, evitando-se a utilização da exceção de pré-executividade, que reconhecidamente contribuiu para a complicação do procedimento executivo. Além disso, geraria o paradoxo de deixar que permanecesse na fase de cumprimento de sentença, ficando entretanto extinta no processo autônomo de execução (próprio para os títulos extra-judiciais). Conforme visto anteriormente, o editor da Lei 11.382/06 atuou claramente com o propósito de eliminar o instituto da exceção de pré-executividade do processo executivo, não mais exigindo a segurança do juízo para o ingresso dos embargos. A prevalecer a orientação de que a penhora continua como uma exigência para a impugnação, criaríamos o paradoxo de tornar mais complexo e demorado o procedimento executivo para os títulos judiciais, quando deveria ser mais enxuto. Em relação ao processo autônomo de execução, a fase de cumprimento de sentença perderia em agilidade, o que não é de se admitir. É importante lembrar que ao cumprimento de sentença aplicam-se subsidiariamente as regras do processo de execução (art. 475-R do CPC), logo a mesma concepção deve se aplicar a um e a outro. Se não cabe exceção de pré-executividade no processo autônomo de execução (previsto para os títulos extrajudiciais), com mais razão também não é viável na fase de cumprimento de sentença. Daniel Amorim Assumpção Neves alerta para a incongruência de se exigir a garantia do juízo somente para o ingresso da impugnação:
“Seria, aliás, paradoxal, considerando-se que o principal objetivo do legislador com a elaboração da Lei 11.232/05 foi agilizar o procedimento de satisfação do direito do demandante, e a exigência de garantia do juízo para a apresentação da impugnação tornaria o procedimento mais demorado e complexo que o procedimento do processo de execução, no qual os embargos à execução não dependem da garantia do juízo (art. 736 do CPC). É imprescindível admitir a impugnação sem a necessidade da garantia do juízo, quer seja para dar uma agilidade maior ao procedimento de cumprimento de sentença, quer seja para evitar uma distinção injustificada com o procedimento autônomo de execução. E lembre-se que o art. 475-R do CPC determina a aplicação subsidiária das regras do processo autônomo de execução ao cumprimento de sentença”[25].
Como se observa, o melhor entendimento é o de que a penhora não é requisito para o ingresso da impugnação[26], mas sim o momento a partir do qual o executado tem que oferecê-la, sob pena de precluir seu direito de apresentar defesa na fase de cumprimento de sentença. Nada impede que o executado se antecipe, protocolizando sua impugnação antes mesmo de ser realizado qualquer ato de penhora nos autos, como ensina Daniel Amorim Assumpção Neves:
“A melhor interpretação do dispositivo legal é a que considera que o prazo indicado em lei é o prazo máximo concedido ao demandado para ingressar com a impugnação, verificando-se, após esse prazo, o fenômeno da preclusão temporal. Significa dizer que, após a penhora, o demandado será intimado, e a partir de então terá 15 dias para apresentar a impugnação. Isso não significa dizer que não possa o demandado ingressar com a impugnação a qualquer momento antes disso, inclusive antes da constrição judicial”[27].
6. Conclusões:
1a. Com a alteração no caput do art. 736 do CPC, promovida pela Lei 11.382/06, permitindo o ingresso dos embargos independentemente de garantia do juízo (penhora, depósito ou caução), desapareceu a utilidade da exceção de pré-executividade, que, por isso, deve considerar-se extinta do sistema processual brasileiro. Sabendo-se que seu objetivo era propiciar ao executado a possibilidade de se defender de uma execução notadamente indevida, sem ter de enfrentar o constrangimento decorrente da constrição de seus bens, não há mais sentido a sua utilização quando a penhora do patrimônio do devedor não é mais exigida como condição para o exercício de sua defesa processual.
2ª. Além de o devedor não mais ter que comprometer seu patrimônio (através da penhora de bens) para se defender, através dos embargos pode alegar qualquer tipo de matéria, não havendo, dessa forma, mais sentido na utilização e aceitação em juízo da exceção de pré-executividade. Com a Reforma do processo de execução promovida pela Lei 11.382/06, os embargos do devedor (sob a rubrica de “embargos à execução”) passaram a ser tratados de forma genérica no art. 745, que deu a maior amplidão possível ao conteúdo dessa peça de defesa. Agora, nos embargos, o executado pode alegar toda e qualquer questão de direito ou de fato, inclusive “qualquer matéria que lhe seria lícito deduzir como defesa em processo de conhecimento”.
3ª. Também não se justifica a preservação do instituto da exceção de pré-executividade sob o argumento de que deve ser mantida para facultar ao executado a possibilidade de suspender a execução. A suspensividade que se concebia em relação a ela só era possível porque os embargos, como regra, também suspendiam a execução. Havia, portanto, uma simetria de tratamento entre os dois institutos, quanto aos efeitos que produziam no andamento processual. Todavia, na sistemática atual (introduzida pela Lei 11.382/06), os embargos perderam o efeito suspensivo, sendo a regra o regular processamento da ação executória. Ora, se os próprios embargos perderam o efeito ordinário da suspensividade da execução, seria um contra-senso pretender preservar a exceção de pré-executividade com efeito suspensivo. Além do mais, na sistemática atual, a suspensão da execução não mais evita os atos executórios do tipo da penhora (§ 6o. do art. 739-A do CPC). Não sendo possível evitar a penhora, não se justifica a permanência do instituto da exceção de pré-executividade.
4ª. Não há necessidade, por outro lado, da manutenção da exceção de pré-executividade para suscitar questões de ordem pública quando já escoado o prazo para embargos. Uma simples petição é suficiente para alertar ao Juiz que aprecie as matérias que ele deve conhecer de ofício (as matérias de ordem pública não precluem e podem ser apreciadas a qualquer tempo, art. 267, § 3o.), sem necessidade de denominá-la tecnicamente de exceção de pré-executividade.
5ª. Não é plausível a interpretação de que a impugnação prevista no par. 1º. do art. 475-J pressupõe a penhora de bens, o que justificaria a permanência da exceção de pré-executividade na fase de cumprimento de sentença. Tal interpretação geraria o paradoxo de deixar que permanecesse nessa fase, ficando entretanto extinta no processo autônomo de execução (próprio para os títulos extra-judiciais). A prevalecer a orientação de que a penhora continua como uma exigência para a impugnação, criaríamos o paradoxo de tornar mais complexo e demorado o procedimento executivo para os títulos judiciais, quando deveria ser mais enxuto. Na verdade, o citado dispositivo não exige a penhora como requisito para ingresso da impugnação, mas sim indica o momento a partir do qual o executado tem que oferecê-la, sob pena de precluir seu direito de apresentar defesa na fase de cumprimento de sentença. Nada impede que o executado se antecipe, protocolizando sua impugnação antes mesmo de ser realizado qualquer ato de penhora nos autos. Ao cumprimento de sentença aplicam-se subsidiariamente as regras do processo de execução (art. 475-R do CPC), logo a mesma concepção deve se aplicar a um e a outro. Se não cabe exceção de pré-executividade no processo autônomo de execução (previsto para os títulos extrajudiciais), com mais razão também não é viável na fase de cumprimento de sentença.
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