A lei 8.112/90 afirma incidir na infração de abandono o servidor que se ausentar, intencionalmente, do serviço por mais de 30 dias consecutivos e prevê a punição de demissão para tal conduta. Tal conduta também é prevista como crime no Código Penal, em seu art. 323, o qual prevê a figura típica do abandono de função. Em razão disso, temos, de acordo com o §2° do art. 142, da Lei 8.112/90, a aplicação do prazo prescricional penal às infrações disciplinares também capituladas como crime. Ou seja, se a infração disciplinar também estiver tipificada em lei como crime, o prazo prescricional a ser aplicado, é o da lei penal e não aqueles previstos no art. 142 da Lei 8.112.
Art. 142. A ação disciplinar prescreverá:
I – em 5 (cinco) anos, quanto às infrações puníveis com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em comissão;
II – em 2 (dois) anos, quanto à suspensão;
III – em 180 (cento e oitenta) dias, quanto á advertência.
§ 1° O prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido.
§ 2° Os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime.
§ 3° A abertura de sindicância ou a instauração de processo disciplinar interrompe a prescrição, até a decisão final proferida por autoridade competente.
§ 4° Interrompido o curso da prescrição, o prazo começará a correr a partir do dia em que cessar a interrupção.
Em vista disto, conclui-se que o prazo para que a Administração exerça sua pretensão punitiva em relação ao servidor que incide em Abandono de Cargo é de 2 anos, conforme inciso VI do art. 109 do Código Penal. Passados esses dois anos sem que a Administração Pública tenha promovido o competente Processo Administrativo Disciplinar, não será mais possível, na via administrativa, extinguir o vínculo que o servidor tem para com a Administração Pública, em razão da impossibilidade de se impor a penalidade prevista em lei, já que a referida pretensão encontrar-se-ia prescrita.
Art. 109 – A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
VI – em dois anos, se o máximo da pena é inferior a um ano;
Sem dúvida a situação acima é um dos temas menos abordados, em doutrina; muitos doutrinadores não o abordam, e quando o fazem, se limitam a defender a solução da exoneração ex-officio, proposta pelo antigo DASP – Departamento Administrativo de Serviço Público. Contudo, ao longo do texto pretendemos expor razões no sentido de que tal posicionamento, data máxima vênia, parece equivocado.
Uma das situações mais problemáticas com que podem se deparar aqueles que atuam na área do processo disciplinar, é a do servidor estável que, tendo abandonado seu cargo, não retorna ao serviço público e nem a administração pública promove, dentro do prazo estipulado em lei, a instauração do processo disciplinar cabível. Nesse caso, teremos a solidificação de situação inconcebível no serviço público, onde aquele que abandonou seu cargo passa a ter seu vínculo com a administração, protegido pelo decurso, in albis, do prazo concedido à administração pública para promover o devido processo legal.
Tal situação se mostra ainda mais absurda diante da seguinte situação hipotética: imaginemos um servidor que tenha incorrido em abandono, sem que a administração tenha promovido o competente apuratório dentro do prazo prescricional, e após anos de afastamento, pleiteie sua reintegração quando o cargo que ocupara já se encontra ocupado por outro servidor, que, por sua vez, passou a ocupar o cargo abandonado em razão de aprovação em concurso público.
O presente trabalho objetiva, desta forma, suscitar discussões quanto à solução a ser aplicada, em âmbito administrativo, nos casos em que a Administração Pública deixa de promover em tempo hábil o competente apuratório para o servidor que abandonou seu cargo, sem que sejam violadas disposições legais ou constitucionais, através de um estudo sobre os posicionamentos adotados pela Advocacia Geral da União, Superior Tribunal de Justiça, Supremo Tribunal Federal e, até mesmo, da subchefia para assuntos jurídicos da presidência da república.
Como já dito anteriormente, o regime jurídico dos servidores públicos federais, lei 8.112/90, em seu art. 132, inciso I, prescreve que será aplicada a penalidade de demissão ao servidor que se ausentar de forma injustificada por mais de 30 dias consecutivos ao serviço. Para aplicar tal penalidade, a Administração Pública dispõe do prazo de 2 anos (conforme o disposto no §2° do art. 142), dentro do qual deverá proceder a instauração do competente Processo Disciplinar, garantido o contraditório e a ampla defesa ao acusado. Entendemos que se trata de direito-dever, já que o administrador, não poderá deixar de promovê-lo, face à própria redação de natureza cogente do art. 132, da lei 8.112/90 e ao princípio da indisponibilidade do interesse público.
“Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos: (GRIFO NOSSO)
I – (…)
II – abandono de cargo;
(…)
Considerando que o art.41§1° da CF/88 prevê apenas 3 hipóteses de perda do cargo aos servidores públicos efetivos (sentença judicial transitada em julgado; processo administrativo; e avaliação periódica de desempenho), surge o questionamento de qual seria a solução aplicável, em âmbito administrativo, na hipótese objeto de estudo no presente trabalho, para aqueles órgãos e entidades que ainda não instituíram, na prática, a avaliação periódica de desempenho ? Sabemos que atualmente existem centenas de órgãos e entidades públicas, em todas as esferas de poder e entes federativos, que não se estruturaram adequadamente a promover a avaliação de desempenho de seus servidores, estabelecida pela Constituição da República. Qual seria a solução jurídica aplicável, administrativamente, aos servidores que incidissem em abandono, e não tivessem suas condutas apuradas dentro do prazo prescricional concedido à Administração?
Atinentes ao assunto em questão, o antigo DASP – Departamento Administrativo do Serviço Público, elaborou varias formulações, das quais citamos as de n°3 e n°98, onde defende a tese de que, nesses casos, seria aplicável a exoneração ex-officio:
N°3 Exoneração Ex-officio
“Será exonerado ex-officio o funcionário que, em face do abandono do cargo, extinta a punibilidade, pela prescrição, não manifesta expressamente vontade de exonerar-se”.
N°98 Exoneração Ex-officio
“A exoneração ex-officio se destina a resolver os casos em que não se pode aplicar a demissão”.
Tais formulações foram, e continuam sendo, acolhidas pela Advocacia Geral da União, em diversos pareceres, dos quais citamos a título ilustrativo o parecer AGU/MF-02/99, da lavra do ilustre Consultor da União, Dr. Wilson Teles de Macedo.
Neste parecer, a Advocacia Geral da União menciona manifestação do STF, onde esta corte acolhe a exoneração ex-officio através do MS n° 20.111-DF, Rel. Min. Xavier Albuquerque, conforme se transcreve: “Exoneração ex-officio. É aplicável a funcionário que, havendo abandonado o cargo, nem pode ser demitido, por se haver consumado a prescrição, nem solicita exoneração. Interpretação do art. 75 da Lei 1.711 de 28.10.1952. Mandado de Segurança denegado”. (RTJ 89/39) (GRIFO NOSSO)
Data máxima vênia, ousamos discordar do entendimento solidificado pela Advocacia Geral da União, com base nos seguintes fundamentos que abaixo passamos a expor.
Em primeiro lugar, salientamos a violação ao princípio da legalidade ao se adotar tal saída. Conforme reza tal princípio, a Administração Pública encontra-se adstrita aos estreitos limites dispostos na lei para praticar seus atos. Assim, após análise acurada da Lei 8.112/90, atual regime jurídico dos servidores estatutários federais, verifica-se a inexistência de dispositivo prevendo a aplicação de tal exoneração para hipóteses como a que foi acima exposta, razão pela qual entendemos incabível a saída acima aviltrada, da exoneração ex-officio.
Em segundo lugar, tecemos as seguintes considerações acerca do julgado acima mencionado (MS n° 20.111-DF, Rel. Min. Xavier Albuquerque):
a) conforme voto do Min. Aldir Passarinho (STF) no julgamento do MS 20.365-DF, onde faz referência ao MS 20.111-DF, este seria o único precedente da Corte Suprema encontrado sobre o assunto, tratando-se portanto, a priori, de decisão isolada, conforme se verifica da transcrição do mesmo abaixo;
“A praxe administrativa, com apoio em pareceres do DASP e da ilustre Consultoria Geral da República, tem sido no sentido de que o funcionário estável sobre o qual pesar a acusação de ter abandonado o emprego, não podendo ser demitido, em face de incidir a prescrição a impedir a aplicação da penalidade administrativa, deve ser exonerado, como forma de declarar a vacância do cargo, em atenção ao disposto no art. 75, II do Estatuto dos Funcionários Públicos civis.
O procedimento adotado é antigo, e já foi acolhido nesta corte, em julgamento plenário, no MS 20.111-DF, cujo acórdão foi publicado na RTJ 89, pág. 39/41, Relator o Sr. Ministro Xavier de Albuquerque, e do qual participaram os ainda integrantes deste Tribunal, Ministros Djaci Falcão, Cordeiro Guerra e Moreira Alves. Aliás, foi este o único precedente desta corte que encontrei e só este é indicado no parecer da douta Procuradoria Geral da República.
Devo confessar que sempre tive dúvidas quanto à solução adotada ser a melhor em casos de abandono de emprego, quando já não é mais possível aplicar a penalidade de demissão”.
b) A manifestação é fruto da interpretação do art. 75 da Lei 1711/52, antigo estatuto do servidor público federal, o qual, fora revogado expressamente pelo art. 253 da Lei 8.112/90, que, por sua vez, não conta com dispositivo semelhante;
c) a decisão foi proferida antes da promulgação da atual constituição, razão pela qual entendemos impossível tal entendimento no atual ordenamento jurídico. Neste sentido também é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça conforme acórdãos abaixo transcritos:
MANDADO DE SEGURANÇA – ADMINISTRATIVO – SERVIDOR PÚBLICO – PROFESSORA UNIVERSITÁRIA – ABANDONO DE CARGO – RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO – EXTINÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA – IMPOSSIBILIDADE DA DEMISSÃO – ILEGALIDADE DA EXONERAÇÃO “EX OFFICIO” – OFENSA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE – INTELIGÊNCIA DO ART. 34 DA LEI 8.112/90 – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – ART. 535 DO CPC – AUSÊNCIA DOS
PRESSUPOSTOS.
I – Os embargos de declaração devem atender aos seus requisitos, quais sejam, suprir omissão, contradição ou obscuridade, não havendo qualquer um desses pressupostos, rejeitam-se os mesmos.
II – A exoneração “ex officio” (art. 34 da Lei 8.112/90), não se destina a resolver os casos em que não se pode aplicar a demissão.
III – Cometida a infração disciplinar, o direito abstrato de punir do ente administrativo convola-se em concreto. Todavia, o jus puniendi só pode ser exercido dentro do prazo prescrito em lei. Na hipótese dos autos, foi apurado que a servidora abandonou o Cargo de Professora Universitária na Universidade Federal do Ceará. Todavia, a Administração somente instaurou o processo administrativo disciplinar quando já havia expirado o prazo prescrional. Desta forma, inviável a declaração de sua exoneração “ex officio”, especialmente por se tratar de servidora efetiva e estável, não incidindo nenhuma das hipóteses do art. 34 da Lei 8.112/90.
IV- O princípio da legalidade preconiza a completa submissão da Administração às leis. In casu, o ato atacado denotou postura ilegal por parte da própria Administração, já que a solução encontrada
objetivou, apenas, minorar os efeitos da sua própria inércia ao não exercer um poder-dever. Neste aspecto, a adoção da tese defendida implica em verdadeira violação ao ordenamento jurídico.
V- Reconhecida a prescrição, impõe-se declarar a extinção dapunibilidade, tornando-se nula a Portaria exoneratória, a fim que a servidora seja reintegrada ao serviço público.
VI – Embargos de declaração rejeitados.
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. DECADÊNCIA. PRELIMINAR REJEITADA. SERVIDOR PÚBLICO. ABANDONO DE CARGO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA PRESCRIÇÃO RECONHECIDA PELA ADMINISTRAÇÃO. EXONERAÇÃO EX-OFFICIO. IMPOSSIBILIDADE. OFENSA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. PAGAMENTO RETROATIVO DE VENCIMENTOS E DEMAIS VANTAGENS. NÃO CABIMENTO. SÚMULAS 269 E 271 DO STF.
I – Preliminar de decadência rejeitada, tendo em vista que não transcorridos mais de cento e vinte dias entre a data em que a servidora tomou ciência do ato punitivo e a data da impetração. O ato impugnado, consubstanciado na Portaria nº 576, publicada em 28.01.2000, não gerou efeitos concretos imediatos aptos a ensejar a abertura do prazo decadencial previsto no art. 18 da Lei nº
1.533/51, já que a servidora trabalhou e foi regularmente remunerada ao longo dos meses de janeiro a junho de 2000.
II – A Lei nº 8.112/90 prevê expressamente, no parágrafo único de seu art. 34, as duas hipóteses de cabimento da figura de exoneração ex-officio. A primeira se dá “quando não satisfeitas as condições do estágio probatório”, e, a segunda, “quando, tomado posse, o servidor não entrar em exercício no prazo estabelecido”.
III – No caso de infração disciplinar de abandono de cargo, punível com pena de demissão, a teor do art. 132, inciso II, da Lei nº 8.112/90, não pode a Administração Pública, ao seu próprio alvedrio, exonerar ex-officio servidora pública estável, ocupante de cargo efetivo do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, quando já reconhecida a prescrição da pretensão punitiva pela Administração, sob pena de violação ao princípio da legalidade.
IV – Imperioso se torna o reconhecimento da nulidade da Portaria nº 576/2000, que exonerou de ofício a servidora do cargo de Agente de Portaria dos quadros do INSS, com a conseqüente reintegração da mesma no cargo de origem.
V – Não sendo o mandado de segurança substitutivo de ação de cobrança, não há que se falar em pagamento de vencimentos e demais vantagens retroativos a data de seu afastamento, como pretende a impetrante, uma vez que o escopo do mandamus é resguardar direito líquido e certo pleiteado, a contar da data da impetração. Súmulas 269 e 271 do STF. Segurança parcialmente concedida.
Qual seria então a solução aplicável? A Subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República defende tese pela qual o abandono de cargo consistiria em infração que se reitera ao longo do tempo, assim, enquanto perdurar a ausência, nunca será tardio o exercício pelo estado, da ação punitiva já que a cada período de 31 dias de ausência teríamos a consumação de nova infração. Desta feita, permanecendo o servidor nesta situação, isto é, com a reiteração da prática de conduta ilegal, a Administração Pública poderá sempre instaurar procedimento adequado para a apuração da falta, uma vez que as últimas infrações não estarão prescritas.
Refutando tal tese, a Advocacia Geral da União afirma que não há, in casu, sucessivos abandonos, mas um só abandono, acrescentando ainda que uma vez abandonado, o cargo não pode ser, novamente, abandonado. Em suma, o referido órgão defende que, para abandonar o cargo é necessário que o servidor o esteja exercendo.
Entendemos, contudo, concessa vênia, que, na espécie, o servidor encontra-se juridicamente em exercício do cargo, tanto que a Administração não dispõe de meios administrativos, para excluí-lo do quadro de servidores se nada for feito durante o prazo concedido pela lei para que se apure a conduta. Contudo, o assunto parece estar ainda em aberto a outras possíveis soluções, já que nem mesmo o STJ, ao refutar a tese da exoneração ex officio, se arrisca a apontar a saída aplicável na hipótese.
Por derradeiro acrescentamos que o entendimento da Procuradoria Geral do Estado do Pará é no mesmo sentido do presente trabalho, conforme Parecer n°030/2005 – PGE/PA, da lavra da douta Procuradora Giselle Benarroch Barcessat Freire.
Advogado e Assessor do Núcleo de Disciplina e Ética da Corregedoria da Secretaria Executiva de Educação do Estado do Pará.
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