Extinção da punibilidade pelo parcelamento e/ou pagamento da dívida nos delitos tributários e sua compatibilização com o entendimento jurisprudencial pátrio

Há tempos que o ordenamento jurídico prevê que o pagamento do tributo é causa de extinção de punibilidade.


Sendo assim, os tribunais pátrios começaram a determinar a extinção da punibilidade também para os casos em que houvesse apenas o parcelamento do débito fiscal, mesmo antes de as parcelas terem sido integralmente pagas.


A primeira lei com previsão expressa para a extinção da punibilidade no caso de parcelamento, surgiu no ano de 2000, a saber: Lei nº. 9.964 – REFIS. Passados três anos, outra norma foi editada (Lei 10.684/2003 – PAES), ocasião em que o tema foi, novamente, tratado, porém com algumas modificações.


Cumpre tocar que, mesmo sem previsão legal, o assunto já era objeto de questionamentos nos tribunais, sendo que STJ se manifestava favorável a tal possibilidade (STJ, HC 6.215-MA, Flaquer Scartezzini, DJU de 18.05.98), enquanto o STF não a admitia (STF, Inq. 1.018, Moreira Alves).


A Lei 10.684/2003 alterou a legislação tributária, dispôs sobre parcelamento de débitos junto à Secretaria da Receita Federal, à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e ao Instituto Nacional do Seguro Social e deu outras providências, prevendo em seu art. 9º, a possibilidade de suspensão da pretensão punitiva do Estado e do curso prescricional durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos crimes previstos nos arts. 1.º e 2.º da Lei 8.137/90 e 168-A e 337-A, do Código Penal estiver incluída no regime de parcelamento.


Com o advento da lei supra, o STF[1] entendeu (HC 85.452 – rel. Min. Eros Grau, DJU 03.06.2005) que o pagamento de tributo, inclusive contribuições previdenciárias, realizado a qualquer tempo, gera a extinção de punibilidade.


Em suma, hoje vigora que, enquanto o agente estiver incluído no regime de parcelamento ficará suspenso o jus puniendi e a prescrição, efetuando o pagamento, restará extinta a punibilidade.


Para o STJ o art. 9º da aludida lei, também se aplica ao crime de descaminho – (HC 48805).


É indiscutível que a situação prevista pelo artigo 9º, da Lei 10.684/03, é hipótese de novatio legis in mellius, devendo retroagir para beneficiar o réu, por força do disposto no artigo 5º, XL, da CRFB/88, e artigo 2º, parágrafo único do Código Penal.


Tendo em vista que o parcelamento, elaborado a qualquer tempo enseja à extinção da punibilidade, estende-se tal efeito, a fortiori, ao pagamento integral, conforme exprime o julgado do STF[2]:


“Ação penal. Crime tributário. Tributo. Pagamento após o recebimento da denúncia. Extinção da punibilidade. Decretação. HC concedido de ofício para tal efeito. Aplicação retroativa do art. 9º da Lei federal 10.684/03, cc. art. 5º, XL, da CF, e art. 61 do CPP. O pagamento do tributo, a qualquer tempo, ainda que após o recebimento da denúncia, extingue a punibilidade do crime tributário.”


O primeiro ponto digno de nota, é que tramita no STF a ADI nº. 3.002 e o RE nº. 462.790-RS, os quais conexos, questionam a constitucionalidade da regra plasmada no art. 9º, caput, e seus §§ 1º e 2º da lei 10.864/2003, por inconstitucionalidade formal e material, com inobservância do princípio republicano bem como dos subprincípios da igualdade, cidadania e moralidade, pelos seguintes motivos:


1) É originária de Medida Provisória, sendo que esta espécie normativa é vedada para legislar sobre direito penal e processual penal.


2) Há afronta direta ao princípio da isonomia, pois os benefícios não são extensivos aos devedores estaduais e municipais, há referencia apenas aos tributos pertencentes à União (Secretaria da Receita Federal, Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e Instituto Nacional do Seguro Social), nem os tributos da pessoa física, ainda que parcelados, terão igual benefício.


A rigor, várias são as opções do agente de não ser punido pela prática de delito tributário em nosso país, pois há previsão expressa de suspensão da pretensão punitiva com a obtenção do parcelamento tributário, em qualquer momento da persecução penal, mesmo que posterior ao recebimento da denúncia, bem como a extinção da punibilidade com o pagamento integral da dívida fiscal parcelada.


Comentando o assunto, observa José Alves Paulino[3]:


“(…) a opção mais recente foi a da extinção da punibilidade, pondo em evidência que o interesse público está na satisfação da dívida. Apenas tipificou o crime para intimidar o contribuinte, impondo-lhe uma pena caso sonegasse. A sanção penal é invocada pela norma tributária para fortalecer a idéia de cumprir a obrigação fiscal, tão-somente. A par disso, conclui-se que o interesse do Estado está em que se efetue o pagamento do débito. A intenção do agente de sonegar imposto pouco importa. Satisfazendo ele o interesse do Estado, que é a quitação do tributo, a sua conduta perde o valor”.


Entretanto os Tribunais Brasileiros estão aplicando, inexoravelmente, os benefícios da lei 10.864/03, nesse sentido, colacionam-se os seguintes julgados da 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região[4]:


“PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. NÃO RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. ART. 168-a C/C ART. 71 DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO. PAGAMENTO DO DÉBITO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. ART.  9º, §2º, DA LEI 10.684/03. 1. Pratica o delito previsto no art. 168-A c/c art. 71 do Código Penal Brasileiro, o empregador que desconta contribuição previdenciária de seus empregados e deixa de recolhê-la aos cofres da Previdência. 2. A extinção da Punibilidade se dará ainda que o pagamento integral da dívida tenha ocorrido após o recebimento da denúncia, nos termos da nova interpretação dada a questão pela lei nº. 10.684, de 30/05/03. 3. “Recurso desprovido.”


Da lavra da Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região[5]:


“PENAL. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PAGAMENTO. LEI N. 10.684/03. ART. 9º, §2º. 1. O art. 9º, §2º, da Lei  nº. 10.684/03 permite a extinção da punibilidade mediante o pagamento, ainda que posterior ao recebimento da denúncia, pois não reproduz essa restrição, exigida pelo art. 34 da lei  nº 9.214/95. E por ser norma mais benéfica ao agente, opera efeitos retroativos. 2. A extinção da punibilidade pelo pagamento com base no §2º do art. 9º da Lei  nº 10.684/03 abrange os delitos previstos nos arts. 1º e 2º da lei  nº 8.137/90 e nos arts. 168-A e 337-A do Código Penal, exceto se a conduta versar sobre contribuições não repassadas à Previdência Social, pois o art.. 5º, Caput, daquela Lei limita os benefícios por ela mesma concedidos às contribuições patronais. 3. Decretada a extinção da punibilidade. Prejudicada a apelação.”


O notável doutrinador Lemos[6], por sua vez, assevera sobre esse dislate de tamanha magnitude:


“(…)outrossim, a injustiça na concessão do parcelamento a sonegadores não se dá apenas em relação àqueles que agindo de boa-fé com o Fisco acabaram infringindo a norma tributária, mas acima de tudo àqueles que devidamente pagaram os seus tributos na data aprazada e cumpriram fielmente com a sua responsabilidade tributária. Assim, o que explicar a estes, quando se concede o parcelamento (benefício fiscal) a quem não só deixou de cumprir com suas obrigações fiscais, mas tentou ludibriar, enganar, falsificando ou omitindo declarações, tudo com o dolo de não recolher o tributo ao Estado-cobrador?”


Deveras, sobre o crivo neoconstitucional verifica-se afronta inequívoca ao princípio da igualdade, no tocante a isonomia tributária, pois não há critério de distinção entre os “sonegadores fiscais” e os contribuintes inadimplentes, eis que a concessão do parcelamento é concedida a todos indistintamente (infratores ou não). De um lado fala-se em fundamento constitucional tributário e proteção do erário público, norteado pela política tributária para incentivar o pagamento dos tributos devidos, de outro lado, permite-se que contribuintes que atuaram com dolo, fraude ou simulação se beneficiem deliberadamente dos mecanismos de contenção da justiça penal, obtendo estes sonegadores o mesmo tratamento dos contribuintes em mora, o que incentiva a prática de sonegação.


Destaca-se, que não há juízo de desvalor nas condutas praticadas perante o Fisco, o que denota tamanha injustiça, pois ao invés de repúdio as práticas dolosas e reprováveis de agentes que, movidos por má-fé, se furtam de suas obrigações tributárias, há indireto fomentando a sonegação fiscal e desrespeito aos contribuintes que não ludibriaram o Fisco.


Nesse diapasão, a aplicação da famigerada lei do REFIS2 PAES revela um descalabro imensurável para toda a sociedade, que, assolada pelos fantasmas legislativos, perde duas vezes, pois prevalece a íntima sensação de que a honestidade e boa conduta são indiferentes, dada à inversão de valores do Estado e que atos ilícitos às vezes compensam, fragilizando, assim, soberbamente o conceito de Justiça.


 


Referências bibliográficas

BRASIL, TRF 1ª Região, 3ª Turma, RCCR nº 2003.34.00.034748-2, Relator Juiz Cândido Ribeiro, Decisão 03/03/2004.

BRASIL, TRF 5ª Região, ACR 2000.03.99.040481-8-SP, publicada do DJU de 24/11/03, relator o Juiz André Nekatschalow.

BRASIL, STF. HC 81.929-0/RJ, 1ª Turma, rel. min. Sepúlveda Pertence, rel. para acórdão min. Cezar Peluso, j. 16.12.03, v.u., DJU 27.02.04, p. 27, nº 438

BRASIL, STF. HC 85.452 – rel. Min. Eros Grau, DJU 03.06.2005.

LEMOS, Rubin. Parcelamento do Débito Tributário – enfoque autorizado pela Lei Complementar nº 104/2001. Brasília. Brasília Jurídica, 2002.

Paulino, José Alves. Crimes contra a ordem tributária. Brasília: Brasília Jurídica, 1999.


Notas:

[1]STF. HC 85.452 – rel. Min. Eros Grau, DJU 03.06.2005.

[2]STF. HC 81.929-0/RJ, 1ª Turma, rel. min. Sepúlveda Pertence, rel. para acórdão min. Cezar Peluso, j. 16.12.03, v.u., DJU 27.02.04, p. 27, nº 438

[3]Paulino, José Alves. Crimes contra a ordem tributária. Brasília: Brasília Jurídica, 1999, p. 128-129.

[4]TRF1ª Região, 3ª Turma, RCCR nº 2003.34.00.034748-2, Relator Juiz Cândido Ribeiro, Decisão 03/03/2004.

[5]TRF 5ª Região, ACR 2000.03.99.040481-8-SP, publicada do DJU de 24/11/03, relator o Juiz André Nekatschalow.

[6]LEMOS, Rubin. Parcelamento do Débito Tributário – enfoque autorizado pela Lei Complementar nº 104/2001. Brasília. Brasília Jurídica, 2002, p. 67.

Informações Sobre o Autor

Vanessa Teruya

Servidora Pública Estadual e especialista Pós graduação lato sensu em Direito Público Processo Civil e Ciências Criminais


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