Sumário: 1. Countertrade. 2. Barter. 3. Compensation. 4. Counterpurchase. 5. Buy-back. 6. Switch. 7. Regulamentação.
1. A countertrade
O contrato de troca é dos mais antigos, provavelmente anterior ao de compra e venda. O homem primitivo começou a praticar a troca desde o momento em que algumas coisas sobravam e outras lhe faltavam. Entrou em acordo com seu vizinho, a fim de ambos solucionarem o problema que os afligia, de mercadorias em excesso e em falta. Com a evolução das atividades econômicas, surgiu o contrato de compra e venda, incorporando os mesmos princípios de troca.
A troca (ou permuta ou escambo) é um contrato regulamentado pela nossa lei. O Código Civil o prevê em apenas um artigo, o 533, dizendo que se aplicam à troca as disposições referentes à compra e venda. A troca é, pois, um contrato, como o de compra de venda, de prestações recíprocas (ou bilateral), consensual, oneroso e comutativo, mediante o qual uma das partes se obriga a transferir à outra uma coisa, recebendo em contraprestação outra, diferente do dinheiro, chamado “preço” (res pro pretio) e a troca é a transferência de uma coisa por outra (res pro re). Na compra e venda há, pois, a intermediação da moeda, uma mercadoria intermediária. Não há dúvida, porém, de que há dois contratos irmãos, com muitos pontos de conexão e analogia entre ambos.
Considera-se a compra e venda o resultado da transformação do contrato de troca, conforme consta do próprio Digesto. Pouco a pouco, entretanto, a compra e venda foi-se tornando contrato usual e preponderante, suplantando o contrato que lhe deu origem, transformando-o num contrato subalterno e inexpressivo. Assim aconteceu no Brasil e no mundo inteiro.
Não é, todavia, o que ocorre no plano internacional. A transferência de mercadorias constitui um contrato importantíssimo no comércio internacional, da mesma forma que no nacional. Lutam os países para aumentar sua produção agrícola e industrial e para encontrar a solução para os bens que produz. O aperfeiçoamento da tecnologia faz aumentar a produção de bens e a sua oferta no mercado nacional. Muitos países, no entanto, necessitam de produtos variados, mas não têm moeda forte para pagar a compra desses produtos. Apenas um pequeno número de países ricos dispõe de numerário para pagar o preço das mercadorias adquiridas no mercado internacional.
Os países pobres, ou em desenvolvimento, como assim são chamados, constituem a maioria absoluta e o que caracteriza sua condição é não ter dinheiro. O Brasil é um exemplo; não temos dinheiro forte para pagar a compra de produtos de que necessitamos. Nosso dinheiro não é considerado moeda conversível, vale dizer, que pode ser trocada por outra. Temos, porém, produtos em sobra de que necessitam outros países, como açúcar, álcool, café, soja, milho, carne, couros, peles, madeiras, e tantos outros. O caminho que sobra para nós é propor esses produtos em troca dos que nos faltam, como trigo e petróleo. Eis porque, no comércio internacional, a troca é um valioso instrumento contratual para operar a transferência de mercadorias.
É também o porquê do desenvolvimento das operações de troca internacional de mercadorias, que, aos poucos, vão-se sofisticando e ampliando, apesar de não ser visto com simpatia pelos governos, pelos bancos e organizações internacionais e órgãos de financiamento. Não havendo dinheiro, não há inflação, taxa de juros, spread, FMI, EXIMBANK, Banco Central, déficits no balanço de pagamentos, moeda forte, endividamento, controles oficiais, OMC (ex-GATT).
O sistema de trocas internacionais de bens e serviços é conhecido internacionalmente como Countertrade e nos dias hodiernos se apresenta com cinco facetas primordiais, distinguindo os diversos tipos de operações: barter, compensation, counterpurchase, buy-back e switch.
2. Barter
O Barter é simples troca direta de bens ou serviços por outros, sem a intermediação da moeda. É formalizada em um único contrato, comprometendo-se o vendedor a transferir determinada mercadoria. Só há duas partes envolvidas e o preço das mercadorias é de somenos importância. Por exemplo: a Petrobrás contrata com um exportador de petróleo do Iraque e troca 10.000 barris de petróleo por 100 toneladas de frango.
Cada parte orça o preço de sua mercadoria, podendo constar no contrato um preço baseado na Bolsa de Mercadorias de algum país, um preço simbólico e em qualquer moeda. A troca de mercadorias é normalmente instantânea, com o embarque feito na mesma ocasião.
3.Compensation
A compensation é uma troca de mercadorias em que o vendedor exporta para o comprador, situado no estrangeiro, com a mercadoria avaliada em determinado valor, lançando-o a débito do comprador, sem a movimentação da moeda. O saldo financeiro dessa operação é acertado pela venda de uma mercadoria pelo devedor ao credor, compensando-se os débitos.
É diferente do Barter: neste há um só contrato e uma só operação. As duas partes cumprem simultaneamente suas prestações e não há conta corrente ou saldos devedores. Na compensation há um contrato geral ou um protocolo e, às vezes, até um contrato meramente verbal. Uma parte toma a iniciativa, exportando certa mercadoria ao comprador e lançando a débito do importador o valor dessa mercadoria. Posteriormente, o devedor-importador exporta para o credor outras mercadorias com o mesmo valor do débito, encerrando a conta corrente.
Nota-se que há um valor monetário como referência, tornando-se uma parte credora e a outra devedora numa conta corrente. Não há, contudo, pagamento em dinheiro, razão por que não se constitui uma compra e venda. As duas operações de troca não são realizadas simultaneamente como no Barter: uma mercadoria é enviada, e a outra, fornecida como pagamento, será enviada em outra ocasião. A mercadoria de pagamento será escolhida futuramente.
Por exemplo, a Petrobrás importa 10.000 barris de petróleo do Irã, ficando devedora de US$ 50.000 para com o exportador iraniano. Posteriormente, a Petrobras exporta para o Irã mercadorias no valor de US$ 50.000, que poderão ser frangos, águas, cereais ou qualquer outra, em combinação com as partes. No Barter as duas mercadorias são definidas no contrato único.
A parte que tomar a iniciativa, ou seja, efetuar a primeira exportação, deverá munir-se de garantias contra um possível inadimplemento do importador. Esta situação acontecerá sempre que um exportador tornar-se credor na clearing account.
A principal característica da Compensation é a de que o exportador pode transferir sua obrigação de compra a um terceiro, razão pela qual muitas vezes esse tipo de transação envolve vários países, todos eles entrando na clearing account. Para o importador-devedor, pouco importa quem comprar dele, pois o que lhe importa é livrar-se de seu débito.
4. Counterpurchase
É parecido com a Compensation, mas não há uma conta corrente com operações sucessivas. É uma operação única na qual existem dois contratos de compra recíproca. O primeiro contrato registra a venda de um produto e/ou serviço pelo exportador ao importador, e o segundo registra a obrigação de compra, pelo exportador, de mercadorias e/ou serviços ao importador. Há dois contratos simultâneos, mas independentes, embora devam ser ambos ligados a um protocolo.
É também chamado de counterdelivery, paraleltrade ou reciprocal trade. A primeira operação é individual e momentânea, mas o pagamento pelo importador pode ser feito em etapas e em prazo futuro. Envolve apenas dois países.
5. Buy-back
É um contrato pelo qual o exportador fornece ao importador uma instalação industrial com tecnologia, recebendo como pagamento mercadorias produzidas por essa instalação, por determinado período. O exportador é quase sempre um industrial, pois fornece equipamentos industriais; o importador é também um industrial, que manterá sua indústria com os equipamentos fornecidos pelo exportador.
Uma operação internacional de grande repercussão foi o contrato de Buy-back celebrado entre empresas da Áustria e da antiga União Soviética; a primeira fabricou grande quantidade de tubos para a construção de um gasoduto entre os dois países, instalando-os desde a Sibéria. Para pagar a importação dessa tubulação e dos serviços, a União Soviética forneceu à Áustria, por diversos anos, gás transportado pela tubulação fornecida.
Consta também que uma empresa industrial americana forneceu um fábrica de calçados para uma indústria de Franca, recebendo como pagamento calçados fabricados pela fábrica fornecida.
6. Switch
Não se diferencia muito da Compensation, mas o pagamento feito pelo importador não é efetuado por mercadoria in natura, mas por papéis de crédito que o exportador aceita como pagamento. É uma conjugação de troca internacional de mercadorias com o mercado internacional de capitais. Difere da compensation por ser um contrato bilateral, não entrando terceiros no contrato, a não ser com possível transferência de débito ou de crédito.
Por exemplo, a Petrobrás importa petróleo da Arábia Saudita. Entretanto, a Petrobrás realizou, para diversas empresas do mesmo país, exportação de produtos variados; como decorrência dessas exportações, a Petrobrás dispõe de Créditos Documentários, Letras de Câmbio, Cartas de Crédito e outros papéis. Transfere esses papéis para o exportador, que os transforma em pecúnia e satisfaz seu crédito.
O Switch não deixa de ser uma troca de mercadorias, embora o exportador-credor satisfaça seu crédito com o dinheiro que apura com os papéis de crédito. O pagamento não é feito, entretanto, diretamente ao exportador-credor, mas a um terceiro, transformando-se a exportação em crédito representado por títulos.
7. Regulamentação
Não se conhece convenção internacional que regulamente especificamente o contrato de troca internacional de mercadorias. Também não há organização internacional para acompanhar a prática internacional de permuta de mercadorias. Os motivos são vários, inclusive os já comentados neste assunto: não há interesse dos governos e dos bancos nesse tipo de operação comercial, mormente nos países ricos. A troca, como foi dito, atende mais aos interesses dos países pobres.
Todavia, no exame do direito interno de quase todos os países, a troca é um contrato previsto. É o que acontece em nosso Código Civil, no artigo 533. O Código Civil da França regulamenta a troca nos artigos 1.702 a 1707, com o nome de exchange, enquanto o Código Civil italiano trata da troca, com o nome de permuta, nos artigos 1.552 a 1.555. O Código Civil alemão (BGB), nos artigos 433 a 515, regulamenta a compra e venda e a troca num mesmo título.
Em todos os Códigos há um denominador comum: o de que ao contrato de troca aplicam-se as normas adotadas para o de compra e venda. Como o Direito comparado dos países juridicamente mais desenvolvidos constitui fonte do Direito Internacional, pode-se concluir que também na troca internacional devam ser aplicados os mesmos princípios e normas adotados na compra e venda internacional. Entre essas normas avulta-se a Convenção de Viena de 1980.
Cumpre ressaltar que a legislação de vários países preconiza a obrigatoriedade de ambas as partes, no contrato de troca, garantirem-se contra os efeitos da evicção e dos vícios redibitórios. Assim também estabelece a Convenção de Viena.
Professor aposentado, bacharel, mestre e doutor em direito pela Universidade de São Paulo, Presidente da Asssociação Brasileira de Arbitragem-ABAR, Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Comercial Visconde de Cairu.
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