Família – Hoje, agora, já, e para todos!

Não é à toa que os juristas têm verificado nos últimos anos a transferência da tônica legislativa em torno da família, de um plano coletivo de valores a serem assegurados pela lei, para um vetor individualista, redutor das disponibilidades próprias da sociedade conjugal e familiar. RUI GERALDO CAMARGO VIANA, Professor Titular de Direito Civil da USP assinala que “a disciplina legal da família, no atual estágio da civilização, vem procurando enfocar o casal, noção que está, gradativamente, sobrepondo-se à de cônjuges, insuficiente para abarcar todas as entidades familiares” ( A família, in Temas atuais de Direito Civil na Constituição Federal, Ed.RT, 2000, p.18). E no mesmo sentido e na mesma obra, a Profa. ROSA NERY ao comentar os avanços da Constituição de 1988, que não deixou de reconhecer o direito à moradia de uma família: “ o constituinte de 1988 preocupou-se com considerável parte da população brasileira residente nas cidades, principalmente nas cidades metropolitanas, que não dispõe de recurso  para aquisição regular da propriedade, nem tampouco, pela sua própria situação social, possui condições intelectuais de compreender os direitos que possui e as implicações dos contratos que faz”. E continua a autora na análise do direito à moradia da família, sustentando que “conquanto o fenômeno do aumento das cidades seja moderno, e cada vez mais crescente, a pretensão do homem em ter sua própria morada não se relaciona com o lugar escolhido para morar apenas. Relaciona-se, primeiro, com o desejo de ter o seu lar, o seu teto, independentemente de ser zona urbana ou zona rural” ( Idem ibidem, Preservação do direito ao domicílio, p.59). Através dos tempos e nas culturas, a família tem tomado diversas formas e experimentado diversas mudanças, mas jamais tem desaparecido e as garantias que cercam o núcleo familiar. 0 marxismo, através de um de seus profetas, viu a família ocidental como resultado de uma determinada ideologia (Engels, 1968, p.19‑25), estabelecendo a suposição de que o marxismo acabaria com ela; entretanto, estudos recentes mostram que na própria Rússia a família não desapareceu, apesar das tentativas, nem mesmo o direito ao patrimônio privado e o de construir impérios que cheguem ao conhecimento e todos os povos ocidentais. Outros estudiosos, mais liberais, sugerem que a família é uma estrutura caduca e anti‑funcional. Em conseqüência deste argumento, dizem os mais afoitos, é preciso buscar‑lhe alternativas; ao menos assim insinuam autores como Skinner (Walden Two) , Toffler (Choque do futuro), o movimento comunal (Tisserand,1980). 0 certo é que, apesar das opções, as pessoas continuam se casando e tendo filhos (Howard, 1978, 15-20), formando patrimônio e núcleos de garantias jurídicas ao patrimônio familiar e pessoal. Ao afirmarem alguns que a família é uma ordem “criada”, estamos de fato assegurando sua estabilidade e funcionalidade, pois só veremos o Criador, o Pai, atrás da mesma. E quando não existam os mecanismos naturais familiares ou não sejam suficientes as formas de família substituta da guarda, tutela ou adoção, seja o Estado-município obrigado a dar família social a quem não tem. O nome técnico da família social, a tutela administrativa de menores, tratado longamente em nossa obra O novo Direito da Criança e do Adolescente, trará complemento à Lei federal 7644 de 1987, que trata no país muito impropriamente da figura da mãe social, um emprego público com Carteira de Trabalho assinado e nenhum afeto. A finalidade da referida tutela estatal ou família social “strictu sensu” é “estabelecer um sistema de representação e assistência ao incapaz menor de idade, cujo poder familiar  dos pais naturais esteja extinto ou suspenso e, examinado o caso pelo magistrado, não seja possível a aplicação dos institutos de colocação em família substituta (guarda, tutela ou adoção estatutárias), permitindo-se ao Estado-Administração Pública, através do Conselho Tutelar municipal, que incumba entidade governamental ou não-governamental de zelar pela proteção integral do menor, possibilitando a ele o uso e disposição de seus direitos fundamentais” ( SERGIO MATHEUS GARCEZ, Ed. JULEX, 1994, p.64). Ou seja, dar família a quem não tem e lar a quem precisa.Entre as leis brasileiras mais importantes sobre o tema, por incrível que pareça, estão o Decreto nº 4.292/21 (a primeira do gênero em nosso país), que posteriormente culminou no Código de Menores de 1927 e o Código de Menores de 1979 (Lei nº 6.697/79), legislação anterior ao atual Estatuto da Criança e do Adolescente, de 13/07/90; todas essas leis não reconheceram de forma clara a existência do instituto no Brasil. O Estatuto da Criança e do Adolescente admitiu a existência e a necessidade do instituto da tutela administrativa de menores, mas não denominou o instituto nem lhe deu forma jurídica própria, com um direito correspondente, mas somente organismos tutelares administrativos. A finalidade do instituto, já adotado com outros nomes na França, Itália, Portugal, Inglaterra, México, Alemanha, Espanha, Argentina e Venezuela, é a obediência ao preceito constitucional do art. 204, inc. I, da Constituição Federal, que descentraliza as ações governamentais na área da criança e do adolescente, atribuindo-as ao Estado-Município e o fortalecimento dos modelos familiares nucleares. Em conclusão, uma proposta seria a de reforma da atual Lei nº 8.069/90 – o ECA‚ pela inclusão do instituto da tutela administrativa de menores, com o correspondente direito à família social, como atribuição do Poder Público dos municípios brasileiros – das Prefeituras, criando ambiente sócio-familiar a quem sempre ficaria condenado a não tê-lo, o que certamente violaria a Convenção Internacional dos Direitos da Criança e os próprios preceitos do Direito Natural.O próprio apóstolo Paulo em sua Epístola aos Efésios fornece alguns preceitos preciosos sobre o relacionamento entre o casal e entre pais e filhos, colocando o família intrinsecamente centrada nos cônjuges como fomentadora do clima de amor e de respeito. Afinal, a família é uma instituição de origem divina, tendo sido estabelecida pelo Criador para a felicidade do ser humano. Deve‑se, consequentemente realizarem-se todos os esforços para a preservação e fortalecimento da mesma, para que os seus membros e sobretudo os pequenos cidadãos nela gerados, nela encontrem todo o amparo centrante de seu ser. A estes deve ser assegurado, antes de tudo o que nos venha de cunho mais pessoal nos próprios cônjuges (abnegação ), o direito de crescer numa família para que recebam toda a assistência necessária ao seu pleno desenvolvimento espiritual, humano e psicológico.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Sergio Matheus Garcez

 

Advogado, Doutor em D. Civil pela USP, Pesquisador do CNPq e Professor Adjunto de D. Civil da Fac. Direito da Universidade Federal de Goiás (UFG)

 


 

Equipe Âmbito Jurídico

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