Resumo: Tem o presente trabalho o objetivo de abordar a fase inicial da execução coletiva e da execução individual da sentença coletiva, demonstrando a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil em vários aspectos da execução. Para uma melhor compreensão foi estabelecida uma distribuição dos capítulos que se inicia com algumas considerações preliminares, passando pelo núcleo principal do tema e, em seguida chegando aos aspectos da legitimidade e competência. As conclusões da pesquisa foram no seguinte sentido: necessidade de um tratamento legislativo mais adequado ao assunto; possibilidade de sentença de procedência líquida na ação coletiva; reconhecimento do TAC como título executivo extrajudicial que não inviabiliza a discussão judicial dos mesmos ou de outros pontos nele não previstos e, por conseguinte a inocorrência de veto implícito ao art. 113 do CDC; possibilidade da execução individual de sentença coletiva ser promovida no juízo do domicílio do liquidante por força do art. 98, § 2º, I do CDC e assegurada pelo princípio constitucional do acesso à justiça que deve nortear toda atividade de interpretação e ponderação das leis.
Palavras-Chave: Fase inicial. Execução Coletiva. Execução Individual. Sentença Coletiva.
Abstract: Is this work in order to address the initial phase of implementing collective and individual execution of the sentence conference, demonstrating the application as the Code of Civil Procedure in various aspects of implementation. For a better understanding has been established distribution of chapters begins with some preliminary considerations, through the main core of the issue and then coming to the aspects of legitimacy and competence. The research findings were the following sense: the need for legislative treatment most appropriate to the subject and the possibility of a sentence of source liquid in collective action; acknowledgment of the TAC as enforceable court that does not invalidate the lawsuit of the same or other points it does not expected and therefore the implicit veto inocorrência the art. 113 of the CDC and the possibility of individual execution of sentence be promoted in the collective mind of the defendant’s liquidator by virtue of art. 98, § 2, I assured the CDC and the constitutional principle of access to justice that should guide any activity of interpretation and consideration of laws.
Sumário: Introdução. 1. Considerações Preliminares. 2. Fase Inicial da Execução Coletiva e da Execução Individual da Sentença Coletiva. 3. Execução de Títulos Judicial e Extrajudicial. 4. Legitimidade para Execução. 5. Competência para Execução. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
Neste trabalho trataremos da fase inicial da execução coletiva e da execução individual da sentença coletiva. As considerações a respeito desse tema justificam-se não só pela sua importância, mas também pela polêmica em torno de vários aspectos, o que tem provocado freqüentes dúvidas e/ou divergências. Numa primeira fase serão tecidos alguns comentários preliminares para, em seguida, discorrermos sucintamente sobre os pontos que reputamos principais. Espera-se que esta modesta pesquisa possa contribuir de alguma forma para uma melhor compreensão do assunto.
1.CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
Inicialmente queremos registrar que o assunto objeto desta abordagem possui muitos tópicos polêmicos, embora pouco explorados, resultando disso a importância e pertinência do seu tratamento. Para melhor ilustrar esse cenário trazemos as colocações do Professor Gregório Assagra:
“a execução coletiva em relação aos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos é tema complexo, sem tratamento legislativo condizente com a sua amplitude e relevância. O CPC é diploma elaborado para a tutela de direito individual, de forma que sua aplicabilidade aos processos coletivos é limitada e condicionada. As últimas reformas do CPC não tiveram qualquer preocupação com a execução coletiva nas três dimensões abordadas no presente artigo.”[1]
O fato é que além de o Código de Processo Civil não ter sido projetado para as denominadas ações de massa, as últimas reformas levadas a efeito no seu texto, notadamente na parte que trata da execução, perderam a oportunidade de reverter essa situação.
Há um consenso de que o grande problema da ausência de normatividade adequada é, dentre outros, a questão da principiologia que rege o direito processual coletivo, ou seja, várias disposições do CPC aplicáveis aos processos individuais são incompatíveis com as ações coletivas lato sensu.
Aliado a isso é preciso lembrar que estamos passando por uma fase na qual as atenções estão todas voltadas para a Constituição Federal, onde todos os ramos do Direito estão sendo estudados e interpretados à luz da Carta Magna, incluindo o Direito Processual Civil. Fala-se até em Constitucionalização do Direito. Ao comentar essa transição José Ovalle Favela[2] afirma o seguinte:
“Hasta hace poco tiempo, los estudiosos del proceso civil se ocuparon em lo fundamental de las normas y los princípios contenidos em los códigos procesales civiles, com descuido del análisis de las normas y los princípios que establece la Constitución acerca de esta matéria.”
A partir desse enfoque dado à Lei Maior não se pode pensar nos dias atuais numa aplicação do processo civil dissociada do texto constitucional, seus princípios e regras. Fica mais fácil entender essa nova tendência se pensarmos que todas as leis e códigos derivam da constituição e com ela devem estar formal e materialmente de acordo, ou seja, não se admite que as normas jurídicas sejam contrárias à Constituição da qual se originaram, sob pena de ocorrer e ser declarada sua inconstitucionalidade com a posterior retirada de aplicabilidade do mundo jurídico.
Apesar da existência no nosso ordenamento jurídico de um denominado Microssistema Processual de Ações Coletivas, formado basicamente pela Constituição Federal, Lei da Ação Popular, Lei da Ação Civil Pública, Código de Defesa do Consumidor e por mais algumas leis especiais, o Código de Processo Civil continua sendo a lei de aplicação subsidiária, conforme se depreende dos vários dispositivos insculpidos nas referidas leis e que remetem o operador do direito aos seus procedimentos, sendo eles: art. 19 da Lei n.° 7.347/85; art. 90 da Lei n.° 8.078/90; art. 198 da Lei n.° 8.069/90; art. 7° da Lei n.° 4.717/65 e art. 83 da Lei n.° 8.884/94.
Historicamente as ações coletivas vêm se desenvolvendo desde que se percebeu que com o crescimento, dentre outros, econômico e demográfico das sociedades os conflitos antes individuais foram dividindo espaço com os problemas de massa, aqueles que afetam a um número maior de pessoas. Passou-se à preocupação e conseqüente positivação de direitos que extrapolam a esfera individual do cidadão, tais como o consumo, o meio ambiente, a ordem econômica etc. Categorias antes desamparadas passaram a ter proteção legal, como são o caso dos deficientes físicos, os idosos, as crianças e adolescentes etc. Não podemos perder de vista que as ações coletivas também surgiram como forma de racionalização do processo, no sentido de se garantir uma tutela mais efetiva sem correr o risco de decisões conflitantes nem da ocorrência de um colapso no Poder Judiciário decorrente de uma infinidade de ações tratando do mesmo assunto. Bem oportunas são as palavras de Elton Venturi [3] quando ao escrever sobre as aspirações econômicas da tutela jurisdicional coletiva afirma:
“O modelo processual coletivo foi concebido, neste passo, precisamente para viabilizar a implementação da referida fórmula econômica no intuito de garantir a dedução das pretensões meta-individuais com um máximo de efetividade e o menor ônus possível.”
Sem exagero poderíamos considerar essa como uma bem intencionada visão capitalista do Direito, especificamente no que toca à semelhança na busca da maior produtividade com um mínimo de desperdício.
Diante dessa e das outras também importantes aspirações, jurídica, social e política, necessária se faz uma mudança de paradigmas, seja para inserir no atual CPC normas do processo coletivo, seja para se criar um Código de Processos Coletivos a partir da compilação, aperfeiçoamento e autonomia da legislação atualmente existente. Comungamos do pensamento do Professor Português Miguel Teixeira de Sousa [4] quando assevera:
“Um regime que transpõe para o plano processual uma perspectiva individualista é naturalmente inadequado para a tutela jurisdicional dos interesses difusos. O que se pretende não é permitir que os interesses difusos possam ser defendidos em juízo como qualquer interesse individual, mas sim construir um regime que seja adequado às suas especialidades e possa dar expressão às suas particularidades.”
Feitas essas breves considerações introdutórias, passemos a tratar do tema delimitado pelo título deste trabalho.
2.FASE INICIAL DA EXECUÇÃO COLETIVA E DA EXECUÇÃO INDIVIDUAL DA SENTENÇA COLETIVA
Inicialmente devemos lembrar que nos termos do art. 95 do Código de Defesa do Consumidor, no caso de procedência da ação a condenação será genérica, sendo fixada apenas a responsabilidade do réu pelos danos causados. Isso significa que inevitavelmente, em se tratando de ação coletiva, a execução deverá ser precedida de uma liquidação para fins de apuração do valor a ser indenizado a cada um dos lesados. Diferentemente do nosso sistema, no Direito norte-americano o juiz na sentença quantifica os danos, estabelecendo o total a ser indenizado.
Como exceção à regra da condenação genérica, o § 3º do Art. 475-A determina ao juiz a obrigação de prolatar sentença líquida nos casos previstos no art. 275, letras ‘d’ e ‘e’, que são as hipóteses de ações de ressarcimento de danos em acidentes de veículos terrestres, assim como as de cobrança de seguro, relativas a acidentes de veículos.
Com relação à condenação genérica acima mencionada, há situações em que não existem obstáculos para o proferimento de uma sentença líquida que preveja o montante que cabe a cada um dos beneficiados em sede de ação coletiva para tutela de direitos individuais homogêneos, conforme sustentado em outra época pelo Professor Luiz Rodrigues Wambier.[5] A situação que exemplificaria essa possibilidade segundo ele seria a condenação do Instituto Nacional do Seguro Social ao pagamento a cada um dos aposentados de uma quantia específica a partir de determinada data. Muito embora esse posicionamento tenha sido revisto pelo ilustre professor [6] insistimos aqui em concordar com o entendimento ora apresentado. Cremos que nesse caso em particular não haveria nenhum problema para uma delimitação do valor a ser pago aos beneficiados pela sentença, pois sabemos que ações dessa natureza são facilmente mensuráveis, seja por se tratar de valores baseados em quantias pré-determinadas (ex: salário mínimo), seja por se tratar de valores a serem obtidos por mero índice de correção ou, ainda, em decorrência da natureza da obrigação a cumprir. Na pior das hipóteses, poderia ocorrer uma situação em que haveria liquidez para alguns e para outros não em virtude de uma variedade de situações e/ou valores. Nessa mesma linha de entendimento está Aluisio Gonçalves de Castro Mendes [7] que apresenta ainda outros argumentos:
“Porém, nem sempre haverá a ausência de determinação dos beneficiários da sentença e liquidez da condenação. Pode-se pensar, por exemplo, logo de início em sentenças declaratórias e constitutivas, que, pela sua própria natureza, não vão precisar de futura liquidação ou execução, como no caso da declaração de inexigibilidade de tributos a serem recolhidos por contribuintes de determinado imposto ou a anulação de cláusula contratual em relação de consumo, na qual os beneficiários já estejam, desde o início, definidos. Ou mesmo em sentenças condenatórias de obrigações de fazer, não fazer ou entrega de coisa, na qual o objeto da obrigação já esteja determinado. Imagine-se, verbi gratia, na determinação dirigida à instituição bancária para que não cobre tarifas nas contas salário dos funcionários públicos municipais, tendo, obviamente, a demandada ciência das contas que recebem o referido crédito, não necessitando, portanto, de qualquer atividade extra a ser realizada em outra fase ou processo, para que possa dar cumprimento ao decidido. Do mesmo modo, para uma obrigação de fazer, para que uma empregadora ou ente público efetue o crédito, em folha de pagamento, de determinada vantagem, como um adicional a incidir percentualmente sobre o salário ou vencimento. Registre-se que não existirá, no último exemplo, até mesmo uma grande distinção prática entre uma obrigação de fazer, como inserir em folha de pagamento no futuro, e uma obrigação de pagar, se a mesma já se tornou devida, havendo prestações pretéritas a serem pagas.”
Tendo em vista que nessa passagem o citado autor faz referência à declaração de inexigibilidade de tributos, cumpre-nos ressaltar que o parágrafo único do art. 1° da Lei da Ação Civil Pública, incluído pela Medida provisória nº 2.180-35 de 2001, fala, ao contrário, da impossibilidade do manejo desse tipo de ação judicial tendo como objeto questões que envolvam, entre outros assuntos, tributos.
Outro ponto importante a ser considerado é que nas ações civil pública e coletiva em sentido amplo, em regra, os recursos terão apenas efeito devolutivo (artigos: 14 da Lei 7.347/85; 85 da Lei 10.741/03 e 198, VI da Lei 8.069/90) uma vez que fica facultado ao juiz, apenas se houver probabilidade de ocorrência de dano de difícil reparação à parte, conceder também o efeito suspensivo. Nesse aspecto o processo coletivo também se diferencia do processo individual onde, à exceção dos recursos elencados no art. 497 do CPC, todos os demais possuem efeito suspensivo. Conseqüentemente, via de regra, será passível de execução provisória a decisão pendente de recurso nas ações coletivas.
No que se refere à liquidação de sentença merece ser destacado que antes da reforma processual realizada pela Lei n° 11.232/05 esse procedimento era um processo preparatório que antecedia o início da execução, cujo encerramento se operava por sentença atacável pelo recurso de apelação. Pelo atual sistema, a liquidação de sentença tornou-se um incidente processual, realizado por mera petição, donde se dá ciência ao executado através de intimação pessoal do seu advogado e o seu encerramento ocorre por meio de decisão interlocutória da qual caberá recurso de agravo de instrumento.
O procedimento para liquidação da sentença nas ações coletivas será o dos artigos 475-A e seguintes do CPC, onde se prevê três modalidades de liquidação, a depender do caso, que serão: por cálculo, quando a determinação do valor depender apenas de cálculo aritmético; por arbitramento, quando determinado na sentença ou convencionado pelas partes, assim como quando assim o exigir a natureza do seu objeto e por artigos, quando para se determinar o valor houver necessidade de alegar e provar fato novo.
Se porventura na condenação houver uma parte líquida e outra ilíquida, a fim de que a execução não seja totalmente prejudicada, pela regra do art. 475-J do CPC é lícito ao credor promover concomitantemente a execução da primeira e, em autos distintos, a liquidação da última.
É necessário ressaltar que nas ações coletivas enquanto a liquidação individual promovida pela vítima ou seus sucessores visa definir o quantum devido a cada uma, a liquidação coletiva promovida pelos entes legitimados busca mensurar o montante que será destinado ao Fundo criado pela lei da ação civil pública.
Essa execução coletiva com destinação do montante para o Fundo da LACP prevista no art. 100 do CDC foi inspirada no denominado FLUID RECOVERY das class actions do Direito norte-americano. Referido instituto reflete a preocupação do legislador na busca de indenização pelos danos a direitos individuais naquelas situações de inércia parcial ou total das vítimas. Sabemos que há situações em que um cidadão considerado individualmente não terá “forças” para pleitear judicialmente contra uma grande empresa ou, como acontece muito nas relações de consumo em que a quantidade de alimento é inferior ao informado na embalagem, o dano sofrido seja tão pequeno que não ofereça motivos suficientes para o ingresso da ação ou da execução individual, muito embora esse dano tenha proporções gigantescas se considerado globalmente.
3. EXECUÇÃO DE TÍTULOS JUDICIAL E EXTRAJUDICIAL
Para as execuções de título judicial uma importante inovação trazida pela Lei n° 11.232/05 foi o sincretismo processual que através do cumprimento de sentença previsto no art. 475-I do CPC transformou o antigo processo de execução em mera fase do processo de conhecimento. A partir dessa mudança – que já não é tão recente, mas convém ser lembrada – passou-se a oferecer ao autor, que teve reconhecido o seu direito na sentença, a possibilidade de fazer cumprir a decisão judicial de duas formas, a saber: a) Se a sentença for mandamental (obrigação de fazer, não fazer ou entrega de coisa), far-se-á o cumprimento pela forma prevista nos arts. 461 e 461-A; b) Se for condenatória envolvendo quantia certa, far-se-á na forma do art. 475-J e seguintes do CPC.
Não é redundante informar que o cumprimento de sentença é um incidente posterior ao da liquidação, quando essa for necessária, ou aplicável diretamente quando a sentença for exeqüível.
A partir de uma ou outra das hipóteses acima mencionadas poderá o credor exigir o cumprimento forçado da decisão e, em havendo resistência por parte do devedor, promover a penhora e posterior avaliação e hasta pública dos respectivos bens ou, ainda, opcionalmente adjudicá-los como forma de quitação do débito.
A execução sem dúvida alguma é a fase mais esperada pelo credor, que após passar pela angustiante espera do provimento judicial, finalmente verá de perto a materialização do seu direito. Muito pertinente a observação feita por José Miguel Garcia Medina no sentido de que a partir da concepção da tutela jurisdicional executiva não se concebe restringir o conceito de jurisdição apenas como a atividade estatal de dizer o direito.[8] Referido autor arremata dizendo o seguinte:
“Não mais se questiona, hoje, sobre o caráter jurisdicional da execução forçada, podendo-se dizer que há, dentre as diversas modalidades de tutela jurisdicional, a tutela jurisdicional executiva. A concepção que temos de Jurisdição, como atividade do Estado voltada à realização do Direito, restaurando a ordem jurídica violada ou evitando que tal violação ocorra, impõe que se inclua a execução judicial como uma das manifestações essenciais de tutela jurisdicional.”[9]
É verdade que recentemente a execução vem recebendo mais atenção e importância através de inúmeras reformas legislativas realizadas em prol do seu aperfeiçoamento. Entretanto, não só em matéria de execução individual, mas principalmente no que se refere às execuções coletivas, muito ainda há de ser feito em busca da maior efetividade da tutela jurisdicional executiva.
Finalmente sobre o cumprimento de sentença, ressaltamos ainda que esse procedimento conta com a possibilidade de aplicação subsidiária das normas que regem o processo de execução de título extrajudicial, no que couber, conforme se extrai do art. 475-R do CPC.
No tocante à execução de título extrajudicial, nos restringiremos aqui apenas ao Termo de Ajustamento de Conduta – T.A.C., também denominado Compromisso de Ajustamento de Conduta ou Compromisso de Ajustamento às Exigências Legais (CACEL), tendo em vista as discussões acerca da sua natureza jurídica.
O art. 585, VIII do CPC estabelece que são títulos executivos extrajudiciais, entre outros, “todos os demais títulos a que, por disposição expressa, a lei atribuir força executiva”. Já o art. 5º, § 6º da Lei da Ação Civil Pública e o art. 211 do Estatuto da Criança e do Adolescente prevêem “Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais que terá eficácia de título executivo extrajudicial”. A única diferença é que o Código de Defesa do Consumidor ao incluir o § 6º ao art. 5º da LACP acrescentou a expressão “mediante cominações” que consideramos mais acertada.
Já que estamos falando do TAC, convém lembrar a sua origem no nosso ordenamento jurídico. Ao contrário do que muitos pensam, não foi com a Lei da Ação Civil Pública que ele surgiu. Como didaticamente afirma Hugo Nigro Mazzilli[10] esse Termo teve origem da seguinte forma:
“O compromisso de ajustamento de conduta não foi introduzido no Direito brasileiro pela Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85), mas sim surgiu alguns anos depois, já no início da década de 1990, primeiro quando da edição do Estatuto da Criança e do Adolescente e, em seguida, foi generalizado pelo Código de Defesa do Consumidor. Por meio desse instrumento, os órgãos públicos legitimados à ação civil pública ou coletiva passaram a poder tomar do causador de danos a interesses difusos e coletivos, o compromisso escrito de que estes adequassem sua conduta às exigências da lei, sob pena de cominações, previstas no próprio termo. Por força das leis que o instituíram, em caso de descumprimento das obrigações nele assumidas, o compromisso passa a constituir título executivo extrajudicial.”
Embora expressamente previsto em lei como acima demonstrado, ainda existe discordância acerca da natureza jurídica de título executivo extrajudicial atribuída ao TAC. O argumento é de que o § 3º do Art. 82 do CDC, que conferia inicialmente a ele esse status, foi vetado pelo Presidente da República. Outro argumento é no sentido de que seria juridicamente imprópria a equiparação de compromisso de ajustamento administrativo a título executivo extrajudicial, uma vez que o objetivo do compromisso seria a cessação ou a prática de determinada conduta, ao contrário da entrega de coisa certa ou pagamento de quantia fixada. Ocorre que, não obstante o mencionado veto, o presidente sancionou integralmente os §§ 5º e 6º do art. 113 do CDC que conferiram a atual redação do art. 5º, § 6º da LACP. Essa sanção provocou o seguinte questionamento: houve “veto implícito”? A doutrina majoritária e a jurisprudência pacífica do STJ entendem que não e, portanto, admitem a validade do TAC com as prerrogativas que a lei lhe confere. Trazemos para exemplificar um julgado do STJ nesse sentido:
“RECURSO ESPECIAL N° 222.582 – MG (1999/0061543-3) Processo Civil. Ação Civil Pública. Compromisso de acertamento de conduta. Vigência do § 6°, do artigo 5o, da Lei 7.374/85, com a redação dada pelo artigo 113,
do CDC. A referência ao veto ao artigo 113, quando vetados os artigos 82, § 3°, e 92, parágrafo único, do CDC, não teve o condão de afetar a vigência do § 6o, do artigo 5o, da Lei 7.374/85, com a redação dada pelo artigo 113, do CDC, pois inviável a existência de veto implícito. (grifamos) 2. Recurso provido.”
Superado esse questionamento, cumpre salientar que o título gerado pelo TAC não é constituído em benefício do ente público que o toma, mas sim em prol de todos os lesados. Tanto é assim que o TAC servirá como titulo executivo em favor dos beneficiados para os casos de lesão a interesses individuais homogêneos, ou seja, cada um poderá executá-lo individualmente. Outro ponto que merece ser destacado é que todos os fatos não contemplados no Termo também podem ser incluídos em ações individuais, seja por meio de pedido mais completo ou até mesmo diverso do que foi ajustado. Isso implica dizer que o TAC não pode em hipótese alguma inviabilizar o acesso à justiça, tanto individual quanto coletivo.
Esse ponto parece muito tranqüilo, não só pelo fato do acesso à justiça ser um princípio constitucional, mas também se considerando que um dos anseios do processo coletivo é o da máxima efetividade da sua tutela, o que nos permite sustentar que não seria razoável um Termo de Ajustamento de Conduta mal elaborado inviabilizar o acesso do cidadão à justiça e à satisfação do dano sofrido.
4. LEGITIMIDADE PARA EXECUÇÃO
Os legitimados tanto para liquidação quanto para execução coletivas estão elencados nos arts. 82 do Código de Defesa do Consumidor e 5º da Lei da Ação Civil Pública que são entre outros o Ministério Público e a Defensoria Pública, os Entes Públicos União, Estados, Distrito Federal e Municípios, as entidades da administração pública direta e indireta e as associações legalmente constituídas, ambas constituídos para proteção desses direitos.
Já os legitimados para a liquidação e execução individual da sentença coletiva são ordinariamente a vítima e seus sucessores, bem como os legitimados do art. 82, conforme art. 97 ambos do CDC.
Subsidiariamente, em virtude da inércia ou insuficiência na habilitação dos interessados, teremos as seguintes hipóteses: pelo Código de Defesa do Consumidor, após 01 ano sem habilitação dos interessados, os legitimados do art. 82; Pela Lei da Ação Civil Pública, decorridos 60 dias do trânsito em julgado da sentença, inerte o autor, o MP deverá fazê-lo, facultado igual iniciativa aos demais legitimados do art. 5°; Pela Lei da Ação Popular, transcorridos 60 dias da publicação da sentença condenatória de 2ª instância, inerte o autor popular ou terceiro, o MP deverá fazê-lo.
Com relação a essa legitimação dos demais entes em decorrência da insuficiência de habilitação dos interessados trata-se de uma norma cujo critério do que virá a ser número suficiente ou, como consta da norma do art. 100 do CDC, “número compatível com a gravidade do dano”, caberá ao juiz determiná-los no caso concreto. Ao escrever sobre a posição do juiz no Código de Processos Coletivos para Ibero – América, Lorenzo M. Bujosa Vadell [11] fala sobre a discricionariedade do juiz nessa apreciação que no seu correto entendimento não se deve confundir com arbitrariedade. Ele sustenta o seguinte ponto de vista:
“Se regulan las relaciones entre las liquidaciones y ejecuciones de naturalezas distintas en los artículos 27 y 28, pues establecen que una vez trascurrido el plazo de un año sin la comparecencia in-di-vidual de los interesados en número representativo compatible con la gravedad del daño, los le-gitimados podrán promover la liquidación y ejecución colectiva. Como se observa fácilmente, esto supone hacer depender la ejecución de uma decisión discrecional del Juez, que como hemos reiterado dista de significar lo mismo que arbitraria: el juez debe apreciar las circunstancias a las que se refiere el texto legal y obrar en consecuencia, bien es verdad que estamos ante conceptos jurídicamente inde-terminados que deberán ser llenados de contenido, bien por las leyes nacionales de adaptación, bien por la valoración ponderada de criterios y elementos confluyentes por parte del Juez competente.”
Apesar de ser uma decisão discricionária, o juiz deverá levar em consideração a quantidade de pessoas que já pleitearam a indenização (número de habilitados), assim como qual a proporção do dano na sociedade, tudo isso contribuindo para uma majoração ou minoração do valor a ser fixado na reparação fluída.
Em se tratando da legitimidade do Ministério Público para promover a execução individual existe muita discussão acerca dessa possibilidade, uma vez que a ele não caberia a defesa de interesses individuais homogêneos, mas tão somente de interesses difusos e coletivos conforme estabelecido no art. 129, III da Constituição Federal de 1988. Entretanto, cresce o entendimento de que essa legitimidade ocorreria na hipótese desses interesses individuais homogêneos trazerem uma carga considerável de coletividade, ou seja, tiverem uma repercussão para além do âmbito individual de cada cidadão lesado.
Outra discussão na doutrina é sobre a contagem do prazo para habilitação da liquidação previsto no art. 100 do CDC: o termo inicial desse prazo será o da publicação do edital para divulgação da sentença coletiva, alertando os interessados da fase de habilitação ou da publicação da sentença? A polêmica ocorreu em virtude do veto ao art. 96 que previa o seguinte: “Transitada em julgado a sentença condenatória, será publicado edital, observado o disposto no art. 93.” Entretanto, compartilhamos do entendimento de que o dies a quo desse prazo será o da publicação do edital para divulgação da sentença coletiva alertando os interessados da fase de habilitação.
Já com relação ao prazo para execução, aplica-se a Súmula 150 do Supremo Tribunal Federal onde está previsto que a prescrição da execução será de mesmo prazo para a prescrição da ação.
5. COMPETÊNCIA PARA EXECUÇÃO
A competência para execução está regulamentada no art. 98 do Código de Defesa do Consumidor que prevê o seguinte:
“Art. 98 …
§ 2° É competente para a execução o juízo:
I – da liquidação da sentença ou da ação condenatória, no caso de execução individual;
II – da ação condenatória, quando coletiva a execução.”
A grande discussão em torno da competência para execução individual surgiu em virtude do veto ao parágrafo único do artigo 97 do Código de Defesa do Consumidor onde estava previsto o seguinte: “A liquidação de sentença, que será por artigos, poderá ser promovida no foro do domicílio do liquidante, cabendo-lhe provar, tão-só, o nexo de causalidade, o dano e seu montante.” (grifamos) Como se pode notar a maioria das divergências surgiram em decorrência de vetos a alguns artigos do CDC. A partir deste último veto as opiniões se dividiram em torno da possibilidade ou não do liquidante executar a sentença coletiva no foro do seu domicílio.
Se fosse só pelo veto acredito que não haveria tanta dúvida, mas o fato é que o inciso I contido no § 2º do art. 98 do CDC fala expressamente em juízo da liquidação da sentença e em juízo da ação condenatória numa clara e acertada diferenciação entre eles, o que a nosso ver não provoca dúvidas quanto à sua independência.
Entendo, com a devida vênia, que o dispositivo é muito claro e objetivo, cuja finalidade é proporcionar ao liquidante a faculdade de propositura da liquidação e posterior execução no foro do seu domicílio ou, se preferir, no foro da ação condenatória. Interpretar diferente seria equivocado considerando que isso prejudicaria o direito do beneficiado pela decisão de ter acesso à justiça e, conseqüentemente, poder receber a devida reparação pelo dano sofrido, tornando ineficaz a tutela coletiva. Em se tratando de competência, o assunto tem disposição expressa e especial no nosso microssistema processual coletivo como mostrado acima, não se aplicando nesse caso a regra geral contida no Código de Processo Civil.
A fim de exemplificar melhor o que estamos sustentando, trazemos um julgado muito emblemático desse entendimento proferido pelo eg. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná [12] no Agravo de Instrumento n.º 138020-5:
“DECISÃO: ACORDAM os integrantes da Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso, nos termos do voto do relator.
EMENTA: Agravo de Instrumento. Exceção de incompetência. Execução de sentença. Ação Civil Publica. Direitos individuais homogêneos. Foro do consumidor. Admissibilidade. Regra do CPC excepcionada (art. 575, II).
“A execução da sentença condenatória, na ação civil publica, não segue a regra geral do Código de Processo civil (art. 575, II), mas a especial inscrita no código de Defesa do Consumidor, que reconhece ser competente para a execução individual de sentença “o juízo da liquidação da sentença ou da ação condenatória” (art. 98, 2º, inc. I, Lei n.º 8.078/90).
“Para o caso, mesmo dispensada a liquidação por procedimento próprio, pois que feita por mero cálculo, entende-se como equivalente ao juízo da liquidação o do domicilio do credor-consumidor (interpretação conjunta do art. 98, § 2º , I com os art. 6, VII e VIII e 101, I do CDC).
Agravo não provido.”
Aos que pensam de forma contrária fazemos a seguinte indagação: se não fosse possível para o lesado executar individualmente a sentença coletiva no foro do seu domicílio, de que adiantariam todas as reformas processuais e elaboração das leis que tratam das ações coletivas e todo o anseio de facilitar o acesso do jurisdicionado à justiça, a busca pela racionalização do processo e da efetividade da tutela coletiva, que não se resume no simples provimento de reconhecimento do direito? Não se trata aqui de forçar uma interpretação mais benéfica, não obstante ela seria também aceita em função do objetivo maior da lei e dos princípios que regem nosso sistema jurídico, do princípio constitucional da defesa do consumidor previsto no Art. 170, V da CF-88, bem como e ainda no seu art. 5º, XXXII, mas o fato é que essa permissão está expressamente inscrita no art. 98, I do Código de Defesa do Consumidor e por reflexo se estende não somente às ações que tratam de consumidores, mas à defesa de todos os direitos e interesses difusos, coletivos e individuais por força do Art. 21 da Lei da Ação Civil Pública.
Não só a questão da competência, mas todas as outras devem ser interpretadas de maneira a não inviabilizar o princípio constitucional do acesso à justiça que tanto insistimos em ressaltar e cuja importância é brilhantemente retratada por Cândido Rangel Dinamarco [13]:
“[…] Mais do que um princípio, o acesso à justiça é a síntese de todos os princípios e garantias do processo, seja no plano constitucional ou infraconstitucional, seja em sede legislativa ou doutrinária e jurisprudencial. Chega-se à idéia do acesso à justiça, que é o pólo metodológico mais importante do sistema processual na atualidade, mediante o exame de todos e de qualquer um dos grandes princípios”.
Diante dessas considerações e sob o prisma da instrumentalidade do processo, mesmo que não houvesse disposição a respeito, entendemos perfeitamente cabível a execução individual da sentença coletiva no foro de domicílio do credor não só pelos vários dispositivos do nosso ordenamento jurídico, mas também pelos princípios constitucionais e processuais que regem nosso sistema.
CONCLUSÃO.
Pelo exposto neste trabalho foi constatado que não existe tratamento legislativo adequado para o procedimento da execução coletiva e execução individual de sentença coletiva. O tema é relegado à uma aplicação subsidiária do CPC. Propomos inclusive a inserção de normas do processo coletivo no CPC ou a criação de um Código de Processo Coletivo a partir do aperfeiçoamento e compilação da legislação esparsa existente.
Mostrou-se que é possível o proferimento de sentença líquida quando procedente a ação coletiva, notadamente nos casos de sentenças mandamentais, entre outras.
Foi demonstrado que o TAC além de previsto em lei é aceito tanto na doutrina quanto na jurisprudência como título executivo extrajudicial, não tendo havido veto implícito ao art. 113 do CDC, bem como de que o seu conteúdo não tem o condão de inviabilizar a discussão judicial dos mesmos ou de outros pontos não contemplados.
Comprovou-se que a execução individual de sentença coletiva pode ser promovida tanto no juízo do domicílio do liquidante, quanto no da ação condenatória por força do disposto no art. 98, § 2º, I do CDC e do princípio constitucional do acesso à justiça, sendo que esse princípio deve nortear todo trabalho de interpretação e ponderação das normas jurídicas.
Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Uberlândia – UFU. Mestrando em Direitos Coletivos – Cidadania – Função Social pela Universidade de Ribeirão Preto – UNAERP. Servidor público federal do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais TRE-MG – Chefe de Cartório da 277ª Zona Eleitoral de Uberaba.
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