A expressão “Fazenda Pública” é utilizada quando há litígio envolvendo pessoa jurídica de direito público interno, ou seja, litígios envolvendo os entes políticos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) e as entidades da Administração Indireta com personalidade jurídica de direito público (autarquias e fundações públicas). Não podemos olvidar que as agências executivas e reguladoras com características especiais possuem natureza jurídica da autarquia e por isso também são caracterizadas como pessoas jurídicas de direito público. O mesmo se diga em relação aos “Correios”, que é exceção à regra.
Apenas para esclarecimentos, tais litígios não ficam restritos somente quando envolver direito financeiro, como era a idéia trazida no passado, mas também em litígios que trazem, por exemplo, temas de direito difuso, como o meio ambiente, a saúde, proteção a vida, dentre outros.
Processualmente, a Fazenda Pública goza de certas prerrogativas e garantias, bem como existem procedimentos que lhes são próprios. Dentre as garantias, encontramos o reexame necessário, cujas hipóteses encontram-se nos casos insertos no artigo 475 do CPC.
“Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:
I – proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público;
II – que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública (art. 585, VI).
§ 1o Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação; não o fazendo, deverá o presidente do tribunal avocá-los.
§ 2o Não se aplica o disposto neste artigo sempre que a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos, bem como no caso de procedência dos embargos do devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor.
§ 3o Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente.”
Convém ressaltar que o reexame necessário não vem descrito no rol taxativo dos recursos previstos no artigo 496 do Código de Processo Civil. Vejamos:
“Art. 496. São cabíveis os seguintes recursos:
I – apelação;
II – agravo;
III – embargos infringentes;
IV – embargos de declaração;
V – recurso ordinário;
Vl – recurso especial;
Vll – recurso extraordinário;
VIII – embargos de divergência em recurso especial e em recurso extraordinário.”
Entretanto, nas precisas lições do professor e doutrinador Fredie Didier Jr. pode-se dizer que “o reexame necessário condiciona a eficácia da sentença à sua reapreciação pelo tribunal ao qual está vinculado o juiz que a proferiu. Enquanto não for procedida à reanálise da sentença, esta não transita em julgado, não contendo plena eficácia”.
No STJ, havia divergência entre as duas Turmas especializadas que compõem a Primeira Seção. Uma entendia que, para o manejo do recurso especial pela Fazenda Pública, bastava que a matéria objeto do recurso tivesse sido apreciada pelo Tribunal de origem, seja em grau de apelação, seja pelo reexame necessário. A outra entendia que, não havendo o recurso voluntário da apelação pelo ente público, operava-se a preclusão lógica e por isso tornava-se inadmissível o recuso especial.
Assim, visando unificar aquela divergência, a Primeira Seção daquela Corte havia se pronunciado no sentido de que, não havendo o manejo do recurso de apelação pelo ente público, quando vencido em primeiro grau de jurisdição, não poderia este apresentar o recurso especial por entender haver preclusão lógica.
Entretanto, recentemente, o tema foi levado à apreciação da Corte Especial do STJ que acabou se posicionando de maneira diversa daquela orientação advinda da 1ª Seção, ou seja, é perfeitamente possível à Fazenda Pública o manejo do recurso especial em reexame necessário.
Diante disso, diversos julgamentos vêm sendo proferidos no sentido de não haver qualquer tipo de preclusão na ausência de apelação, sendo, portanto, perfeitamente possível a interposição de recurso especial contra acórdão que julga o reexame necessário.
Ora, havendo a obrigatoriedade da remessa necessária, por obvio a matéria será revista pelo Tribunal, daí o motivo da Fazenda Pública não precisar interpor o apelo porque a regra lhe ampara e garante o reexame da decisão. Não obstante, pode ocorrer erro de julgamento ou erro de procedimento no acórdão que apreciou o reexame, daí ser necessária a interposição do recurso especial.
Diversos julgados do STJ podem ser colhidos acerca da matéria, onde destacamos:
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL DE INICIATIVA DO INCRA. REMESSA NECESSÁRIA. AUSÊNCIA DE APELAÇÃO POR PARTE DA FAZENDA PÚBLICA. PRELIMINAR DE OCORRÊNCIA DE PRECLUSÃO LÓGICA PARA A INTERPOSIÇÃO DE RECUSO ESPECIAL AFASTADA. ORIENTAÇÃO FIRMADA PELA CORTE ESPECIAL. ALEGADA VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF. AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA. INDENIZAÇÃO. JUROS COMPENSATÓRIOS. IRRELEVÂNCIA DE O IMÓVEL SER IMPRODUTIVO.
1. Prevaleceu no âmbito da Primeira Seção desta Corte entendimento pelo não conhecimento do recurso especial pela ocorrência de preclusão lógica em relação ao recurso especial quando não há a interposição de apelação cível contra a sentença submetida a reexame necessário. Tal orientação foi firmada no julgamento do Recurso Especial n. 1.052.615/SP, da relatoria da Ministra Eliana Calmon (DJe 18/12/2009). Todavia, a Corte Especial, na assentada de 29 de junho de 2010, por ocasião do julgamento do RESP 905.771/CE, da relatoria do Ministro Teori Albino Zavascki, modificou o posicionamento em referência, decidindo que o comportamento omissivo da Fazenda em interpor recurso de apelação não configura preclusão lógica para um futuro recurso para as instâncias extraordinárias. (…)” (STJ – Corte Especial – Resp. 897.265/RO (2006/0224456-5) – Rel. Min. Mauro CAMPBELL MARQUES – Dje – 30/09/2010).
“PROCESSUAL CIVIL – EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA – REEXAME NECESSÁRIO – AUSÊNCIA DE APELAÇÃO DO ENTE PÚBLICO – PRECLUSÃO LÓGICA AFASTADA – CABIMENTO DO RECURSO ESPECIAL. 1. A Corte Especial, no julgamento do REsp 905.771/CE (rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 29/06/2010, acórdão pendente de publicação), afastou a tese da preclusão lógica e adotou o entendimento de que a Fazenda Pública, ainda que não tenha apresentado recurso de apelação contra a sentença que lhe foi desfavorável, pode interpor recurso especial. 2. Embargos de divergência conhecidos e providos.” (STJ – Corte Especial – EResp 1119666/RS (2010/0065294-1 – 08/11/2010) – Rel. Min. Eliana Calmon, julgamento 01.09.2010, unânime)
“PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. REQUISITO DE ADMISSIBILIDADE. RECURSO INTERPOSTO PELA FAZENDA PÚBLICA CONTRA ACÓRDÃO QUE NEGOU PROVIMENTO A REEXAME NECESSÁRIO. PRELIMINAR DE PRECLUSÃO LÓGICA (POR AQUIESCÊNCIA TÁCITA) CONTRA A RECORRENTE, QUE NÃO APELOU DA SENTENÇA: IMPROCEDÊNCIA. PRECEDENTES DO STJ E DO STF. NO CASO, ADEMAIS, ALÉM DE ERROR IN JUDICANDO, RELATIVAMENTE À MATÉRIA PRÓPRIA DO REEXAME NECESSÁRIO, O RECURSO ESPECIAL ALEGA VIOLAÇÃO DE LEI FEDERAL POR ERROR IN PROCEDENDO, OCORRIDO NO PRÓPRIO JULGAMENTO DE SEGUNDO GRAU, MATÉRIA A CUJO RESPEITO A FALTA DE ANTERIOR APELAÇÃO NÃO OPEROU, NEM PODERIA OPERAR, QUALQUER EFEITO PRECLUSIVO. PRELIMINAR DE PRECLUSÃO AFASTADA, COM RETORNO DOS AUTOS À 1ª. TURMA, PARA PROSSEGUIR NO JULGAMENTO DO RECURSO ESPECIAL.” (STJ – Corte Especial – REsp 905.771/CE, rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 29/6/2010, DJe de 19/8/2010).
Diante disso, a omissão da Fazenda Pública em não apresentar o recurso de apelação não significa que houve a concordância da mesma com a sentença que lhe fora desfavorável porque a matéria será apreciada pelo Tribunal em sede de reexame necessário e o acórdão a ser proferido terá o efeito substitutivo da sentença de 1º grau, daí o motivo de não haver a preclusão lógica da matéria do reexame, mormente quando não houve o trânsito em julgado contra a Fazenda Pública. Assim, mesmo que o ente público não tenha apresentado o recurso da apelação contra a sentença de 1ºgrau, o manejo do recurso especial contra o acórdão do Tribunal que reexaminou a matéria é perfeitamente possível.
Corroborando o entendimento acima, vejamos o que diz a Súmula 325 do STJ: “A remessa oficial devolve ao Tribunal o reexame de todas as parcelas da condenação suportadas pela Fazenda Pública, inclusive dos honorários de advogado”. Ademais, poderia ainda ocorrer erros no acórdão do reexame necessário que enseja a interposição do recurso especial.
Advogado. Pós-graduando lato sensu em direito público e pós-graduando em ciências penais.
Os danos existenciais representam uma modalidade específica de dano imaterial que surge quando uma pessoa…
O direito brasileiro prevê diferentes formas de indenização para reparar prejuízos causados por atos ilícitos…
A espondilodiscoartrose é uma doença crônica que causa desgaste nas articulações da coluna, afetando ossos,…
A espondilite anquilosante é uma doença crônica e progressiva que pode causar impactos significativos na…
A espondiloartrose anquilosante, também conhecida como espondiloartrite em fases iniciais, é uma doença inflamatória crônica…
Como reverter um indeferimento do INSS? Para reverter um indeferimento do INSS, o segurado pode…