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Filosofia do Direito: a cidadania em Rousseu e Marx

Tomando por base o pensamento de Rousseau e a construção da teoria marxista, o autor discorre sobre a idéia  de cidadania que leva em  consideração seus  elementos integrantes, etimológica e historicamente a luz da jusfilosofia. A partir daí, a cidadania é refletida na ótica da filosofia jurídica como sendo uma garantia de direito fundamental que requer do cidadão a participação ativa na sociedade.

Introdução

A noção de cidadania enquanto participação cívica da população nos  negócios públicos, como momento de deliberação das questões que dizem respeito a toda coletividade será objeto de reflexão neste trabalho a partir do pensamento dos jusfilósofos Jean-Jacques Rousseau e Karl Marx.

Em certos aspectos, Rousseau como Marx  comungam  do mesmo  pensamento, como na divisão política  imposta pela economia para que se gerencie as relações sociais e os meios de produção, mas a construção da cidadania é um fenômeno que pressupõe a garantia de certos direitos fundamentais. Para tanto, a concepção de cidadania marxista e rousseauniana tem como objetivo a exaltação dos direitos do homem em sociedade, deliberando sobre os assuntos que dizem respeito à coletividade.

1.1. O que é cidadania?

A cidadania, como fenômeno social de relevante  importância,  tem  suscitado  acaloradas discussões em diversos seguimentos  da  sociedade.  Com efeito, a preocupação  em  construir   conceitualmente  a   cidadania   é   extremamente   importante   porque   elege   os   elementos  necessários  para  a  compreensão dos direitos do cidadão.

Assim sendo, inicialmente a noção de cidadania, em linhas gerais, compreende os aspectos da vida  em  sociedade como um todo, na  medida  que  representa  tanto o direito  ao  sufrágio do voto como a possibilidade de colaborar, seja direta ou indiretamente, nos  destinos da  sociedade através  da  participação cívica.

A idéia  de cidadania  sugere  que  se leve  em  consideração  seus  elementos integrantes, etimológica e historicamente, conforme assinala Manzini Covre (2003, p.11) no que:

[…] penso que a cidadania é o próprio direito  à  vida no sentido  pleno. Trata-se de um direito que  precisa  ser  construído  coletivamente,  não só em termos do atendimento às necessidades básicas,  mas de acesso a todos  os  níveis  de  existência,  incluindo o  mais abrangente, o papel do(s) homem(s) no Universo.

Etimologicamente, o termo cidadão é entendido como habitante  da  cidade.  Assim como cidadania é o exercício indistinto daquele que  habita  a  cidade,  ou seja,  o  cidadão.  O termo assumiu um sentido político, social e jurídico à medida que os habitantes  da  cidade assumiram a luta pela consagração de certos direitos  e  garantias  ao  longo da história.

Sendo assim, a cidadania é entendida como sendo o próprio direito à  vida  em  plenitude, conforme sugere Rousseau (1991), que acaba incorporando elementos como liberdade,  dignidade e participação cívica ao exercício de direitos, bem como a mobilização social em nome da melhoria da qualidade de vida, desde a salvaguarda  dos direitos civis e políticos  em  um  determinado Estado até o desempenho dos direitos e deveres reservados aos cidadãos, por exemplo, através  do  sufrágio  do  voto  nas  eleições,  da  reivindicação por políticas públicas  eficazes, pelo direito à greve e pela iniciativa popular na sugestão da elaboração de legislações ao Congresso Nacional (art.14, III, Constituição Federal).

Dessa forma, cidadão constitui no entendimento de Pinsky (2003), aquele que é  possuidor do direito à vida, à liberdade,  à  propriedade,  à  igualdade perante  a  lei, enfim dos direitos civis. Da mesma forma, quem participar dos destinos  da  sociedade,  votando e sendo votado, traduz os direitos políticos. Sendo que os direitos  civis e políticos não asseguram a democracia sem os direitos sociais, aqueles que garantem a participação do indivíduo na riqueza coletiva.

Por conseguinte, a cidadania plena construída historicamente pelos indivíduos deve comportar os direitos civis, políticos e sociais.  Observa ainda Pinsky (2003, p. 9) que:

Cidadania não é uma definição estanque, mas um  conceito histórico,  o que  significa  que  seu sentido varia no tempo e no  espaço. […] Mesmo dentro de cada Estado-nacional o conceito e a prática da cidadania  vêm se alterando  ao  longo   dos  últimos  duzentos  ou  trezentos anos.  Isso ocorre  tanto  em  relação a uma abertura maior ou menor do estatuto de cidadão  para  sua  população   (por  exemplo,   pela   maior  ou   menor incorporação  dos  imigrantes  à  cidadania),  ao   grau   de  participação política  de  diferentes grupos (o voto da mulher, do analfabeto),  quanto aos direitos sociais,  à  proteção  social oferecida pelos Estados aos que dela necessitam.

Para tanto, a noção de cidadania  enquanto participação cívica da população nos negócios públicos, como momento de deliberação das questões que dizem respeito  a toda coletividade, se refere a luta pelo saneamento básico, acesso à escola, seguridade social, lazer, dentre outros   aspectos  da vida social, que contribuem para uma melhor qualidade de vida e que  necessitam fundamentalmente da participação e fiscalização dos cidadãos para sua efetiva aplicabilidade.

1.2. Abordagem jusfilosófica da cidadania

A  cidadania  pressupõe  a   idéia  de  salvaguarda  de  direitos  e  deveres,  bem  como  da participação  ativa  para  que  estes  não  se  tornem  letra morta.  Sendo assim, a concepção de cidadania  pode  ser  fundamentada  em  dois  dos  mais  conhecidos  pensadores  políticos  da história,  indistintamente comunistas, cada um fundamentado segundo sua teoria filosófica.

Jean-Jacques   Rousseau  (1712-1778),   defensor    da    democracia   direta    através do contratualismo social  e Karl Marx (1818-1883), articulador  do  comunismo, tendo como rito de passagem a fase da ditadura do proletariado para se  chegar  ao  comunismo  maduro,  onde será  aplicado  o  princípio “de  cada  um segundo suas possibilidades, cada  um  segundo suas necessidades” (LOWY, 1988, p. 63).

Em certos aspectos, Rousseau como Marx  comungam do mesmo pensamento, como na divisão  política  imposta pela economia para que se gerencie as relações sociais e os meios de produção, conforme destaca Machado (1991), mas sem dúvida, o tema da bondade natural é um aspecto dos mais comuns entre ambos, ressaltado nestes termos:

Marx sustenta que os membros da espécie humana são naturalmente propensos   à   cooperação,   quando   não    afetados   por    relações alienantes. Essa tese, de  inspiração  rousseauniana (bondade natural do homem),  é   um  dos  fundamentos da teoria do proletariado  como classe universal,  cuja revolução conduzirá à superação da  sociedade de classes,   bem como à possibilidade de se constituir uma sociedade comunista, em  que se superem todas as formas sociais  de  alienação (MACHADO, 1991, p.167).

É importante destacar que, suas principais idéias não ficaram apenas no plano  teórico,  já que o contratualismo rousseauniano serviu de fundamento aos ideais revolucionários franceses (1789) e às constituições democráticas modernas.

Dessa forma, Marx e Engels foram os responsáveis pelas idéias que serviram para a  construção do modelo político-econômico-social  do socialismo burocrático implementado na  ex-União Soviética e demais países do bloco socialista.

A cidadania em Rousseau e Marx  apresenta  algumas  distinções  importantes a  destacar, quanto a compreensão e a finalidade que  são atribuídas ao Estado: direitos do homem,  liberdade, cidadão, convenções sociais etc. Entretanto, o cerne da cidadania que é a participação  ativa  dos  cidadãos  e  a  co-responsabilidade mútua,  estes  concordam, numa palavra,  a  sua  tarefa  consiste em tirar ao homem as suas próprias forças e dar-lhe em troca forças alheias que ele só poderá utilizar com a ajuda dos outros homens”  (ROUSSEAU apud MARX, 1975, p.63).    

1.3. Concepção rousseauniana

A figura  mais  singular  do  iluminismo  francês,  Jean-Jacques  Rousseau (1712-1778) é também autor do Contrato Social (1757), obra de natureza política que remete ao problema da conciliação entre a liberdade e autoridade, indivíduo e Estado. Na teoria contratual, o papel do Estado e da sociedade é tutelar os direitos e a liberdade do indivíduo na qual os homens tenham condições de expressar sua vontade comum.

Com efeito, a cidadania sustentada por Rousseau é um elemento que sofre diversas implicações do ponto de vista político-educacional e no campo dos costumes e da moral.

Assim sendo, a noção de cidadania, como concepção  rousseauniana de direito político, é extremamente importante para uma reflexão de natureza jurídica, na medida em que os direitos do cidadão são compreendidos como uma prática efetiva (práxis), fruto da  conscientização política e educacional do indivíduo, que dotado de direitos e deveres, pode coletivamente promover a justiça, a igualdade e a liberdade.

No Contrato Social, Rousseau acredita na necessidade da  presença  do  cidadão  para  dar sua  contribuição  na constituição de  um ente político no estado civil e suas implicações disso decorrentes para o fundamento legítimo da sociedade política.

O cidadão, na acepção corrente, é o habitante de uma  cidade, o indivíduo no gozo dos direitos civis e políticos de um Estado que precisa de identidade política. Porém, na concepção rousseuaniana, o cidadão adquire uma nova função na constituição  do estado civil, pois ele é parte da história política, dado  ser responsável  pela  elaboração  das  leis  mediante uma consciência pública (coletiva). Isso se dá quando desvencilha de seus interesses  privados em favor da vontade geral, ou seja, a socialização dos seus valores enquanto cidadão.

Tal impressão é percebida por Rousseau (1991, p. 120), pois segundo ele:

O cidadão conserva todas as leis, mesmo as aprovadas contra sua  vontade e até  aquelas  que  o  punem  quando  ousa  violar  uma  delas. A vontade constante de todos os membros do Estado é a vontade geral: por ela é que são cidadãos e livres. Quando se propõe uma lei na assembléia do povo, o que se  lhes  pergunta  não  é  precisamente  se   aprovam   ou   rejeitam  a proposta, mas se estão ou não de acordo com a vontade geral que é deles.

Nesse contexto da assembléia popular, a cidade é a associação organizada e  transmissora da vontade geral e tem em cada cidadão uma tarefa imprescindível, qual seja, de desenvolvimento de sua liberdade em função dos outros associados pelo pacto social.

Para traduzir um novo conceito rousseauniano engendrado a partir da noção do homem-cidadão:[1]  é a cidadania, idéia que  representa  por  demais  o  exercício  da  cidade,  da  moral cívica e da virtude escondida em cada homem, que  sonha  em  ser livre e gozar com os outros da soberania do bem comum, consagrando o sentimento da moralidade.

Com isso, cidadão e cidadania são elementos de uma virtude humana única: a moral cívica. É quando as relações sociais (convenções)  deságuam no pacto social entre os homens,

tendo em vista aquela “segunda natureza” (estado civil) e incorporando novos conceitos, podem acolher a compreensão da liberdade civil e a constituição da liberdade moral como um acontecimento extraordinário nas relações humanas, acrescentando ainda a possibilidade do homem enquanto senhor de si mesmo, que incorpora as leis como suas, como identidade coletiva e ação libertária.

Nesse sentido, o exercício da cidadania está intimamente ligado a noção de vontade geral. Quanto a isto, Bobbio (1997, p. 1298) em seu Dicionário  de  Política,  no  verbete  a  vontade geral assim se expressa:

De fato, este, enquanto é participante da vontade geral,  pode considerar-se soberano e, enquanto é governado, é súdito, mas súdito livre, por que, obedecendo  a  lei que  ele ajudou a fazer, obedece assim a uma vontade que é  também a  sua  autêntica  vontade, o seu natural desejo de justiça. […] Somente  assim o homem pode realizar sua virtude plena, tanto ética quanto civil. […] A   vontade  geral,  mesmo sem  ser a rigor a vontade de todos,  declara-se,  na prática,  através da vontade de muitos, onde todos os cidadãos participam do direito do voto.

Então, a vontade geral é necessária  devido a esse exercício prático, na sociedade, por  parte de cada cidadão como compreensão do indivíduo, na cidade, que tem como dar legitimidade enquanto ação, participação, educação, justiça, política, liberdade civil etc.

Assim,  a  relação  concreta  do  indivíduo (eu em si) com   a   vontade  geral  (eu comum) implica necessariamente num pacto  social, ou seja,  uma  livre  associação  de  seres humanos civitas (cidadãos) que, deliberadamente, desejam formar um tipo de sociedade, à qual passam a  prestar obediência às leis. Ademais, os cidadãos devem ter como tarefa primordial a concretização de um modelo de sociedade em que eles estejam pactuados entre si  nos moldes contratuais.

Na verdade, com o pacto social que se elabora com as disposições dos cidadãos dão-se os passos para o nascimento de uma nova entidade, ou seja, a instituição de um corpo moral e coletivo, cuja unidade não é mais o eu em si (indivíduo isolado), trata-se do eu comum, que não é simples agregação de homens, mas a polis (cidade), isto é, os cidadãos que vivem cidadania quando da instituição do corpo político. 

O Contrato Social, nesses termos, concretiza a vontade geral como a única forma legítima para  a  comunidade  viver  a  experiência  da  cidadania  de  acordo  com  os  pressupostos  da liberdade  convencional  e  civil.  A autoridade que  advém  da  vontade  geral  é  resultado  da associação por  todos  os  membros  do  corpo  político,  moralmente  falando,  como  também adquirem liberdade, obedecendo à lei que prescrevem  para a cidade que lhes dá cidadania através da interação com os outros associados.

Finalmente, o que acaba sendo imprescindível destacar na trajetória da cidadania rousseauniana é a possibilidade do homem-cidadão ser livre e, com essa liberdade poder desfrutar das virtudes mais lapidares (honestidade, bondade, moralidade etc.), da condição humana que acabam por  remeter a felicidade não só de um indivíduo, mas de todos os associados no pacto social.

Sendo assim, existem quatro principais pontos no tocante a formação da cidadania, que merecem destaque pelo valioso respaldo teórico que representam para  o  exercício  da cidade, que são, status na polis; ter direitos de legislar;  mudança  moral  e civil, e, o status de cidadão que é exercido por qualquer membro do Estado justo.

Com efeito, é fundamental para a noção rousseauniana de cidadania os  títulos de citoyen  e citoyenne, que acabam sendo o cerne da participação ativa na concretização do Contrato  Social,  nestes termos, os quatro principais pontos dizem (DENT, 1996, p. 63):

São  quatro  os  principais  pontos   a   assinalar   no   tocante   à  cidadania. Primeiro, ser cidadão é possuir um certo status ou posição no  Estado. É  ter  certos  direitos   e  qualificações  (assim  como deveres e responsabilidades) conferidas à pessoa pelas leis positivas do Estado,  para cujo tranqüilo gozo está dirigida toda  a  força  do  corpo  político.   Segundo,  para  a  cidadania propriamente dita,  conforme  a  entende Rousseau,  um  direito  ocupa uma posição   central:   é   o   de   participação  na  formação  ou  ratificação,  de legislação soberana […]  Terceiro, a aquisição do status de cidadão introduz  nas pessoas,  diz Rousseau, uma ‘mudança moral’, a qual  se refere nos atos

de indivíduos que estavam até então apenas ‘naturalmente’ relacionados.[…] e  tem  justificação    moral   e   civil   para   as  ações […].  Tais   ações  não expressam  somente  desejo;  elas  consubstanciam  projetos  racionalmente justificados  tendo  atrás  de  si  o peso da razão legitima. Quarto, Rousseau sustenta que em qualquer estado justo e bem ordenado o status de cidadão é  desfrutado   de   modo   precisamente  idêntico  por  todos   os   membros do  Estado,   sem  exceção;   e  esse  é   o   mais   importante  status de que qualquer indivíduo  pode gozar. Uma pessoa  pode  ocupar  outras posições no Estado,  mas  nenhuma  delas  lhe  dá  o  direito de  anular os títulos de cidadania de outrem.

O título de cidadão é condição compartilhada igualmente por todos, nessa perspectiva, não requer nenhum tipo de servidão, exploração ou dominação e, é somente com base nessa igualdade que a posição da cidadania contemplada em Rousseau pode ser verdadeiramente estabelecida.

1.4. Concepção marxista

O teórico do pensamento socialista científico ou marxismo, Karl Marx (1818-1883) é o idealizador da teoria revolucionária que  entende  os  acontecimentos  políticos  e  ideológicos (superestrutura) condicionados aos elementos econômicos (infra-estrutura) sendo que, o motor desses acontecimentos seria a materialismo histórico,  que  de  certo  modo  constitui  o ponto em que se fixa cientificamente o sistema socialista.

Essa luta pela existência une os grupos de igual situação para formar as classes sociais, as quais  lutam  entre  si  pela  existência,  ou seja, a luta de classes. O  objeto dessa luta é a exploração da classe operária pelas classes que detêm o status quo, a burguesia.  No que ficou convencionado chamar àquela de teoria da luta de classes e, esta de teoria da exploração, respectivamente.

Entretanto,  dentro  da  literatura  marxista  não  se  encontra um estudo específico sobre o Direito ou a cidadania, mesmo sabendo que  seus  trabalhos são  perpassados por questões que dizem respeito a temática do direito do homem.

Diante  dessa  aparente  dificuldade  de  investigação,  não  há  que  se  perder  de  vista  a importância que o marxismo atribui ao Direito enquanto superestrutura ideológica e disciplinar, Reale (1998) destaca em sua obra que o  materialismo histórico  atribui ao Direito,enquanto uma  superestrutura  governada  pela  infra-estrutura econômica, uma relação entre o Direito e a economia, no sentido de que o Direito é um conjunto de regras coercitivas destinadas a servirem a classe dominante, que possui os meios de produção.

Quanto a  questão da cidadania marxista, cuja natureza está intimamente ligada aos direitos do homem, sua obra intitulada. A Questão Judaica (1843) faz  referência a temática dos direitos e da liberdade dos judeus na Alemanha feudal.

Assim, Marx  analisa  a  influência  que o  Estado e  conseqüentemente o  Direito alemão recebiam  do modelo teocrático (cristão), que submetiam a segundo plano os direitos e a liberdade dos judeus.

De fato, a  idéia  central  da  crítica marxista ao capitalismo é sua concepção de alienação sócio-econômica,  isto é,  a  separação que o modelo de exploração dispõe entre o homem e as relações de forças sociais.

Nesse sentido, Marx (1975) destaca quatro modalidades da alienação sócio-econômica: a separação entre o homem e o trabalho, privando-o de controle sobre o que faz; a separação entre o homem e o produto de seu trabalho,  privando-o  de  controle sobre o que faz; a  separação  entre   o  homem  e  seu  semelhante,  com  competição  em  vez  de cooperação; a separação entre o indivíduo  e  a  espécie,  ou seja, a vida da espécie humana se convertendo em meio de vida para o indivíduo.

Sendo assim,  a  idéia  de  alienação  que  se  constitui  na  separação entre o homem e seu semelhante, que tem  na  competição  e  no individualismo a força motriz das relações sociais, acaba desvirtuando as idéias de cidadão e cidadania. Marx (1975, p. 37) sugere que “temos de emancipar-nos a nós próprios antes de  podermos  emancipar  os  outros.  Essa  emancipação constitui  para  o  judeu alemão ou mesmo  para  qualquer  individuo  que  almeja seus direitos reconhecidos uma tarefa árdua e persistente, na medida que para o  marxismo, a  emancipação do homem exige deste  suprimir  todas  as  forças  que  alienam e atrapalham  sua liberdade de cidadão.

Ao destacar uma destas forças[2] que alienam o Estado e o homem,  Marx  (1975, p. 42-43) assim se expressa:

A emancipação política do judeu, do cristão – do  homem  religioso  em geral – é  a  emancipação  do  Estado   em   relação   ao   judaísmo,  ao  cristianismo  e à religião em geral. O Estado  emancipa-se  da religião à sua maneira,  segundo o modo que corresponde à sua própria natureza, libertando-se  da  religião  de  Estado;  quer   dizer,   ao  não reconhecer como Estado   nenhuma   religião  e  ao afirmar-se pura  e simplesmente como Estado. […]  O  Estado  é  o   intermediário   entre   o  homem  e  a liberdade humana.

Com essa  defesa  da emancipação do homem, não está  em jogo suprimir toda e qualquer religião, muito pelo contrário,  o  que  o  marxismo  propõe  é  a  transferência das instituições religiosas do domínio público  para  introduzi-las  na esfera privada,  dando  ênfase  ao Estado laico e a confissão da fé sem que esta ou  aquela  religião  interfira  nos  assuntos públicos que dizem respeito aos cristãos, judeus, ateus, enfim  a  todos.  Com isso,  a  separação  da  pessoa pública  e  pessoa  privada  é  uma  idéia  que visa a  emancipação política,  no sentido  que “a emancipação  política não abole, nem sequer procura abolir, a  religiosidade  real  do homem” (1975, p. 48).

Desta feita, ao  constituir o  direito  do  cidadão  uma  emancipação política, o modelo  de Estado democrático  é  o  mais  apropriado  para  que  os  direitos  do  judeu sejam os mesmos direitos  do  cristão,  direitos  do  homem,  que  se  conquistam  pela  luta  contra  as  tradições históricas em que a sociedade foi formada.

Nestes termos, a concepção de cidadania marxista  pode  ser  entendida  como o momento de exaltação  dos  direitos do homem em sociedade, deliberando sobre os assuntos que  dizem respeito à coletividade. Essa cidadania coletiva pressupõe a desmistificação do direito do homem isolado, que possui as garantias consagradas  pelas  declarações  de direito,  burguesa, salvaguardadas na  igualdade,  liberdade,  segurança  e  propriedade,  enquanto  garantias  que tutelam  o isolamento do homem em relação  aos  seus  semelhantes. Isto é, direito à liberdade

individualista (liberdade, fruto do sistema capitalista), e  não  necessariamente  de convivência entre os homens.

Por conseguinte, afirma Marx (1997, p.56-57) que: É o direito de tal separação, o  direito do indivíduo circunscrito, fechado em si mesmo. A aplicação prática do direito humano  de liberdade é o direito da propriedade privada”.

Na verdade, a  cidadania, na perspectiva marxista, deve pautar pela emancipação do citoyen (cidadão), em relação ao homem egoísta, pois somente o homem, livre de seus egoísmos  e convivendo comunitariamente com  os  outros homens em sua comunidade,  pode  tornar-se citoyen como homem verdadeiro e autêntico (MARX, 1975, p.59).

Assim, Marx (1997, p. 63) afirmar quanto ao direito do cidadão, por conseguinte a cidadania, que estas constituem uma atitude de superação e emancipação política e social,  conforme entendimento a seguir:

A emancipação humana só será plena quando  o  homem  real  e  individual tiver em si o cidadão  abstracto;   quando  como   homem  individual,  na  sua vida empírica, no trabalho e nas suas relações individuais,  se   tiver  tornado um ser genérico;  e  quando tiver reconhecido e organizado as suas próprias forças  (forces propres)  como  forças  sociais,  de  maneira  a  nunca  mais separar de si esta força social como força política.

Com efeito, a emancipação humana constitui atitude de pertença e autonomia própria que fica evidenciada como sendo uma desmistificação das forças que atrapalham a relação de superação do homem em comunidade, enquanto ser que dispõe da força social e da força política como cidadão para efetivo exercício da cidadania.

Considerações finais

A cidadania constitui o exercício dos direitos civis e políticos que o individuo dispõe, juntamente com as prerrogativas sociais para salvaguardar seu bem mais valioso: a vida, segundo o pensamento de Rousseau e Marx.

Nessa acepção jusfilosófica de atribuição da cidadania, o cidadão que estiver no gozo dos  direitos cívicos (jus civitatis), bem como no exercício do direito de vontade ou eleição (votar e ser votado), para ocupar cargos públicos e para  manifestar suas opiniões sobre o governo do Estado pode assegurar a prerrogativa de reivindicar direitos sociais, pois estas garantias são conquistas históricas de lutas em defesa dos interesses e dos direitos difusos da população, constituindo-se assim, numa ordem valorativa para  todos, erga omnes.

Na  verdade,  a  cidadania  é  um  exercício  de  participação  dos  cidadãos  nos  negócios públicos, tendo a democracia (demo – povo cracia – governo) como fundamento para deliberação dos interesses comuns por todos os cidadãos, trata-se do consensus omnium (consenso de todos), para que a democracia e, conseqüentemente a cidadania atinjam a todos participativamente, por intermédio de garantias legais e políticas sociais eficazes.

As idéias que surgem com os iluministas franceses, mais tarde com os socialistas utópicos e os marxistas são de respaldo para construção da cidadania e da nacionalidade como  elementos determinantes para o respeito a dignidade humana, no âmbito político, social e econômico.

 

Referências Bibliográficas
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Notas
[1] Rousseau explica a sua noção de cidadão  como  um  de seus temas essenciais a respeito da posição das pessoas como membros de uma sociedade civil, em C.S., Livro I, Cap. 6, 175.  Da  formação  de  uma sociedade civil diz ele: “[…] quanto aos que nela  estão  associados,  recebem  eles  coletivamente o nome de povo e chamam-se, em particular,  cidadãos,  enquanto  participes  da  autoridade  soberana,  e  súditos,  enquanto submetidos  às  leis do Estado”. Cf. (DENT, 1996, p. 63).
[2] Cf. Observa Lowy (1988) que  enquanto o  conceito  de  alienação para a   filosofia  de  Hegel  é  um  estado de  espírito que pode ser substituído por outro estado de espírito, em Marx, a alienação é uma situação real, que só se pode  superar  por  modificações  da  realidade. O  marxismo  diferencia  quatro  formas  de alienação:  religiosa, filosófica, política e sócio-econômica.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Marcelo Alves Pereira Eufrasio

 

Professor da Faculdade de Direito de Patos (FADIP)
Aluno Especial do Doutorado em Sociologia – UFPB/UFCG
Mestre em Ciências da Sociedade – UEPB
Pós-Graduado Lato Sensu em História da Filosofia – UFPB

 


 

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