Resumo: O presente artigo debate a possibilidade de flexibilizar os direitos trabalhistas como solução para empresas em crise financeira.
Sumário: 1. Suspensão temporária do contrato de trabalho 2. Redução da jornada de trabalho e salários 3. Crise X Flexibilização 4. Flexibilização X Judiciário 5. Flexibilização e o ônus da crise: quem pagará a conta? 6. Propostas e alternativas.
A flexibilização das normas trabalhistas em meio de crise econômica mundial diante da globalização econômica, como não poderia ser diferente, reflete nas relações do trabalho. Os limites impostos pelo ordenamento pátrio trabalhista, bem como as tendências de nossa legislação à frente da flexibilização das normas de proteção ao trabalhador é tema que merece ser analisado.
A redução dos direitos trabalhistas vem sendo apontada como uma das saídas do empregador para solução da crise laboral. Em linhas gerais, na lição de Júlio Assunção Malhadas, esta redução é definida como:
“A possibilidade das partes, trabalhador e empresa estabelecerem, diretamente ou através de suas entidades sindicais, a regulação de suas relações sem total subordinação ao Estado, procurando regulá-las na forma que melhor atenda aos interesses de cada um, trocando recíprocas concessões. Todavia, o tema flexibilização põe em confronto a sobrevivência econômica das empresas e o respeito às garantias mínimas indispensáveis à dignidade humana[1]”
Destarte, importante analisar que o tema em voga permite que as empresas lancem mão de fórmulas alternativas de estipulação das condições de trabalho através de negociação coletiva, dos contratos individuais de trabalho ou dos próprios empresários. Dessa forma amplia-se o rol de possibilidades de complementação do ordenamento legal, bem como se permite a adaptação de normas ligadas às peculiaridades regionais ou do setor econômico, admitindo, também, a derrogação de condições anteriormente ajustadas, para adaptá-las a novas situações.
Contudo, Arnaldo Sussekind ressalta que a flexibilização pressupõe a intervenção estatal, ainda que básica, com normas gerais abaixo das quais não se pode conceber a vida do trabalhador com dignidade.[2] Faz-se necessária uma análise importante sobre a flexibilização de direitos, visto que esta relativiza o princípio constitucional da inderrogabilidade das normas de proteção ao trabalhador. Tal norma, porém, tem caráter de ordem pública devendo haver limites desta relativização visando a proteção do princípio da dignidade humana do trabalhador.[3]
Suspensão temporária do contrato de trabalho
O artigo 476-A da CLT foi acrescentado pela Medida Provisória 1.726/2001 que permite a opção do empregador pela suspensão temporária do respectivo contrato de trabalho, mediante previsão em acordo coletivo ou convenção de trabalho, desde que, tenha aquiescência formal do empregado.
Convém lembrar que tal suspensão compreende o período de 2 (dois) a 5 (cinco) meses. Essa regra foi estipulada para que o empregador invista em qualificação técnica profissional ao empregado. Durante o período de afastabilidade do empregado, este receberá uma bolsa custeada pelo FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador); ao invés de salário e com isso, o empregado durante o tempo de afastamento este participará de cursos ou programas de qualificação do trabalhador.
Importante analisar, que tal norma foi criada justamente para qualificação técnica do empregado. Contudo, em meio de crise econômica mundial, muitos empresários estão se socorrendo do preceito legal do artigo 476-A da CLT, visando evitar uma demissão em massa nos seus quadros de funcionários.
A suspensão contratual em voga, está sendo analisada e estudada entre as empresas, governo e sindicatos, visando a flexibilização de direitos trabalhistas e, como consequência, buscando “alternativas” para alterar as normas inerentes a CLT.
Uma proposta relacionada ao assunto foi apresentada pelo CODEFAT – Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador, visando a liberação de parcelas extras do seguro-desemprego, aumentando o tempo de afastamento do empregado em até 10 meses.“ A proposta sugere que a possibilidade de suspensão do contrato de trabalho seja instituída em caráter transitório, valendo apenas para o exercício de 2009” [4] A proposta ainda menciona a possibilidade do trabalhador de aprimorar a qualificação profissional, durante a suspensão do contrato de trabalho. Porém os recursos financeiros seriam extraídos do FAT e das empresas privadas em programa de capacitação ao empregado, conforme destaca o secretário do trabalho do Governo do Estado de São Paulo, Guilherme Afif Domingos: “Durante o prazo, o funcionário receberia o seguro-desemprego e poderia se qualificar profissionalmente com cursos”.
Importante informar que o Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador – CODEFAT ampliou a prazo de pagamento do seguro-desemprego de até cinco meses para até sete meses. Tal ampliação foi aprovada mediante fundamento sobre a crise financeira mundial vem repercutindo nas empresas, gerando assim a ocorrência em demissões.
A alteração das normas trabalhistas, segundo a proposta, seria estabelecida por medida provisória, em forma de ampliar tal suspensão temporária – também conhecido como lay-off.
A grande preocupação no mérito do tema é que, por conta da crise financeira mundial, as empresas estão se socorrendo da norma contida no artigo 476-A. Tal recurso disponível pelo FAT, que até então passava-se despercebido pelos empresários, está sendo usado como refúgio para salvação financeira das empresas, beneficiando os empresários.
Com o afastamento do empregado dos postos de trabalho, diante da suspensão temporária, o empregador se abstém de pagar salários, isentando-se, por conseguinte, aos encargos inerentes ao contrato de trabalho, como o FGTS e INSS. Tratam-se de manobras dos empresários para superar o momento de crise financeira, evitando assim o surgimento de demissões em massa e a quebra da empresa.
Importante destacar as considerações do Ministro do Trabalho e Emprego Carlos Lupi: “A preocupação é evitar que o FAT seja um fundo de amparo aos empresários, pois o FAT é de amparo ao trabalhador.”[5] Embora a suspensão temporária do contrato de trabalho esteja amparado pela lei trabalhista, há quem discorde do “mal uso” do artigo 476-A da CLT.
Alertando sobre os riscos que os empresários usem o momento de crise como motivo para redução dos direitos trabalhistas, salutar a opinião do Diretor Técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIESSE),
“Nós não podemos fazer deste momento um momento para fazer mudanças na legislação que precarizem ou fragilizem as relações de trabalho. É aceitável, pelo bom senso, de que na crise nós tenhamos medidas emergenciais. O que nós não podemos fazer é que as medidas emergenciais virem o padrão das regras trabalhistas daqui para frente.[6]”
A força sindical critica a “manobra” feita pelos empresários em usar o artigo 476-A como salvação no momento de crise financeira às empresas, e ainda defende a inderrogabilidade das normas de proteção ao trabalhador.
Entretanto, há quem defenda sobre a suspensão do contrato de trabalho do empregado, justificando que a empresa esteja passando por um momento difícil de reestruturação financeira. Porém tal medida só deve ser usada para resguardar os postos de trabalho; defendendo a tese a Dr. Eliana Ribeiro in verbis:
“No entanto o que deve ser observado pelos sindicatos corretamente, ou seja, se a empresa não está se aproveitando da crise econômica que ainda não a atingiu para fazer economia, em detrimento dos direitos dos empregados[7]”
Já na opinião de Acácio Chezorim, extrai-se que a suspensão do contrato de trabalho com base no artigo 476-A da CLT pode auxiliar as empresas que estão passando por dificuldades financeiras. Salienta-se, contudo, que os empresários não podem utilizá-lo para transferir um suposto prejuízo causado pela crise. Defende ainda que a regulamentação desse estudo deve abordar pontos que não estão no referido artigo in voga, tais como: o tipo de curso que deve ser oferecido e a carga horária do mesmo.
“A regulamentação da bolsa qualificação será importante para não onerar o governo nem desvirtuar as características do FAT. O fundo de amparo ao trabalhador é um programa vinculado ao Ministério do Trabalho que serve para custear o seguro desemprego, a qualificação profissional e o desenvolvimento de micros e pequenas empresas, visando a criação de empregos. Ele pode auxiliar as empresas que passam por dificuldades financeiras, mais empresários não podem utilizá-lo para transferir um suposto prejuízo causado pela crise[8]”
Redução da jornada de trabalho e salários
A grande preocupação atualmente, os empresários usem de “má-fé” para fazer pressão na redução dos direitos trabalhistas, e com intuito alterar a carta trabalhista, usando de “manobra” o motivo da crise financeira mundial, visando objetivo da flexibilização. O Ministério Público do Estado de São Paulo, preocupado com as prováveis más intenções e “manobras” dos empresários para ditar regras sobre a flexibilização, está “marcando em cima” com relação aos acordos e convenções coletivas.
“Só no mês de Janeiro de 2009 foram expedidos 06 (seis) notificações a centrais sindicais e 16 (desseseis) federações de empregadores da referida cidade, para que estes respeitem as lei trabalhista ao incentivarem acordos ou convenções coletivas para redução de jornada de trabalho e salário.”[9]
Segundo Philippe Gomes Jardim, Procurador do MPT/SP, o órgão instaurou procedimento visando fiscalizar os motivos reais da negociação entre a FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e a Força Sindical visando encontrar uma solução para evitar demissões em massa.
“Essa recomendação do MPT tem caráter preventivo e de orientação e tenta evitar que haja uma disseminação de acordos e convenções coletivas que prejudiquem os trabalhadores. Além disso, vamos acompanhar a partir de agora esses acordos. Se forem abusivos, vamos pedir a anulação deles na justiça[10]”
O MPT-SP defende que a redução da jornada de trabalho, prevista na Carta Magna, deve respeitar a Lei 4.923/65; que o salário pode haver uma redução em até 25% (vinte e cinco por cento) durante 03 (três) meses, prorrogando-se por igual período. Importante ressaltar que a regra só poderá ser aplicada se a empresa comprovar que esta passando por dificuldade financeira. Porém, tal regra ainda fica a mercê da chancela de aprovação da assembléia de trabalhadores da empresa. Nesse sentido nota-se a opinião Laura Martins Maia de Andrade, procuradora regional do MPT-SP:
“Essa discussão não pode ser feita de forma generalizada e abranger todas as indústrias. Não está previsto na Constituição que essa situação (redução de jornada e salário) possa ser usada de forma ampla pelas empresas. Nós vamos nos posicionar contra isso e vamos buscar alternativas para que o trabalhador não seja prejudicado.[11]”
O Tribunal Regional do Trabalho da cidade paulista entende que em meio de crise financeira mundial, a flexibilização poderá ocorrer, quando a empresa comprovar realmente que esteja passando por um momento de crise financeira, possibilitando assim, a redução dos salários e jornadas de trabalho, afirma Décio Sebastião Daione, presidente do referido tribunal in verbis:
“Esse acordo não pode ser feito só por um lado. O trabalhador também tem de querer essa situação, assim como ter de querer a suspensão de contrato de trabalho, que pode ocorrer por 02 (dois) a 05 (cinco) meses, como cita a constituição (Artigo 476-A)[12]”
Conforme informações da Folha Online, sobre a crise financeira mundial, vejamos alguns exemplos das saídas utilizadas pelos empregado, para manutenção da empresa e preservação dos postos de trabalho:
Primeiros casos[13]:
“A indústria de auto peças GNK, do Rio Grande do Sul, fez acordo por 03 (três) meses para redução de 14,6% da jornada e de salários de seus 1.400 empregados alegando problema de fluxo de caixa. A empresa as contas em comprovou e comprovou que tinha problemas. Eles queriam 22% de redução nos salários, mais fechamos em 14,6%. E haverá devolução de salários quando a situação da empresa melhorar. Afirma Claudir Nespolo, presidente do Sindicato dos trabalhadores Metarlúgico da grande Porto Alegre, ligado a CUT. Segundo votação secreta, 94% dos trabalhadores aceitaram a redução de salário.
A Renault e seus empregados optaram pela suspensão de contrato de trabalho de mil funcionários da produção da fábrica de São José dos Pinhais (PR). Nesse período, no qual a empresa fará um ajuste de produção, o empregado, segundo a montadora, vai receber o equivalente ao salário líquido- uma parte será paga pela empresa e outra parte virá de recursos do FAT.
Em São Paulo, a Basso componentes, a Indebras e a Muller também fecharam acordos de suspensão de contrato de trabalho. As duas primeiras negociaram com sindicato com o sindicato dos metalúrgicos. E a Muller fez acordo com o sindicato dos Químicos e plásticos do Estado.
A Volks optou pela introdução do sistema de banco de horas, no qual a empresa poderá conceder ate 25 dias de descanso na fábrica de Taubaté (SP). Se a demanda cai, o funcionário trabalha menos, e se as vendas voltam a subir, trabalha mais.”
Conforme exemplos mencionados, é de ressaltar, que muitos empresários estão tentando encontrar de alguma forma uma “luz no fim do túnel”, preservando sua atuação no mercado competitivo.
Porém importante analisar cada caso!
Por isso defendo que a flexibilização das normas trabalhistas deve ser usada em caso de emergência, quando esgotadas todas as possibilidades permitidas de auxílio e recuperação da saúde da empresa e, como consequência, manutenção do emprego dos trabalhadores.
Crise X Flexibilização
A flexibilização das normas laborais, deve ser analisada com cuidado, eis que não poderá colocar em risco os direitos adquiridos pelos trabalhadores, não podendo ser utilizada como mais um mecanismo de desculpa de empresários para redução das garantias trabalhistas, mas sim usada como última solução cabível de sobrevivência da empresa. É o que destaca o ilustre presidente do TRT de São Paulo, Dr. Daione:
“A discussão que se faz nesse momento, é que as empresas estão de fato tendo prejuízo com a crise ou se estão apenas vendendo menos. É preciso ficar atento a isso. Entendo que este ainda não é o momento de reduzir jornada de trabalho e salários de forma generalizada, mais isso não quer dizer que não precisamos modernizar a legislação trabalhista. Será que as empresas estão tão mal das pernas?”[14]
Em parecer técnico e opinativo da CUT – Central Única dos Trabalhadores, defende a reiterada de projetos de lei sobre a possibilidade de flexibilização, garantindo assim os direitos dos trabalhadores brasileiros.
“Os efeitos da crise financeira internacional sobre a economia brasileira já começaram a se fazer sentir, como o anúncio de férias coletivas e a suspensão dos investimentos programados em setores importantes de nossa economia. Portanto, é fundamental uma intervenção rápida, correta e decisiva do Estado brasileiro, para impedir que estes efeitos se espraiem sobre os vários setores, interrompendo bruscamente o referido processo de crescimento econômico. Mais ainda: a intervenção é essencial, porque, em um cenário de propagação da crise, os trabalhadores são certamente as maiores vítimas, por meio da perda do emprego e da rápida queda do nível de renda, entre outros”[15]
O tema em destaque já está sendo discutido por via parlamentar desde 2001, através da aprovação do Projeto de Lei nº 5.438/01 que trata da possibilidade de flexibilizar os direitos dos trabalhadores, alterando assim a consolidação das normas trabalhistas – CLT. Porém esse mesmo projeto já sofreu inúmeras emendas, tendo seu último movimento em 2003. Tal projeto é defendido e criticado por autores e até mesmo parlamentares. Para quem o critica sustenta que a flexibilização seria uma derrocada de conquistas trabalhistas obtidas a duras penas, fragilizando-se o sistema de proteção conferida na consolidação trabalhista, visto que, num pais que a força sindical é fraca, seria uma maldade abandonar a classe proletariada nas mãos de entidades sindicais que não têm atitudes e condições de defender seus interesses de forma satisfatória.
Porém existem pessoas que defendam aprovação do referido Projeto de Lei que altera a Carta Trabalhista, sustentando que a possibilidade da flexibilização das normas laborais já tem sede prevista na Carta Magna, com isso havendo a limitação de alteração em permitir a manutenção dos direitos trabalhistas das normas infraconstitucionais, observando sempre o respeito e as conquistas pelo advento da Constituição Federal de 1988, mas possibilitando, em caso de comprovação da dificuldade econômica, a flexibilização. Importante ainda elucidar a proposta de prestigiar a negociação coletiva, obedecendo cumprimento à Convenção nº 154 da OIT (Organização Internacional do Trabalho).
Flexibilização X Judiciário
Com a eleição do Presidente Lula, o PLC 134/01 (número que recebeu o PL 5.481/01 no Senado Federal) foi retirado de pauta pelo novo governo, na esperança de que se conseguisse, com o Fórum Nacional do Trabalho, um acordo quanto à reforma da CLT. Assim, sobrou ao Judiciário trabalhista, analisar aplicabilidade ou não da flexibilização e de seus limites, esperando-se que a jurisprudência resolva os impasses decorrentes do fracasso na reforma trabalhista.
Nesse sentido, o TST, não tem sinalizado univocamente a respeito da matéria, por não oferecer condições claras, seguras e capazes de diferenciar o que seja flexibilização de direitos. Com isso, a jurisprudência atualmente encontra-se tumultuada, pois esta ora aprova, ora reprova acordos ou convenções coletiva que adota fundamentos diversos para disciplinar as condições de trabalho entre empresas ou categorias profissionais.
Observaremos, as hipóteses da aprovação e de reprovação da possibilidade sobre a flexibilização dos direitos trabalhistas mediante negociação ou acordo coletivo por via judicial.
A flexibilização tem sido aprovada pelos tribunais nas hipóteses de:
a) Limitação do pagamento de horas in itinere a uma diária, independentemente do tempo efetivamente gasto pelo empregado em condução fornecida pelo empregador (precedentes da Corte);
b) Redução do intervalo intrajornada para a categoria dos motoristas (conforme precedente jurisprudencial da SDC-TST);
c) Pagamento proporcional do adicional de periculosidade ao tempo de exposição ao agente de risco (Súmula nº 364, II, do TST);
d) No que diz respeito aos minutos residuais, tolerância de 15 minutos antes e 15 minutos depois da jornada de trabalho sem o pagamento de horas extras (precedentes da Corte).
No entanto, tem sido rejeitada a flexibilização nas hipóteses de:
a) Regime 12×36 horas, determinando-se o pagamento como horas extras das 11ª e 12ª horas (precedentes da Corte);
b) Não redução do intervalo intrajornada fora da hipótese de motoristas (Orientação Jurisprudencial n. 342 da SBDI-1 do TST);
c) Turnos ininterruptos de revezamento, quando não demonstrada a compensação com vantagem substitutiva (a matéria se encontra aguardando definição do Pleno do TST em Incidente de Uniformização de Jurisprudência em torno da Orientação Jurisprudencial nº 169 da SBDI-1 do TST);
d) Redução do período de estabilidade da gestante (precedentes da SDC-TST).
Preceituo que diante da indefinição legislativa quanto aos limites dos acordos e negociações coletivas, caberá à Justiça do Trabalho, decidir situações aonde aplicam a possibilidade de flexibilizar as normas trabalhistas analisando cada caso.
Flexibilização e o ônus da crise: quem pagará a conta?
No entanto, a aplicabilidade da manutenção de direitos laborais deve sempre observar a garantia constitucional da dignidade humana que está relacionada com a proteção ao trabalhador. A possibilidade de manutenção dos direitos trabalhistas é uma questão que merece ser estuda com responsabilidade, devendo tanto sindicatos, empresários, e até mesmo o governo encontrar um equilíbrio para a suspensão dessa turbulência que gera insegurança financeira. Com isso, a proposta de flexibilizar significa, tornar maleável, ou seja, deve ser permitida quando os empresários com a concordância de seus empregados autorizarem a aplicação de uma saída que possa satisfazer a todos temporariamente, sem a ocorrência de abusos das normas trabalhistas.
Inteligentemente manifesta-se Luis Salvador em seu artigo, apontando que em momento de crise financeira mundial os empresários estão aproveitando-se das notícias divulgadas na mídia para “arrumar” a casa. Esquecem, por oportuno, que também deram causa à crise, e com isso jogaram o ônus do insucesso a própria classe trabalhadora, aproveitando para propor redução de salários [16].
Vale lembrar que trabalhador vive de salário mínimo! Reduzir o que? Flexibilizar o mínimo?
Assim sendo, é injusto que a classe proletariada pague a conta, pois como foi dito anteriormente não foram os trabalhadores que deram causa a crise mundial, mais sim, os investidores em mercados de ações financeiras, os empresários que não souberam administrar e organizar-se para plano de emergência, e o próprio governo que não teve atitude suficiente para estabilizar a crise.
Como diz o ditado popular: “A corda sempre arrebenta do lado do mais fraco”. É triste admitir, mas muitas das vezes, o empregado com medo de perder o seu emprego, suporta que parte dos seus direitos como trabalhador sejam guilhotinados. Consequentemente os empregados, motivados pela pressão patronal e pela mídia desastrosa, acabam também por pressionar os sindicatos e se, qualquer proposta, seja de redução de salário, seja de flexibilização de direitos, for levada para debate em assembléia que seja de plano aprovada.
Propostas e alternativas
Muitos empresários também questionam a possibilidade de desregulamentação da norma trabalhista; devemos, porém, fazer um adendo que esta não se confunde com o conceito de flexibilização. Flexibilizar significa tornar maleável, ou seja, adaptável a situações de oscilação de economia mundial ou social. Já a desregulamentação tem o sentido oposto, significa a falta ou ausência de regulamentação.
Destarte, há pessoa que defendem a tese que a saída para uma solução pacífica entre empregadores e empregados é a flexibilização, sendo este um sistema jurídico que valoriza a negociação entre empregados e empregadores em contraponto a um sistema rígido.
“Quando invocamos a flexibilização, estamos partindo do pressuposto de que temos um marco normativo rígido e que, por conta dele, precisamos criar mecanismos de adaptações desse marco normativo, ou melhor dizendo, das próprias relações de trabalho, para que o marco normativo tenha, digamos assim, uma maleabilidade, uma capacidade de adaptação pela dinâmica fundamentalmente econômica.”[17]
Com respeito à opinião anteriormente citada, permite-se discordar, pois ao meu ver, a flexibilização dos direitos da classe proletariada pode ser definida com a diminuição de direitos conquistados, que lutaram por muitos anos em almejar os direitos trabalhistas.
Nota-se que os defensores da corrente neoliberalista, entendem que a causa da quebra financeira das empresas é devido ao fato destas serem obrigadas aos pagamentos dos elevados encargos trabalhistas, dificultando a gestão empresarial e o crescimento econômico. Nesse sentido, muitos empresários e sindicatos, têm insistido na tese de que a negociação coletiva deve prevalecer, especialmente em momentos como este, de crise financeira mundial.
Importante analisar a opinião do Dr. Jorge Luís Souto Maior sobre o tema:
“É totalmente equivocado, considerar que os acordos e convenções coletivas de trabalho possam sem qualquer avaliação de conteúdo reduzir direitos trabalhistas legalmente previstos, simplesmente porque a constituição previu o ´reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho` (inciso XXVI, do art. 7ª) redução de salário (inciso VI, art. 7ª) e a modificação dos parâmetros da jornada reduzida reduzida para o trabalho em turnos ininterruptos de revezamento ( inciso XIV, art. 7ª)”[18]
Alguns respeitáveis autores, incluindo Alice Monteiro de Barros e Arnaldo Sussekind, defendem a tese que no Brasil adotou-se a flexibilização negociada ou autônoma, que vem sendo utilizada como o meio de interpretação adotado nos tribunais para prever as limitações que devem ser impostas à flexibilização por meio da norma coletiva.
Atualmente, apesar de ainda não ser pacífico e existirem divergências doutrinárias e jurisprudenciais sobre a flexibilização negociada, parte dos juristas acreditam ser possível à flexibilização por negociação coletiva, desde que respeitando limites. E o que se percebe na prática é que se tem adotado o princípio da adequação setorial negociada, que é aceita, desde que para a melhoria das condições de trabalho, ou ainda, quando houver uma transação de direitos disponíveis, ou seja, direitos que não versem sobre a saúde, segurança e higiene do trabalhador, já que esses são tutelados pelo Estado, por normas imperativas que não estão sujeitos a negociação coletiva.
O ilustre autor Maurício Godinho Delgado, defende que existem direitos que não podem ser flexibilizados. Nesse sentido, apresenta-se: “Entendo que existem direitos de indisponibilidade absoluta e direitos de indisponibilidade (ou disponibilidade) relativa”.[19] Na sua visão, só os direitos de disponibilidade relativa poderiam ser flexibilizados, já os direitos de indisponibilidade absoluta não; estes, segundo Delgado, garantem parte de um patamar mínimo civilizatório, ou seja, garantem direitos mínimos a existência digna dos trabalhadores. Nesse sentido, visa-se um limite para que a negociação coletiva obedeça o princípio da adequação setorial negociada.
Assim, vejamos alguns julgados inerente ao assunto:
“PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SETORIAL NEGOCIADA. FLEXIBILIZAÇÃO DE DIREITOS DE INDISPONIBILIDADE RELATIVA. O princípio da adequação setorial negociada, que retrata o alcance da contraposição das normas coletivamente negociadas àquelas de cunho imperativo, emanadas do Estado, viabiliza que as normas autônomas construídas para incidirem no âmbito de certa comunidade econômico-profissional possam prevalecer sobre aquelas de origem heterônoma, desde que transacionem parcelas de indisponibilidade apenas relativa, como, e.g, as concernentes à manutenção da hora noturna em sessenta minutos, vez que não caracteriza alteração em patamar prejudicial à saúde do trabalhador e desde que não traduza simples renúncia, mas transação de direitos.” TRT/MG – 01512.2001.018.03.00.4 – Rel. Designado: Juiz Júlio Bernardo do Campo – Publ. em 07/06/2002.
“ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. ÍNDICE INFERIOR AO LEGAL. PACTUAÇÃO EM INSTRUMENTO NORMATIVO. VALIDADE. A Constituição Federal de 1988 trouxe à ordem jurídica trabalhista brasileira maior possibilidade de flexibilização, permitindo, inclusive, a redução salarial, desde que por intermédio da negociação coletiva, como dispõe expressamente o artigo 7º, em seu inciso VI. O artigo 195, § 1º, da CLT, por sua vez, já permitia ao sindicato intentar reclamatória visando à apuração da condição perigosa ou insalubre em ambiente de trabalho. A conjunção dos dispositivos legais em tela e a natureza salarial do adicional de periculosidade revelam a possibilidade de a empresa e o sindicato dos trabalhadores pactuarem o pagamento do referido adicional de forma parcial, considerando os parâmetros estabelecidos na transação havida. Válidos, portanto, os termos do acordo firmado em dissídio coletivo, onde restou estipulado que o percentual a ser aplicado seria 22,5%.” TRT/SP – 02531-2003-010-02-00-4 – Rel. Designado: Juíza Mércia Tomazinho – Publ. em 14/10/2008
“NEGOCIAÇÃO COLETIVA. VALIDADE. Sabe-se que os sindicatos, ao firmarem acordos ou convenções coletivas podem concordar com a redução ou retirada de determinados direitos, exatamente como resultado de negociação, com o fim de obter outras vantagens consideradas mais benéficas em relação àquelas suprimidas e/ou diminuídas. É a primazia da negociação coletiva conferida pela Carta constitucional, que pressupõe a substituição das garantias legais pelas convencionais (flexibilização autônoma), desde que respeitado os direitos mínimos dos trabalhadores.” TRT/BA – 00887-2007-341-05-00-3 – Rel. Desembargador Esequias de Oliveira – Publ. em 02/12/2008[20]
“BANCO DE HORAS. POSSIBILIDADE. A adoção do sistema de compensação de jornada via banco de horas encontra inequívoco suporte legal, impondo-se seja o mecanismo prestigiado, mesmo porque inerente às regras de negociação coletiva, e dentro dos limites permitidos de flexibilização dos direitos trabalhistas.” TRT/BA – 01058-2007-133-05-00-7 – Rel. Desembargadora Marizete Menezes – Publ. em 01/12/2008
Entende o Tribunal Superior do Trabalho:
“INTERVALO INTRAJORNADA. REDUÇÃO. PREVISÃO DA HORA CORRIDA EM ACORDOS COLETIVOS. A Constituição Federal de 1988 conferiu maiores poderes aos sindicatos, de modo que essas entidades podem, no interesse de seus associados e mediante negociação coletiva, restringir certos direitos assegurados aos trabalhadores a fim de obter outras vantagens não previstas em lei. Não obstante, tal flexibilização não autoriza a negociação coletiva que atente contra as normas referentes à segurança e saúde no trabalho. De fato, o estabelecimento do intervalo mínimo de uma hora para refeição e descanso dentro da jornada de trabalho é fruto da observação e análise de comportamento humano, e das reações de seu organismo quando exposto a várias horas de trabalho. Doutrina e jurisprudência evoluíram no sentido da necessidade desse intervalo mínimo para que o trabalhador possa não apenas ingerir ali mento, mas também digeri-los de forma adequada, a fim de evitar o estresse dos órgãos que compõem o sistema digestivo, e possibilitar o maior aproveitamento dos nutrientes pelo organismo, diminuindo também a fadiga decorrente de horas de trabalho. Se de um lado a Constituição Federal prevê o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho como direito dos trabalhadores urbanos e rurais (art. 7º , XXVI da Constituição Federal), de outro estabelece ser a saúde um direito social a ser resguardado (art. 6º da Carta Política). Recurso de Revista não reconhecido.”
TST – RR 619.959.99.7 – Rel. Min. Rider Nogueira de Brito – Publ. em 14/03/2003.
“ACORDO RESCISÓRIO. EFICÁCIA DA TRANSAÇÃO. VALIDADE DAS CLÁUSULAS NORMATIVAS. NULIDADE DA ASSEMBLÉIA QUE NEGOCIOU O ACORDO COLETIVO. Revelam-se inespecíficos, pois abordam questões não analisadas pelo Tribunal Regional, referente aos limites da flexibilização do direito do trabalho e a irrenunciabilidade de direitos trabalhistas. Acrescente-se que a ementa transcrita a fls. 629 e repetida a fls. 659, além de inespecífica, não se presta ao exame, porque originária de Turma desta Corte, hipótese não prevista no art. 896, alínea a , da CLT. Os Recorrentes sustentam a ineficácia do acordo rescisório firmado entre o Sindicato profissional e a empresa Reclamada, alegando que foram extrapolados os limites constitucionais referentes à flexibilização dos direitos dos trabalhadores, restrita à negociação de salário e jornada (art. 7º, VI, XIII e XIV, da Constituição Federal). Afirmam que não foi observada a reciprocidade na negociação, pois não houve concessões a justificar a redução dos direitos dos Reclamantes, inclusive daqueles constitucionalmente assegurados, como o aviso prévio, 13º salário e férias (art. 7º, XXI, VIII e XVII, da Constituição Federal).” TST – RR 549437/1999.7 – Rel. Min. Fernando Eizo Ono – Publ. em 06/02/2009.[21]
Porém há quem defenda a possibilidade de flexibilização de todo e qualquer direito, sem distinção, ao argumento de que, se a própria Constituição Federal autorizou a redução do maior dos direitos, a ser o salário, não haveria empecilho para se discutir a possibilidade de manutenção ou não dos demais direitos. Desde que, todavia, pactuado mediante convenção ou acordo coletivo.
Outra corrente defende a possibilidade de flexibilização das normas desde que haja um limite para manutenção dos direitos. É a chamada teoria da conglobalização dos pactos coletivos, onde se permite a negociação dos direitos laborais mediante acordos ou convenções coletivas, porém havendo um limite de redução dos direitos dos trabalhadores.
Entendo a que flexibilizar direitos laborais deve ser ultima ratio. A regra deve proteger não só a saúde financeira da empresa, mas, sobretudo, a manutenção dos postos de trabalho. Silogismo lógico é que se o empresário não tiver mais condições de se manter no mercado competitivo os maiores prejudicados serão os próprios trabalhadores.
Há quem defenda da obrigatoriedade do governo tornar atitudes para manter estabilizada a crise financeira, através de medidas urgentes com intuito de proteção aos direitos do trabalhador, pois como já foi dito nesse artigo, não foram estes que deram causa a crise. Para o presidente do Sindicato dos Bancários, Luiz Cláudio Marcolino, a responsabilidade na proteção dos direitos trabalhistas é do governo, como preceitua abaixo:
“Nesse momento de crise os trabalhadores precisam de acordos que garantam a manutenção dos empregos. “O governo federal tem tomado uma série de medidas para ajudar vários setores da economia a superar a crise, inclusive os bancos. Ainda assim, as empresas não têm mostrado responsabilidade social e estão dispensando seus trabalhadores. O governo precisa exigir formalmente contrapartidas sociais de quem usa os recursos públicos, como a manutenção dos empregos[22]
De acordo com informações de dados do DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), o setor que mais demitiu foi à indústria de transformação que fechou 29.987 postos de trabalho entre outubro e dezembro. No segmento de serviços foram fechadas 6.985 vagas contra a criação de 701 empregos nos últimos três meses. Na construção civil, o balanço também foi negativo com a perda de 3.977 empregos contra um corte de 1.778. Na área de administração pública foram fechadas 1.393 vagas contra a criação de 107 no mesmo período do ano anterior.
Entendo que a atitude do governo de condicionar financiamentos públicos à manutenção de empregos não é indicada para solucionar a crise financeira na empresa e como consequência proteger os empregos dos trabalhadores. Uma solução viável para estabelecer uma segurança financeira tanto para empregadores e empregados é de reduzir os custos dos impostos e encargos que incidem sobre a renumeração do empregado. Considerando o momento emergencial, não poderia o governo buscar medidas aptas a reduzir o Imposto de Renda sobre as empresas e redução dos encargos sobre a folha de pagamento do empregador?
Em busca de uma satisfação social e econômica, empresários e trabalhadores começam a perceber a importância da discussão sobre a possibilidade de se pagar mais salários e menos impostos.
A tese da flexibilização enfrenta atualmente, entre outros problemas, o da compatibilidade com o princípio da norma mais favorável ao trabalhador. A CLT carece de abertura e regras aptas a sustentar direitos, observando situações como economia, e como conseguinte, possibilitando a manutenção dos direitos dos trabalhadores quando o empregador estiver passando por dificuldade econômica, desde que comprovada.
Diante de tudo que foi exposto nesse estudo, defendo a possibilidade da negociação entre sindicatos e empresários para que, de comum acordo, ajustem medidas aptas a beneficiar tanto empresas como empregados. Com prudência e cautela, é possível flexibilizar direitos como férias coletivas, licenças não remuneradas, suspensão temporária do contrato de trabalho, redução de hora extra, vedação de banco de horas, evitando-se as demissões em massa.
Necessário, contudo, uma discussão rápida, eficaz e plausível de reforma na Consolidação Trabalhista, sendo de inteira responsabilidade dos parlamentares em apresentar propostas eficientes para conjuntura da realidade atual, não esquecendo claro a observância do princípio da proteção ao trabalhador, parte mais vulnerável no contrato de trabalho.
Redatora – Bacharel em Direito – Pós-graduada em Direito Público e Tributário pela Universidade Cândido Mendes – UCAN/AVM
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