Resumo: A presente pesquisa tem por foco a possibilidade de intervenção judicial na determinação de prestações relacionadas à saúde a serem fornecidas pelo Estado. A efetivação do direito à saúde guarda íntima relação com o pleno exercício dos direitos fundamentais. Nesta perspectiva, a saúde é constitucionalmente tratada como direito de todos e dever do Estado, logo, este deve viabilizar programas de intervenção voltados para a promoção de tais direitos, neste tocante, em especial ao direito à saúde. A concretização do direito fundamental à saúde tem encontrado obstáculos configurando hodiernamente uma mazela da sociedade, sequela da ausência de investimentos nessa aérea e de políticas públicas que atendam a demanda social. Diante desta problemática, a provocação do poder judiciário tornou-se inevitável, buscando-se nele a concessão destas necessidades não supridas. Neste quadro, imergiu o processo chamado de judicialização do direito à saúde. Por outro lado, tem-se a necessidade de buscar o debate junto aos diversos órgãos da sociedade a fim de evitar o excesso de intervenção resultando em implicações negativas sobre o orçamento financeiro entre outras consequências. Avançando a questão orçamentária, indaga-se ainda acerca da competência do judiciário atuar como garantidor desse direito, através da integralidade de assistência médica, cirúrgica e medicamentosa fundado por hora na incerteza científica.
Palavras-chave: Direito à vida. Direito à saúde. Judicialização das demandas da saúde
Abstract: The present research focuses on the possibility of judicial intervention in the determination of health – related benefits to be provided by the State. The realization of the right to health is closely related to the full exercise of fundamental rights. In this perspective, health is constitutionally treated as everyone's right and the duty of the State, so it must make intervention programs for the promotion of these rights, in this respect, especially the right to health. The realization of the fundamental right to health has encountered obstacles by nowadays constituting a mazela of society, a consequence of the absence of investments in this area and of public policies that meet social demand. Faced with this problem, the provocation of the judiciary became inevitable, seeking to grant it these unmet needs. In this context, the process called the judicialization of the right to health has immersed. On the other hand, it is necessary to seek the debate with the various organs of society in order to avoid over-intervention resulting in negative implications on the financial budget among other consequences. Moving forward the budgetary question, it is still questioned about the competence of the judiciary to act as guarantor of this right, through the integrality of medical, surgical and medical assistance based on scientific.
Keywords: Right to life. Right to health. Judicialization of health demands.
Sumário: Introdução. 1 – Direitos fundamentais e seus aspectos conceituais. 1.1 – Direito à vida. 1.2 – Proteção do direito à saúde como direito humano fundamental no sistema constitucional brasileiro. 2 – Mínimo existencial. 3 – Direito à saúde e sua judicialização. 4 – O dilema da fosfoetanolamina. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
A evolução ciência, especificamente na área da farmacológica, tem-nos permitido a possibilidade de cura de doenças que ate então eram consideradas gravíssimas quando acometiam o ser humano, destaca-se o câncer, este avanço científico refletiu na melhora da qualidade de vida das pessoas em geral. No entanto, paradoxalmente, o acesso a esses medicamentos tem-se dado por meio da intervenção do Poder Judiciário.
Por outro lado, o judiciário tem sido palco de controvérsias, a acerca da concessão destas liminares obrigando o Poder Público a fornecer substancias químicas, sob o argumento de ser eficiente no combate as células cancerígenas neste caso, a fosfoetanolamina Sintética.
A proteção do direito à vida como sendo o bem de maior valia no ordenamento jurídico brasileiro trouxe à tona discussões sobre as consequências para a própria saúde do requerente quando ao impacto financeiro causado pelas imposições judiciais ao Estado obrigando-o o fornecimento de substancia química denominada “pílula anticancerígena” que nem ao menos é considerada droga medicamentosa.
Todas as questões trazidas à baila guardam um ponto em comum, o respeito ao direito à vida, proclamado como um bem absoluto na Constituição da República Federativa do Brasil. Resta-nos saber se o direito a saúde erigida pelo constituinte como um dever do Estado e um direito de todos, é suficiente para afastar os protocolos que foram desenvolvidos através de repetitivos estudos clínicos científicos, e obrigar o ente Público a disponibilizar substancias sem qualquer tipo de comprovação efetiva do resultado positivo.
1 – DIREITOS FUNDAMENTAIS E SEUS ASPECTOS CONCEITUAIS
Desde a sua origem a humanidade caminha por constante transformação de direitos, com avanços e retrocessos, em certas circunstancias há divergências entre a evolução do direito e a evolução social, deixando eriçado à relação entre o Estado e o individuo na efetivação dos direitos conquistados ao longo do tempo. (SARLET, 2009, p. 45).
Nesse contexto, direitos fundamentais podem ser definidos como aqueles que são: “Considerados indispensáveis à pessoa humana, necessários para assegurar a todos uma existência digna, livre e igual. Não basta ao Estado reconhecê-los formalmente; deve buscar concretizá-los, incorporá-los no dia-a-dia dos cidadãos” […]. (PINHO, 2002, p. 65).
Coadunando do mesmo entendimento, Alexandre de Morais, por sua vez, aduz que os direitos fundamentais são: “O conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal, e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana pode ser definido como direitos humanos fundamentais”. (2007, p. 20).
Os direitos fundamentais consagrados, não são uma mera declaração de direitos, mas sim são princípios basilares de uma concepção de Estado de direito. O seu reconhecimento se deu de forma lenta e gradual, sua construção é histórica, nascidos em certas circunstâncias, caracterizados por lutas das classes menos favorecidas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes.
Nesse prisma, o Ministro Celso de Mello sintetizou, de forma oportuna, a evolução dos direitos fundamentais: “Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais, realçam o princípio da liberdade e, os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas, acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuído genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis pela nota de uma essencial inexauribilidade”. (STF, Pleno, MS nº 22.164/SP).
Assim, os direitos fundamentais, em seu sentido mais amplo, alcançam as liberdades e garantias e os direitos sociais.
Para sedimentar tal entendimento, Karine da Silva Cordeiro de forma oportuna afirma que: “Atualmente, não pairam dúvidas sobre o fato de que os direitos fundamentais são o parâmetro de aferição do grau de democracia de uma sociedade”. “E a sociedade democrática, ao mesmo tempo, apresenta-se como condição para a eficácia dos direitos fundamentais”. Direitos fundamentais eficazes e democracia são, pois, conceitos umbilicalmente ligados, podendo-se afirmar que os direitos fundamentais não existem plenamente senão no Estado Democrático de Direito, ao passo que o Estado de Direito “é o Estado juridicamente limitado pelos direitos fundamentais e juridicamente vinculado à sua defesa e promoção”. (2012, p. 28).
Com efeito, é protuberante considerar que a defesa e a satisfação dos direitos fundamentais não são efetivadas dentro de um Estado, perante a ausência de instrumentos que garantam o aproveitamento prático de tais objetivos pela coletividade, assim, não concretização plena dos direitos fundamentais promove o retrocesso no tempo, se faz necessário que o Estado atue como guardião destes, almejando alcançar um patamar, o mais considerável possível, em termos de sua eficácia.
Dentre essas considerações, no que tange aos direitos fundamentais, podemos elevar como bem jurídico mais relevante o direito à vida bem como seus variados desdobramentos.
1.1 – DIREITO À VIDA
O direito à vida esta esculpida constitucionalmente, como direito fundamental, no caput do artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, garantida a sua inviolabilidade.
Árdua é a tarefa na tentativa de conceituar o direito à vida, mas, há que se destacar que a vida não fica adstrita apenas a seu sentido biológico. Nesta perspectiva, Karen Bergesch aduz que, a concepção de vida envolve a compreensão do ser humano como pessoa titular de dignidade e autonomia. A definição atribuída a ela apresenta-se de forma diversa em diferentes áreas do conhecimento, assim, torna-se complexo porque a vida está em constante mutação, organizando-se através de etapas interligadas. Em síntese significa que não há um momento estático, pontual, para se definir o início da vida. (2010, p. 78-79).
José Afonso da Silva coloca que, a vida é algo de “difícil apreensão porque é algo dinâmico, que se transforma incessantemente sem perder sua própria identidade”. (2005, p. 197).
Em consequência do dissenso que norteia a definição do conceito de vida humana, é inegável que sua consolidação como direito humano fundamental e universal consagrado em várias Cartas de Direitos Humanos e nos ordenamentos internos dos países, se deu de forma histórica. Desta forma, Reinaldo Pereira e Silva (2003, p. 103) leciona que, “Em termos jurídicos, direito da vida é o compromisso efetivo com a vida humana enquanto valor fundamental, tanto no plano hermenêutico quanto no plano politico-legislativo”.
Neste sentido, Alexandre de Morais ensina que, a Constituição da República Federativa do Brasil assegura bem mais do que o direito à vida, assegura uma existência com dignidade. (2007, p. 76).
André Ramos Tavares acentua que, “o conteúdo do direito à vida assume duas vertentes. Traduz-se, em primeiro lugar, no direito de permanecer existente, e, em segundo lugar, no direito a um adequado nível de vida”. (TAVARES, 2012, p. 575).
Assim, busca-se sempre pela inadmissibilidade de circunstâncias que exponham a vida humana em risco, Neste sentido, Maria Helena Diniz acentua que:
“A vida humana deve ser protegida contra tudo e contra todos, pois é objeto de direito personalíssimo. O respeito a ela e aos demais bens ou direitos correlatos decorrem de um dever absoluto erga omnes, por sua própria natureza, ao qual a ninguém é lícito desobedecer. Ainda que não houvesse tutela constitucional ao direito à vida, que, por ser decorrente de norma de direito natural, é deduzida da natureza do ser humano, legitimaria aquela imposição erga omnes, porque o direito natural é o fundamento do dever-ser, ou melhor, do direito positivo, uma vez que se baseia num consenso, cuja expressão máxima é a Declaração Universal dos Direitos do Homem, fruto concebido pela consciência coletiva da humanidade civilizada”. (DINIZ, 2008, p. 21-22).
Ademais o direito à vida esta umbilicalmente ligada ao direito de viver com saúde. Isso porque uma maneira fácil de desrespeitar o direito à vida é deixando que alguém morra de fome, ou de doença.
Paulo Gustavo Gonet Branco amestra que, não faz menor sentido proteger outros direitos se antes não proteger a vida, assevera ainda: “A existência humana é o pressuposto elementar de todos os demais direitos e liberdades dispostas na Constituição. Esses direitos têm nos marcos da vida de cada indivíduo os limites máximos de sua extensão concreta. O direito à vida é a premissa dos direitos proclamados pelo constituinte; não faria sentido declarar qualquer outro se, antes, não fosse assegurado o próprio direito de estar vivo para usufruí-lo. O seu peso abstrato, inerente à sua capital relevância, é superior a todo outro interesse”. (2014, p. 255).
Além disto, o Estado deve-se garantir um mínimo compatível com a dignidade da pessoa humana, promovendo o acesso à alimentação, educação, esporte, cultura, lazer e demais direitos, assim, assegurando tais, ao mesmo tempo, proporcionará o direito à vida com qualidade.
Resta claro que, se o direito à vida não for assegurado, todos os demais perdem o sentido de ser. Sedimentando tal entendimento, André Ramos Tavares leciona que, o direito à vida assume duas vertentes, sendo a primeira no direito de permanecer existente, que é o direito principal. Em um segundo momento o direito a um adequado nível de vida. (TAVARES, 2012, p. 575).
Deve-se registrar ainda que, direito à vida e o direito à saúde caminham juntos, estando assegurados como fundamentais pela Constituição da República Federativa do Brasil. Desta forma, tem-se a necessidade de se estabelecerem os parâmetros da atuação do Poder Público em relação ao serviço de saúde.
1.2 – PROTEÇÃO DO DIREITO À SAÚDE COMO DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL NO SISTEMA CONSTITUCIONAL BRASILEIRO
Até a metade do século XVIII, a administração portuguesa no Brasil mostrou-se completamente desorganizada no combate às causas das doenças, não se observava nenhuma ação, seja nas instituições médicas privadas, seja no aparelho de Estado, deixando explicita a precariedade da relação saúde e sociedade. (MACHADO, 1978, p. 55-56).
Inicialmente a saúde foi entendida apenas pelo seu estado de ausência de doença, a atuação restringia-se ao tratamento da doença física em si, afastando-se dos fatores sociais e psicológicos, os esforços ficavam focados em manter a ausência de doença. (SILVA, 2010, p. 75).
Foi somente no século XX, que efetivamente iniciam-se políticas de saúde para enfrentar o cenário sanitário vivente no país.
Em 1904 ocorreu à revolta da vacina, este fato é considerado o principal percursor da saúde pública no Brasil. A população era afligida por um surto de varíola, nesta ocasião o então pesquisador Osvaldo Cruz recomendou ao Congresso a vacinação compulsória em massa, sendo que esta foi transformada em Lei no dia 31 de Outubro do mesmo ano, iniciando-se um intenso confronto entre a polícia e a população que recusava-se a receber a dose da vacina. (BERTOLLI FILHO, 2006, p. 27).
Com os avanços tecnológicos, é sob uma nova perspectiva um precoce conceito de saúde passou a ser moldado, este foi sintetizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como sendo “um estado de completo bem estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade” (SILVA, 2010, p. 76).
O direito à saúde é, indubitavelmente, a premissa dos direitos do homem, visto que, está umbilicalmente ligada ao direito à vida e, sem o exercício desta, não há que se falar no exercício de nenhum outro direito. Todavia, não houve a sua proteção jurídica desde os primórdios. Neste sentido, Sueli G. Dallari (1995, p. 23) destaca que, a história persiste em alienar a conquista de direitos aos mais violentos conflitos. Desta forma, o direito a saúde foi inserido no rol de direitos constitucionais atendendo ao rogo da população.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 é um novo paradigma no reconhecimento de direitos, ficando conhecida como uma Constituição cidadã e que mais dispôs direitos em sua escrita, avultando-se o direito à saúde, que encontrou seu auge de proteção, posto como um direito social fundamental, orientado pela proteção à vida.
A Lei mandamental assegura a proteção à saúde no seu artigo 196, estabelecendo sua exigibilidade contra o Estado, por outro lado, é límpido o dever do Poder Público em proteger, promover e recuperar a saúde do individuo, bem como, garantir o mínimo correspondente a esse direito.
Neste sentido, Ricardo Augusto Dias da Silva de forma oportuna pontua: “É razoável se afirmar que a saúde passou a ser concebida, considerando-se os próprios cânones constitucionais, como um processo de cidadania para sua garantia, de onde se depreende os direitos e deveres dos cidadãos e, de maneira explicita, as obrigações estatais estabelecidas”. (2010, p. 76).
Nessa direção, o artigo 198, da Lei Mandamental estabeleceu criação de um sistema que organizaria um conjunto de ações de serviços públicos sistematizados em rede, regionalizado e hierarquizado com a participação de forma solidária das três esferas de governo, o que foi regulamentado pela Lei nº 8.080/90, o artigo 2º deixa explicito o caráter de direito fundamental e a incumbência do Estado prover as condições necessárias ao seu pleno exercício.
A referida Norma reafirmou ainda em seu artigo 3º o que fora exposto sobre o melhor conceito de saúde, acentuando que, a saúde esta condicionada diretamente a outros fatores como, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, a atividade física, o transporte e o lazer.
Para tanto, a Constituição Federal de 1988, a reservou vários dispositivos acentuando a proteção jurídica diferenciada deixando límpido o caráter de direito social fundamental, artigo 23, inciso II, estabelece competência comum a União, Estados, Distrito Federal e aos Municípios, para cuidar da saúde e proteção das pessoas com deficiências; já o artigo 24, inciso XII, fixa competência legislativa concorrente a União, Estados e ao Distrito Federal, na proteção a saúde, para não deixar margem questionável o § 2º do artigo 24, e o inciso II, do artigo 30, consolidam que os estados e os municípios têm competência suplementar a legislação federal no que couber.
Por outro lado, Ricardo Augusto Dias da Silva, ressalta que é visível a discrepância entre a previsão no texto constitucional e aquilo que é materializado, sendo isto, reflexo das desigualdades sociais, acentua ainda que: “Não se pode mais considerar a saúde de forma desconexa do contexto socioambiental em que estão inseridos o individuo e a coletividade, podendo-se firmar como razoável o entendimento de que no atual estágio em que se encontra a saúde é o espelho das desigualdades sociais, da pobreza, do nível de vida da maioria da população, da ausência de políticas públicas eficazes para o setor. E sem a perspectiva de alteração desse quadro socioeconômico, a garantia ao direito à saúde fica comprometida de efetivação na amplitude preconizada na Constituição Federal”. (2010, p. 79).
Assim, diante desse paradoxo, o poder público passou a escusar-se suscitando o caráter finito dos recursos orçamentários, desta forma, o Estado não poderia satisfazer todos os direitos sociais previsto na Constituição, obviamente pelos custos das prestações positivas que cabem ao Executivo.
Manifestando-se contrário a essa tese Sarlet, aduz que; é indiscutível a necessidade de proteção do direito à saúde, adverso a isto, conteúdo de outros direitos fundamentais restaria exaurido. (2007, p. 11). O autor salienta ainda que, vida digna é equiparável à vida saudável, “o completo bem-estar físico, mental e social densifica o princípio da dignidade da pessoa humana, pois não é possível imaginar a vida com dignidade em um ambiente insalubre e condições inadequadas”. (SARLET apud FIGUEIREDO, 2007, p 82).
É ululante que a República Federativa do Brasil, não conseguiu promover o acesso as politicas sociais, mormente voltadas a efetivação do direito à saúde, nos termos preconizado pelo artigo 196 da Constituição Federal, de forma, universal e igualitário, com finalidade de promover, proteger e recuperar a saúde, garantindo dessa forma, uma vida digna.
Isto posto, restou ao Poder Judiciário o papel de protagonismo na concretização para que tais não fiquem esquecidos. Tal processo se denominou de judicialização do direito à saúde, que busca além de outros objetivos a garantia do mínimo existencial.
2 – MÍNIMO EXISTENCIAL
A saúde está ligada ao direito à vida. Sem a precisa proteção dessa, incorrerá em grave ameaça a vida. Ao tempo que se resguardando a saúde conjuntamente se promove a proteção da dignidade da pessoa humana, não é possível apreciar a existência de uma vida digna se não estiver garantido a todos um piso existencial mínimo.
A teoria do mínimo existencial é resultante da junção da dignidade da pessoa humana, da liberdade material e do Estado Social, tal expressão surgiu pela primeira vez na Alemanha, em uma decisão do Tribunal Federal Administrativo proferida em 1953, sendo que esta posteriormente incorporada na jurisprudência do Tribunal Federal Constitucional do mesmo país. (NOVELINO, 2012, p. 636).
Ana Paula de Barcellos afirma que o mínimo existencial corresponderia a “um elemento constitucional essencial, pelo qual se deve garantir um conjunto de necessidades básicas do indivíduo”. (2002, p. 126.)
Na concepção de Marcelo Novelino, “O mínimo existencial consiste em um grupo menor e mais preciso de direitos sociais formados pelos bens e utilidades básicas imprescindíveis a uma vida humana digna”. (2012, p. 636).
Por não estar prevista de forma explícita na Constituição da República Federativa do Brasil, coube à doutrina estabelecer os seus parâmetros, que por vezes é entendido como sendo pré-constitucional e outras vezes é compreendido como sendo direito fundamental decursivo do Estado Social, da proteção à vida, integridade física e respeito à dignidade da pessoa humana. (FIGUEIREDO, 2007, p. 188).
Assim, ao viabilizar o mínimo existencial, ao mesmo tempo estar-se-á efetivando os direitos sociais fundamentais, especialmente aqueles encartados no artigo 6º da Constituição Federal, visto que, estão ligados aos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade.
Sob essa ótica, Vicenzo Demetrio Florenzano, busca a definição de quais seriam as necessidades básicas do ser humano correspondentes ao mínimo existencial, segundo o autor está relação encontra-se disposta no artigo 7°, IV, da Constituição Federal da República Federativa do Brasil, que prevê um salário mínimo “capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social”. (2005, p. 47).
Ricardo Lobo Torres afirma que o homem é titular de “condições mínimas de existência […] digna que não pode ser objeto de intervenção do Estado e que ainda exige prestações estatais positivas […]” além do que, sem o mínimo necessário à existência cessa a possibilidade de sobrevivência do homem e desaparecem as condições iniciais da liberdade. Ademais, “a dignidade humana e as condições materiais da existência não podem retroceder aquém de um mínimo” (1989, p. 29-30).
Conforme observa-se, o principio da dignidade da pessoa humana está entrelaçado de forma intrínseca à noção de mínimo existencial, logo, o Estado esta vinculado a implementar e fazer concretizar tais direitos que são indispensáveis a uma vida digna.
Ingo Sarlet (2008, p. 22) com maestria aduz que, é enganosa a aparência de que mínimo existencial e mínimo vital é sinônimo, uma vez que o primeiro diz respeito ao conteúdo em si, enquanto que, o segundo diz a respeito à sobrevivência da vida humana, logo, não abarcando as condições de vivência digna. “Portanto, de uma vida com certa qualidade”.
Nesta acepção, o autor traz o exemplo de que “não deixar alguém sucumbir à fome certamente é o primeiro passo em termos da garantia de um mínimo existencial, mas não é, e muitas vezes não o é sequer de longe o suficiente”. […] Desta forma, nos leva a concepção de que tão somente estará protegida a dignidade da pessoa humana, onde estiverem garantidas as condições básicas a serem ofertadas pelo o Estado, na proporção de “nem mais e nem menos do que uma vida saudável”. (SARLET, 2008, p. 22).
Consolidado o entendimento de que o direito à saúde integra o rol de direitos sociais fundamentais protegidos constitucionalmente, e que o mínimo existencial é um legítimo direito fundamental sustentador da dignidade da pessoa humana e do direito à vida, isso tem surtido reflexo no aumento da exigibilidade das demandas da saúde perante o Poder Judiciário.
3 – DIREITO À SAÚDE E SUA JUDICIALIZAÇÃO
O direito social a saúde foi incluída na Constituição de 1988 e elevada estatus de direito fundamental. Tal fato representou um novo paradigma na busca pela igualdade social, que constitui um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil. Entretanto, diversos obstáculos são apontados para que não ocorra sua plena efetivação, destacando-se a alegação do conteúdo indeterminado das normas desse direito e à indisponibilidade de recursos orçamentários. Diante destas circunstâncias, assim, o Poder Judiciário mostra-se legitimado para a concretiza-lo quando a atuação dos demais poderes forem insuficientes ou complemente omissa na satisfação desta premissa.
Desse contexto, observa-se um crescente aumento dos pedidos judiciais, buscando o acesso as mais variadas demandas do direito à saúde, mormente a medicamentos, consequentemente os administradores públicos, se verem forçados a cumprir esses mandados judiciais, inevitavelmente estes causam grandes transtornos ao planejamento do Sistema Público de saúde e orçamentário. (SILVA, 2010, p. 94).
Nesse passo, o autor salienta ainda que: “De acordo com o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, o Poder Judiciário, […], vem enfrentando verdadeiro dilema, frente a cada demanda que lhe é encaminhada, seja individual, seja coletiva, que pugna por uma prestação do Estado, bem como ainda da iniciativa privada, no caso da decisão ser referente à instituição que atue de forma complementar ao sistema Único de Saúde”. (2010, p. 94).
Na direção de garantir-se o direito à saúde, o Supremo Tribunal Federal (STF), assentou o entendimento de que é solidaria a responsabilidade dos três entes da federação conforme pode ser observada na decisão da Ministra Ellen Gracie: “Vale ressaltar que a discussão em relação à competência para a execução de programas de saúde e de distribuição de medicamentos não pode se sobrepor ao direito à saúde, assegurado pelo art.196 da Constituição da República, que obriga todas as esferas de Governo a atuarem de forma solidária”. (STF – SL: 166 RJ, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ: 14/06/2007, Data de Publicação: DJ 21/06/2007).
Coadunando com o mesmo entendimento, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), tem optado em garantir o direito à saúde, de acordo com a decisão a seguir: “A escassez de recursos públicos, em oposição à gama de responsabilidades estatais a serem atendidas, tem servido de justificativa à ausência de concretização do dever-ser normativo, fomentando a edificação do conceito da" reserva do possível”. Porém, tal escudo não imuniza o administrador de adimplir promessas que tais, vinculadas aos direitos fundamentais prestacionais, quanto mais considerando a notória destinação de preciosos recursos públicos para áreas que, embora também inseridas na zona de ação pública, são menos prioritárias e de relevância muito inferior aos valores básicos da sociedade, representados pelos direitos fundamentais”. (STJ – Resp. 811608 RS 2006/0012352-8, Rel. Min. LUIZ FUX, DJ. 15/05/2007, T1 – PRIMEIRA TURMA).
De modo efetivo, como pode ser contemplado, tanto o STF quando o STJ tem-se preferido reconhecer o dever de o Estado prover o acesso às prestações da saúde.
Com efeito, conforme se observa nas decisões dos Tribunais Superiores tem refletido nas sentenças de 1º instância, solidificando o entendimento de que deve sempre recair sobre o Estado a obrigação de satisfazer as demandas reclamadas por via do Judiciário. Desta forma, presumindo-se sempre que o reclamante está alicerçado na razão, sem ordenar que o mesmo demostre um mínimo de lastro probatório fundado no conhecimento técnico científico. Ademais, é possível contemplar, conflito entre as decisões proferidas que muitas vezes estão fundadas na indicação/prescrição de um único profissional em face dos protocolos que até então são entendidos como a melhor conduta para aquela situação (SILVA, 2010, p. 97-98).
Sob esta perspectiva, trai-se a baila a impiedosa desigualdade social vivenciada, que também se mostra presente no acesso ao Poder Judiciário, onde os menos favorecidos não terão acesso facilitado ao sistema público de saúde e a da mesma forma, terão dificuldade para reclamar via judicial, ao tempo que, aqueles individuos com melhores condições econômicas, que utilizam os serviços privados, quando se deparam com medicamentos ou procedimentos de custo elevado, conseguem levar essas demandas com mais leveza até o Poder Judiciário, com possibilidades muito maiores de ter uma decisão satisfatória custeada pelo dinheiro do Sistema Único de Saúde, deixando explicita as mazelas sociais. (SILVA, 2010, p. 83).
Dentre as competências do Sistema Único de Saúde destaca-se a assistência farmacêutica, conforme dispõe o artigo 6º, I, alínea “a” da Lei n° 8.080/90. Neste sentido, Ricardo Augusto Dias da Silva, leciona que, a assistência farmacêutica tem por eixo o fornecimento de medicamentos conforme o padronizado pela norma técnica, unido à adequação custo/efetividade, com finalidade de se atender o maior número de usuários possíveis. (2010, p.90).
Diante da existência de políticas públicas que materializam o direito à saúde, resta ao Poder Judiciário, frente às demandas que exigem o fornecimento de medicamentos, é identificar os motivos que levaram a Administração a denegar tal prestação. “É certo que, se não cabe ao Poder Judiciário formular políticas sociais e econômicas na área da saúde, é sua obrigação verificar se as políticas eleitas pelos órgãos competentes atendem aos ditames constitucionais do acesso universal e igualitário”. (MENDES, 2012, p. 924).
Por outro lado, o sistema público de saúde, encontra-se diante de um dilema, tendo o dever de garantir o básico para toda população e ao mesmo tempo, o de satisfazer as o “direito individual à saúde de alguns poucos indivíduos que conseguem por meio uma decisão judicial a dispensação de medicamentos cujo custo e efetividade não são plenamente conhecidos e validados”. (TANAKA, 2008, p. 143).
O requerimento de fármacos que não estão incluídos no rol de medicamentos fornecidos pelo SUS, e conseguidos por via judicial tem gerado individualização das demandas, e vem aumentando drasticamente, por consequência apresentando um crescente problema à política de saúde pública, esse paradoxo aumenta quando se trata de droga experimental, ou que ainda não foram submetidas a teste em humanos, diante desta circunstância, qual postura deverá adotar o Poder Judiciário ao se deparar com situações desta natureza, no caso especifico solicitação da substância química fosfoetanolamina.
4 – O DILEMA DA FOSFOETANOLAMINA
O direito à saúde é um direito fundamental de todos e dever do Estado, da mesma forma, o direito à vida e a dignidade da pessoa humana são os princípios basilares e estão colocados no ápice das garantias na Constituição da República Federativa do Brasil.
Com o objetivo de buscar a satisfação do direito à saúde, a população tem buscado socorrer-se na tutela do poder judiciário, o que vem perfazendo-se por meio de ações individuais e coletivas. (SILVA, 2010, p. 93).
Nessa linha dispõe Yoshimi Tanaka: “Tendo em vista que todo o provimento de medicamentos no sistema tem a mesma fonte de financiamento, temos um dilema. Ao prover, via judicial, medicamentos não padronizados e habitualmente mais caros, sem evidências que os efeitos na doença sejam realmente melhores, estaremos destinando mais recursos per capita a poucos em detrimento de garantir para a maioria os medicamentos essenciais para controle das doenças mais frequentes”. (2008, p. 143).
Nessa leitura, Silvia Badim Marques, esclarece que, as adversidades levadas até o Poder Judiciário não tem sido poucas, e este por força do artigo 5º, XXXV, da Constituição da República Federativa do Brasil não pode escusar-se em dar resposta a quem os reclama, e aos casos que são sujeitados à sua apreciação, e vem se deparando com dilemas e decisões dramáticas, diante de cada protesto por atenção ao direito à saúde, e que, muitas vezes, denominam-se peremptório na tutela da vida ou para minorar o sofrimento. (2008, p. 66).
Nesse sentido, tem-se deparado com situação paradoxal, onde determinada substância prescrita por um único determinado médico, tem a capacidade de se sobrepor aos protocolos clínicos, estabelecidos por equipe especializada e aprovada após longos testes e estudos. (MARQUES, 2008, p. 113).
Sob a hipótese do medicamento ainda ser experimental, A Lei n. 6.360/76, em seu artigo 12 “Nenhum dos produtos de que trata esta Lei, inclusive os importados, poderá ser industrializado, exposto à venda ou entregue ao consumo antes de registrado no Ministério da Saúde”.
Por certo, e que, “Administração Pública deve zelar pela segurança e qualidade das ações e prestações de saúde, não sendo razoável que decisões judiciais determinem o custeio dessa espécie de tratamento, de eficácia duvidosa”. (MENDES, 2012, p. 926).
Nesse contexto, a polêmica imergiu em torno da substância, chamada fosfoetanolamina desenvolvida pelo professor Gilberto Chierice, da Universidade de São Paulo (USP). De um lado pacientes que relatam terem sidos beneficiados e até curados pela pílula, e de outro a comunidade científica, que alerta para a falta de comprovação científica do uso e de sua eficácia.
Porém, com a aposentadoria de Chierice levou a instituição a interromper sua produção e distribuição enquanto a droga não obtivesse as licenças e registros exigidos pelo Ministério da Saúde e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).
Tal conduta levou aquelas pessoas que já usavam a substância a reclamar no Poder Judiciário, a volta do direito a ter a oferta daquela.
Tomem-se para análise, o caso de Alcilena Cincinatus, em 06 de outubro de 2015, o Ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin concedeu liminarmente Medida Cautelar na Petição nº5.828, suspendendo decisão proferida pelo Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que denegou o pedido de fosfoetanolamina: “[…] No que tange à plausibilidade, há que se registrar que o fundamento invocado pela decisão recorrida refere-se apenas à ausência de registro na ANVISA da substância requerida pela peticionante. A ausência de registro, no entanto, não implica, necessariamente, lesão à ordem púbica, especialmente se considerado que o tema pende de análise por este Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral (RE 657.718-RG, Relator Ministro Marco Aurélio, Dje 12.03.2012). Neste juízo cautelar que se faz da matéria, a presença de repercussão geral (tema 500) empresta plausibilidade jurídica à tese suscitada pela recorrente, a recomendar, por ora, a concessão da medida cautelar, para suspender decisão proferida pelo Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em sede de Suspensão de Tutela Antecipada 2194962-67.2015.8.26.0000”.
Conforme se observa o Ministro Fachin optou pela reforma do acordão que não havia concedido à substância.
Neste sentido, é no interior do processo que devem ser expostas as provas para que sirvam de balizas ao juiz ao proferir decisão. Destaca-se, que é neste momento que deve ocorrer à ponderação do direito individual à saúde, e este deve estar fundado nas provas e no conhecimento técnico que deve pautar-se a discussão de cada caso concreto. É imperioso que o Poder Judiciário prospere em relação à dimensão da responsabilidade do Estado em garantir em toda e qualquer circunstância o direito a saúde. (MARQUES, 2008, p. 67).
De acordo com José Antônio Dias Toffoli “a interferência do judiciário na área da saúde, com a judicialização indiscriminada da matéria poderá gerar sérios riscos para as politicas públicas”. (STF, 2009).
Oposto da decisão do STF foi à decisão do Desembargador Sérgio Rui do Tribunal de Justiça de São Paulo, sob a fundamentação do desconhecimento amplo acerca de sua eficácia e possíveis efeitos colaterais incompatível com o direito à saúde constitucionalmente garantida. Vejamos parte da fundamentação: “É irresponsável, portanto, a liberação de substância sintetizada em laboratório, denominada fosfoetanolamina, que não é medicamento aprovado e que vem sendo utilizada sem um mínimo de rigor científico e sem critério por pacientes de câncer que relatam melhora genérica em seus quadros clínicos, porque não foram realizadas pesquisas exaurientes pelas comunidades científicas internacional e nacional que permitam estabelecer uma correlação segura e indubitável entre seu uso e a hipotética evolução relatada. E não pode o Poder Judiciário, em razão de tantas lacunas científicas e éticas, permitir que substância de duvidosa eficácia e de desconhecida toxicidade seja distribuída indiscriminadamente”. (AgR. nº 2194962-67.2015.8.26.0000/50080/SP. Rel. Des. Sérgio Rui, DJ 11.11.2015).
Obviamente, não se discute aqui a dor de familiares e amigos, tampouco, o direito do paciente em lutar por sua vida, mas sim, até onde deve ir à responsabilidade do Estado, em garantir o direito á saúde sob as bases da incerteza cientifica, e os demais efeitos colaterais que advierem do uso desregrado desta substância, porque até o momento não se sabe qual a dosagem é segura, intervalo entre as doses, efeitos colaterais e muito menos sobre os resultados produzidos no organismo humano, o Poder Público estará compelido a tratar eventuais complicações decorridas da substância?
Em 22 de março de 2016 o Plenário do Senado aprovou o Projeto de Lei da Câmara nº3/2016, que autoriza pacientes com câncer a usarem a fosfoetanolamina sintética antes de seu registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). (Agência Senado, 2016).
Sendo esta sancionada pela então Presidenta Dilma Rousseff em 14 de abril de 2016, autorizando o uso da fosfoetanolamina sintética por pacientes diagnosticados com câncer e definiu a permissão como de relevância pública. (EBC, 2016).
De acordo com Jarbas Barbosa diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), a população brasileira pode estar em risco sanitário pela liberação e utilização de substância química que ainda não passou por nenhum tipo de teste capaz de assegurar sua segurança e eficácia. (EBC, 2016).
Diante de todo este quadro criado, a Associação Médica Brasileira (AMB) ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5501, com pedido de liminar, buscando a declaração de inconstitucionalidade da Lei nº 13.269/2016 que autorizava o uso da fosfoetanolamina.
No julgamento desta Ação Direta de Inconstitucionalidade, o Ministro Relator Marco Aurélio em oportunas palavras discorreu o seu voto: “A regência normativa em exame não se amolda a esses parâmetros. Ao dever de fornecer medicamentos à população contrapõe-se a responsabilidade constitucional de zelar pela qualidade e segurança dos produtos em circulação no território nacional, ou seja, a atuação proibitiva do Poder Público, no sentido de impedir o acesso a determinadas substâncias. A esperança depositada pela sociedade nos medicamentos, especialmente naqueles destinados ao tratamento de doenças como o câncer, não pode se distanciar da ciência. Foi-se o tempo da busca desenfreada pela cura sem o correspondente cuidado com a segurança e eficácia das substâncias. O direito à saúde não será plenamente concretizado sem que o Estado cumpra a obrigação de assegurar a qualidade das drogas distribuídas aos indivíduos mediante rigoroso crivo científico, apto a afastar desenganos, charlatanismos e efeitos prejudiciais ao ser humano”. (STF, ADI nº 5501,).
Salienta ainda o Ministro que, o Congresso Nacional, ao permitir a distribuição de remédio destituído do controle prévio de eficácia cientifica, não desempenhou com o dever constitucional de proteger a saúde da população.
A aprovação do produto no órgão do Ministério da Saúde é condição para industrialização, comercialização e importação de substâncias medicamentosas, segundo o disposto no artigo 12 da Lei nº 6.360/1976. Esta imposição tem por objetivo além de outras, o monitoramento, pela Agência fiscalizadora, da segurança, eficácia e qualidade terapêutica do produto.
Ademais, O fornecimento de medicamentos, embora essencial à concretização do Estado Social de Direito, não pode ser conduzido com o atropelo dos requisitos mínimos de segurança para o consumo da população, sob pena de esvaziar-se, por via transversa, o próprio conteúdo do direito fundamental à saúde. (ADin. nº 5501, Min. Rel. Marco Aurélio).
De todo o exposto, observa-se que, sem a submissão da fosfoetanolamina sintética ao protocolo de testes internacional e nacional, não é possível medir o seu nível de segurança, qualidade e eficácia no combate ao câncer; de que não seja tóxica ou produza efeitos colaterais nos pacientes que a ingerirem. Desta forma, assegura-se que o serviço público cumpra com a sua função, ou seja, garantir o direito individual à saúde daqueles que se enquadram nessas balizas, entretanto, embora fornecimento de medicamentos, se mostre essencial à concretização do direito à saúde, este não pode ser conduzido com o atropelo dos requisitos mínimos de segurança para o consumo da população, sob pena de esvaziar-se, do próprio conteúdo do direito fundamental à saúde.
CONCLUSÃO
De todo o exposto, conclui-se que é inequívoco que a saúde é um direito humano fundamental e é límpido o dever do Estado de garantir esse o direito a todos os cidadãos.
Por outro lado, percebe-se que a judicialização da saúde merece atenção de todos os setores da sociedade, pois seu crescimento desenfreado poderá trazer graves consequências para o equilíbrio social e orçamentário, ainda mais quando se tratar de requerimento de prestações que são pautadas na incerteza cientifica. Não se mostra prudente a liberação de substância que promete a indistinta cura do câncer em seres humanos desprovida das necessárias pesquisas científicas médicas e clínicas.
È notório que, diante de um diagnóstico de câncer é mais que suficiente para promover a desestabilização emocionalmente do paciente e seus familiares. Na busca desesperada pela cura recorrem a procedimentos impensáveis, práticas nada ortodoxas ou abordagens inertes, todavia, não é nada aceitável a distribuição de substância cuja eficácia e efeitos nos seres humanos sejam desconhecidos.
Ademais, a múnus do registro sanitário não é, um mero procedimento burocrático e supérfluo, mas, essencial para a tutela do direito à saúde de toda a coletividade, assim, não se busca afastar definitivamente as pessoas diagnosticadas com câncer da esperança de cura ao usar esta substância, mas, sim, que se estabeleça através da realização de estudos científicos, testes e protocolos, o mínimo de garantia e proteção a aquelas pessoas que desejam fazer uso, para que não restem tratamentos inócuos, que constituam somente ilusão.
Bacharel em Direito
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