Função ético-social do devido processo legal e sua relação de coordenação com os demais princípios processuais

Resumo: Da positivação do Direito surge uma garantia de obediência aos preceitos escritos e rígidos, dando liberdade ao cidadão condicionada a uma abstenção da atuação do Estado. O desenvolvimento social continuado requer do Estado ação mais efetiva a simplesmente ter normas explícitas em textos legais, agora a sociedade necessita de uma atuação social do ente estatal, uma ação positiva. Exsurge com isso um novo direito, um direito ético, sistemático, dotado de razão, voltado para uma justiça coletiva.


Sumário: 1. Introdução 2. Estado de Direito 3. Estado Democrático de Direito 4. Princípio do Devido Processo Legal 4.1 Função ético-social 4.2 Relação de coordenação com os demais princípios processuais 5. Considerações finais 6. Referências bibliográficas


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1. Introdução


Da positivação do Direito surge uma garantia de obediência aos preceitos escritos e rígidos, dando liberdade ao cidadão condicionada a uma abstenção da atuação do Estado. O desenvolvimento social continuado requer do Estado ação mais efetiva a simplesmente ter normas explícitas em textos legais, agora a sociedade necessita de uma atuação social do ente estatal, uma ação positiva. Exsurge com isso um novo direito, um direito ético, sistemático, dotado de razão, voltado para uma justiça coletiva.


2. Estado de Direito


O final do século XVIII é marcado pelo surgimento do movimento constitucionalista, o Constitucionalismo. Vivenciado principalmente nos Estados Unidos e na Inglaterra, após revoluções que deram a esses povos liberdade em face do poder real, consolidada através das constituições até então inexistentes. Começava um Estado baseado num direito escrito, rígido, popular e formalmente justo, visando a um governo não arbitrário, ligado aos preceitos constitucionais fundamentais à coexistência de um Estado e sua população.


O Estado de Direito se baseia na lei formal. “O Estado de direito, considerado como a defesa, através da lei e do direito, da liberdade…” (Canotilho. Direito Constitucional. p. 458). O Direito era tudo o que estivesse escrito, chegando o homem ao princípio da legalidade (obediência à lei), mas sem a perspicácia de indagá-la, de discutir efetivamente seu conteúdo ou sua eficiência no seio social. Naquele momento, a lei teria cumprido o seu objetivo: o regramento estatal, retirando o arbítrio exagerado dos monarcas sobre a população. O direito formal impedia o aplicador das normas de fazer juízo de valor quanto ao seu conteúdo, posto que este pré-definido imporia uma submissão do fato à norma de modo direto. As constituições, portanto, traziam formalmente a igualdade de todos perante a lei, a separação dos poderes estatais e a previsão de direitos e garantias fundamentais dos cidadãos. Para a época uma necessidade e uma evolução, para nós um direito melhor, mas insuficiente para a satisfação justa dos cidadãos.


Isso era o Estado de Direito regrado por normas escritas e rígidas, contudo de conteúdo social incipiente. Contra a soberania real, era um garantismo, o qual tem como uma das características: “el carácter vinculado del poder público en el estado de derecho” (Ferrajoli. Derecho y Razón. p. 854.). E Ferrajoli ainda diz que: “…el “garantismo”  es el principal rasgo funcional de esa formación moderna específica que es el estado de derecho” (idem. p. 855).  No começo o Estado de Direito cumpriu seu mister: contrapor-se ao poder real, controlando-o; a posteriori mostrou-se insuficiente para garantir as necessidades da população, que agora queria mais do que rebater o absolutismo monárquico, desejava sim um direito que desse melhor qualidade de vida. O Estado de Direito era um estado liberal, caracterizado por Ferrajoli do seguinte modo: “En la tradición liberal se concibió el estado de derecho como limitado solamente por prohibiciones, en garantía de los derechos del individuo …” (idem. p. 860.). Do simples desejo de liberdade, passava a sociedade a querer uma atuação estatal regrada e justa socialmente; não mais necessitava a sociedade de unicamente uma atuação negativa do Estado (de uma abstenção estatal), precisava também de uma ação positiva, vendo as carências do povo e suprindo-as, moldando um estado social.


3. Estado Democrático de Direito


A nossa Constituição Federal de 1988 insculpe logo em seu artigo 1.º que a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, constitui-se em Estado Democrático de Direito. Embora não faça uma interpretação pontual quanto ao que seria essa democracia jurídica, traz, principalmente em seus primeiros artigos, o que seria um Estado Democrático de Direito. Destarte, esse tipo de estado é aquele que tem como fundamentos a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; que estipula o povo como titular de todo o poder; que tem como objetivos construir uma sociedade livre, justa e solidária; que objetiva erradicar a problema e a marginalização, reduzindo as desigualdades sociais e regionais, além de promover o bem de todos de forma não preconceituosa, e que tem a lei como a fonte principal de seus mandamentos. E isso não é o bastante, porque vários outros preceitos foram colocados na Norma ápice com a intenção de definir o cerne do que seria o subtítulo ora em análise.


Estamos diante não mais de um Estado de Direito unicamente ou de um estado simplesmente social, todavia de um Estado baseado num direito democrático, num direito provido de conteúdo social, onde o intérprete pode analisar o âmago da norma, antes de sua aplicabilidade. O Estado Democrático de Direito é um estado social fundado no poder de seu povo, seria uma espécie evoluída e melhorada de estado social. A eficácia da norma reside não por ela estar somente escrita num texto legal, e sim por conter razão, objeto e finalidade. O Direito nesse viés tem função ético-social, com eficácia analisada do ponto de vista sociológico. A aplicação do Direito deve criar uma justiça igualitária, onde deveremos tratar os iguais de maneira igual e os desiguais diferentemente na medida de suas dessemelhanças, nasce, por conseguinte, um novo conceito para o princípio da igualdade jurídica, divergente do existente no Estado de Direito.


Mais uma vez citando Ferrajoli, este decifra as atividades judiciais como uma mistura do saber e do poder, mostrando, no meu ponto de vista, a essência racional das normas, a seguir:


“Con una fórmula sintética, se puede decir que el juicio penal – como por lo demás toda actividad judiciales un “saber-poder”, es decir, una combinación de conocimiento (veritas) y de decisión (auctoritas). En semejante entrelazamiento, cuanto mayor es el poder tanto menor es el saber, y viceversa. En el modelo ideal de la jurisdicción, tal y como fue concebido por Montesquieu, el poder es “nulo”; en la práctica suele ocurrir que lo nulo es el saber.” (idem. p. 45-46).


No Estado Democrático de Direito os preceitos legais ganham novo entendimento, passam a ter núcleo, para definir sua aplicabilidade e eficácia social. Mudam-se os conceitos antes existentes e todo o Direito necessita de uma visão ético-social, sem a qual se torna um ordenamento antigo e ineficiente para a atual sociedade, a qual é dona de todo o poder de forma material e não apenas formalmente, como outrora. A função ético-social cria na norma o condão de fazer justiça materialmente, de fato, vendo a sociedade da forma como ela é, com defeitos, contudo incumbida de retirar os problemas sociais, com fins a uma sociedade liberta, igualitária, baseada na eqüidade.


4. Princípio do Devido Processo Legal


Quanto à origem retrato o que escreveu o doutrinador Gustavo Rabay: “… a expressão devido processo legal, oriunda da inglesa “due processo of law”, remonta à cláusula “law of the land” da “Magna Charta” do Rei John Lackland,…” (in Direito processual constitucional. p. 38). Para Ada Pellegrini Grinover a expressão ‘devido processo legal’, oriunda da Magna Carta de 1215, indica o conjunto de garantias processuais a serem asseguradas à parte, para a tutela de situações que acabam legitimando o próprio processo (apud Tourinho Filho. Processo Penal. p. 15). Hodiernamente, em nosso País, vem estabelecido pela Constituição Federal de 1988 textualmente dizendo que: Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal (artigo 5.º, LIV). Mostrando sua importância por localização topográfica, por estar qualificado como um dos direitos e garantias fundamentais. Rege, portanto, todo o ramo processual infraconstitucional, quer seja civil, penal ou especial, dando harmonia, consenso e unidade a cada qual. É princípio de conteúdo vasto, visto que definir numerus clausus o que é devido processo legal torna-se função inócua, impraticável. Devido processo legal será tudo aquilo que a sociedade entenda por justo, correto, detentor de eqüidade e causador de equilíbrio entre as partes envolvidas no processo qualquer que seja a sua natureza.


Como princípio constitucional mostra sua supremacia sobre as demais normas-regra ou normas-princípio infraconstitucionais, devendo estas guardar relação de compatibilidade com aquele. Na doutrina, várias são as conceituações de princípio, dentre elas:


“… “expressão primeira” dos valores fundamentais do ordenamento e que informam as demais normas (diferenciação material) e, ainda, com respeito à forma de apresentação (diferenciação formal) e conseqüente densidade semântico-normativa, de acordo com o alto grau de abstração ou generalidade ao qual adere o princípio, em detrimento da especificidade em relação ao caso concreto que flexiona a regra.” (Walter Rothenberg apud Gustavo Rabay. idem. p. 32) (grifos conforme original).


Princípio constitucional representa o status de que tudo o que for feito pela função legislativa infraconstitucional tenha, em sua alma jurídica, correlação com aquele e logicamente com o Texto Maior. É base para a feitura e interpretação dos preceitos legais, a obediência é incondicional, cuja inobservância expurgará o texto infraconstitucional do ordenamento. Além do que princípio denota mais que simplesmente regra, é algo dotado de valor fundamental, sustentador de todo o sistema jurídico. Para os doutrinadores, o princípio do devido processo legal é dotado de alta carga valorativa, com extrema importância processual, in verbis: “O devido processo legal é o princípio reitor de todo o arcabouço jurídico processual. Todos os outros derivam dele.” (Paulo Rangel. Direito Processual Penal. p. 03). Tal princípio também se aplica aos procedimentos nas infrações penais de menor potencial ofensivo ou nas cíveis de menor complexidade, embora de forma diferenciada, mas não deixa de o ser.


A qualificação de devido imporá a esse princípio o dever de ser justo, correto, adequado aos anseios sociais, plenamente democrático, ocasionando nos envolvidos processualmente, quer ganhem ou percam, uma sensação de justiça, de imparcialidade, de que a verdade foi buscada e exposta no processo, e de que as partes puderam se expressar com igualdade, respeito, no mais amplo e legal campo de defesa, assegurando inclusive o direito de contradizer a parte contrária. Também diz respeito não só às partes, mas a todos os interessados, podendo atuar no processo conforme o interesse de cada um deles. Para dar-lhe o conteúdo de devido, transcrevo a conceituação de Alexandre de Moraes, quanto ao princípio em tela:


“O devido processo legal configura proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa (direito à defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, de produção ampla de provas, de ser processado e julgado pelo juiz competente, aos recursos, à decisão imutável, à revisão criminal).” (Direito Constitucional. p. 93).


Por fim, a expressão processo legal mostrará que este, o processo, será legal, nascido da lei. O processo como instrumento, meio, de dizer a jurisdição ou de aplicar a norma ao caso concreto, subsumi-se à lei. Ora, somos um Estado Democrático de Direito. E como dito por Rui Barbosa: “Não há pena sem processo nem processo senão pela Justiça.” (apud Paulo Rangel. idem. p. 02). Todos os passos processuais, atos, formas, prazos, capacidade, atuação das partes e qualquer outra ação dentro desse meio legal têm que estar permitido por lei. Tratamos aqui de uma nova forma de tratar o princípio da legalidade, onde tudo deve ter adequação ao texto da lei, também previsto na mesma Constituição Federal: Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Assim trata o devido processo legal de que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer qualquer coisa num processo senão previsto legalmente. E como dito por Paulo Rangel: “O princípio significa dizer que se devem respeitar todas as formalidades previstas em lei …” (idem. ibidem). É o princípio da legalidade processual.


O princípio do devido processo legal retrata um caráter ético-social, localizado no termo devido, e uma natureza legal, exposta na combinação processo legal.


4.1 Função ético-social


O Direito moderno tem muito mais do que a simples exigência de ser escrito, deve ter razão, causa de existência; conteúdo socialmente advindo; finalidade a um bem-estar social. Não temos mais o direito com cunho apenas de ser escrito, como se isso representasse toda a verdade e anseio social, estamos numa sociedade de um estado interveniente, buscando justiça e pacificação sociais, tendo como base uma coletividade diversificada e desigual. O direito assim tem a meta de não mais receber a denominação de ser direito porque meramente está escrito, mas ser direito, pois tem conteúdo ético-social, devendo satisfazer os desejos dos cidadãos, com fins a uma solidificação e perpetuação do próprio Estado. Capez fala que a obediência à lei seja principalmente em virtude de relacionamento ético entre o Estado e o cidadão, trazendo uma noção de respeito à norma por necessidade e justiça, e segue tratando compromisso ético-social no Direito Penal, trazendo as seguintes afirmações:


“Ao ressaltar a visão puramente pragmática, privilegiadora do resultado, despreocupada em buscar a justa reprovação da conduta, o Direito Penal assume o papel de mero difusor do medo e da coerção, … A visão pretensamente utilitária do direito rompe os compromissos éticos assumidos com os cidadãos, tornando-os rivais e acarretando, com isso, ao contrário do que possa parecer, ineficácia no combate ao crime.” E continua: “Estabelece-se um compromisso de lealdade entre o Estado e o cidadão, pelo qual as regras são cumpridas não apenas por coerção, mas pelo compromisso ético-social que se estabelece, mediante a vigência de valores como o respeito à vida alheia, …)” (Curso de Direito Penal. p. 02).


O princípio do devido processo legal quer assim dizer que devido não é simplesmente o que estiver numa norma de forma explícita, mas que, além disso, traga um conceito de justiça, de tratamento igualitário dos envolvidos no processo, submisso ao novo conceito do princípio constitucional da igualdade, onde os iguais serão tratados igualmente, enquanto que os desiguais serão tratados diferentemente na medida de sua desigualdade, com a intenção de nulificar os efeitos negativos dessa diferença. Essa é a função ético-social do corrente princípio do devido processo legal, que sem essa função não era garantidor de nenhuma justiça, pelo contrário apenas traria uma submissão de todos às normas processuais, sem possuir um conteúdo justo, devido socialmente.


Hans Welzel também trata dessa visão ético-social, especificamente no Direito Penal, quando citado por Capez:


“… asegurar la real vigência (observância) de los valores de acto de la conciencia jurídica;  ellos constituyen el fundamento más sólido que sustenta el Estado y la sociedade. La mera protección de bienes jurídicos tiene solo un fin preventivo, de carácter policial y negativo. Por el contrario, la misión más profunda del Derecho Penal es de naturaleza ético-social y de carácter positivo”. (idem. p. 03).


Norma desprovida de caráter ético-social é norma propensa a ser retirada do ordenamento jurídico, visto que não criará justificativas plausíveis, numa sociedade que a cada dia busca legalidade possuidora de conteúdo ligado a satisfazer as carências dos homens, no intuito de criar leis progressivas, ainda que sejam de natureza punitiva. O professor Frederico Oliveira, na concepção da palavra princípio, revela seu caráter ético, quando diz: “…temos que princípios são a condensação das idéias de caráter ético vivenciadas no meio coletivo e que, captadas pelo legislador, introjetam-se na norma positiva como seu fundamento e legitimação.” (Premissas fundamentais do processo de conhecimento. p. 93). E cita Ruy Espíndola explicitando: “…tem-se a natureza dos princípios como sendo não apenas jurídica, mas também política, ideológica e social, reveladoras das opções fundamentais da noção de Estado e de Sociedade concebidas em dado momento histórico.” (idem. ibidem). Portanto, é impensável o princípio do devido processo legal sem adequação socialmente aceita. Seu conteúdo deve ter espaço para interpretação de forma a aplicá-lo dando a maior eficiência e eficácia ao texto constitucional. Destarte, a função ético-social só ocorrerá quando a norma corresponde ao que fora democraticamente decidido, dispondo de um campo de interpretação capaz de adequar-se às mudanças sociais, para sempre trazer equilíbrio ao sistema jurídico coordenadamente com as demais normas desse sistema.


A função ético-social de uma norma condiz com a complexa sociedade atual, onde o absolutismo não tem vez e o caráter interpretativo ganha força e espaço. A consciência do que é devido ou indevido, da busca por uma sociedade baseada na liberdade, em qualquer forma, e de que o poder é de todos e para todos, impõe uma nova forma de ver o Direito, e aos preceitos legais confere um essencial encargo de matéria ética, lógica, nascida da sociedade para permanecê-la firme e submissa à própria lei, os quais uma vez desvirtuados dessa missão criarão um sentimento de injustiça e descrença, caindo por terra todo o ordenamento jurídico, pois aquela obrigação de observância à lei não mais existirá.


4.2 Relação de coordenação com os demais princípios processuais


É cediço que a desobediência a qualquer princípio processual implica a também desobediência ao princípio do devido processo legal, deduzindo-se que este engloba todos aqueles, como o princípio da verdade real, do juiz natural e da razoabilidade na duração do processo, por exemplo. Para Paulo Rangel: “Sem o devido processo legal, não pode haver o contraditório.” e ainda diz: “Destarte, todos os outros princípios… derivam deste, pois não há verdade real sem que, para que se possa descobri-la, respeitem-se os procedimentos delineados em lei.” (idem. p. 03). Isso mostra uma interligação entre os demais princípios e o devido processo legal, ocorrência natural, por ser este representante do princípio da legalidade, a base de todo o ordenamento. Mas olhando de outra forma haveria uma relação de coordenação entre o princípio do devido processo legal e os demais princípios processuais, pois o Direito é um sistema, e como todo sistema há uma relação entre suas partes. Relação de coordenação que é imprescindível aos elementos formadores de todo o conjunto jurídico. Todos os princípios têm vida própria, interagem numa mesma linha, causando estabilidade, do contrário estariam contrapondo-se ao próprio sistema jurídico de que são partes. Gustavo Rabay tratando do devido processo constitucional escreve:


“A ênfase processual desdobra-se em diversas garantias da tutela jurisdicional, englobando os princípios da isonomia no processo, do juízo natural, do contraditório e da ampla defesa, da inafastabilidade do controle jurisdicional, da fundamentação das decisões judiciais¸ do duplo grau de jurisdição, entre outros.” (idem. p. 39).


Na realidade o devido processo legal não só engloba os demais princípios processuais, como também há uma relação de coordenação entre eles, onde a infração a um deles acarretará a inobservância do primeiro, não apenas por serem os últimos parte do primeiro, mas pelo fato de o devido processo legal ser também uma norma que junto com os demais princípios norteiam os procedimentos legais. Posto isto, digo que ferindo um princípio, como o da ampla defesa, também se ferirá o princípio do devido processo legal, primeiro se quebra a eficácia do princípio isoladamente (exemplo, negar o direito de recorrer) e segundo, por conseqüência, infringirá a legalidade, ou seja, o devido processo legal. Este tem a missão de que tudo no processo seja justo e legal, dirigindo os demais princípios e regras para que tenham conteúdo ético-social e previsão normativo-legal, e não que os demais princípios simplesmente estejam nele incluídos. Essa relação ético-social entre os princípios é requisito indispensável à existência e perpetuidade do ordenamento jurídico.


5. Considerações finais


Na história da humanidade o Direito tem evoluído tanto quanto as mudanças sociais. De um Estado de Direito onde se buscava apenas a proteção legal, passou-se em seguida a ver o Direito como algo frágil, necessitando de um melhoramento quanto ao seu conteúdo, seu entendimento. E antes era buscada apenas a ausência do Estado no meio social, viu-se que isso não era mais motivo para uma sociedade equilibrada, precisou-se ter um Estado proativo em busca de justiça social. O Direito, na sua inter-relação com a sociedade, evoluiu tanto quanto esta, e saiu de um conjunto de preceitos visando à liberdade social precipuamente, para um conjunto de normas dotadas de ratio, de núcleo intelectível e eivado de conteúdo socialmente aceito, com fins a um bem-estar coletivo. Esse Direito tem, portanto, causa de existir, objeto a ser tratado e finalidade a ser atingida, qualidades existentes em todas as partes do Direito, ou seja, em todos os princípios, que entre si se relacionam materialmente formando um único sistema jurídico.


 


Referências bibliográficas

BARBOSA, Rui apud RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 10.ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6.ª ed. Coimbra: Almedina, 1993.

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. 9.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais. 2.ª ed. São Paulo: RT, 1999. p. 80 apud OLIVEIRA, Frederico. Premissas fundamentais do processo de conhecimento. Recife: Bagaço, 2005.

FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón. Teoria del garantismo penal. Trad. por Perfecto Andrés Ibáñez, Alfonso Ruiz Miguel, Juan Carlos Bayón Mohino, Juan Terradillos Basoco, Rocío Cantarero Bandrés. Madrid: Trotta, 1995.

GRINOVER, Ada Pellegrini apud TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 21.ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

GUERRA, Gustavo Rabay. Direito processual constitucional. Recife: Nossa Livraria, 2005.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19.ª ed. São Paulo: Atlas, 2006.

OLIVEIRA, Frederico. Premissas fundamentais do processo de conhecimento. Recife: Bagaço, 2005

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 10.ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. ROTHENBERG, Walter Claudius. Princípios Constitucionais. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1999. p. 16-18 apud Guerra, Gustavo Rabay. Direito processual constitucional. Recife: Nossa Livraria, 2005.

WELZEL, Hans. Derecho penal alemán. 11.ª ed. Trad. del alemán por los profesores Juan Bustos Ramírez y Sergio Yañez Pérez. Ed. Jurídica de Chile, 1997. p. 3 apud CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. 9.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

Informações Sobre o Autor

Otimar Antonio da Silva

Graduado em Direito – Faculdade de Direito de Caruaru-PE (Asces), Pós-graduado lato sensu (Processo Civil) – Faculdade de Direito Osman Lins V. S. Antão-PE (Facol), Agente de Polícia Civil


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Equipe Âmbito Jurídico

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