O Direito Penal historicamente correlaciona funções de garantia e controle social, o que gera a indagação sobre qual é o caráter de tais funções. Os papéis protetivo e punitivo não se excluem, é certo, mas apontam de forma diversa para um mesmo problema: “para que serve o Direito penal?”.
1 FUNÇÃO GERAL: A PROTEÇÃO DE BENS JURÍDICOS
Os seres humanos, agrupados em sociedade, vivem em condições propícias a gerar conflitos de interesses. Os interesses, individuais, difusos ou coletivos, ancoram-se, no universo jurídico, em bens que devem ser protegidos de possíveis incursões privadas, egoísticas e ofensivas a interesses alheios.
Pois, bem: o Direito é, enquanto regulador das relações sociais, âmbito de tutela de bens jurídicos. Ou seja, cada norma protetiva e/ou reguladora de direitos, ou impositiva de proibições, vai ter um bem jurídico no seu âmago, na sua essência. Há algo que está sendo protegido e garantido por tal norma, buscando resguardar o equilíbrio social no conflito de interesses. Nesse sentido, ensina Roxin que
em cada situação histórica e social de um grupo humano os pressupostos imprescindíveis para uma existência em comum se concretizam numa série de condições valiosas como, por exemplo, a vida, a integridade física, a liberdade de atuação ou a propriedade, as quais todo o mundo conhece; numa palavra os chamados bens jurídicos; e o direito penal tem que assegurar esses bens jurídicos, punindo sua violação em determinadas condições.[1]
Mas, no que consistiriam os bens jurídicos? Seriam meros conceitos abstratos, ou enunciariam aspectos concretos da vida social? Partindo da idéia de que eles não são meros elementos portadores de sentido abstrato, Roxin entende
os bens jurídicos como circunstâncias reais dadas ou finalidades necessárias para uma vida segura e livre, que garanta todos os direitos humanos e civis de cada um na sociedade ou para o funcionamento de um sistema estatal que se baseia nestes objetivos.[2]
Tendo como base a idéia de proteção a bens jurídicos como aspectos reais da vida em sociedade, a própria existência do Direito Penal pode ser definida sob dois ângulos: por um lado, existe como um instrumento de poder; por outro lado, existe como um instrumento de garantia de bens jurídicos. Na idéia de instrumento de poder sobressai o foco na força de intervenção estatal sobre a sociedade civil, propiciada pelo Direito Penal. Na idéia de proteção de bens jurídicos sobressai o foco nos papéis de garantia propiciado pelo Direito Penal à sociedade civil frente ao Estado e de proteção de um indivíduo frente ao outro.
Se por um lado o Direito Penal serve ao Estado frente à sociedade civil, por outro lado serve à própria sociedade civil frente ao Estado. Possibilita ao Estado intervir legitimamente sobre a liberdade individual dos cidadãos, quando estes violem a proteção que as normas penais dão aos bens jurídicos. Mas também limita as possibilidades da intervenção estatal, ao vincular e condicionar a legitimidade de tal intervenção a parâmetros restritivos de legalidade.
O desejável papel do Direito Penal não está sediado nem em um nem em outro foco, mas sim na conjunção das duas óticas. Afinal, o Estado como interventor na sociedade exerce um papel de dominação que é necessário[3] em um estado democrático de direito – modelo pretensamente adequado à realidade político-social contemporânea – em virtude da circunstância de que os interesses individuais são conflitantes de um indivíduo para outro, assim como os interesses coletivos o são de um grupo humano para outro. O Direito Penal, nesse sentido, fornece importantes instrumentos de intervenção estatal.
Por outro lado, tal intervenção, embora necessária, não pode ser arbitrária e ilimitada. Neste sentido, é imprescindível que haja restrições à atuação estatal, de maneira que o Estado deva pautar sua atuação sobre a liberdade dos indivíduos em critérios de atuação que assegurem os direitos básicos de cada sujeito quando submetido à ação punitiva estatal – e, potencialmente, assegure os direitos de todos os indivíduos, como possíveis vítimas de qualquer arbitrariedade futura.
A esmagadora maioria dos cidadãos passa sua vida inteira sem ter contra si a atuação punitiva estatal, pois não cometem atos que despertem o interesse da intervenção penal[4]. Porém, todos e cada um estão constantemente sob o risco de que isso ocorra, pois em nossa convivência com os demais indivíduos nossos interesses e vontades estão cotidianamente em possível choque. Por conseqüência, as garantias contra a intervenção punitiva estatal devem estar sempre a beneficiar a todos e a cada um. As normas que as prevêem não são, portanto, ‘normas para proteger criminosos’ (como se apregoa no senso comum), mas sim normas que beneficiam silenciosamente a todos os cidadãos[5].
Numa ótica garantista, deve-se ressaltar, ainda, que a proteção concedida pelo Direito Penal aos bens jurídicos valorosos dirige-se à sociedade como um todo. Entretanto, deve-se alertar que razoável parte das seleções estatais de bens jurídicos a serem tutelados criminalmente, ou da gradação das penas atribuídas às ofensas a ele dirigidas, tem um caráter ideológico que satisfaz a interesses de grupos econômicos detentores do poder estatal, ou que ao menos sobre ele exercem um controle silencioso[6].
Mesmo assim, a maioria das normas penais traduz, de alguma forma e em algum grau, interesses comuns à sociedade como um todo – partindo-se do pressuposto de que evitar o choque direto de interesses é do interesse geral. O marco histórico-jurídico garantidor de que as regulações penais estejam potencialmente voltadas à sociedade toda está na consagração constitucional dos direitos humanos – com sua constitucionalização, ‘direitos fundamentais’ -, que servem como referência da validade normativa[7].
Portanto, cada previsão legal de um fato como crime está a proteger bens jurídicos, os quais deveriam ser importantes para todo e cada indivíduo. E a justificativa para a aplicação de uma pena radica exatamente na idéia de que a ofensa relevante ao bem jurídico protegido penalmente justifica a sanção penal. Sobretudo em virtude deste último aspecto é que se legitima a idéia de crimes a serem punidos pelo Estado, justificando-se a própria existência de um Direito Penal.
A esfera criminal, porém, não está isolada das demais esferas jurídicas. Há uma inter-relação que gera múltiplos condicionamentos, pois o Direito Penal não é mais do que um componente de um conjunto mais amplo: o sistema jurídico.
2 CARÁTER SUBSIDIÁRIO DO DIREITO PENAL
Os mecanismos penais de intervenção sobre a sociedade não se justificam por si só, mas sim como meios. Configuram-se como meios de controle social e de proteção de bens jurídicos. Entretanto, tal intervenção não possui um conteúdo próprio, que se sobreponha às demais áreas do Direito. Na realidade, o conteúdo das regulações penais é definido de forma subsidiária e residual.
A subsidiariedade decorre do fato de que o Direito Penal destina-se à proteção de bens cuja regulação jurídica em outras áreas mostra-se insuficiente em relação às possibilidades de danos e à repercussão pessoal ou social. Com tal insuficiência, os dispositivos penais significariam uma instância última, uma ultima ratio, uma perspectiva extrema de intervenção protetiva.
Como decorrência, a intervenção punitiva tem caráter residual. As condutas serão objeto das leis penais subsidiariamente, e isso significa que deve ocorrer de fato a atuação punitiva se não houve satisfatória intervenção jurídica de outra esfera do Direito[8].
3 AS FUNÇÕES ESPECIAIS DO DIREITO PENAL
3.1 O controle social
Pode-se indicar que a regulação da vida em sociedade, pano de fundo de qualquer definição do Direito e de suas áreas específicas, de acordo com a postura ideológica adotada teria como funções principais possíveis possibilitar a dominação estatal sobre a sociedade e, como contraponto, possibilitar a limitação estatal pela sociedade. O Direito é, sim, dominação estatal da sociedade (modo do Estado controlar e coordenar a sociedade), mas no outro lado da balança está a limitação do Estado pela sociedade (face e contraface). Por um lado, há interesses conflitantes na sociedade, que é eminentemente política, e o Direito serve para que o Estado controle e coordene a sociedade. Por outro lado, para que a sociedade não fique jogada à possibilidade do arbítrio estatal, o Direito serviria para definir a limitação do poder do Estado sobre a sociedade. É uma posição afinada ao garantismo jurídico constitucionalista.
Destaque-se que a posição dos princípios é fundamental dentro de tal idéia. Eles abrem espaço para que se possa tentar construir uma racionalidade prática do Direito Penal voltada para o homem como centro das ações sociais, buscando equilibrar o contraponto entre o interesse punitivo e o interesse de preservação da liberdade.
Com inspiração em Luigi Ferrajoli[9], trata-se de entender que a forma de se evitar que o Direito Penal seja apenas um instrumento de controle social (ou ao menos um mero instrumento de controle social dos mais fortes sobre os mais débeis) está em se garantir que a dignidade de todos e de cada um seja normativamente consagrada como indispensável para qualquer atuação jurídico-penal.
Isso implica a necessidade de que cada um e todos que atuam no Direito Penal repensem seu papel: em vez de favores pessoais, a dignidade da conduta; em vez de estoques de presos, prisões racionalizadas (inclusive quantitativamente) e adoção maior de penas alternativas; em vez de uso das penas alternativas como válvula de escape, a opção por mecanismos eficazes de implementação, cumprimento e fiscalização de tais penas; em vez do fácil discurso demagógico do punitivismo, uma opção racionalizadora do sistema penal, resguardando-o para questões que relevantemente atinjam mais contundentemente os direitos fundamentais.
É importante, nesse sentido, que se diferenciem claramente as respostas do Direito Penal aos crimes de baixo e médio potencial ofensivo daquelas dadas aos crimes de alto potencial ofensivo. Tal distinção hoje não é clara na legislação, e isso leva à sensação social de que nem mesmo normativamente há respostas adequadas aos crimes.
Tudo isso não afastaria o papel de controle social a ser exercido pelo Estado – o que, aliás, nem seria exatamente desejável -, mas ajudaria a torná-lo racionalmente balizado por parâmetros centrados num caráter democrático e humanitário.
3.2 Funções político-normativas
3.2.1 Sistema penal e direitos fundamentais
Entende-se, por força da inquestionável vinculação jurídico-constitucional de qualquer esfera do Direito à proteção conferida aos direitos humanos – especialmente àqueles que são consagrados como direitos fundamentais[10] – que se há de buscar tornar efetivas as possibilidades normativas e políticas de que o Direito Penal possa auxiliar a sociedade a repensar os seus modos de construir a idéia de cidadania para cada um de nós. Trata-se de fazer do Direito, ao menos potencialmente, um instrumento útil para a qualificação da vida humana em sociedade.
Preconiza-se, assim, uma abordagem garantista do Direito Penal. Uma abordagem articulada em torno da preservação e efetivação dos direitos humanos, em torno da centralidade do ser humano no mundo, garantindo-o contra o arbítrio e a coisificação. Internamente, trata-se de desenvolver e consolidar a interpretação crítica da dogmática penal, focada nos direitos humanos e seguindo uma política criminal minimalista. Externamente, a abordagem garantista está focada na legitimação do Direito frente à centralidade do ser humano no mundo, a partir da reflexão sobre os fundamentos da política criminal.
Propõe-se aqui uma distinção entre ‘direito penal mínimo’ e ‘minimalismo penal’. O direito penal mínimo representaria a idéia de redução indiscriminada da intervenção penal sobre a sociedade, desconsiderando as dimensões positivas, em termos de ordem social, que a pena pode ter. Já o minimalismo penal significaria uma postura operacional voltada sim a reduzir a amplitude da intervenção punitiva do Estado, mas gerando duas tendências: o resguardo das penas privativas de liberdade, embora com uma aplicação racionalizada, para os crimes mais graves; a diversificação ou a despenalização para crimes menos graves.
Dessa forma, baseando-se em parâmetros garantistas, busca-se a reflexão crítica no estudo dogmático do Direito Penal – em uma abordagem interna[11] de caráter minimalista. Nesse quadro, o instrumental teórico e prático do jurista penal pode indicar alguns caminhos de lógica e argumentação jurídica voltadas para um Direito Penal centrado no ser humano, baseado em valores éticos de humanidade e consagrando a defesa de direitos humanos fundamentais. Interessa aqui que se perceba que junto aos direitos humanos na perspectiva individual encontram-se os direitos humanos de interesse coletivo – especialmente o direito à segurança. Desse modo, a preservação garantista dos direitos humanos não deve conduzir a uma visão maniqueísta de que o Estado é o vilão e o indivíduo é a vítima. Isso porque o estado democrático de direito tem, entre outras tarefas, proteger a sociedade democrática – e nisso a segurança pública é uma condição necessária.
3.2.2 Sistema penal e criminalidade
Além disso, devem ser discutidas as mais adequadas formas para que a intervenção jurídica sobre os problemas decorrentes da criminalidade. Esta é entendida como o conjunto de fatos sociais que violam a lei penal, incluindo-se tanto aqueles que são levados às raias policiais e penais quanto aqueles que ficam à margem da intervenção estatal.
Ressalte-se, entretanto, que o Direito Penal tem um papel muito limitado em termos sociais para o combate à criminalidade. A capacidade intimidatória da esfera penal (prevenção geral) – que deve ser real mas, também, simbólica – tem muito pouca efetividade no meio social. E, ainda assim, está mais localizada na convicção de diante do cometimento de crimes haveria punição (superando-se a sensação ou expectativa de impunidade) do que na gravidade abstrata das penas (a quantidade ou dureza das penas previstas em lei).
Devido a isso, importa que a esfera penal seja tratada como um meio residual para tratar os problemas sociais, em que se deve limitar a intervenção do Estado sobre a vida privada aos parâmetros mínimos necessários, buscando-se, no entanto, tornar tal intervenção mais efetiva e eficiente nesse sentido.
3.2.3 Sistema penal e política criminal
O Direito Penal como ele deve ser (política criminal), no âmbito dos fins a serem perseguidos sistematicamente pelo legislador e por todas as instâncias jurídicas dogmático-operacionais, apresenta-se como um conjunto de diretrizes a serem perseguidas, construídas historicamente como garantias individuais contra a possibilidade de arbítrio estatal, mas temperadas com a necessidade de controle social da criminalidade.
Há, primeiramente, uma complementaridade – e não uma contradição insolúvel – da legalidade enquanto instrumento do Estado e da legalidade enquanto instrumento do cidadão. Por um lado, ela serve como diretriz instrumentalizadora das ações do Estado; por outro lado, impõe limites e garantias a essa ação.
Bem afirma Roxin que
O princípio ‘nullum crimen sine lege’ não deixa de ser um postulado político criminal, enquanto imperativo de combate eficaz ao crime. Ele não só é um elemento de prevenção geral, mas a limitação do poder de punir pelo Direito é também em si uma finalidade importante da política criminal.[12]
Em sentido semelhante Ferrajoli, que ao propor seu modelo normativo de justificação das penas, baseado na arquitetura do sistema penal em torno dos direitos fundamentais, indica que tal modelo impõe
às proibições e às penas duas finalidades distintas e concorrentes, que são, respectivamente, o máximo bem-estar possível dos não desviantes e o mínimo mal-estar necessário dos desviantes, dentro do objetivo geral da máxima tutela dos direitos de uns e de outros, da limitação dos arbítrios e da minimização da violência na sociedade.[13]
Aqui vale destacar uma importante questão: as funções político-criminais a serem cumpridas pelo sistema penal são necessariamente de dupla face, envolvendo a prevenção da criminalidade e a prevenção do arbítrio estatal com a mesma intensidade.
O problema é que não é incomum se perceber uma tendência de atuação que fique focada em um só dos ângulos: a máxima atenção possível à prevenção e ao combate à criminalidade, minimizando-se a importância da prevenção do arbítrio estatal; ou a máxima atenção possível à prevenção do arbítrio estatal, minimizando-se a importância da prevenção e combate à criminalidade.
Entende-se que não se tratam de finalidades político-criminais incompatíveis – ao contrário, reafirma-se, são até mesmo complementares. A preservação dos direitos fundamentais em geral – da sociedade – impõe a preocupação com a prevenção e o combate à criminalidade. Isso gera imediatamente a necessária preocupação com o direito fundamental à liberdade, o que impõe limites à atuação estatal, de forma a preservar tal direito evitando as possibilidades de arbítrio. Evidentemente, a partir daí inúmeras conseqüências surgem em termos de desdobramentos político-criminais, envolvendo diretrizes que interferem em todos os aspectos do sistema penal (especialmente na dogmática penal, referente aos crimes e às penas; na dogmática processual penal; nas diretrizes específicas e regras da execução penal).
Em síntese, as funções do Direito Penal, assim, configuram-se, por um lado, na busca de controle social, através de mecanismos simbólicos[14] de prevenção. Por outro lado, voltam-se para a garantia do indivíduo frente ao Estado e suas pretensões de intervir sobre a liberdade. É no contraponto entre essas duas faces da esfera penal que se pode defender que o Direito Penal contemporâneo caminhe para ser uma esfera jurídica centrada no enaltecimento do ser humano como referência e razão principal das relações sociais.
4 O CONTROLE DA CRIMINALIDADE
Nas últimas duas décadas, têm sido cada vez mais constantes no Brasil os debates e apelos a respeito da necessidade de uma resposta estatal mais dura, mais forte a respeito da criminalidade. A ocorrência de crimes de gravidade contundente, com repercussão decisiva na mídia, alimentou e alimenta as preocupações gerais da sociedade, assim como a expectativa pela reação estatal. O quadro se configura como preocupante porque é acompanhado pela sensação de que o poder público é impotente para lidar com os problemas criminais.
Tal sensação decorre de vários aspectos, dentre os quais: – há um aumento do número de crimes brutais, violentos; – as classes sociais mais abastadas têm sido mais atingidas por tais crimes brutais do que em anos anteriores; – há uma crença geral na população que os órgãos policiais soa compostos por muitas pessoas corrompidas; – a maioria dos crimes mais graves não chega a ser elucidada, a ação penal não chega a ser proposta ou não chega a se ter uma condenação; – os criminosos habituais têm agido com organização em rede e com planejamento que em alguns casos lembra atividades empresariais; – o Judiciário é lento no processamento e julgamento dos crimes; – o sistema punitivo não funciona, ou não funciona adequadamente.
Analisados em conjunto, tais fatores representam alguns problemas específicos.
Primeiramente, o crescimento populacional e das demandas sócio-econômicas não tem sido acompanhado de políticas públicas de desenvolvimento econômico a igualdade social capazes de contornar os problemas crescentes.
Existe, além disso, uma incapacidade progressiva do sistema penal para responder aos problemas ligados à criminalidade. A falta de pessoal (ou de pessoal capacitado) e de estrutura material nas polícias macula a capacidade de investigar – além de supostamente haver a necessidade de meios efetivos e eficientes de garantir a moralidade e licitude das atividades policiais. O Ministério Público e o Judiciário não parecem estar aparelhados suficientemente para agilizar a persecução penal em juízo e a decorrente efetividade punitiva. O Executivo não demonstra compromisso com um funcionamento minimamente efetivo (muito menos eficiente) do sistema punitivo, especialmente quanto às condições materiais para o cumprimento das penas.
Junte-se a isso uma legislação criminal inflacionada pela quantidade de crimes previstos, muitos do quais de escassa relevância, ferindo o pressuposto de que a esfera penal deveria ser encarada como fragmentária e residual, voltando-se apenas para os ilícitos mais graves, que exigissem uma intervenção diferenciada através do direito punitivo.
Diante desse quadro, os movimentos populares em torno dos problemas criminais dirigem-se à busca de atuação estatal mais concreta. E isso costuma desembocar em uma triste confusão: propaga-se a falsa idéia – punitivista – de que a elevação das penas e o endurecimento de seu cumprimento resolveriam (ou amenizariam) os problemas criminais.
As propostas têm sido direcionadas para alguns pontos principais[15]:
– diminuição da idade de imputabilidade penal para 16 anos;
– aumentar a pena máxima de 30 para 50 anos;
– eliminação do protesto por novo júri;
– acabar com as figuras do concurso formal de crimes e do crime continuado;
– vincular diretamente a concessão de benefícios ao preso ao trabalho;
– adoção da prisão perpétua e da pena de morte.
O que se percebe facilmente é uma preocupação vinculada a uma idéia fácil: os crimes acontecem porque a punição é branda. Fácil, mas falaciosa: os estudos criminológicos têm mostrado que a prevenção geral (em que o indivíduo deixa de praticar o crime pelo temor da gravidade da pena) possui um efeito muito pequeno no controle da criminalidade[16].
Aliás, deve-se estar atento ao fato de que a imposição de penas é um recurso extremo para situações não solucionáveis de outra forma pelo Direito. Além disso, a imposição de penas deve significar socialmente um mal menor do que o recurso a formas não estatais de conflito. Conseqüentemente, a ação punitiva é um recurso último, a ser utilizado com a força suficiente para servir de resposta à criminalidade, mas também com a moderação necessária para garantir civilidade e racionalidade na atuação do Estado.
Não há dúvidas de que o sistema penal possui, no trato da questão punitiva e de sua operacionalização, distorções que devem ser corrigidas – um claro exemplo é a dissociação entre o que a lei prevê e a realidade jurídico-prática do cumprimento da pena em regime aberto, dissociação esta existente na grande maioria das comarcas brasileiras.
Entretanto, diante da inoperância (ou mal operação) do sistema de persecução penal (investigatório ou em juízo), entende-se que a realidade é outra: há uma sensação de impunidade corrente entre aqueles que cometem crimes, especialmente os criminosos habituais. Junte-se a isso a pressão sobre a juventude no sentido de que o crime é um modo fácil de ganhar dinheiro (ao menos mais fácil e rápido do que o sub-emprego ou o emprego mal remunerado) e tem-se um quadro propício para a vida na criminalidade.
Desse modo, é necessário que se coloque mais lucidez e racionalidade e menos emoção nos debates acerca da criminalidade no Brasil. A busca por soluções deve ser encarada como um desafio para médio e longo prazo, sendo que as medidas imediatas, destinadas a controlar e amenizar os problemas não devem ser de tal caráter que impeçam a evolução do sistema penal (o que ocorreria, entende-se aqui, com a adoção de medidas de simples aumento da dureza das punições).
Sugere-se, assim, uma pauta mínima de medidas destinadas ao controle e prevenção social da criminalidade. No âmbito das políticas públicas de caráter penal, tratar-se-ia de:
I – aumentar o policiamento ostensivo preventivo;
II – aumentar o número de postos policiais comunitários;
III – aumentar o contingente das polícias militar e civil;
IV – criar mecanismos eficientes de fiscalização e investigação internos da atividade policial, a fim de prevenir e combater a corrupção;
V – repensar a legislação penal, especialmente visando o enxugamento da quantidade de fatos previstos como crimes e a reestruturação do sistema de execução penal, concentrando esforços.
No âmbito das políticas públicas de caráter social, tratar-se-ia de:
I – criar comissões comunitárias de discussão para os problemas locais, envolvendo a população com a organização social;
II – desenvolver programas educativos de construção da cidadania, voltados para crianças e jovens, aproveitando-se as escolas como possíveis meios integrativos;
III – repensar os parâmetros da educação familiar, através de campanhas educativas e de integração social;
IV – reestruturar e redimensionar o papel das escolas na formação de crianças e adolescentes.
Essa pauta mínima evidentemente não garante soluções – como de resto nenhuma medida isolada garantiria (especialmente o simples endurecimento das respostas penais). Entretanto, tais medidas, em conjunto, poderiam servir de base para o redimensionamento, a racionalização e a moralização do sistema penal.
Mestre e Doutor em Direito Público pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); professor de cursos de graduação e pós-graduação em Direito; autor de diversos livros e artigos
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