Resumo: A educação ambiental aplicada nas escolas indígenas, decorrente das categorias de direitos fundamentais constitucionalmente previstos, merece muita reflexão e atenção por parte dos educadores brasileiros, que além de promoverem as especificidades que lhes são próprias, devem estar atentos ao princípio matriz de uma educação ambiental compartilhada pelos povos indígenas, sede de outros sub-princípios igualmente relevantes que exigem o envolvimento de toda a comunidade; promoção da interculturalidade, transversalidade e flexibilização de uma educação ambiental no currículo das escolas indígenas, protagonizadas por crianças e jovens índios que requerem uma metodologia mais afinada com a sua dinâmica social e principalmente vinculada às coisas da natureza. Educação ambiental desse jaez não perde de vista o sentimento de fraternidade que devemos compartilhar tanto com as presentes, como em face das futuras gerações.
Palavras chave: educação – meio ambiente – escola indígena
Sumário: 1. Introdução. 2. Educação indígena no Brasil. 3. Princípio matriz da educação ambiental compartilhada. 3.1. Envolvimento da comunidade indígena na educação ambiental. 3.2. Interculturalidade escolar ambiental. 3.3. Transversalidade e flexibilização da educação ambiental no currículo das escolas indígenas. 3.4. Protagonismo das crianças e dos jovens indígenas na educação ambiental. 3.5. Metodologia do ensino ambiental nas escolas indígenas. 4. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
Decorre da Constituição Brasileira de 1988, máxime a partir do seu art. 205, a elevação do direito à educação ao status de direito público subjetivo dentro de um contexto cuja realização afasta qualquer recusa do Estado em efetivá-lo. E não basta só a garantia do direito à educação, se fazendo necessárias ações paralelas que permitam à sociedade as condições de chegar até a escola e manter-se nela, bem como a asseguração de sua qualidade pelo Estado (SOUSA, 2010:31).
Desse modo, o direito à educação – porque pertencente à ordem dos direitos fundamentais – é essencial ao ordenamento jurídico nacional, se destacando como um tipo de direito que ultrapassa o próprio sistema nacional, desvelando para os foros internacionais na medida do compromisso assumido pelos Estados Nacionais em contemplar os direitos humanos universais[1].
Nessa mesma linha de pensamento envereda também o direito fundamental a um ambiente hígido e ecologicamente equilibrado previsto no art. 225 da mesma Carta Magna, intimamente ligado à vida, pois todo ser humano tem o direito de viver em um ambiente sadio, nos termos proferidos pela Comissão do Meio Ambiente da ONU em 04 de setembro de 1997, na cidade de Estrasburgo (MACHADO, 2005:54-55).
Pensando na perspectiva dessas duas categorias de direitos fundamentais, os povos indígenas carecem ainda mais de atenção, quer na condição de minorias hipossuficientes e historicamente relegadas pelas políticas públicas, quer porque habitam redutos de recursos naturais culturalmente preservados, segundos levantamentos recentes feitos sobre o bioma da Floresta Amazônica Brasileira[2], ora patrimônio nacional nos termos do parágrafo 4º da Constituição Federal.
Com efeito, educação indígena diferenciada e de qualidade, associada a um dever de conscientização pública voltada para um meio ambiente preservado[3], é assunto que arrosta muita reflexão e especial trato por parte dos educadores brasileiros.
2. EDUCAÇÃO INDÍGENA NO BRASIL
Historicamente os índios foram vítimas do preconceito e da ignorância, se observando nos dias de hoje povos indígenas comprimidos numa base territorial no mais das vezes diminuta e desprezados por um estado universalista que não enxerga tais minorias, à mercê ainda de um grupo étnico dominante (SILVEIRA, 2008: 11).
É a partir desta argumentação que a discussão acerca dos direitos humanos e da legislação educacional indígena precisa ser analisada, razão pela qual Fernando Sarango[4] apregoa a idéia de que os Estados latino-americanos, ao se constituírem, simplesmente esqueceram seus povos indígenas. Endossando esse discurso, SOUZA FILHO (1998: 71) afirma que não há na América Latina um só país que possa se dizer constituído de um único povo, sendo percebido em todos eles uma diversidade cultural imensa, onde cada povo mantém com maior ou menor rigor a sua idiossincrasia e sua organização social e jurídica.
Analisando as relações entre Estado Nacional e povos indígenas na formação do Brasil, podemos reconhecer as duas tendências que permearam este processo histórico de intersecção, a saber: processo de dominação (por meio da integração) e homogeinização cultural, uma vez que o reconhecimento da diversidade cultural no país vem sendo lentamente conquistado através da luta dos povos indígenas contra os valores unilateralmente estabelecidos pela sociedade ocidental (OLIVEIRA & FREIRE, 2006: 187-198).
Mesmo reconhecendo alguns esforços, ainda existem muitos entraves jurídicos, sociológicos e filosóficos a serem ultrapassados. A discussão preliminar ainda é densa. Por ela, perpassam os ultrapassados conceitos sobre o estado unitário até os ideais mais contemporâneos da viabilidade ou não da radical ruptura dos sistemas ora institucionalizados.
Portanto, não é possível avançar do ponto de vista pedagógico sem que haja profundo diálogo dos indígenas e suas representações formais com os Organismos do Estado. Essa inter-relação pressupõe uma contextualização social, econômica e política acerca da atual realidade desses povos.
E não se pode perder de vista que no Brasil a educação indígena foi responsável pelos primeiros passos como escola pública, a partir da responsabilidade conferida aos padres jesuítas – então chefiados por Manuel da Nóbrega – quando trazidos à Colônia Portuguesa pelo primeiro Governador-Geral Tomé de Souza, em 1549. O objetivo dos jesuítas era – cumprindo o Regimento de 1548 – estimular a catequese de forma que os índios pudessem ser convertidos ao cristianismo (LIMA, 2003:05).
Contudo, o grande marco constitucional da educação indígena no Brasil restou definitivamente traçado pela Constituição de 1988, onde os povos indígenas conquistaram o reconhecimento de suas formas de organização social, de suas línguas, crenças e tradições, garantindo o uso das línguas maternas e processos de aprendizagem diferenciados na educação escolar[5].
A Lei de Diretrizes e Bases Nacional de 1996 (LDB)[6] também assegura normativamente o direito a uma educação diferenciada, específica, intercultural e bilíngüe. Dessa maneira garante a sobrevivência étnica, tentando resgatar um pouco da dívida social que o Brasil acumulou durante séculos com esses povos. Referida legislação assegura ainda a autonomia das escolas nos seus aspectos pedagógicos e administrativos, garantindo-se a plena participação dos povos indígenas na gestão escolar.
Com tais medidas, se percebe que a educação indígena em nosso país vem obtendo avanços significativos no que diz respeito à posterior regulamentação[7]. Se existem as leis e o reconhecimento da necessidade de uma educação específica, diferenciada e de qualidade, mister que na prática realmente se implemente tais políticas públicas, a fim de que se sustente com efetividade o avanço legalmente conquistado.
3. PRINCÍPIO MATRIZ DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMPARTILHADA
A educação indígena somente será eficiente, do ponto de vista da efetividade na formação de valores e aprendizagens, quando a organização da escola, desde o aspecto administrativo até o pedagógico, forem de fato apropriadas pelos índios. Enquanto a escola indígena for pensada apenas por intelectuais contemporâneos da educação que desconhecem a cultura e as concepções de vida daqueles povos, as divergências do ponto de vista pedagógico serão permanentes.
É por isso que defendemos um modelo educacional indígena pensado por cada povo, à luz da sua cosmologia e nos moldes do seu relacionamento com o meio ambiente, até porque as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios são imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem-estar, segundo seus usos, costumes e tradições[8].
BANIWA (2006:131) correlaciona a compreensão acerca da educação indígena com o entendimento sobre o ciclo de vida de um indígena, que é marcado por ações pedagógicas comunitárias. Os ensinamentos básicos que ressoam dessa vivência social são morais, espirituais e de vida coletiva integrada com a natureza. A passagem para a fase adulta parte da avaliação do caráter e das virtudes dos jovens indígenas, sendo que na vida adulta o sujeito assume o compromisso de repassar todos os conhecimentos adquiridos para as crianças. Quando pensada nesta dimensão a educação é infinitamente mais abrangente que a educação escolar. A responsabilidade de educar não está apenas nas mãos dos professores e torna-se uma prática da vida cotidiana de todas as pessoas, ampliando as possibilidades de tornar-se um instrumento de formação humana e de manutenção dos conhecimentos tradicionais associados à natureza
É por isso que para os povos indígenas a educação não se confunde com o conceito de escola. BANIWA (2006:146-147) revela que a escola não é o único lugar de aprendizado. Ela é uma maneira de organizar alguns tipos de conhecimentos para serem transmitidos às pessoas por intermédio de um professor. Para eles, escola não se resume somente a prédios construídos ou carteiras dos alunos, pois fazem parte deste processo preferencialmente os conhecimentos e os saberes também extraídos da natureza.
Não se pode de outro lado olvidar que a articulação com os povos indígenas para a construção dos projetos educacionais diferenciados é um direito deles, que representa a garantia da manutenção de uma concepção de educação comunitária pautada no pertencimento à natureza.
Com efeito, o território – que para eles é sinônimo de natureza – se tornou mais um dos instrumentos pedagógicos diferenciados e de grande importância para a educação indígena, uma vez que a sua base territorial representa a história de vida dos antepassados, se constituindo no lugar sagrado dos seres da natureza e habitat de seus deuses. Nele também se guardam os conhecimentos, as tradições e os valores particulares de cada povo.
Visto dessa maneira, o conceito de territorialidade agrega uma possibilidade pedagógica valorosa. Há muito a ensinar para as crianças e jovens indígenas sobre o lugar onde elas vivem. Além da história dos seus antepassados, o uso das ervas medicinais, os rituais religiosos, o ciclo de vida dos animais e das plantas são conceitos construídos a partir das vivências na própria terra.
Agregando a riqueza pedagógica do aprender fazer-fazendo e vivenciando-a no currículo escolar é possível manter unido cada povo por laços de identificação à própria natureza. A dimensão desse conhecimento representa apenas uma das oportunidades pedagógicas que devem ser compartilhadas entre as crianças e jovens brasileiros, independente de serem ou não indígenas.
Com base nisso é que se construíram orientações pedagógicas previstas no Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas e que trazem discussões importantes sobre a construção do currículo para os educadores e à comunidade em geral, focando em temas transversais que restaram propostos em seis assuntos, a saber: terra e conservação da biodiversidade; auto-sustentação; direitos, lutas e movimentos; ética; pluralidade cultural; e saúde e educação.
Limitados aos temas “terra e conservação da biodiversidade” e “auto-sustentação”, apontamos a seguir alguns sub-princípios que decorrem naturalmente do princípio matriz da concepção de uma educação ambiental compartilhada pelos povos indígenas.
3.3. ENVOLVIMENTO DA COMUNIDADE INDÍGENA NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL
O envolvimento da comunidade e principalmente das famílias dos alunos na construção do Projeto Pedagógico da escola indígena com matizes socioambientais é outro fator de importância fundamental. Não basta a participação das lideranças indígenas na construção deste projeto, sendo necessário o engajamento direto dos pais de cada aluno da escola. Em muitos casos, percebemos que as lideranças indígenas têm absoluta convicção acerca do modelo educacional que é importante para as crianças e jovens indígenas, mas as famílias não compartilham das mesmas intenções.
Outrossim, retomamos aqui a afirmativa de que todas as pessoas da comunidade devem assumir esta discussão. Não podemos dialogar sobre o modelo de educação escolar indígena somente com as lideranças que já estão convencidas da sua importância. Faz-se necessário dialogar com todas as pessoas, líderes da comunidade ou não, mulheres, crianças e idosos.
Essa tarefa deverá ser desenvolvida por pessoas qualificadas e que sejam capazes de se utilizar principalmente dos recursos de linguagem ambiental, exemplos e das vivências de sustentabilidade que efetivamente atinjam o público majoritário das comunidades indígenas, que normalmente são pessoas com pouca escolarização.
A condução do trabalho deve ser pautada na dimensão da diminuição das barreiras de comunicação das idéias, com objetivo de ampliar a participação de todos. O excesso de linguagem técnica – principalmente decorrente da temática ambiental – pode soar como um discurso distante, incapaz de atingir os objetivos da compreensão que deve nutrir uma consciência crítica e construtiva.
3.2. INTERCULTURALIDADE ESCOLAR AMBIENTAL
A intercultura, em sua própria conceituação, esclarece sobre a riqueza cultural que partilha com todas as culturas acessadas, assim como pela impossibilidade de sua anulação ou qualquer tipo de enfraquecimento que esta relação possa trazer. Todos nós educadores – envolvidos ou não com a causa indígena – devemos ter uma grande preocupação em organizar e viabilizar no universo das escolas esse processo entre a cultura indígena e a cultura da sociedade envolvente.
Mas o pano de fundo da questão intercultural e que está intimamente ligada com a educação ambiental diz respeito ao conhecimento e compartilhamento dos valores defendidos por cada povo, mormente aqueles associados à natureza, partindo da premissa de que muita tecnologia desenvolvida pela sociedade envolvente teve por atalho de pesquisa os conhecimentos tradicionais indígenas, com infindáveis exemplos contabilizados pelas indústrias dos cosméticos, dos fármacos e da alimentação.
Nesse processo de troca de informações típico do desenvolvimento civilizatório, aos indígenas também será garantido o acesso aos mecanismos tecnológicos mais elaborados, tais como equipamentos de informática, telefonia e outros modos de transmissão e captação de dados, devendo as escolas indígenas se transformar em centros catalizadores e de proliferação de tais tecnologias, tão importantes ao monitoramento dos impactos ambientais.
3.3. TRANSVERSALIDADE E FLEXIBILIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO CURRÍCULO DAS ESCOLAS INDÍGENAS
Romper com o paradigma de cumprir os conteúdos historicamente estabelecidos pelos padrões da educação formal da escola tradicional brasileira é um processo longo e difícil, mas necessário para os povos indígenas que agora podem incorporar em todos os seus níveis de ensino a conscientização da preservação do meio ambiente, autorizados que foram pelo art. 225, parágrafo 1º, inciso VI, da Constituição Federal.
Essa transversalidade possível e que se encontra visceralmente ligada ao modo de vida dos indígenas deve perpassar por todas as disciplinas e organização de novos conhecimentos, observando-se que tal desiderato pode vir a considerar uma maior flexibilização organizacional da escola indígena.
A partir do momento que aceitamos as diferenças e as especificidades da educação indígena, temos que operacionalizar as ações diferentes das convencionais. É importante considerar que não são os alunos que impossibilitam as mudanças e sim as escolas. Se nos propomos a reestruturar a escola através do currículo, da postura de construção coletiva do conceito de escola, das possibilidades de aprendizagem entre os conhecimentos tradicionais e a sua interação com as novas tecnologias e os atuais conhecimentos científicos ligados ao meio ambiente, precisamos também repensar a organização escolar como um todo.
A transversalidade da discussão ambiental passa por elementos essenciais da prática pedagógica escolar como o papel de cada sujeito diante do uso coletivo dos recursos naturais; a valorização do conhecimento associado à natureza e transmitido pela oralidade entre povos; o estabelecimento das normas escolares que não permitem necessariamente uma relação unilateral dos professores com o calendário escolar; horários e locais de aula compatíveis com a realidade do assunto a ser debatido; a relação dos povos indígenas com as estações do ano; época de trabalho nas roças e cerimônias religiosas; períodos de caçadas e tantas outras peculiaridades atinentes a cada povo.
Isto posto, bem se vê que a educação escolar indígena deve acompanhar o ritmo de vida do seu povo, em conformidade com parâmetros de tempo e de lugar ditados sobretudo pelas leis da natureza e do modo como cada uma dessas civilizações costumeiramente os percebem.
3.4. PROTAGONISMO DAS CRIANÇAS E DOS JOVENS INDÍGENAS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Se considerarmos o meio ambiente ecologicamente equilibrado como um bem jurídico que deve ser defendido por todos com vista ao proveito das presentes e futuras gerações[9], inegavelmente que os destinatários desse legado haverão de ser incitados a participarem ativamente nesta empreitada. Muito mais do que por iniciativa dos adultos e de seus pais, as crianças e jovens indígenas devem ser estimuladas a assumir dentro das escolas o protagonismo do movimento ecológico.
O processo histórico de desvalorização cultural que os povos indígenas foram submetidos deixou uma profunda marca de devastação. É comum encontrarmos dentro das próprias comunidades indígenas gerações de pais e filhos que sonham com a vida além da comunidade, num sonho de integração total na sociedade emergente como a única possibilidade de vida digna.
Reconquistar a confiança desses sujeitos, demonstrando a eles que através da educação é possível sonhar com novas possibilidades de uma vida melhor dentro da própria comunidade, explorando de modo sustentável os recursos naturais e sobre eles agregando valor, é um processo que exige diálogo e o desenvolvimento de competências específicas a partir de uma escola de qualidade e tecnologicamente estruturada.
Desenvolver através da escola as competências e habilidades específicas para a formação do sujeito ambientalmente consciente e que redesenhará a sua própria história num processo de reconstrução da identidade indígena é um árduo caminho a ser percorrido pela educação. Fortalecer nas crianças e nos jovens o sentimento de orgulho e pertencimento a um povo indígena, intimamente ligado às coisas da terra, só será possível através de uma escola adaptada a essa nova realidade, conformada nos fundamentos antes expostos e com base nos parâmetros metodológicos que seguem:
3.5. METODOLOGIA DO ENSINO AMBIENTAL NAS ESCOLAS INDÍGENAS
Antes de pensar metodologicamente a escola indígena é preciso observar a dinâmica da educação indígena. Dentro da comunidade as crianças “aprendem–fazendo” através da observação dos fenômenos da natureza e pelo modelo comportamental estabelecido por pessoas adultas. Nesta dinâmica cotidiana dentro da comunidade e nos termos do íntimo envolvimento com os elementos do meio ambiente, cada sujeito tem o seu papel e todos aprendem que devem ser úteis para a sustentabilidade da respectiva sociedade. Neste toar, a escola deve estabelecer sua metodologia dentro dos mesmos princípios como garantia do processo de continuidade da educação integral do sujeito indígena.
Desenhar as atividades diferenciadas e coerentes com o meio ambiente é o caminho mais adequado para que essa educação integral do sujeito seja consolidada. A ação pedagógica escolar indígena perpassa por um trabalho com bases coletivas e colaborativas, atendendo as expectativas e perspectivas ambientais da própria comunidade.
Estreitar a relação da teoria pedagógica com a prática ambiental cotidiana dos alunos é um desafio que deve restar articulado principalmente a partir dos livros didáticos, onde os debates devem ser suscitados e colocados de modo compreensível a todos, não sendo possível que as escolas indígenas utilizem material impresso que apresentam problemáticas exclusivamente voltadas às temáticas da sociedade envolvente e os utilizem como único instrumento pedagógico.
É mais coerente com a proposta de concepção pedagógica, então premissa básica para a escola indígena, que existam uma diversidade de materiais pedagógicos e notadamente de práticas pedagógicas. As aulas haverão de ser ministradas no ambiente da comunidade, em contato direto com a natureza, com os hábitos e costumes dos povos indígenas.
O entorno da comunidade também é caracterizado como um importante instrumento pedagógico e a inter-relação com os assuntos da sociedade envolvente poderá se dar a partir de vivências concretas, não somente pelo manuseio dos livros didáticos. Neste sentido, cabe considerar que a utilização do livro didático tradicionalmente elaborado por autores não-indígenas – e que trazem consigo uma concepção da escola pensada a partir de um contexto diferenciado daquele que é proposto pelos povos indígenas – torna-se evidentemente desnecessário.
4. CONCLUSÃO
Como visto, dispomos de instrumentos normativos eficientes para de fato promovermos uma educação ambiental aplicada nas escolas indígenas do nosso país, sem precisarmos de outras autorizações legislativas que venham a romper os paradigmas da antiga e formal concepção de escola nacional.
No entanto, entraves consistentes e de ordem gerencial/metodológica se erguem contra a efetiva aplicação da vontade constitucional, que decorrem muito mais da nossa dificuldade de entender e se relacionar com os povos indígenas do que de autorizativo legal.
Essa ruptura com aquele sistema arbitrário e homogeneizador se faz necessária a partir de uma concepção de escola aberta e democrática, respeitadora antes de tudo da organização social, dos costumes, línguas, crenças e tradições dos povos indígenas.
Em pleno século XXI, não se desenvolve mais competências e habilidades somente e através da escola formal, e nem se promovem cidadãos forjando conhecimento de modo unilateral. Talvez seja na seara da educação ambiental a melhor maneira de compreendermos tais transformações e desafios, porquanto em sede dessa especial forma de conhecimento praticamos aquilo que rotineiramente tem sido ventilado em plenário do Supremo Tribunal Federal, qual seja, a reafirmação do esquecido princípio da fraternidade não apenas em relação às presentes, mas principalmente em face das futuras gerações.
Procurador de Justiça em Roraima. Especialista em Desenvolvimento Regional Sustentável. Mestrando em Antropologia. Mestre e Doutor em Direito. Pós-Doutorando em Direito Humanos pela Universidade de Coimbra – Portugal. Professor do Mestrado em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas
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