Resumo: Genocídio em Ruanda – uma reflexão sobre o valor dos fundamentos da sociedade tem por finalidade o pensar acerca da valorização de direitos fundamentais alcançados pela sociedade em detrimento da usurpação e desrespeito a princípios inerentes ao indivíduo que lhe reservam a vida e a dignidade, considerando a história com o genocídio em pleno século XX. Tal reflexão tem significativa relevância na sociedade, inclusive a brasileira, principalmente porque o tema tem considerável influência nos Direitos Humanos, ramo do direito que dentre outros, objetiva a proteção à vida e a dignidade. Considerando que o assunto tem repercussão geral e precisa ser amplamente debatido entre os pares na coletividade, a pesquisa abordará aspectos de interesse jurídico-social, dentro da temática proposta, principalmente porque envolve aspectos morais e sociais, atingindo diretamente a necessidade de não se perder de vista, sob qualquer ótica, direitos já alcançados pela humanidade ao longo de sua história, cuidando este trabalho de analisar o genocídio, aspectos conceituais e históricos do genocídio em Ruanda, a visão internacional sobre os acontecimentos ali vivenciados, sem deixar de atentar para pontos polêmicos que repercutem diretamente no cotidiano da sociedade, observando também as diretrizes das quais o Direito Internacional não deve deixa de observar na busca de uma sociedade justa e igualitária.
Palavras-chave: genocídio; Ruanda; tutsi; hutu; direitos humanos; direito internacional.
Abstract: Genocide in Rwanda – a reflection on the value of the foundations of society aims to think about the valorization of fundamental rights achieved by society to the detriment of usurpation and disrespect to the principles inherent to the individual that reserve their life and dignity, considering history With genocide in the middle of the 20th century. Such reflection has significant relevance in society, including the Brazilian one, mainly because the subject has considerable influence in the Human Rights, branch of the law that among others, aims at the protection of life and dignity. Considering that the subject has general repercussion and needs to be widely debated among the peers in the community, the research will address issues of juridical and social interest, within the proposed theme, mainly because it involves moral and social aspects, directly affecting the need not to be lost of View, from any point of view, rights already reached by humanity throughout its history, taking care of this work of analyzing the genocide, conceptual and historical aspects of the genocide in Rwanda, the international vision on the events there lived, without neglecting controversial points Which directly affect the daily life of society, also observing the guidelines that international law must not fail to observe in the search for a just and egalitarian society.
Keywords: genocide; Rwanda; Tutsi; Hutu; human rights; international right.
Sumário: Introdução. 1. Contexto histórico e principais aspectos do genocídio ocorrido em Ruanda. 2. A visão Internacional e os reflexos em países circunvizinhos. 3. Estrutura do TPI para o Ruanda. 4. A visão americana sobre o Genocídio ocorrido em Ruanda. Conclusão. Referências.
Introdução
Até que ponto os interesses de grupos separatistas devem se sobrepor aqueles cujos direitos humanos visam garantir? Afinal, alguns princípios que regem a vida em sociedade como princípio do direito a vida ou a liberdade necessitam de intensa positivação para que direitos do ser humano essencialmente sejam respeitados?
Define-se genocídio como “o assassinato deliberado de pessoas motivado por diferenças étnicas, nacionais, raciais, religiosas e, por vezes, sócio-políticas.”
O genocídio tem um propósito específico, qual seja, exterminar a totalidade de determinado grupo específico. Embora seja o objetivo do genocídio exterminar determinado grupo, estudiosos do tema divergem opinião quando as vítimas de genocídio são aqueles cuja motivação tem relação política. Considera-se genocídio a denominada limpeza étnica.
Numa vertente do tema pelo aspecto legal, seja o genocídio cometido em tempos de guerra ou paz, trata-se de um crime com regulação em direito internacional. Em legislação internacional, como no Tribunal Penal Internacional (Estatuto de Roma) apresenta o entendimento do genocídio como sendo àqueles atos tipificados que possuem a intenção de destruir um determinado grupo nacional, étnico, racial ou religioso, a exemplo: a) assassinato de membros do grupo; b) dano grave à integridade física ou mental de membros do grupo; c) submissão intencional do grupo a condições de existência que lhe ocasionem a destruição física total ou parcial; d) medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo; e e) transferência forçada de menores do grupo para outro grupo.
A criação do termo genocídio fica por conta do jurista polonês Raphael Lemkin, um refugiado que buscou asilo nos Estados Unidos em 1939 fugindo da perseguição nazista, utilizando a palavra como um conceito particular para dar conotação aos crimes vinculados com o extermínio material de determinados grupos nacionais, étnicos, raciais e religiosos. Apresenta referido termo a partir da junção das palavras “génos” que em grego significa família, tribo ou raça e “caedere” originária do latim cujo sentido é matar, fazendo menção do termo em sua obra o livro “Axis Rule in Occupied Europe” (O Poder do Eixo na Europa ocupada), publicado em 1944, pensador que para alguns estudiosos extraiu do crime de genocídio a reflexão primária para um “novo direito internacional”, considerando sua luta para criação de uma legislação internacional para tais crimes após o genocídio dos judeus no holocausto praticado pelo regime nazista, tendo como feito realizado em 1951 quando da Convenção para a prevenção e repressão do crime de genocídio.
Genocídio é sempre repugnante e o ocorrido em Ruanda não pode ser visto de maneira diferente. Em virtude de controvérsias étnicas, tutsis e hutus travaram verdadeiro massacre campal, uma barbaria na década de 90 que não pode ser deixado de lado quando o assunto é a pesquisa dos grandes genocídios ocorridos no século XX, inclusive porque, nítido o perecimento dos direitos humanos naquele trágico episódio ao lado daqueles ocorridos na Armênia, judeus da Europa, Camboja, dentre outros.
Nesse prisma, estudou-se sobre os acontecimentos que proporcionaram as atrocidades vivenciadas em Ruanda e nações circunvizinhas, tudo sob o olhar da comunidade internacional, apontando a total ausência aos direitos humanos até então conquistados, numa absurda afronta a princípios basilares da humanidade como do direito a vida e dignidade da pessoa humana.
Como tema central o leitor neste trabalho terá contato com o conceito de genocídio, contextualizando o tema com fatos ocorridos em Ruanda, a razões que motivaram tamanha violência, os protagonistas dos fatos narrados.
Paralelamente será possível se debruçar neste trabalho sobre a visão internacional do referido massacre, com análise da postura de algumas potências internacionais em relação ao genocídio ocorrido.
Por derradeiro o presente trabalho demonstrará como fora o desfecho do causídico, concluindo numa reflexão acerca da necessidade de valorar internacionalmente princípios norteadores da sociedade que devem ser respeitados independentemente de qualquer positivação.
Alienação Parental – A Figura do Educador como Agente Inibidor na Causa de Afetação da Criança e do Adolescente, terá a finalidade de trazer diante da abordagem do tema por doutrinadores e estudiosos do tema, uma reflexão com o fim de contribuir para a reflexão e debate, visando o aprimoramento da sociedade.
1. Contexto histórico e principais aspectos do genocídio ocorrido em Ruanda.
Os tutsis, na ocasião, por ser minoria étnica, representando cerca de 15% da população, momentos antes dos cem dias de matança, estavam incomodados do modo como viviam pois o poder estava nas mãos dos hutus.
Na demasiada disputa pelo poder referido grupo entendia que algo precisava ser feito para que chegar ao poder.
Resolveram então criar a FPR (Frente Patriótica Ruandesa) com o objetivo de dar uma resposta aos hutus e, quem sabe, reconquistar o poder, esse cujos tutsis quem o detinha anteriormente, enquanto colônia da Bélgica, até 1962.
Depois de 1962 o poder passou a ser dos hutus e, com a queda do avião com o então ditador ruandês no dia 06 de abril de 1994, com acusações de ambos os lados acerca de quem praticara tal crime, se desencadeara ali uma série de matanças e massacres envolvendo os hutus, com os milicianos do governo, objetivando dizimar todos os tutsis e, tendo do outro lado, como ofensiva de contra-ataque a FPR matando os hutus.
O resultado desta violenta ofensa aos direitos humanos foi o evento morte com diversas vidas ceifadas, constituída pelo pânico geral nos cem dias em que o bem mais importante do ser humano, a vida, foi drasticamente desrespeitado. O que se viu foram crimes contra a humanidade em larga escala, com corpos por todos os lados sem qualquer respeito e preservação aos locais sagrados como em igrejas e locais de oração, bem como colégios e instituições de ensino. Como os Estados Unidos da América, por exemplo, apesar de não ter havido uma total apatia, ainda assim não se deu a real importância quanto ao ocorrido naquele país africano por outras nações, cuja preocupação, em regra, se limitara tão somente no resgate de seus cidadãos que ali se encontravam ao invés da esperada ajuda humanitária de quem suplicava por sua vida.
Pois bem, a origem dos povos que habitavam Ruanda é controversa e imprecisa. Acredita-se àquela nação no começo era ocupada por pigmeus que viviam em cavernas, cujos descendentes atualmente são chamados de povo twa, um grupo marginalizado e privado de cidadania compreendendo ínfimo percentual de 1% da população. Hutus e tutsis vieram depois, mas suas origens e a ordem de suas migrações não são conhecidas com precisão, apesar de se sustentar que os hutus são um povo bando[1] que se estabeleceu em Ruanda primeiro, vindo do sul e do oeste, e que os tutsis são um povo nilótico que migrou do norte e do leste. Tais teorias acerca da origem dessas etnias se baseiam mais em lendas do que em fatos históricos comprovados. Com o tempo, hutus e tutsis passaram a falar a mesma língua, seguir a mesma religião, suas famílias a se relacionar com casamentos entre si, numa miscigenação sem distinção territorial, habitando nas mesmas montanhas, compartilhando a mesma cultura e relações políticas e social em pequenas aldeias tendo como chefes nwamis, sendo alguns deles também hutus e tutsis. A relação que se encontrava consistia em hutus e tutsis lutando ombro a ombro nos exércitos dos nwamis, por meio de uma política de casamentos e vizinhanças, vivendo lado a lado ao ponto de se tornarem herdeiros uns dos outros, tutsis e hutus, numa verdadeira mistura que os etnógrafos e historiadores concluíram não se tratar propriamente de grupos étnicos distintos[2], porém, seus nomes “hutus” e “tutsis” permaneceram.
Acerca da condição laboral das referias etnias, hutus eram aqueles trabalhadores cuja labuta principal consistia agricultura enquanto os tutsis exerciam atividade de pastores e a de pecuaristas, destacando-se tal distinção na origem, porquanto o gado trata-se em ser um bem de maior valor em detrimento da agrícola. Embora alguns hutus possuíssem gado e tutsis cultivassem o solo, o termo “tutsi” tornou-se sinônimo de elite política e econômica.
Quanto à formação do Estado-Nação cabe ainda estacar que não existe um documento confiável sobre o Estado pré-colonial, pois os ruandeses não tinham escritos e sua tradição era oral, portanto, maleável, sendo considerada a história de Ruanda por alguns autores como perigosa e imprecisa[3].
Ainda discorrendo sobre a origem histórica deste povo, não é demais imaginar que aquele povo era movido pela paixão, afastando a razão em determinadas situações divergentes como o ocorrido considerado como uma aniquilação de todo um grupo de pessoas repentinamente em pleno século XX. Em 1962 a Bélgica retirou sua colônia de Ruanda, momento em que havia ali dois grupos tribais com um histórico de atrito já recorrente, contando a título de população, com a maioria hutu, cerca de 6,5 milhões habitantes e a minoria tutsi com cerca de 1 milhão.
Diante dos dados e características acima discorridas acerca das etnias envolvidas no genocídio em comento, como diferenciar visualmente um grupo do outro?
Os tutsis mais altos e leves, na opinião hutu, tinham sido favorecidos a cargos políticos belgas até a saída deste último. Apesar das diferenças, hutus e tutsis viveram juntos até a saída belga, porém, depois deste fato à minoria tutsi passou a viver marginalizada até o ano de 1990 quando surge um grupo de exilados tutsis que, armados denominou-se Frente Patriótica Ruandesa (FPR).
Em 1993 houve a assinatura do Acordo de Arusha entre a FPR e o governo de Ruanda estipulando um acordo de paz entre hutus e tutsis com a presença da força da ONU para manter a paz no local, encabeçada pelo general canadense Romeo Dallaire. Apesar do esforço com a fixação do mencionado acordo de paz, extremistas hutus estocavam armas, granadas (cerca de 85 toneladas) e mais de meio milhão de facões. Dominando os jornais e o sistema de rádio, convocaram a população para o extermínio da minoria tutsi, praticando propaganda anti-tutsi que era transmitida na estação de rádio local. Como meio de persuasão da população, os ativistas anti-tutsi, a elite e o poder hutu pregavam que os tutsis mantinham perfil de arrogantes, sendo imigrantes privilegiados, demônios inimigos do povo[4].
Observa-se então que até 1962 dominavam o poder os tutsis, porém, com a saída da Bélgica, este poder passou a pertencer aos hutus, e, para dirimir os pequenos conflitos existentes, deveria prevalecer o acordo de Arusha firmado em 1993. A história dá mostra que em abril de 1994[5], mais especificamente no dia 06 de abril de 1994, o presidente (ditador) governo de Ruanda foi morto em um acidente aéreo, cuja tragédia fez aflorar a desordem culminando no caos, desencadeando conflitos de proporções significativas, resultando nos meses seguintes na violência contra inúmeros tutsis e hutus moderados (aqueles que acreditavam em coexistência pacífica com os tutsis), com mulheres estupradas, mutiladas e abatidas pelos hutus armados com granadas e facões, outros sendo levados para igrejas e agredidos até a morte, dentre outras formas de atrocidades. Trata-se de uma matança genocida com o extermínio de 77 por cento da população tutsi.
A milícia hutu era composta até por crianças, além de homens e mulheres. Posteriormente, nas palavras do general ad hoc no tribunal instituído em Arusha, as mulheres tutsis além de serem mutiladas e estupradas, tinham até objetos inseridos nas genitálias e os seus cadáveres eram tidos no que os psicólogos forenses chamam de modus operandi de um sadista sexual.
2. A visão Internacional e os reflexos em países circunvizinhos.
França, Bélgica e Estados Unidos não se mostraram totalmente apáticos a todo o ocorrido. Apesar de haver respeito às soberanias dos países algo precisa ser feito. As atrocidades vivenciadas já ganhavam o mundo.
Referidos países enviaram tropas para Ruanda, porém, o objetivo principal não era a paz local ou mesmo a integridade física da população, mas, tão somente, com o propósito de libertar seus próprios cidadãos, havendo até mesmo recusa das forças no auxílio aos tutsis que, temerosos por suas vidas, passando por essas tropas nenhuma ajuda recebiam, embora as suas mortes iminentes fossem óbvias, o que acabou ocorrendo.
O general Dallaire se via numa situação bastante difícil, sem um continente satisfatório ou o mínimo desejável, mesmo após vários pedidos aos Estados Unidos para que enviassem soldados, numa evidente incapacidade de estabilizar a situação e um surto pós-stress traumático[6].
Mesmo sendo a maioria hutu, ao contrário da Alemanha em que as vítimas eram os judeus, minoria da população, cerca de apenas 1 por cento, e do Império Otomano em que os Armênios eram não mais que 3 por cento, a tutsi em Ruanda era uma minoria substancialmente maior. Quando da ocorrência dos fatos (genocídio) os tutsi contavam com cerca de 10 por cento do total da população. O que se buscava naquela região era a unidade entre os hutus o qual envolveria o assassinato dos tutsis, entretanto o que havia, na realidade, era uma ideologia do ódio entre duas etnias que nem mesmo a ONU conseguiu conter.
Lamentável causídico. Os “baratas” como eram chamados pelos hutus, os de minoria tutsi, segundo o pensamento daqueles, eram como insetos e estes não podem dar a luz a uma borboleta, afirmando que “uma barata só pode dar a luz a outra barata”, modo pejorativo de tratamento a vitimada etnia, embora houvesse vários casamentos de tutsis e hutus, ainda que com a proibição existente para os membros do exército hutu de se casarem com mulheres tutsis[7], além da quase que imperceptível diferença étnica entre os dois grupos.
“Hutus e tutsi falam a mesma língua, professam a mesma religião e os casamentos intercomunitários são frequentes. Todavia, a raciologia africanista europeia vai fixar essas diferenças, etnicizando-as com base na teoria delirante avançada em 1863 pelo inglês John Hanning Speke, segundo a qual a aristocracia tutsi constituída por pastores-guerreiros oriundos da Abissínia e descendentes longínquos do rei David – “a hipotética hamítica” – teria imposto o seu domínio aos “negros bantu”, condenados à servidão[8]”
Os tutsis passaram a ter uma condição inferior aos hutus que, sequer, eram reconhecidos como grupo e assim, foram completamente excluídos do poder, restando obrigados a morar em países vizinhos sob condições inferiores e com status de refugiados, sendo-lhes negados os direitos de quaisquer ruandeses, eclodindo em revoltas, e, com os acontecimentos de 1990, tamanha a discriminação a que foram submetidos. Não bastasse, outro fator que contribuiu incisamente para os referidos acontecidos foi o fator classe social, ou seja, o aumento da densidade populacional e a falta de terra, em 1984, 57 por cento das famílias rurais tinham menos de 1 hectare de fazenda sendo 25 por cento destes, menos de metade de um hectare e, entre 1984 e 1989, explorações agrícolas média encolheu 12 por cento, assim a disputa pelas terras fez com que vizinhos denunciassem com a motivação étnica em 1994 ocorrendo o massacre local[9].
Dos massacres ocorridos em Ruanda, em meados de maio de 1994, os líderes das milícias hutus foram levados, depois de oito anos, a um julgamento perante o tribunal devido as graves violações de direitos humanos, no qual o emprego de requinte de crueldade resultou em não poupar sequer padres, freiras ou crianças. Apesar de ter havido uns poucos funcionários hutus e comandantes militares que se recusaram a participar do massacre, mesmo arriscando suas próprias vidas, proteger os civis tutsis que puderam não foi suficiente dada a proporção do genocídio.
Na medida em que os ataques ocorriam às forças da FPR começaram a ganhar significativo campo da batalha contra os hutus de Ruanda (exército). As tentativas de “cessar fogo” eram ineficazes, até que em 04 de julho daquele ano tomaram o poder de Kigali massacrando diversos soldados e civis hutus no vizinho Zaire (hoje República Democrática do Congo), Burundi e Tanzânia, formando centenas de milhares de refugiados tutsis em campos miseráveis, morrendo de fome, doença ou falta de água[10].
A situação local após as ocorrências em Ruanda (1994) mostraram-se deploráveis. Isto porque, o que se presenciava naquele território eram cadáveres em decomposição cobrindo o chão, enrolados em panos, com seus pertences espalhados e esmagados, cabeças cortadas por facão. Muitos corpos já não cheiravam mais, nem as moscas zumbiam, pois já haviam sido assassinados cerca de treze meses antes sem que houvesse quem os removesse. Pedaços de pele pendiam dos ossos aqui e ali, muitos deles arrancados dos corpos, desmembrados pelos assassinos ou por animais de rapina – aves, cachorros, insetos. Muitos foram assassinados no local e ali jaziam mortos. Não poucos foram os cadáveres de mulheres estupradas antes da morte, verdadeiros crimes passionais em massa.
Assim a ideologia do genocídio em Ruanda ganhou o nome de Poder Hutu, com a ocorrência do extermínio sistemático do povo Tutsi em Ruanda.
O que se ouvia na radio local nos dias em que antecedeu o verdadeiro horror era: “morte aos tutsis”. A matança começou na capital de Ruanda, Kigali, uma semana antes do massacre em Nyerubuye.
Desesperados e temendo por suas vidas, alguns tutsis na busca por proteção perguntaram ao prefeito o que se podia fazer para serem poupados e a resposta foi para que buscassem abrigo nas igrejas. Alguns dias depois o próprio prefeito foi quem apareceu nas igrejas para a prática criminosa, matando-os liderando uma quadrilha de soldados, policiais, milicianos e cidadãos, distribuindo armas e as ordens para que trabalho fosse realizado.
Um dia seguido de outro, minuto após minuto, tutsis eram exterminados, por toda a extensão de Ruanda com salas cheias de corpos, além de corpos e crânios espalhados no capim, verdadeiro cenário desesperador[11].
A Frente Patriótica Ruandesa, liderada pelos tutsis, na medida que iam avançando país adentro deixaram cerca de 2 milhões de hutus se exilando. Edifícios em Ruanda destruídos por granadas, casas incendiadas, fachadas cravadas de balas, estradas escavadas por morteiros. Para se ter uma ideia 15 meses antes Ruanda era o país mais povoado da África até a matança que houve. A situação era tão desesperadora que criaram covas coletivas e nunca se chegará a um número verdadeiro da quantidade de mortes.
3. Estrutura do TPI para o Ruanda.
Cumpre destacar que algumas potências da época como os Estados Unidos, na pessoa de seu presidente Clinton, ou até mesmo a própria ONU tinham o receio de adotar a terminologia genocídio para o que estava acontecendo em Ruanda.
O Conselho de Segurança da ONU adotou uma Resolução em 30 de abril de 1994, logo após os massacres, condenando os assassinatos e, em nenhum momento, a palavra genocídio apareceu. Três semanas depois autoriza a implantação de uma missão de paz de 6800 soldados chamados Missão de Assistência das Nações Unidas no Ruanda UNAMIR II, o que não perdurou até o final de junho. Depois, tropas francesas chegaram a Ruanda estabelecendo uma chamada zona de segurança na região sudoeste do país, porém, sem autorização para o uso da força. Três anos depois (01.07.1997) o Conselho de Segurança da ONU cria uma comissão especializada para considerar a idéia da criação de um tribunal internacional para julgar os acusados de tais atrocidades. Ironicamente Ruanda era liderada por um governo tutsi que propôs a impossibilidade de se aplicar pena de morte. Ruanda concordou em cooperar com o tribunal até que a Resolução 955 estabelece o Tribunal Penal Internacional para Ruanda, aprovada em 8 de novembro de 1994.
A seguir colaciona-se quadro informativo com os principais dados do Tribunal Internacional ad hoc para o Ruanda:
Do exposto há uma visão geral do Tribunal ad hoc criado especificamente para os crimes cometidos na região de Ruanda e adjacentes e para o período de 01.01.1994 a 31.12.1994 envolvendo crimes contra a humanidade tendo como vítima a população civil bem como outras violações em especial o genocídio com as tribos tutsis e hutus.
Cabe destaque, também, aos crimes de guerra em que o TI para Ruanda é competente e três são os requisitos para julgamento de um crime de guerra: (i) existência de um conflito armado para o qual o tribunal é competente; (ii) nexo do crime com o conflito armado; e (iii) conhecimento do autor acerca do conflito armado[12].
4. A visão americana sobre o Genocídio ocorrido em Ruanda.
Após o estudo dos conflitos entre os tutsis e hutus, com o surgimento de intensa batalha, houve a criação de um tribunal ad hoc competente para tais crimes denominados genocídio em Ruanda, importante destacar a visão americana, potência mundial influenciadora, sobre o ocorrido, bem como analisar sua atuação no causídico, sua prática para evitar aquelas graves violações de direitos humanos na esfera internacional, tendo como ponto de partida ou servindo como suporte a obra “Genocídio, A Retórica Americana em Questão”, da autora Samantha Power, vencedor do prêmio Pulitzer em 2003.
O genocídio ruandês seria a mais rápida e eficiente orgia de assassinatos do século XX onde, em cem dias, cerca de 800 mil tutsis e hutus politicamente moderados foram mortos e os Estados Unidos quase nada fizeram para impedir.
Quando os massacres começaram o governo Clinton não só deixou de enviar soldados para a Ruanda objetivando refrear a matança, mas também recusou inúmeras opções, deixando de convocar uma única reunião sequer com seus principais consultores de política externa para debater a situação de Ruanda, ou seja, apatia total, sem qualquer mobilização de seus recursos técnicos para interferir de alguma forma, por exemplo, inutilizando a rádio ruandesa que insultava o ódio, nem mesmo fizeram lobby para que o embaixador do genocida governo ruandês fosse expulso das Nações Unidas, se mantendo a margem do conflito[13], figura apática e sem demonstrar muito interesse.
Cumpre apontar um destaque especial, sendo a figura do general que comandou as forças de paz da ONU no local Dallaire. Apesar de nunca ter sido enviado a combate anteriormente, trata-se de um personagem de destaque diante de todo aquele conflito que se instaurou por avassaladores e terríveis cem dias.
A assinatura do acordo de Arusha em 1993 objetivaria um cessar fogo nos conflitos internos entre tutsis e hutus e esse acordo tinha algumas condições onde o governo ruandês concordava em governar com partidos de oposição hutus e com a minoria tutsi, além de ter uma força de paz da ONU auxiliando na desmilitarização e desmobilização objetivando plena harmonia em Ruanda. Entretanto Dallaire desconhecia a precariedade do referido acordo e o mais interessante era que o general desconhecia o local e nenhum alto funcionário da ONU em Nova York pensou em entregar cópias dos alarmantes relatórios preparados pela Comissão Internacional de Investigação ou mesmo por um relator das próprias Nações Unidas, o total das informações que Dallaire obteve antes da primeira viagem a Ruanda consistia em um sumário da história ruandesa que o major Beardsley, assistente executivo do general, pegara no ultimo minuto em uma enciclopédia na biblioteca pública[14]. Ou seja, ele nada sabia da realidade vivenciada pelos habitantes daquele país, os conflitos internos, as batalhas sangrentas de pessoas matando pessoas, pois antes mesmo dos cem dias dos violentos massacres o ódio entre esses grupos já se fazia presente.
Washington receava que a missão em Ruanda desandasse como estava acontecendo nas missões da Bósnia, Somália e Haiti, e, assim, mantinha aquele genocídio status consideravelmente inferior na lista de prioridades, com veículos de segunda mão da ONU vindos do Camboja, sendo que apenas oitenta dos trezentos que foram mandados funcionavam, além de problemas sérios com o corpo de funcionários fazendo com que Dallaire trabalhasse abaixo do mínimo, ou seja, com material e profissional insuficiente para um bom desempenho das suas funções. Tudo contribuía para que a desvalorização da vida e os direitos humanos fossem evidentes e uma consequência em Ruanda.
No 4º dia (10.04.1994) o general chegou à conclusão que os ministros hutus estavam ordenando uma colossal campanha de crimes contra a humanidade e qualquer pessoa com um documento que a identificasse como tutsi e já não era mais possível argumentar que se tratava de matança com motivação política e ficou claro que haviam duas ações distintas: uma era a matança desenfreada de tutsi por hutus e de hutus por tutsi, sendo a primeira em sua maioria. Outra era a guerra civil entre os rebeldes da FPR e as forças do governo, problema distinto[15].
Os EUA, após a queda do avião do presidente Habyarimana, quando eclodiram diversas explosões e ataques a civis, ficaram preocupados com os cidadãos americanos que ali estavam, pois temia que pudessem ser mortos ou feridos, decidindo pela retirada de seus funcionários e cidadãos em 7 de abril. Apesar de cerca de trezentos ruandeses das vizinhanças suplicarem refúgio isto não ocorreu, ficando todos a mercê de seu destino. Em 9 e 10 de abril, em cinco comboios, o embaixador e 250 americanos foram parados e revistados o que tornava-se inviável e impossível levar qualquer tutsi, sendo que 35 ruandeses que trabalhavam para embaixada americana foram mortos. Assim a evacuação americana se deu por terra sem uma escolta militar americana. Dos conflitos ocorridos naquela região destacam-se três tipos de mortes: baixas de guerra, assassinatos com motivação política e genocídio[16].
Cabe destaque a uma sobrevivente chamada Monique Mujawamarit[17], ativista ruandesa defensora dos direitos humanos, que já davam como morta.
É possível afirmar que os Estados Unidos, Estado potência, poderiam ter liderado o mundo. O genocídio em Ruanda foi muito custoso para o general Dallaire. Ao voltar para o Canadá num primeiro momento apresentou comportamento normal, de fim de uma missão de rotina, com depoimentos ao TI para Ruanda dos acontecidos naquele período. Até mesmo Clinton, então presidente dos EUA, foi para Ruanda um mês depois do depoimento de Dallaire no tribunal. Entretanto os depoimentos do general começaram a incomodar os americanos, Dallaire arrasado falava de tudo o que passou até que em 2000 foi forçado a deixar as forças armadas canadenses passando a viver no Canadá aterrorizado com o que presenciou e vivenciou naqueles temerosos dias[18].
Conclusão.
Ruanda foi um país destruído pelos seus próprios habitantes e em um curto período de tempo por razões étnicas onde tutsis, pastores e pecuaristas, e hutus, lavradores, entraram em pleno conflito desencadeado após a Frente Patriótica Ruandesa ter derrubado o avião em que se encontrava o ditador hutu em 6 de abril de 1994.
Apesar de já não estarem vivendo em plena harmonia, tutsi e hutu foram os personagens de massacres que nem mesmo o acordo celebrado em 1993 (acordo de Arusha) com o apoio da ONU foi suficiente para impedir tamanha estupidez.
Mutilações, massacres e inúmeras matanças, este foi o palco de Ruanda a partir de 7 de abril de 1994 e nos dias seguintes. Apesar de tamanha desgraça quase nada foi feito em prol daquele povo por aqueles que deveriam, ou melhor, poderiam fazer. Cabe destaque a apatia dos EUA, com então presidente Clinton, numa postura inexpressiva tendo como maior preocupação apenas a retirada dos americanos que ali viviam.
Assim, crimes contra a humanidade, direitos fundamentais desrespeitados, a população tutsi, a maior vítima das atrocidades ocorridas, foram quase dizimadas totalmente pelos hutus e, em pleno século XX, o genocídio esteve presente, onde não se respeitou lugares considerados sagrados, como igrejas e nem escolas, crianças, mulheres e idosos eram exterminados e, qual era o motivo, porque eram tutsis.
Advogado com atuação nas áreas Cível Família Empresarial e Trabalhista; Professor especialista em curso superior; Contabilista
Mestre em Direitos Fundamentais pela Unifieo Advogado Professor e Coordenador do curso de Direito da Faculdade Anhanguera de Taboão da Serra
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