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“Gravidez masculina”


Através de um site da internet, “Praça Virtual”, fiquei sabendo que a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei n. 3.829/97 que, segundo a informação, “proíbe a dispensa arbitrária ou sem justa causa do trabalhador cuja esposa ou companheira esteja grávida, durante o período de 12 meses”.


Diz a pérola legal, ainda em formação na ostra legislativa, que “essas regras não serão aplicadas para o trabalhador contratado por tempo determinado, que poderá ser dispensado se o prazo de seu contrato terminar antes que se complete o período de 12 meses”. O projeto segue para apreciação do Senado.


A proposição é mais um comprovação da visão excessivamente imediatista do legislador, nem um pouco preocupado com as conseqüências — mesmo não tão remotas — das leis que elaboram. No caso, cabe até se perguntar se o intuito da proposta é apenas agradar futuros eleitores — mesmo sabendo o parlamentar que, a médio prazo, propõe algo prejudicial aos próprios trabalhadores —, ou se a idéia é mesmo fruto involuntário de curta visão do futuro.


A função legislativa é — se realmente encarada com seriedade — uma das mais difíceis atividades do Estado. Difícil porque implica em tentar enxergar o “bem mais distante”, o futuro, algo sempre envolto nas névoas do imprevisível comportamento do bicho homem. Alguém já disse que a expressão “Ciências Humanas” implica em contradição de termos, porque o homem é essencialmente irracional, ilógico, imprevisível. E a Ciência implica em total racionalidade e previsibilidade, algo acima das possibilidades emocionais humanas.


Um simples escorregão verbal, gesto ou forma de olhar — num debate televisivo de candidatos presidenciais — pode decidir uma eleição em que os candidatos estão praticamente empatados Uma mera “gaguejada” pode acarretar tremendas conseqüências — até mesmo mundiais — conforme o candidato escolhido e o país a que pertence.  Na verdade, paradoxalmente, o legislador, se atentarmos para sua especialíssima função, precisaria ser mais arguto que o juiz, em termos de capacidade de previsão.


O magistrado, de modo geral, só se preocupa com o passado. Julga fatos, conflitos já ocorridos. Todas as “provas” dos autos têm essa natureza.  Sua capacidade natural de previsão, como ser humano, é pouco convocada. Se não reagir, se não for um tanto especulativo, “adivinhador”, pode até ajudar a “enferrujar” seus dons naturais. Embora, hoje e cada vez mais — felizmente —, tenha percebido que já não dá mais para se ater apenas ao passado e ao presente. O futuro das partes é muito importante.


Uma “súmula vinculante”, p.ex., pode ser redigida pensando “no futuro”, isto é, no “enxugamento” das cortes, aliviadas de demandas repetitivas. E quando, na justiça americana, vemos indenizações pesadíssimas impostas em favor do consumidor, a explicação lógica para o suposto “exagero” está na consideração prática, corretíssima, de que se o fabricante, ou comerciante, não sentir “no bolso” as conseqüências de suas irresponsabilidades, não tomará nenhuma providência para evitar novos prejuízos aos consumidores. Preferirá discutir longamente, judicialmente, as pequenas condenações. Sairá mais barato discutir e finalmente pagar — após anos de “esticamento” da demanda judicial — do que corrigir a falha em discussão. Bancos, por exemplo, que contratam um mínimo de funcionários na função de caixa, preferirão pagar indenizações mínimas, embora repetidas, a quem reclama pelo tempo de espera na fila de atendimento do que contratar novos funcionários. A falta dessa visão preventiva da maioria de nossos juízes — que aplicam condenações muito leves nos casos de abuso contra o consumidor — explicam o progressivo congestionamento de nossos tribunais de pequenas causas. Fossem as condenações mais pesadas, o comerciante, ou industrial zelaria mais para não prejudicar os consumidores. Sempre, sempre, sempre, prevalece o cálculo econômico, custo/benefício, naqueles que demandam ou são demandados na justiça — embora aleguem razões outras, elegantes, jurídicas —, queiram ou não os processualistas.


O Projeto de Lei 3.829/97 foi apresentado em 1997, mas dormitava na Câmara porque não havia clima ou motivação para rápida tramitação. Agora, com a ameaça, até mesmo mundial, de grandes demissões, ressurgiu o interesse de combater o desemprego. Só que, pelo visto, é uma medida contraproducente, a médio e longo prazo.


O PL em exame trará muitas má-conseqüências:


Imenso estímulo à gravidez de esposas, companheiras e simples namoradas de trabalhadores contratados por tempo indeterminado. O trabalhador que pensa na possibilidade — sempre verdadeira — de perder o emprego solicitará até à sua garota, mera namorada, que concorde em engravidar. O Estado não terá condições se saber se a grávida era ou não, realmente, uma “companheira”, situação fugidia, incerta, pois não existe um registro obrigatório do concubinato. A namorada, por sua vez, para não perder o namorado tenderá a concordar com o pedido. Um filho é sempre um forte vínculo capaz de prender um homem, embora nem sempre…


Entretanto, a longo médio e longo prazo não convém — nem ao Brasil nem aos demais países em desenvolvimento — elevar bruscamente, em milhões, o número de crianças em lares com baixo padrão de vida. Máquinas, robôs e computadores cada vez mais substituem a mão de obra. E quanto mais gente, mais poluição, consumo de água e eventual nível de violência. Considerando-se o modesto ganho médio do trabalhador brasileiro, não convém, nem à ele — e muito menos ao “filho-seguro-desemprego”, criado com evidentes desvantagens em um mundo competitivo — nem à sociedade, aumentar fortemente a prole nas famílias já com escassos recursos em termos de educação e saúde. Em suma: o “boom” de natalidade no Brasil, fruto do simples medo — não porque realmente o casal quer, conscientemente, ter mais filhos —, será uma péssima política. Aumentará a despesa governamental com bolsas-famílias e assistência à saúde, área em que o governo ainda deixa muito a desejar.


Outra conseqüência do referido PL está no previsível pavor dos patrões de contratar trabalhadores por tempo indeterminado. Os operários serão contratados por alguns meses, menos de um ano, justamente para escapar ao perigo de não poder dispensá-los, caso se tornem desnecessários. A multa prevista no PL é de 18 meses do salário recebido. E nada impede que a mulher do trabalhador tenha filhos sucessivamente, todo ano, como forma de “garantir” o trabalho do marido. Uma espécie de “seguro uterino”. Isso, sem considerar que a própria mãe trabalhadora já tem, hoje, cinco meses para só cuidar do filho recém-nascido. Os empregadores — também geralmente afetados pela crise —, pensarão que se já lhes é lesivo demais manter salários de empregadas sem trabalhar a carga financeira será acrescida com a impossibilidade de dispensar os homens desnecessários. Novo estímulo à não-contratação e informalidade, com diminuição da arrecadação do INSS.


Melhor seria se o empenho do governo em evitar sofrimento à classe trabalhadora — ante a perspectiva do desemprego — tivesse outro “modus operandi”. Uma fórmula que não prejudicasse a classe patronal; a própria classe trabalhadora (cada vez com menos contratações) e a imensa criançada lançada ao mundo com baixa perspectiva de padrão de vida. Bebês concebidos com um objetivo no fundo escuso, interesseiro — garantir um emprego.


Quando tais crianças crescerem e um dia travarem uma discussão esquentada com o pai, alegando que este nunca lhes demonstrou genuína afeição, poderão ouvir: “Nunca gostei, mesmo… Você foi concebido apenas porque eu temia perder meu emprego Você não é fruto do amor”.


Haverá, certamente, modos mais dignos de proteger o trabalhador brasileiro.



Informações Sobre o Autor

Francisco César Pinheiro Rodrigues

Advogado, Desembargador aposentado e escritor. É membro do IASP – Instituto dos Advogados de São Paulo


Equipe Âmbito Jurídico

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