Resumo: O artigo analisa os principais aspectos do procedimento de habilitação para o casamento, as críticas ao sistema estabelecido no Código Civil de 2002; principalmente, às mudanças decorrentes da Lei no. 12.133/09, que modificou o artigo 1.525, prevendo as hipóteses em que o procedimento deve ser remetido à apreciação judicial.
Palavras-chave: Direito de Família – Casamento – Habilitação – Lei no. 12.133/09 -Efetividade.
Abstract: The article analyzes the main aspects of the procedure of qualification for the marriage, the critical ones to the system established in the Civil Code of 2002; mainly, to the decurrent changes of the Law in. 12.133/09, that it modified article 1.525, foreseeing the hypotheses where the procedure must be sent to the judicial appreciation.
Keywords: Family law – Marriage – Qualification – Law in. 12.133/09 – Effectiveness.
Sumário: Introdução. 1 O procedimento de habilitação para o casamento. 2 Situação anterior à Lei no. 12.133/09. 3 Análise da nova redação do artigo 1.526, do Código Civil. Considerações finais. Referências.
INTRODUÇÃO
O casamento, em razão das responsabilidades que origina e de sua importância para a sociedade, é o contrato mais solene do ordenamento jurídico, motivo pelo qual somente é possível a sua celebração quando preenchidos todos os requisitos previstos em lei.
Com a finalidade de tornar mais célere o procedimento de habilitação para o casamento, fora editada a Lei no. 12.133/09, que determinou as hipóteses de remessa do procedimento ao magistrado e o comparecimento pessoal dos interessados.
Entretanto, o procedimento de habilitação para o casamento continua sendo objeto de críticas, mormente em razão de ter exigido que a habilitação seja feita pessoalmente perante o Oficial do Registro Civil e pelo fato de determinar que todos os procedimentos de habilitatórios sejam remetidos ao “Parquet”.
Diante do quadro fático, o artigo é composto de três partes: a primeira apresenta os principais elementos do procedimento para habilitação para o casamento; a segunda esclarece como funcionava o procedimento antes da Lei no. 12.133/09 e a terceira analisa e identifica as principais críticas à nova redação do artigo 1.526, do Código Civil.
1 O PROCEDIMENTO DE HABILITAÇÃO PARA O CASAMENTO
Denomina-se “procedimento de habilitação” aquele que tramita perante o Oficial de Registro Civil e é destinado a verificar se os nubentes são capazes para casar, se possuem impedimentos que não autorizem o casamento ou causas suspensivas que lhes atribua restrições. Também é na fase de habilitação que são publicados editais, denominados “proclamas”, cuja finalidade é tornar pública a pretensão dos nubentes e, dessa forma, permitir a arguição de impedimentos e causas suspensivas por parte de terceiros.
As funções preventiva e repressiva do procedimento de habilitação são bem delineadas pelo estudioso Carlos Roberto Gonçalves, ao citar Sílvio Rodrigues:
“O Estado ‘assume, em face da pessoa que quer casar-se, duas atitudes. A primeira é uma atitude preventiva, manifestada no processo de habilitação, em que, demonstrada a existência do empecilho dirimente, proíbe-se a realização do matrimônio. A segunda é uma atitude repressiva, que tem lugar quando, a despeito da existência de um impedimento dirimente, efetua-se o casamento. Nessa hipótese, o Estado reage contra o ato infringente do mandamento legal para fulminá-lo de nulidade.” (RODRIGUES, 2003 apud GONÇALVES, 2009, p.42).
Dessa forma, observa-se que o procedimento de habilitação matrimonial tem como principal objetivo verificar a existência de situações que possam macular o pretenso casamento.
2 SITUAÇÃO ANTERIOR À LEI Nº. 12.133/09
Antes da Lei no. 12.133/09, o Código Civil de 2002 (CC/2002) estabelecia, em seu artigo 1.526, que os requerentes deveriam iniciar o procedimento de habilitação matrimonial diante do Oficial do Registro Civil e, depois da manifestação do Ministério Público, haveria a homologação judicial.
Tal sistema era caracterizado pela burocracia decorrente da imposição legal de se remeter o procedimento administrativo à apreciação judicial, causando morosidade e contribuindo para a lentidão e aumento de gastos no Poder Judiciário.
Com bastante propriedade, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald criticam o procedimento de habilitação, julgando-o como um sistema complexo e lento que desvirtua da celeridade buscada nos dias atuais:
“Em boa técnica legislativa, a matéria deveria ter sido confiada à legislação registral pertinente. No entanto, preferiu o legislador “CC, art. 1.525, usque ad 1.532) disciplinar o procedimento de habilitação para o casamento. Pior ainda. Criou um sistema complexo, submetido a uma série de atos encadeados, exigindo, inclusive, a intervenção do Ministério Público e a homologação judicial. Não se justifica, especialmente em épocas de simplificação de atos (como a possibilidade de separação e divórcio em cartório)”. (FARIAS; ROSENVALD, 2010, p. 152).
No mesmo raciocínio, Flávio Tartuce e José Fernando Simão coadunam com o entendimento de que a redação do artigo 1.526, do CC/2002, burocratizava o casamento ao exigir a homologação judicial. Na oportunidade, destacam o Enunciado 120, do Conselho da Justiça Federal (CJF), segundo o qual a homologação judicial do procedimento de habilitação para casar deveria ser suprimido:
“(…) foi aprovado, na III Jornada de Direito Civil, o Enunciado 120 CJF, pelo qual “deverá ser suprimida a expressão ‘será homologada pelo juiz’ no art. 1.526, o qual passará a dispor: ‘art. 1.526. A habilitação de casamento será feita perante o oficial de Registro Civil e ouvido o Ministério Público.”. (TARTUCE; SIMÃO, 2007, p. 68).
É oportuno destacar que antes do CC/2002, obedecia-se à Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/1973), que determinava que apenas na hipótese de impugnação ao procedimento de habilitação para o casamento é que haveria a remessa dos autos ao magistrado. È o que se verifica da leitura do art. 68, § 2º, da Lei dos Registros Públicos:
“Art. 68. Na habilitação para o casamento, os interessados, apresentando os documentos exigidos pela lei civil, requererão ao oficial do registro do distrito de residência de um dos nubentes, que lhes expeça certidão de que se acham habilitados para se casarem. (…) § 2º Se o órgão do Ministério Público impugnar o pedido ou a documentação, os autos serão encaminhados ao Juiz, que decidirá sem recurso.”
Entretanto, com o advento do CC/2002, tornou-se obrigatória a homologação judicial, motivando a crítica da doutrina, conforme se observa da lição de Paulo Lôbo:
“A homologação judicial não era exigível no direito anterior, tendo sido acrescentada pelo Código Civil de 2002, em prejuízo da simplicidade e com excesso de burocratização, envolvendo essa autoridade em atividades puramente administrativas e não controvertidas, até porque sempre que há dúvidas o oficial suspende o procedimento e as submete ao juiz” (LÔBO, 2009, p. 89).
Dessa forma, o procedimento de habilitação para o casamento, por exigir a homologação judicial, encontrava-se eivado de morosidade, contrapondo-se à necessidade de se atribuir maior celeridade e efetividade aos processos e procedimentos.
3 ANÁLISE DA NOVA REDAÇÃO DO ARTIGO 1.526, DO CÓDIGO CIVIL.
Em consonância com o princípio da razoável duração dos processos, estabelecido na Emenda Constitucional de no. 45/2004, surgiram novos dispositivos legais, como, por exemplo, a Lei nº 11.441, de 4 de janeiro de 2007, que, modificando o Código de Processo Civil (CPC), possibilitou a realização de inventário, partilha, separação e divórcio consensuais por via extrajudicial.
Nesse contexto, também fora alterado o artigo 1.526 do CC/2002, cuja finalidade é permitir que a habilitação para o casamento ocorra perante o Oficial de Registro Civil, após manifestação do Ministério Público, havendo a remessa dos autos ao Poder Judiciário apenas na hipótese de impugnação do pedido ou da documentação pelo Oficial de Registro, do Parquet ou de terceiros.
Assim, buscou-se desburocratizar o procedimento de habilitação para o casamento e desafogar o Poder Judiciário. Veja a nova redação:
“O VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no exercício do cargo de PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1º O art. 1.526 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), passa a vigorar com a seguinte redação:“Art. 1.526. A habilitação será feita pessoalmente perante o oficial do Registro Civil, com a audiência do Ministério Público. Parágrafo único. Caso haja impugnação do oficial, do Ministério Público ou de terceiro, a habilitação será submetida ao juiz.” (NR) Art. 2º Esta Lei entra em vigor após decorridos 30 (trinta) dias de sua publicação oficial. Brasília, 17 de dezembro de 2009; 188º da Independência e 121º da República.” (sem destaques no original).
Além da necessidade de se submeter os autos do procedimento de habilitação ao juiz apenas quando houver impugnação, a nova redação do caput determinou que a habilitação será feita pessoalmente perante o Oficial do Registro Civil. Tendo em vista que na redação anterior não havia a exigência de comparecimento pessoal, indaga-se: diante da nova redação, não será mais possível que o requerimento de habilitação para casar seja feito por procuração?
Uma interpretação precipitada pode levar a entender que sim. Entretanto, deve-se observar que a finalidade da alteração legislativa é justamente impor maior celeridade e desburocratização. Ao exigir que a habilitação seja realizada apenas pessoalmente pelos interessados, o legislador estaria contradizendo o fundamento da nova redação.
Além disso, não fora retirado do CC/2002 o artigo 1.525, que autoriza que o requerimento de habilitação para o casamento seja subscrito por ambos os nubentes, de próprio punho, ou, a seu pedido, por procurador.
Portanto, é despicienda a nova redação do artigo 1.526, na parte que dispõe que a habilitação deve ser feita pessoalmente.
Outra crítica à redação do artigo 1.526 se refere à intervenção do Ministério Público. Apesar de o CC/2002 exigir a intervenção do parquet, deve-se observar que a Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988 (CF/1988) estabeleceu as hipóteses de intervenção ministerial, destacando em seu artigo 127 que “o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.”
Dessa forma, somente caberia a participação do Ministério Público no procedimento de habilitação quando o Oficial do Registro Civil se deparasse com alguma situação que demonstrasse possível desobediência à ordem jurídica e aos interesses sociais e individuais indisponíveis.
Ora, a própria Lei dos Cartórios já estabelece que os Oficiais de Registro possuem fé pública e devem encaminhar ao juízo eventuais dúvidas levantadas pelos interessados nos atos registrais.
“Lei dos Cartórios (Lei nº 8.935/94). Art. 3º Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro. (…) Art. 30. São deveres dos notários e dos oficiais de registro: (…) XIII – encaminhar ao juízo competente as dúvidas levantadas pelos interessados, obedecida a sistemática processual fixada pela legislação respectiva”.
Assim, é inconteste que o procedimento de habilitação para o casamento seria mais célere e efetivo se, em harmonia com a CF/1988, os autos somente fossem remetidos ao parquet se o Oficial do Registro verificar descumprimento aos preceitos legais.
Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald também entendem que, em razão do art. 127 da CF/1988, o Ministério Público somente deveria intervir no procedimento de habilitação quando houvesse interesse de incapaz, impugnação do pedido, oposição de impedimentos ou causas suspensivas ou ainda quando for formulado algum pedido específico pelos nubentes:
“Parece-nos que, a partir da dicção do art. 127 da Lex Fundamentallis, o Promotor de Justiça somente deverá intervir nos procedimentos habilitatórios quando houver interesse de incapaz, impugnação do pedido, oposição de impedimentos ou causas suspensivas ou ainda quando for formulado algum pedido específico pelos nubentes. Todavia, não atentando para a superioridade constitucional, o Código Civil (art. 1.526) termina insinuando que a intervenção do Ministério Público deve se materializar em todas as habilitações para o casamento”. (FARIAS; ROSENVALD, 2010, p. 161/162).
Nesse sentido, o Projeto de Lei 1735/07 (que fora apensado ao PL no. 420/07) tem o objetivo de modificar o art. 1.526 do CC/2002, dispensando-se a participação obrigatória do Ministério Público nos procedimentos de habilitação para o casamento.
Portanto, deveria o legislador ter limitado na Lei no. 12.133/09 não apenas as hipóteses de remessa do procedimento de habilitação ao magistrado, mas também ao Ministério Público, tornando-o mais célere e eficaz.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O procedimento de habilitação para o casamento constitui formalidade necessária para a observância dos requisitos legais. Entretanto, o clamor pela desburocratização e simplificação dos processos e procedimentos faz com que sejam retiradas do ordenamento jurídico etapas desnecessárias e que não comprometem a segurança jurídica.
Diante do quadro fático, é louvável a nova redação do artigo 1.526, do CC/2002, decorrente da Lei no. 12.133/09, segundo a qual o procedimento de habilitação para o casamento somente seria remetido ao Poder Judiciário se houvesse impugnação do pedido ou da documentação pelo Oficial de Registro, do Parquet ou de terceiros.
Por outro lado, o novo dispositivo legal merece ser criticado ao estabelecer que a habilitação seja feita pessoalmente perante o Oficial do Registro Civil, levando-se à interpretação de que não seria possível a habilitação se realizar através de procurador.
Também merece crítica o fato de todos os procedimentos de habilitação serem remetidos ao Parquet, pois a CF/1988 delimita as hipóteses de intervenção ministerial.
Diante do quadro fático, percebe-se que, apesar das inovações realizadas no artigo 1.526, do CC/2002, ainda existem pontos que, uma vez ajustados, tornariam o procedimento de habilitação mais célere e eficaz.
Professor de Direito Civil da FIP (Faculdades Integradas de Patos – PB), especialista, doutorando em Direito Civil e assessor jurídico do TJPB. Autor do blog www.odireitocivil.blogspot.com
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