Resumo: Tem sido muito frequente nos últimos anos, em especial por parte da nova classe média brasileira, as frequentes reclamações em torno do montante de impostos pago anualmente por esta classe, sendo de longe, o contribuinte brasileiro, um dos que mais contribui através de tributos com o Estado. Todavia, em alguns momentos, esta capacidade contributiva se reduz em virtude de diversos fatores, dentre eles, o estado de saúde do contribuinte, que se encontra muitas vezes, impedido de exercer suas atividades laborais e/ou tenha seu orçamento mensal comprometido, pelos elevados gastos em função de seu tratamento médico.[1]
Palavras Chaves: Direito Tributário. Direitos Humanos. Saúde. Isenção. Assistencialismo.
Sumário: 1 Introdução; 2 Assistência Estatal Indireta; 3 Humanização do Direito Tributário através de Benefícios; 4 Benefícios Tributários aos Portadores de Doenças Graves; 5 Conclusão
1 INTRODUÇÃO
A origem do assistencialismo remonta do inicio do século XX, quando o mundo sentia os efeitos da quebra da bolsa de Nova Iorque, em 1929. O Estado de miséria social e o temor do avanço de ideologias radicais, como o comunismo, o nazismo e o fascismo, em solo americano, em virtude deste estado de miséria social, fez com que, surgisse a ideia do Welfare State (Estado de Bem-Estar Social), nos Estados Unidos da América, que vislumbrava assegurar um mínimo de condições dignas de vida à população, não podendo o Estado ficar indiferente diante da situação que grande parte de sua população vivia. Todavia, este Estado de Bem-Estar Social, evoluiria, principalmente no pós-II Guerra Mundial, para o Estado-Providência que, começaria a chegar ao Brasil, nos últimos anos da década de 1970, se consolidando somente, após a redemocratização, todavia, nunca veio a ser implantado em sua plenitude em terras brasileiras, como ocorreu na Europa, em virtude das condições econômicas que o país passou a enfrentar na primeira década após a redemocratização.
Entretanto, ainda que o Estado de bem-estar social não tenha sido aplicado em sua plenitude no Brasil e já se discuta, no Brasil e no mundo, o Estado pós-assistencial, em virtude da insustentabilidade que este modelo tem enfrentado, em especial na Europa Ocidental, aonde este sistema chegou a sua plenitude, ainda no século XX, a Constituição Federal de 1988, com forte inspiração na Constituição Portuguesa de 1978 e nas Leis Fundamentais Alemãs de Weimar (1919) e na de Bonn (1949), a atual constituição federal trouxe para o ordenamento jurídico brasileiro, um grande hall de Direitos e Garantias Sociais, além de uma relevante preocupação com nos Direitos Humanos e com a redução das desigualdades, mostrando-se esta constituição, em diversos momentos, como uma constituição que vislumbrava um Estado assistencialista em terras tupiniquins.
Todavia, como já fora mencionado, o Estado assistencialista brasileiro, nunca fora implementado em sua plenitude, em virtude de barreiras internacionais e econômicas, como o Consenso de Washington, que obrigava o Brasil a privilegiar os interesses capitalistas em detrimento aos interesses sociais, desamparando a população, durante toda a década de 1990, não implementando as metas sociais que a constituição federal prometia com a redemocratização. Por ora, com o precoce fracasso da implementação plena do Estado assistencialista no Brasil, o único resquício comum do Estado assistencialista que ficara no Brasil, foram os tributos.
A elevada carga tributária do Brasil, fomentada pelo crescimento de inúmeras contribuições sociais, no decorrer da década de 1990 e 2000, foi um dos resquícios, ainda que negativos, do Estado assistencialista no Brasil, sendo esta característica, algo típico dos Estados assistencialistas, marcados pela presença, de elevadas cargas tributárias destinadas à manutenção de todo o aparato assistencialista do Estado Providência.
Todavia, muitas vezes esta elevada tributação vira-se contra ao contribuinte necessitado e incapaz, em virtude de razões momentâneas ou permanentes, de contribuir com os tributos estatais, ainda mais, no caso brasileiro, onde o Estado assistencialista fracassara e este, não conseguindo ser implementado em sua plenitude, não consegue, muitas vezes, assegurar a todos os cidadãos, condições para trata-se de sua enfermidade. Sendo assim, considerando a gravidade de sua enfermidade e esta deficiência do Estado em poder assegurar um tratamento eficaz e gratuito, o próprio Estado abre mão de tributar em alguns casos específicos, respeitando este estado de necessidade momentânea do individuo, “fazendo sua parte” de assistir o individuo, durante este momento, cumprindo de forma indireta, seu dever de prestar assistência aos necessitados, que ele se comprometera desde que fora promulgada a Constituição Federal de 1988.
2 A ASSISTÊNCIA ESTATAL INDIRETA
Ciente desta sua deficiência, o Estado, numa forma de prestar solidariedade ao contribuinte enfermo, faz valer um dos princípios do Direito Previdenciário brasileiro, que é o da Solidariedade Social, que consiste que, toda a sociedade deve contribuir com a Seguridade Social, independente de se beneficiar ou não de todos os serviços disponibilizados. Neste caso, em especial, o contribuinte portador de uma enfermidade grave, pode deixar de contribuir temporariamente com todo este sistema, em virtude de ter tido diminuída sua capacidade contributiva, logo, a omissão do direito de tributar por parte do Estado, se constitui numa forma expressa de prestar assistência ao enfermo, tendo gastos com este, em virtude do fato de deixar de arrecadar daquele contribuinte, tributos que auxiliariam manter todo o sistema assistencial, gerando de certo modo, ônus ao sistema, de igual forma se o Estado tivesse contribuindo de forma direta para o tratamento do individuo. Tão logo, esta renúncia do Estado em seu direito de tributar, vem de acordo com o inciso VI, do Art. 194, da Constituição Federal de 1988, que prevê a diversidade da base de financiamento do sistema da seguridade social, que se constitui basicamente em, arrecadar fundos para o financiamento da seguridade social, na medida do poder contributivo do individuo, ou seja, no caso do portador de enfermidade grave, o Estado entende que, em virtude de tratamentos médicos e medicamentos, o poder contributivo fora reduzido, logo, é dever do Estado, abrir mão de arrecadar alguns tributos do enfermo, devendo ser solidário nos momentos difíceis de seu contribuinte, com respeito ao seu estado momentâneo, não podendo, conforme já fora mencionado, o Estado ser indiferente diante da condição social de seus cidadãos, conforme ocorria no século XIX, no auge do modelo liberal clássico, que pregava sobre tudo, a não intervenção estatal nas relações pessoais e econômicas.
3 HUMANIZAÇÃO DO DIREITO TRIBUTÁRIO ATRAVÉS DE BENEFÍCIOS
Conforme já fora mencionado anteriormente, o Princípio da Capacidade Contributiva é um dos princípios que regem o Direito Tributário Brasileiro e da grande maioria dos Estados Democráticos de Direito hoje existentes. Este princípio, basicamente se norteia no que já fora mencionado anteriormente, e se estende a outras competências tributárias, instituindo, a atual constituição federal, “sempre que possível”, tributos que levem em consideração a capacidade econômica do contribuinte. Este reflexo desde principio constitucional para a tributação torna-se evidente em diversos impostos, dentre eles, o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), cujo valor do imposto é proporcional ao valor do veículo, havendo uma série de isenções, dentre estas, a isenção aos portadores de deficiência física, considerando a precariedade e a falta de transporte coletivo aos deficientes físicos para sua locomoção, assim como, a isenção a veículos com bom tempo de uso, considerando que, os proprietários destes veículos, tenham capacidade contributiva inferior ao que detenha um veículo mais novo.
E partido deste princípio, positivados no § 1º, do Art. 145, da Constituição Federal, que a legislação infraconstitucional da união, dos estados e dos municípios tem assegurado, ao contribuinte portador de necessidades especiais ou de moléstia grave que venha reduzir sua capacidade contributiva permanente ou momentaneamente, benefícios tributários variáveis conforme a esfera do poder administrativo do Estado.
Tão logo, torna-se evidente que, com a personalização da capacidade tributária, o Direito Tributário trás para si um viés humanístico, que se reforça com a Seletividade Tributária. A seletividade tributária, introduzida pela Constituição Federal de 1988, constitui-se basicamente em tributar mais, os bens consumidos pelas camadas mais abastadas da sociedade e menos, ou até, isentar de tributação, os bens considerados essenciais para a sobrevivência do individuo, ou seja, basicamente, aqueles que figuram como bens que compõem a cesta básica de consumo do brasileiro, como bens não duráveis relacionados à alimentação, a higiene e etc. Com isso, o constituinte entendia que, diferente do que ocorria antes de 1988, tributar de igual forma os bens essenciais em relação aos supérfluos resultaria numa injustiça fomentada pelas então vigentes regras de Direito Tributário que vigoravam no país, não respeitando um dos principais princípios dos Direitos Humanos no Âmbito Nacional, como no Internacional, assim como no âmbito nacional, que é o de assegurar meios dignos de vida a todos os brasileiros.
Sendo assim, a seletividade do direito tributário, introduzida pelo inciso III, do § 2º, do Art. 155, da Constituição Federal, assim como o inciso I, do § 3º, do Art. 153, desta carta, asseguram a redução ou a isenção do IPI e do ICMS aos bens considerados essenciais para a sobrevivência humana, estando esta iniciativa em pleno acordo com os direitos humanos, logo, é possível se falar, que, com a Constituição Federal de 1988, não fora introduzido somente os princípios do Estado assistencialista brasileiro, mais também a Humanização do Direito Tributário, que deixa de ser um direito “frio e imparcial”, para tornar-se um direito consciente das condições sociais de cada indivíduo e promotor da justiça social, através da personalização dos tributos, estando este fenômeno ligado ao fenômeno de socialização de todas as esferas de direito, que fora impulsionado graças a promulgação da Constituição Federal de 1988.
4 BENEFÍCIOS TRIBUTÁRIOS AOS PORTADORES DE MOLÉSTIAS GRAVES
Uma vez que a constituição passa a tratar o contribuinte, sempre que possível, de forma individual, considerando suas condições pessoais, a concessão de benefícios não poderia ser diferente, havendo para tanto, inúmeras legislações infraconstitucionais, nas três esferas do poder administrativo da união, que concedem isenção de alguns tributos aos portadores de moléstias graves, de necessidades especiais ou membros da terceira idade.
Atualmente, a norma que tem dado uma definição básica, do que vem ser, moléstia grave, para o ordenamento jurídico brasileiro, é o inciso XIV, do Art. 6º, da Lei nº. 7.713/88, que institui o conceito de moléstia grave para fins de isenção do pagamento do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF). Para este inciso da lei que alterou as regras sobre o Imposto de Renda no Brasil, é considerado moléstia grave para o ordenamento jurídico brasileiro, as seguintes: tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna (câncer), cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS). Sendo assim, a lei concedeu, para estes indivíduos em especial, a isenção do pagamento do Imposto de Renda, seja qual for o montante de renda tributável que o indivíduo detenha.
O beneficio de isenção do Imposto de Renda aos detentores de moléstia grave, se estende também aos valores recebidos a título de pensão em virtude de doenças citadas. Desta forma, mais uma vez, o legislador procurou não tributar a renda do enfermo, entendendo que seus gastos para tratamento e sobrevivência, já oneram bastante este individuo, devendo o estado, não exigir que este contribua com o Estado, devendo este até, deixar de tributar, sendo este ato, um meio de prestar assistência indireta ao indivíduo, evitando gerar novos ônus a este.
Todavia, os benefícios tributários não se restringem apenas ao Imposto de Renda, se estendendo a outros benefícios, como por exemplo, o direito ao saque do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), em caso de neoplasia maligna do titular ou de seus dependentes, nos termos do inciso XI, do Art.20, da Lei nº. 8.036/90, que dispõe sobre o FGTS. Desta forma, o dinheiro do FGTS não faz apenas a função de amparar o trabalhador, mais sim de todos que estejam sob sua dependência econômica.
Ao portador de deficiência física, mental, visual ou autista, é assegurada a isenção de outros tributos, todavia, estes ainda têm de pagar o Imposto de Renda, não isentando a lei, estes indivíduos da obrigação contributiva. Neste caso, os indivíduos portadores das deficiências citadas, possuem direito a isenção de alguns tributos, conforme assegurado pela legislação federal pertinente. Na prática, os portadores de deficiência mental têm, nos termos do inciso VI, do Art. 39, do Decreto nº. 3000/99, que assegura a isenção do Imposto de Renda sobre os valores recebidos pelos deficientes mentais a título de pensão, pecúlio, montepio e auxílios quando decorrentes da iniciativa privada ou da previdência social. Aos deficientes físicos por sua vez, as isenções costumam estar relacionadas mais com a aquisição de veículo automotor e sua manutenção. Desta forma, o portador de necessidades especiais, conta com isenção do IPI, IOF e ICMS, na aquisição de veículo automotor, desde que este seja adaptado às suas necessidades especiais, assim como a isenção do pagamento, na maioria dos estados, do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA).
Na esfera municipal, assim como a legislação posterior das três esferas administrativas da união, poderão introduzir a qualquer momento, novas isenções tributárias, sendo estas somente, as principais isenções, atualmente asseguradas pelo ordenamento jurídico brasileiro, podendo tranquilamente, a esfera municipal assegurar isenções aos tributos que lhe compete a tributação, conforme ocorre em alguns municípios, como por exemplo, o município de Montes Claros, no estado de Minas Gerais, que prevê isenção do Imposto Predial Territorial Urbano, aos idosos com mais de 60 (sessenta) anos e aos deficientes em geral, que possuam imóvel, cujo valor não exceda a R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) e tenham renda familiar igual ou inferior a dois salários mínimos e possuam propriedade sobre um único imóvel apenas, cujo beneficiário deva ser o titular deste. Benefício semelhante fora implantado no município de Sorriso, no estado de Mato Grosso, que estende o beneficio a pensionistas, porém, exige que os deficientes comprovem que não são aptos a exercer atividade remunerada e, os idosos beneficiados, são somente, os maiores de 65 (sessenta e cinco) anos. Para todos os casos, a renda máxima não poderá exceder a dois salários mínimos e meio. Em todos os casos de isenção, é importante ressaltar que o beneficiado deverá requerer junto ao poder administrativo, a isenção do tributo, apresentando a devida documentação comprobatória e as demais requeridas pelo agente concessor.
5 CONCLUSÃO
O Direito Tributário Brasileiro encontra-se em uma nova fase, assim como todo o direito brasileiro, que é a fase da socialização. A Constituição Federal de 1988, também apelidada de “Constituição Cidadã”, preocupou-se drasticamente em romper com a frieza do ordenamento jurídico que vigorava até então, forçando o estado brasileiro a não ficar mais imparcial e inerte diante das condições de vida que boa parte da população levava. O constituinte de 1988 entendia que, era preciso romper com aquele cenário que o Brasil vivia, marcado pela intensa desigualdade social e o domínio total e irrestrito da elite dominante sobre as demais classes sociais e, vislumbrando este ideal, viu no Direito Tributário, um meio de combate a este poderio total e irrestrito da elite sobre as camadas populares. Como a nova carta teve, dentre suas principais aspirações, assegurar a fiel aplicação dos Direitos Humanos no Brasil, garantir a dignidade da pessoa humana seria algo simplesmente crucial, logo, a humanização do direito tributário, com o fim de tratar de forma individual cada individuo, vem inteiramente ao encontro desta nova fase humanística do direito brasileiro, que requer um operador do direito com boa visão humanística, pronto para aplicar este direito de viés mais humanista.
Como o estado assistencialista brasileiro mostrou-se fracassado antes mesmo de sua total implementação, seus princípios permaneceram e com isto, a obrigação do Estado brasileiro em prestar assistência aos necessitados, ainda que esta assistência se de pela forma omissiva, ou seja, o estado se omitindo da obrigação de tributar, conforme fora exposto no decorrer deste artigo. Ou seja, diante da ineficácia do Estado brasileiro a prestar assistência a todos os casos, em virtude de sua gravidade ou prazo de duração, é muito mais vantajoso ao Estado, omitir-se desta assistência e, indiretamente, ajudar o indivíduo, fazendo justiça através dos tributos, sendo este o viés do Direito Tributário após a promulgação da atual constituição federal.
Sendo assim, a personalização do Direito Tributário, não vem ao encontro do Estado poder “tributar mais e melhor”, mais também, aderir um viés humanista para este direito conhecido pela sua frieza e imparcialidade, tornando-o parcial, fazendo-o deixar de ser indiferente ante as condições socioeconômicas de seus contribuintes, fazendo o que já fora dito por Aristóteles sobre a igualdade, ainda na Antiguidade Clássica: “A verdadeira igualdade consiste em tratar-se igualmente os iguais e desigualmente os desiguais a medida em que se desigualem”.
Bacharel em Direito pela Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP).
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