Implicações da Emenda Constitucional n. º 45/2004 no Direito Internacional

Resumo:      O presente estudo tem como objetivo a análise dos efeitos causados pela promulgação da Emenda Constitucional n.º 45, sob a perspectiva do Direito Internacional.

 

Sumário:      1. Introdução. 2. A Reforma do Judiciário e a Luta internacional contra a Corrupção. 3. Hierarquia das normas de tratados e convenções de direitos humanos. 4. Submissão à jurisdição do Tribunal Penal Internacional. 5. Alterações de Direito Processual. 6. Conclusão. 7. Referências Bibliográficas.

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1. INTRODUÇÃO

O presente estudo tem como objetivo a análise dos efeitos causados pela promulgação da 45ª Emenda da Carta Suprema brasileira, sob a perspectiva do Direito Internacional. Ao longo deste trabalho apresentaremos as mudanças relevantes do texto constitucional e as controvérsias inerentes.

2. A REFORMA DO JUDICIÁRIO E A LUTA INTERNACIONAL CONTRA A CORRUPÇÃO

Neste item traçaremos breves considerações sobre a finalidade da emenda em questão: a Reforma do Poder Judiciário brasileiro. Embora esta reforma esteja inserida no Direito Interno, possui relevantes conseqüências no cenário internacional. Objetivamente falando, no tocante à Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção assinada pelo Brasil em 9 dezembro de 2003 no México (ainda não ratificada). Esta convenção dispõe em seu artigo 11:

Measures relating to the judiciary and prosecution services

1. Bearing in mind the independence of the judiciary and its crucial role in combating corruption, each State Party shall, in accordance with the fundamental principles of its legal system and without prejudice to judicial independence, take measures to strengthen integrity and to prevent opportunities for corruption among members of the judiciary. Such measures may include rules with respect to the conduct of members of the judiciary.

2. Measures to the same effect as those taken pursuant to paragraph 1 of this article may be introduced and applied within the prosecution service in those States Parties where it does not form part of the judiciary but enjoys independence similar to that of the judicial service. [1]

Pode-se dizer que este de fato é o mais importante compromisso internacional que o governo brasileiro satisfaz, mesmo que por ora, com a implementação da Reforma do Judiciário. Em tempos de intensa integração econômica, o Brasil deve freqüentemente afirmar a sua posição na atual conjuntura, e deve fazê-lo adotando políticas e implementando projetos em áreas específicas que direta ou indiretamente confirmem a confiança externa no país (Estados e/ou investidores). E a campanha da ONU (mais precisamente do United Nations Office on Drugs and Crime) nesse sentido tem sido constante no último ano, utilizando frases como “a corrupção no Judiciário enfraquece a habilidade da sociedade de enfrentar a corrupção”, “corrupção reduz investimento”, “a corrupção favorece o crime organizado e o terrorismo” e “para combater a corrupção é necessário forte compromisso político”. Compromisso este que o Brasil reafirma com a reforma fortalecendo a integridade e capacidade do judiciário (“strengthening judicial integrity and capacity”, UN Global Programme against Corruption).

Naturalmente, o combate à corrupção envolve mais elementos do que somente o judiciário, mas este é o fundamento principal deste embate. Importante mencionar a Portaria n. º 3.746, de 17 de dezembro de 2004 do Ministério da Justiça (publicado no Diário Oficial da União Seção 1 de 21 de dezembro de 2004), que institui o programa de transparência do ministério, trata-se de outro esforço do governo visando o mesmo fim.

3. HIERARQUIA DAS NORMAS DE TRATADOS E CONVENÇÕES DE DIREITOS HUMANOS

Esta alteração, ao nosso ver, é a mais controversa. Acrescentou-se ao artigo 5º da Constituição Federal o seguinte:

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

Dessa forma, o dispositivo acima concede aos tratados e convenções internacionais que versem sobre direitos humanos a força de emendas constitucionais. Contudo, o mesmo parágrafo determina o rito que estes deverão se submeter antes da concessão de tal eficácia.

Antes desta disposição o entendimento dominante era que os tratados e convenções internacionais ratificados teriam a mesma força de uma lei ordinária federal, ou seja, os primeiros poderiam ser revogados por lei federal posterior (embora alguns doutrinadores, como Antonio Augusto Cançado Trindade e Celso D. de Albuquerque Mello, entendam que no tocante a direitos humanos, dever-se-ia manter a norma mais benéfica, e não obrigatoriamente a mais recente). Agora, se conferida a força de emenda constitucional aos tratados e convenções de direitos humanos, estes só poderão ser revogados pelo poder constituinte (embora exista também a posição doutrinária que coloque os direitos humanos acima da norma constitucional).

Em outras palavras, aos tratados e convenções de direito humanos foi facultada a atribuição de norma máxima em nosso Direito Positivo ao lado da Carta Magna. Entendemos que de forma alguma o § 3º restringiu a incorporação de novos diplomas internacionais de direitos humanos, pois não consta do mesmo que estes deverão necessariamente cumprir os requisitos para serem aceitos como norma interna, porém devem cumpri-los para que tenham a grandeza de uma emenda constitucional. Receamos que esta norma será alvo de muitas divergências entre constitucionalistas, internacionalistas e ativistas de direitos humanos.

Nossa interpretação tem como base a atual política brasileira, que é a de reafirmar sua posição em defesa dos direitos humanos. Ora, se este foi o objetivo dos criadores da emenda, não podemos, em nossa opinião, interpretar o texto a contrario sensu como limitador dos direitos humanos. Ademais, a criação do § 2º do artigo 5º em 1988 já fora alvo de críticas pelos estudiosos, pois a sua mera presença seria um obstáculo para acordos internacionais. A criação de ambos os dispositivos, ao nosso ver, declara a preocupação do Congresso Nacional de constitucionalizar o Direito Internacional, mas compreendemos que o detalhismo característico de nossa Carta Constitucional é realmente fomentador de discussões e que o melhor seria uma norma mais ampla conferindo aos acordos internacionais a mesma importância da constituição.

4. SUBMISSÃO À JURISDIÇÃO DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL

A seguir transcrevemos o parágrafo adicionado ao artigo 5º do Diploma Constitucional: “§ 4º O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão”.

Apenas a título ilustrativo, o 7º artigo do Ato das disposições Constitucionais Transitórias já mencionava um tribunal internacional, mas não iremos aborda-lo, pois este sempre representou, por diversos motivos, um paradoxo entre as normas constitucionais.

O novo 4º parágrafo do artigo 5º é o primeiro dispositivo constitucional que limita a soberania do estado brasileiro, sujeitando-o diretamente à jurisdição de um Tribunal Penal Internacional.

Como foi dito anteriormente, a promulgação desta emenda teve como finalidade reafirmar o Brasil como defensor dos direitos humanos. O Estatuto de Roma, que institui o Tribunal Penal Internacional, já fora assinado (7 de fevereiro de 2000) e ratificado (20 de junho de 2002) pelo Brasil, ou seja, o país já se obrigou a submeter-se ao Tribunal, mas o parágrafo supracitado não é apenas uma redundância quanto aos seus efeitos jurídicos, pois esta obrigação internacional agora possui força constitucional.

Semelhante norma foi adicionada à Constituição Francesa:

Art. 53-2. – La République peut reconnaître la juridiction de la Cour pénale internationale dans les conditions prévues par le traité signé le 18 juillet 1998.[2]

A Corte Criminal Internacional tem jurisdição sobre os crimes mais graves e que afetem a comunidade internacional como um todo. Os crimes inseridos na jurisdição da Corte são: o genocídio, os crimes contra a humanidade, os crimes de guerra e o crime de agressão (este último ainda não encontra definição no Estatuto de Roma, vide o item 2 do artigo 5º).

5. ALTERAÇÕES DE DIREITO PROCESSUAL

Neste tópico analisaremos as alterações referentes ao Direito Processual que tenham ligação com o Direito Internacional. Trata-se da federalização dos crimes contra os direitos humanos (art. 109 V-A e art. 109 § 5º da Constituição) e da transferência para o Superior Tribunal de Justiça da competência de homologação de sentenças estrangeiras e da concessão de exequatur às cartas rogatórias (art. 105, inciso I, alínea i da Constituição).

Sobre o primeiro, citamos:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

V-A as causas relativas a direitos humanos a que se refere o § 5º deste artigo;

§ 5º Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal.

Neste caso, o governo brasileiro consolida a preocupação na prestação jurisdicional inerente aos direitos humanos, reafirmando a obrigatoriedade dos tratados internacionais.

Sobre a transferência de competência citada anteriormente:

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

I – processar e julgar, originariamente:

i) a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias;

Entendemos que a finalidade da mudança supracitada seja predominantemente a de desafogar determinados órgãos judicantes, transferindo estrategicamente certas atribuições e encargos. A competência para julgar pedidos de extradição permanece com o Supremo Tribunal Federal. Quanto à exeqüibilidade das cartas rogatórias, o teor do artigo 211 do Código de Processo Civil deverá ser modificado para acompanhar a alteração constitucional.

Aguardemos a adaptação dos respectivos regimentos internos dos Tribunais e adicionais mudanças procedimentais.

CONCLUSÃO

As normas criadas ou alteradas pela Emenda Constitucional n. º 45 e que foram objeto deste trabalho representam relevantes modificações de Direito Internacional, especialmente no ramo Público e quanto à aplicabilidade dos Direitos Humanos.

Em análise final, percebemos que todas as novidades expostas integram a tendência de constitucionalização do Direito Internacional. Esta prática é comum também em outros países, mas no caso do Brasil esta é realizada de forma incompleta ou detalhista demais, causando conflitos de interpretações. O grande número de conceitos indeterminados, aliado às reafirmações de políticas internas e externas governamentais, dificultam o trabalho do intérprete jurídico.

Muitos estudiosos consideravam que todos os acordos internacionais de direitos humanos já possuíam força constitucional, de acordo com o §2º do artigo 5º da Constituição. Este entendimento agora é derrubado pelo novo § 3º do mesmo artigo. Será esta a principal discussão empreendida nos próximos meses.

Esperamos que o conteúdo deste trabalho seja de alguma utilidade no debate sobre os reais efeitos dessas alterações. Sob a luz do exposto, encerramos com os dizeres: “… como o Direito Constitucional tem uma imensa dificuldade em se adaptar ao DIP, que é a superestrutura de uma sociedade internacional que está em uma constante transformação” (MELLO, 2000, página 276).

 

Referências bibliográficas
BRASIL. Constituição Federal. Disponível em: http://www.planalto.org.br. Acesso em: 1 fev. 2005.
BRASIL. Constituição Federal – Código Civil – Código de Processo Civil. Organização dos textos, notas remissivas e índices por Yussef Said Cahali. 5. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.
BRASIL. Ministério da Justiça. Quadro Comparativo das alterações da Emenda Constitucional n. º 45. Disponível em: http://www.mj.gov.br. Acesso em: jan. 2005.
FRANÇA. Constituição de 1958. Disponível em: http://www.legifrance.gouv.fr. Acesso em: 3 fev. 2005.
MELLO, Celso D. de Albuquerque. Direito Constitucional Internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.
UN. United Nations Convention against corruption. Disponível em: http://www.unodc.org. Acesso em: 3 fev. 2005.
UN. UNODC. Material de divulgação da Convenção das Nações Unidas contra a corrupção. Versão traduzida para língua portuguesa. Disponível em: http://www.unodc.org. Acesso em: 3 fev. 2005.
___________. United Nation Office on Drugs and Crime – Global Programme against Corruption. Disponível em: http://www.unodc.org. Acesso em: 3 fev. 2005.
Notas:
[1] Medidas relativas ao poder judiciário e ao ministério público
1. Tendo presentes a independência do poder judiciário e seu papel decisivo na luta contra a corrupção, cada Estado Participante, em conformidade com os princípios fundamentais de seu ordenamento jurídico e sem menosprezar a independência do poder judiciário, adotará medidas para reforçar a integridade e evitar toda oportunidade de corrupção entre os membros do poder judiciário. Tais medidas poderão incluir normas que regulem a conduta dos membros do poder judiciário.
2. Ao ministério público poderão ser formuladas e aplicadas medidas com fins idênticos às adotadas no parágrafo um do presente artigo nos Estados Participantes em que essa instituição não forme parte do poder judiciário mas goze de independência análoga.
[2] Art. 53-2. – A República reconhecerá a jurisdição do Tribunal penal internacional sob as condições previstas pelo tratado assinado em 18 de Julho de 1998.

Informações Sobre o Autor

André Luiz Junqueira

Advogado e Consultor Empresarial, formado pela Universidade Veiga de Almeida (RJ).
Orientador Jurídico do Grupo APSA – Gestão Patrimonial e Negócios Imobiliários.
Associado ao escritório Schneider & Grechi Advogados Associados.
Coordenador do portal JurisIntel (www.jurisintel.com).


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Equipe Âmbito Jurídico

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