Há décadas espera-se uma efetiva ação do Poder Público no sentido de examinar e implementar uma efetiva reforma tributária no Brasil, que ponha termo às desigualdades sociais, fazendo com que a carga tributária alcance, enfim, níveis aceitáveis, bem como o produto da arrecadação seja aplicado na resolução das necessidades prementes da população.
Em face das dificuldades políticas que impedem a adoção de uma verdadeira reforma tributária que expurgue todos os malefícios gerados por um perverso sistema que afronta, diariamente e sem pudor, os chamados direitos humanos da tributação, os governantes têm optado em lançar mão de meros ajustes fiscais; de pequenas alterações na legislação, ou; das denominadas “mini-reformas”, que visam abrandar a caótica situação em que se encontra o contribuinte com domicílio fiscal no país.
Nesse sentido, após a promulgação da Constituição da República (CRFB/88), numa fantástica profusão legislativa nunca antes vista em matéria tributária, orçamentária e previdenciária, foram baixadas das normas de conteúdo formal, consubstanciadas em portarias, resoluções e decretos, em decorrência da edição de diversas espécies normativas de conteúdo material e/ou misto, podendo ser destacadas, além das medidas provisórias não transformadas em lei, as seguintes:
a) Emendas Constitucionais: 03/1993; 10/1996; 12/1996; 14/1996; 17/1997; 20/1998; 21/1999; 27/2000; 29/2000; 31/2000; 33/2001; 37/2002; 39/2002; 42/2003; 44/2004; 47/2005 e 47/2005.
b) Emenda Constitucional de Revisão: 01/1994.
c) Leis Complementares: 61/1989; 62/1989; 63/1990; 65/1991; 87/1996; 70/1991; 91/1997; 101/2000; 102/2000; 105/2001; 110/2001; 111/2001; 115/2002; 116/2003 e 118/2005.
d) Leis Ordinárias: 7.689/1988; 7.713/1988; 7.714/1988; 7.751/1989; 7.766/1989; 7.772/1989; 7.799/1989; 7.782/1989; 7.810/1989; 7.940/1989; 7.944/1989; 8.003/1990; 8.016/1990; 8.021/1990; 8.023/1990; 8.033/1990; 8.034/1990; 8.010/1990; 8.032/1990; 8.134/1990; 8.137/1990; 8.177/1991; 8.200/1991; 8.383/1991; 8.402/1992; 8.541/1992; 8.685/1993; 8.687/1993; 8.847/1994; 8.849/1994; 8.850/1994; 8.894/1994; 8.981/1995; 9.064/1995; 9.065/1995; 9.069/1995; 9.249/1995; 9.250/1995; 9.311/1996; 9.316/1996; 9.317/1996; 9.323/1996; 9.363/1996; 9.393/1996; 9.430/1996; 9.481/1997; 9.493/1997; 9.532/1997; 9539/1997; 9.529/1997; 9.613/1998; 9.710/1998; 9.716/1998; 9.718/1998; 9.779/1999; 9.826/1999; 9.841/1999; 9.873/1999; 9.959/2000; 9.964/2000; 10.034/2000; 10.189/2001; 10.336/2001; 10.426/2002; 10.451/2002; 10.482/2002; 10.522/2002; 10.636/2002; 10.637/2002; 10.684/2003; 10.753/2003; 10.755/2003; 10.819/2003; 10.833/2003; 10.865/2004; 10.866/2004; 10.890/2004; 10.892/2004; 10.925/2004; 10.931/2004; 10.964/2004; 10.996/2004; 11.033/2004; 11.051/2004; 11.053/2004; 11.196/2005; 11.119/2005; 11.250/2005 e 11.324/2006.
Boa parte dos diplomas legais acima referidos tem relação direta ou indireta com o imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza – o imposto de renda (IR) – previsto no artigo 153, III da CRFB/88.
O presente estudo tem por proposta enfocar os principais aspectos tributários da Lei n.º 11.324/2006 que, além de modificações na legislação trabalhista, visou deduzir no IR o valor da contribuição devida pelo empregador ao empregado doméstico.
A mens legis da Lei n.º 11.324/2006 e seus efeitos tributários
Como parte do pacote de medidas que tentarão permitir a viabilização do aumento da oferta de empregos formais e, por via transversa, minorar a carga tributária do contribuinte do IR, o Poder Executivo publicou, no dia 07 de março de 2006, a Medida Provisória n.º 284 (MP 284/06).
No dia 02/05/2006, a mencionada MP recebeu parecer favorável, uma vez atendidos os pressupostos constitucionais de relevância e urgência, além da constitucionalidade, juridicidade, técnica legislativa e adequação orçamentária e financeira.
Superadas as discussões iniciais, os adiamentos, as inafastáveis barganhas políticas e a apreciação das diversas emendas apresentadas ao longo da tramitação, no dia 19/07/2006 a MP 284/06 foi transformada na Lei Ordinária n.º 11.324 cuja publicação, com vetos parciais, deu-se no Diário Oficial da União do dia 20/07/2006.
A referida lei tem por escopo principal permitir a dedução no valor do imposto apurado na declaração de ajuste anual do Imposto de Renda das Pessoas Física (IRPF) da contribuição paga à Previdência Social pelo empregador doméstico com empregado doméstico a seu serviço.
De acordo com as justificativas do projeto, sua mens legis encontra-se na pretensão de “incentivar a formalização das relações de trabalho dos empregados domésticos, permitindo que maior número desses trabalhadores sejam efetivamente beneficiários dos direitos trabalhistas e previdenciários a que fazem jus, contribuindo, em conseqüência, para o aumento da arrecadação previdenciária”.
A lei tem, portanto, dois alvos como mira: a criação de empregos formais e o aumento da arrecadação previdenciária.
Com relação à criação ou ao aumento do número de empregos formais, é indiscutível que a incomputável quantidade de pessoas desempregadas, subempregadas ou na informalidade ajuda a distanciar o Brasil da preocupação e respeito com os conceitos inerentes aos chamados direitos fundamentais, como, por exemplo, a noção de “mínimo existencial”, ou seja, do conjunto de valores essenciais destinados a proporcionar um mínimo de condições de dignidade à pessoa humana.
Ricardo Lobo Torres registra, inclusive, um déficit teórico no tema dos direitos fundamentais, atribuindo a dificuldade no rompimento com a pobreza doutrinária existente no País, provavelmente, ao “prolongado período de autoritarismo, das raízes patrimonialistas do nosso pensamento jurídico, sempre estratificadoras da visão paternalista dos direitos, e do fechamento da cultura jurídica ao diálogo com o pensamento estrangeiro.[1]”
Quanto ao aumento na arrecadação previdenciária, a previsão da Secretaria de Previdência Social[2] é de que haja um superávit de R$ 440 milhões, não se podendo negar a necessidade premente de suprir as falhas no modelo previdenciário adotado no Brasil decorrentes da fragilidade estrutural, de equivocados cálculos atuariais, bem como dos efeitos negativos advindos da corrupção[3].
O Ministério da Fazenda chegou a afirmar, quando do encaminhamento das justificativas, que em cumprimento das disposições contidas na Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF (LC 101/1000), no conjunto de três anos (2006; 2007 e 2008), o impacto sobre a receita da União seria positivo em R$ 23 milhões.
Condições e Limites
De acordo com o art. 1º da lei em exame, poderá ser deduzida do IRPF a contribuição patronal paga à Previdência Social pelo empregador doméstico: assim, o empregador que assina a carteira do seu empregado (CTPS) poderá descontar o percentual de 12% referente a sua parcela da contribuição previdenciária.
O desconto de que trata a lei 11.324/2006 será válido até o exercício de 2012, ano-calendário 2011, somente para ao modelo completo de Declaração de Ajuste Anual, encontrando-se limitado a 1 (um) empregado doméstico por declaração apresentada ao Fisco, inclusive nos casos em que a declaração seja apresentada em conjunto.
Ademais, a dedução não poderá exceder ao valor da contribuição patronal incidente sobre o valor igual ao salário mínimo pago mensalmente, bem como sobre o valor do 13º salário e sobre o adicional de férias.
Diferentemente do previsto no artigo 3º da MP 284/06, no sentido da produção dos efeitos ocorrer a partir do mês de abril de 2006 – o que resultaria numa dedução máxima de R$ 414,00 (quatrocentos e quatorze reais) – a partir do ano de 2007, a dedução máxima será de R$ 522,00 (quinhentos e vinte e dois reais) para cada empregador, tendo em vista o fato de a norma permissiva sancionada produzir efeitos retroativos alcançando as contribuições patronais recolhidas a partir do mês de janeiro de 2006.
Para gozar dos benefícios legais, é necessário, ainda, que o empregador doméstico comprove sua regularidade perante o regime geral da previdência social, sempre que o mesmo trabalhe por conta própria, o chamado contribuinte individual.
Conclusão
Acredita-se ser possível aproximar os estudos tributários de todos os que se interessam por este tema, afinal, ele está presente nos diversos aspectos do cotidiano do indivíduo. Isso requer uma reformulação no modelo de tributação adotado no Brasil, o que somente dar-se-á com a implementação de uma efetiva reforma estrutural.
É indiscutível que a entrada em vigor da Lei n.º 11.324/2006 representou um avanço frente ao retrocesso sociojurídico pelo qual passa o país em diversas áreas, em especial no setor da empregabilidade e da tributação.
Por força daquela lei, a inclusão de mais um inciso ao rol de deduções previstas no art. 12 da Lei 9.250/1995 permitiu minorar uma dívida para com os empregadores e, ao mesmo tempo, maximizar as oportunidades empregatícias, o que poderá trazer um positivo impacto social.
De acordo com dados oficiais do Governo, 1,8 milhão de domésticos exercem suas atividades na clandestinidade e que com a adoção das medidas contidas no novo diploma legal, cerca de 1,125 milhão de empregadores poderão se beneficiar da dedução ora criada.
Entretanto, muito ainda tem que ser feito para que o Brasil enfrente o desafio posto há anos, especificamente no que tange à inserção dos indivíduos na sociedade em que vivem. Não restam dúvidas de que um dos caminhos para se atingir tal meta seria por intermédio da humanização dos procedimentos tributários, missão essa que, por via reflexa, a Lei 11.324/2006 tenta cumprir.
O autor é Advogado Público no Rio de Janeiro; Mestre em Direito, Professor Pós-graduado em Direito da Administração Pública; Autor dos livros “Legislação do TCE-RJ” e “Ensino Superior no Brasil e Imunidade aos Impostos” (Lumen Juris)
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