Resumo: O escopo do presente trabalho é discutir sobre as principais características do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, bem como os aspectos controversos de tal tributo.
Palavras-Chave: Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza
Abstract: The main goal of this ISSQN is to discuss the main features of the tax on services of any nature as well as the controversial aspects of such a tribute.
Keywords: tax on services of any nature
Sumário: 1- Introdução, 2- Da problemática envolvendo as alterações de alíquotas promovidas pela Lei Complementar n° 116/03, 3- Do conceito de serviços e da taxatividade da lista, 4- Das alíquotas aplicáveis às sociedades civis, 5- Do Critério Espacial e suas implicações, 6- Conclusão.
1 – Introdução
Como é notório, para compor a regra matriz de incidência tributária de qualquer tributo, o intérprete do Direito deve partir do texto do Direito Positivo. Nesse sentido, a Lei Complementar n° 116/03, em seu artigo 1º, ao estabelecer normas jurídicas sobre o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN, dispõe que:
“ Art. 1o O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador.
§ 1o O imposto incide também sobre o serviço proveniente do exterior do País ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior do País.
§ 2o Ressalvadas as exceções expressas na lista anexa, os serviços nela mencionados não ficam sujeitos ao Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, ainda que sua prestação envolva fornecimento de mercadorias.
§ 3o O imposto de que trata esta Lei Complementar incide ainda sobre os serviços prestados mediante a utilização de bens e serviços públicos explorados economicamente mediante autorização, permissão ou concessão, com o pagamento de tarifa, preço ou pedágio pelo usuário final do serviço.
§ 4o A incidência do imposto não depende da denominação dada ao serviço prestado.”
Com base no artigo acima transcrito, infere-se que o critério material da regra matriz de incidência do ISSQN é o verbo prestar, ao qual se agrega o complemento “serviços de qualquer natureza”.
Nesse ínterim, ressalte que no conceito de serviços de qualquer natureza, não estão englobados os serviços de transporte estadual e intermunicipal de comunicação, por expressa previsão do art. 156, III da Carta Magna, bem como aqueles que integram o âmbito de competência dos Estados e do Distrito Federal.
Estudando, ainda, o conteúdo da expressão serviços de qualquer natureza, percebe-se que não estão incluídos no rol de serviços tributáveis pelo ISSQN o serviço público, em razão de ser imune, nos termos do art. 150, IV da CF; o trabalho realizado para si próprio, eis que é despido de natureza econômica; o trabalho efetuado em relação de subordinação, isto é, vinculo empregatício, os serviços sem conteúdo econômico e os serviços compreendidos no âmbito do ICMS.
Face ao exposto, é natural inferir que na hipótese da regra matriz de incidência do imposto sobre serviços de qualquer natureza (descritor), encontraremos um critério material (comportamento de uma pessoa, que no caso em epígrafe será prestar serviços) condicionada no tempo (critério temporal), e no espaço (critério espacial).
Na conseqüência (prescritor), depararemos com um critério pessoal (sujeito ativo e sujeito passivo) e um critério quantitativo (base de cálculo e alíquota).
Logo, a regra matriz de incidência tributária do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza poderia ser sistematizada da seguinte forma:
Antecedente
– Critério material: prestar serviços de qualquer natureza, excetuando-se os serviços compreendidos na competência da União Federal e dos estados membros e aqueles não previstos na Lei Complementar n° 116/03.
– Critério espacial: âmbito territorial do município.
– Critério temporal: momento da prestação dos serviços.
Conseqüente
– Critério pessoal: sujeito ativo é o Município e o Distrito Federal (art. 32, §1º e 147 da CF); sujeito passivo é o prestador de serviços, pessoa física ou jurídica, com ou sem estabelecimento fixo.
– Critério quantitativo: base de cálculo é o preço final do serviço prestado e as alíquotas estão expressamente previstas na legislação instituidora.
Feita a delimitação da regra matriz de incidência tributária que será estudada, esclarece-se que objetivo deste trabalho é submeter ao crivo dos leitores uma pequena síntese sobre o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza, apontando posições de alguns respeitáveis juristas sobre o tema, com o intuito de esboçar um posicionamento tímido sobre o tema.
2 – Da problemática envolvendo as alterações de alíquotas promovidas pela Lei Complementar n° 116/03.
A Lei Complementar nº 116, de 31.7.2003, que, em seu art. 8º, estabeleceu alíquota máxima de 5 (cinco) % para todos os serviços passíveis de incidência do ISSQN, cuja produção de efeitos jurídicos deveria ser para fatos geradores ocorridos a partir de 1º.8.2003.
Nesse sentido, colaciona-se o texto da lei:
“Art. 8º As alíquotas máximas do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza são as seguintes:
I (VETADO)
II demais serviços, 5% (cinco por cento).
Art. 9º Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação.”.
Da breve leitura do dispositivo legal supramencionado, conclui-se que a Lei Complementar nº 116/03 tem fundamento de validade no art. 156, § 3º, I, da Carta Magna, enquanto que a lei do município, que instituí sua competência para tributar serviços a título de ISSQN, fundamenta-se no art. 156, III, da CF de 1988.
Assim, é natural inferir que a lei complementar está direcionada ao legislador ordinário local, impondo-lhe determinada restrição, enquanto a lei local tem âmbito de incidência dirigida à relação tributária entre o contribuinte e o Município, quando da subsunção da norma ao fato concreto.
Dessa forma, tem entendido a doutrina e os Tribunais pátrios que há necessidade de a lei municipal fixar a alíquota máxima, respeitando o percentual estabelecido na lei complementa quer trouxe normas gerais sobre o assunto:
Nesse sentido, colaciona-se posição do professor Roque Carrazza:
“É evidente que as alíquotas do ISSQN são estabelecidas pelo legislador ordinário de cada Município. Apenas, a Constituição deu à União a possibilidade de, para evitar eventuais abusos, estabelecer parâmetros máximos e mínimos, que a legislação municipal deverá observar:
I – No caso das alíquotas máximas esta verdadeira “válvula de escape” do sistema foi concebida para ser utilizada se houver interesse nacional em evitar grandes disparidades entre os Municípios na tributação das prestações de serviços de qualquer natureza ou, ainda, no caso de eles virem a se exceder na fixação das alíquotas deste imposto.”[1] (1)
Face ao exposto, conclui-se que, em casos de serviços tributados a alíquotas superiores àquela estabelecida na Lei Complementar nº 116/03, há necessidade de os Municípios e o Distrito Federal publicarem leis locais reduzindo a alíquota de ISSQN para no máximo 5 (cinco)%, sob pena de ilegalidade da lei local, por faltar a ela um dos componentes do aspecto quantitativo do imposto – a alíquota -, mutilando a hipótese de incidência do tributo, o que inviabiliza a exigência de ISSQN por parte dos Municípios e do Distrito Federal, sujeitos ativos da relação jurídico-obrigacional-tributária.
Dessa forma, as alterações promovidas pela LC 116/03 necessitam ser incorporadas às milhares de leis ordinárias municipais que instituem o ISSQN (princípio da autonomia), obedecida a anterioridade tributária (artigo 150, III, b, da Constituição Federal), de forma que a majoração do ISSQN e os novos fatos geradores trazidos pela LC 116/03 somente sejam aplicáveis no exercício subseqüente ao da publicação da lei ordinária municipal.
3 – Do conceito de serviços e da taxatividade da lista
No caso do ISSQN, o núcleo do critério material é representado pelo verbo prestar, acompanhado do complemento serviços de qualquer natureza, fazendo-se necessário consignar que não estão englobados nesse conceito os serviços de transporte estadual e intermunicipal de comunicação, por expressa previsão do art. 156, III da Carta Magna, bem como aqueles que integram o âmbito de competência dos Estados e do Distrito Federal.
Estudando, ainda, o conteúdo da expressão serviços de qualquer natureza, percebe-se que ainda que não estão incluídos nesse significado o serviço público, uma vez que este é imune, nos termos do art. 150 , IV da CF; o trabalho realizado para si próprio, eis que é despido de natureza econômica e o trabalho efetuado em relação de subordinação, isto é, vinculo empregatício, os serviços sem conteúdo econômico e os serviços compreendidos no âmbito do ICMS.
Ademais, é necessário que a atividade realizada pelo prestador de serviços se apresente na forma de obrigação de fazer. Assim, só será possível haver incidência de ISSQN se houver negócio jurídico mediante o qual uma das partes se obrigue a praticar certa atividade, de natureza física ou intelectual mediante remuneração.
Logo, não são todos e quaisquer serviços que podem ser tributados pelo ISSQN e, para caracterizar “serviços de qualquer natureza”, a prestação deve atender, simultaneamente, a dois requisitos: ser serviço e estar indicado em lei complementar.
No tocante ao termo “serviços”, insta ressaltar que compete à legislação federal auxiliar na delimitação do critério material do ISSQN, indicando quais atividades se inserem nos limites de competência do Município.
Em razão de a lei federal relacionar expressa e extensiva todos os serviços passíveis de tributação por meio do ISSQN, o Supremo Tribunal Federal pacificou entendimento acerca da taxatividade da lista de serviços introduzida por lei complementar, contudo admitiu interpretação analógica da lista ( RDA, 118:155).
O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, admitiu a interpretação extensiva e analógica da lista de serviços, mas vedou a aplicação de analogia. Nesse sentido, colaciona-se parte de um julgado: “admite-se uma leitura extensiva de cada item, a fim de enquadrar-se serviços correlatos àqueles previstos expressamente, uma vez que, se assim não fosse, ter-se-ia, pela simples mudança de nomenclatura de um serviço, a incidência ou não do ISSQN”.
Logo, embora a lista seja taxativa, os Tribunais tem admitido a tributação de outros serviços, embora não constantes, expressamente, na lista de serviço. Segundo a jurisprudência de tais tribunais, tal prática é autorizada em razão de não ser possível ao legislador prever as derivações de serviços hoje existentes. Ademais, há expressa previsão no art. 1º, §1 º da LC 116/2003, no sentido de que a incidência de imposto não depende da denominação dada ao serviço prestado.
Em suma, podem os municípios tributar serviços que não estejam na lista, desde que essa tributação se dê com base na interpretação analógica ou extensiva de serviços equiparados aos previstos na lista anexa à Lei Complementar n° 116/03.
4 – Das alíquotas aplicáveis às sociedades civis
A Constituição de 1967 exigia lei complementar para determinar quais eram os serviços passíveis de serem tributados pelo ISSQN sendo à época editado o Decreto-Lei n.º 406/1968, que estabelecia normas gerais de direito financeiro, aplicáveis aos impostos… sobre serviços de qualquer natureza.
Neste Decreto foram definidos todos os componentes da obrigação tributária, quais sejam: fato gerador, sujeito ativo, sujeito passivo, bem como os critérios definidores de competência tributária e do local de recolhimento.
Ao tratar de tributação de serviços prestados por sociedades civis, art. 9º, §§1º e 3º do Decreto-Lei 406, estabelecia que:
“Art 9º A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.
§3° Quando os serviços a que se referem os itens 1, 4, 8, 25, 52, 88, 89, 90, 91 e 92 da lista anexa forem prestados por sociedades, estas ficarão sujeitas ao imposto na forma do § 1°, calculado em relação a cada profissional habilitado, sócio, empregado ou não, que preste serviços em nome da sociedade, embora assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da lei aplicável.”
Posteriormente, foi editada a Lei Complementar nº 116/03, que revogou o referido Decreto-lei. Nesse ínterim, cabe consignar que ao demarcar no art. 7º as bases de cálculo possíveis, a Lei Complementar nº 116/03 não contemplou a possibilidade de os Municípios exigirem o ISSQN mediante a cobrança de um valor fixo.
Contudo, o fato da Lei Complementar nº 116/08 não ter mencionado expressamente a revogação geral da lei anterior, ou mesmo do art. 9º, não leva à conclusão de que teria sido mantido o privilégio para as categorias profissionais contempladas no §3º do art. 9º do Decreto-Lei supramencionado. Tal sistemática choca-se frontalmente com os princípios da isonomia, capacidade contributiva e do não confisco.
Assim, a nova lei, ao tratar da base de cálculo do ISSQN devido pelos autônomos e pelas sociedades de profissionais, o faz de forma geral, estabelecendo no artigo 7º que “a base de cálculo do imposto é o preço do serviço”.
Logo, as sociedades civis deveriam ser tributadas no percentual previsto nas leis municipais sobre o preço do serviço prestado.
Contudo, este não é o entendimento do STJ que, em diversos julgados consignou a posição de que o art. 9, §3º do Decreto-Lei 406/68 não foi revogado pela Lei Complementar 116. :
“TRIBUTÁRIO – SOCIEDADES UNIPROFISSQNIONAIS – ISSQN FIXO. 1. O art. 9º, §§ 1º e 3º, do Decreto-Lei 406/68, que assegura a incidência do ISSQN fixo sobre a prestação de serviços por sociedades civis profissionais, não foi revogado pelo art. 10 da LC 116/2003. 2. Eventual verificação do atendimento aos requisitos da tributação diferenciada demandaria incursão na seara probatória dos autos, expediente inviável em sede de recurso especial. 3. Agravo regimental não provido.” (AgRg no REsp 1132752/PB, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/05/2010, DJe 13/05/2010)
Dessa forma, embora as leis municipais tenham sido editadas tendo como fundamento de validade a Lei Complementar nº 116/08, que traz regras gerais sobre o ISSQN, os tribunais pátrios continuam aplicando o disposto no art. 9º, §§1º e 3º do Decreto-Lei 406, em frontal afronta aos princípios da isonomia, capacidade contributiva e do não confisco.
5 – Do Critério Espacial e suas implicações
Como é notório, o sistema tributário brasileiro, como estruturado pela Constituição Federal, obriga que a competência dos municípios, em matéria tributária, seja qualificada por critério territorial.
Assim, vinculam-se à competência de cada município os fatos específicos em que se traduz a materialidade do Imposto sobre Serviços (a dizer, o desempenho concreto de atos materiais definíveis como de execução de contratos de serviços) ocorridos em seu respectivo território. Logo, o local da prestação de serviços é aquele onde materialmente é executado o serviço. Outrossim, o município competente para tributar essa prestação de serviços será sempre e exclusivamente aquele em cujo território foram os serviços executados.
Dessa forma a Lei complementar 116/2003 e o Decreto-Lei 406 – embora sejam lei complementares- não inaplicáveis no que veiculam fórmula legislativa incompatível com os princípios postos pelo Texto Constitucional, isto é, desvirtuem a competência territorial expressamente definida pela Constituição.
Ademais, a lei municipal não pode ser dotada de extraterritorialidade, de modo a irradiar efeitos sobre um fato ocorrido no território de município onde não se pode ter voga.
Em suma, o art. 4 º da LC 116/2003, somados aos incisos I a XXII do art. 3º do mesmo diploma legal, levam à conclusão de que o ISSQN é devido ao Município em cujo território o serviço é realizado.
6 – Conclusão
Em síntese, vale ressaltar que o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza é de grande importância na vida econômica moderna como fonte de arrecadação e como função econômico-social a cumprir. Trata-se de um imposto que resulta do próprio desenvolvimento da economia capitalista.
Como explicitamos no item n° 1, para compor a regra matriz de incidência tributária do ISSQN, o intérprete do Direito deve partir do texto do Direito Positivo. Nesse sentido, a Lei Complementar n° 116/2003.
No que se refere, especificamente, a Lei Complementar n° 116/03, esta trouxe normas gerais sobre o tributo em estudo. Assim, a partir da edição da referida lei, as alterações promovidas por ela tiveram que ser incorporadas às milhares de leis ordinárias municipais que instituem o ISSQN (princípio da autonomia), obedecida a anterioridade tributária (artigo 150, III, b, da Constituição Federal), de forma que a majoração do ISSQN e os novos fatos geradores trazidos pela LC 116/2003 somente fossem aplicáveis no exercício subseqüente ao da publicação da lei ordinária municipal.
Contudo, nem todos os problemas envolvendo o tributo ora estudado foram resolvidos com a promulgação Lei Complementar n° 116/03. Ressalte-se, por exemplo, a questão da tributação das sociedades civis, e o entendimento do STJ de que o art. 9, §3º do Decreto-Lei 406/68 não foi revogado pela Lei Complementar 116/2003.
Isso, sem contar as inúmeras guerras fiscais envolvendo o tributo ora estudado.
Contudo, sem embargos das inovações trazidas pela LC 116/2203, salientamos ainda a necessidade de mudança da norma no tema relativo ao local da prestação de serviços para efeito de recolhimento do imposto, no qual a regra geral a ser proclamada, deveria ser a do recolhimento do imposto ao Município onde o serviço foi efetivamente prestado, deixando como regra excepcional, a incidência do imposto no estabelecimento ou domicílio do prestador. Isso, por ser uma questão de segurança jurídica e necessidade social, para que se possa fazer a verdadeira justiça e colocar um fim às prolongadas demandas.
Dessa forma, acreditamos estar participando ativamente da luta pela justiça e pelo direito, até que a Suprema Corte de Justiça do nosso País, exercendo sua função precípua, resolva pôr um ponto final nesta situação controvertida, de modo que nem os contribuintes, e nem os Municípios, sejam prejudicados.
Procuradora da Fazenda Nacional, Especialista em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Especialista em Direito Tributário pelo IBET, mestranda em Direito Penal Econômico Internacional pela Universidade de Granada
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