Imprescritibilidade no crime de estupro: uma análise acerca da necessidade de mudança no inciso XLII do art. 5º da Constituição Federal

Resumo: O estupro é um crime brutal e traumático praticado contra a dignidade sexual do indivíduo e que prescreve de acordo com a pena imposta, podendo chegar no máximo a 20 anos. Tal prazo não é razoável, uma vez que a vítima pode precisar de mais tempo para denunciar o agressor. Diante desse cenário, o presente artigo busca, através do método indutivo, estudar a necessidade e viabilidade de tornar o crime de estupro imprescritível. Para tanto, é necessário analisar a PEC 64/2016, que altera o inciso XLII do art. 5º da Constituição Federal, e seu impacto na sociedade, bem como os conceitos​ ​e​ ​fundamentos​ ​do​ ​instituto​ ​da​ ​prescrição​ ​e​ ​imprescritibilidade​ ​penal.

Palavras-chaves: ​Crime​ ​de​ ​Estupro.​ ​Imprescritibilidade​ ​penal.​ ​PEC​ ​64/2016. 

Abstract: Rape is a brutal e traumatic crime committed against the sexual dignity of the individual and which prescribes according to the sentence imposed, and can reach a maximum of 20 years. This deadline is not reasonable, since the victim may need more time to denounce the aggressor. Given this scenario, the present article seeks, through the inductive method, to study the need and possibility of making rape crime imprescriptible. Therefore, it is necessary to analyze PEC 64/2016, which amends item XLII of art. 5º of the Federal Constitution, and its impact on society, as well as the concepts and foundations​ ​of​ ​the​ ​institute​ ​of​ ​criminal​ ​prescription​ ​and​ ​imprescriptibility.

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Keywords: ​Rape​ ​Crime.​ ​Criminal​ ​Imprescriptibility.​ ​PEC​ ​64/2016.

Sumário: Introdução. 1. Do Estupro. 1.1. Estupro de Vulnerável. 2. Da Prescrição no Direito Penal Brasileiro. 2.1. Dos Prazos Prescricionais. 2.2. Imprescritibilidade e as Hipóteses Previstas na CF/88. 3. Das Limitações do Poder Reformador. 4. Da Proposta de Emenda à Constituição nº 64/2016. 5. Da Necessidade de Tornar o Crime de Estupro Imprescritível. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

No ordenamento jurídico brasileiro, o tempo de prescrição varia de acordo com a pena imposta, que é diferente em cada caso concreto. No caso do estupro, estudo desta pesquisa, esse​ ​tempo​ ​pode​ ​se​ ​estender​ ​até​ ​20​ ​anos.

É cediço que atualmente apenas os crimes de racismo e ação de grupos armados, civis ou militares contra a ordem constitucional e o Estado Democrático são considerados inafiançáveis e imprescritíveis, ou seja, o autor destes crimes poderá ser punido independente​ ​do​ ​tempo​ ​da​ ​denúncia.

Surge então a grande problemática acerca da prescrição no crime de estupro: É razoável a prescrição de um crime tão brutal e traumático, levando em consideração que a vítima pode demorar mais de 20 anos para ter coragem de denunciar?​ ​

E ainda, em segundo plano, surgem outros questionamentos, quais sejam: É possível aumentar o rol de crimes imprescritíveis por meio de emenda à Constituição? Quais os limites do poder reformador?

Diante disso, o objetivo deste estudo é analisar o instituto da prescrição e imprescritibilidade penal, estudando seus conceitos e fundamentos, bem como a PEC​ ​64/2016,​ ​que​ ​atualmente​ ​está​ ​em​ ​trâmite​ ​na​ ​Câmara​ ​dos​ ​Deputados.

O presente artigo se divide em cinco capítulos. O primeiro capítulo traz os conceitos e teorias do crime de estupro, tanto do art. 213 como do 217- A (estupro de vulnerável) do Código Penal. Em seguida, o segundo capítulo discute o instituto da prescrição e as hipóteses de imprescritibilidade, bem como suas particularidades.

O terceiro capítulo trata das limitações impostas ao poder reformador. O quarto capítulo analisa a Proposta de Emenda à Constituição nº 64/2016 e sua fundamentação. O quinto e último capítulo estuda a necessidade de tornar o crime de estupro imprescritível e suas consequências.

O método utilizado para a realização deste artigo será o indutivo. Justifica-se a escolha deste método, uma vez que corresponde a um processo mental que parte​ ​de​ ​questões​ ​particulares​ ​até​ ​chegar​ ​a​ ​conclusões​ ​generalizadas. Outrossim, a pesquisa foi feita por levantamento bibliográfico, conhecendo o conteúdo já produzido sobre o tema através de obras de autores acadêmicos renomados.

1 DO ESTUPRO

O conceito de estupro sofreu modificações com o passar do tempo, em virtude das transformações históricas das sociedades, que refletiram na legislação, e fizeram com que a definição que antes era restritiva se tornar mais ampla, abarcando maior número de condutas.

Alguns doutrinadores demonstram tal evolução com o passar do tempo. Segundo o autor Rogério Sanches (2016), no Brasil, antes da Lei 12.015 de 2009, a legislação considerava estupro apenas o constrangimento de mulher à conjunção carnal, enquanto os outros atos libidinosos estavam tipificados​ ​no​ ​artigo​ ​seguinte, ​que​ ​protegia, ​também, ​o​ ​homem.

O autor acrescenta que, com a edição da referida Lei, os dois crimes foram unificados num só tipo penal, definindo estupro como o constrangimento da vítima, seja mulher ou homem, mediante violência ou grave ameaça, a praticar conjunção carnal ou outro ato libidinoso.  

O artigo 213 do Código Penal Brasileiro, define estupro como: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso […]” (BRASIL, 1940)

Logo, é possível verificar que de acordo com a legislação atual, o verbo utilizado no núcleo do tipo é o de constranger, que em interpretação literal pode ser utilizado no sentido de obrigar a vítima, homem ou mulher, a praticar ato sexual.

Desta forma, Guilherme Nucci (2017) destaca que para a configuração do estupro não é necessário que tenha ocorrido o contato físico, bastando apenas constranger outrem, mediante violência ou​ ​grave​ ​ameaça. Outrossim, é preciso que o agente atue mediante o emprego de violência ou de grave ameaça, ou seja, a utilização de força física para que a vítima pratique conjunção carnal ou permita ​outro​ ​ato​ ​libidinoso. ​(GRECO,​ 2017)

Quanto às penas impostas, o art. 213, CP dispõe que para o crime previsto no caput será de 6 (seis) a 10 (dez) anos, conforme alteração realizada pela lei 12.015/2009. Porém, caso da conduta prevista resulte lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos, a pena será de 8 (oito) a 12 (doze) anos de reclusão. Outrossim, se daquela conduta resulta morte da vítima do estupro, a pena será de 12 (doze) a 30 (trinta) anos de reclusão.

Segundo Maggio (2013), os §§ 1º e 2º, do art. 213, do Código Penal, elencam as formas qualificadas do estupro, modificando o mínimo e o máximo das penas previstas em abstrato. A primeira qualificadora trata do estupro qualificado pela lesão corporal de natureza grave e encontra-se na primeira parte do parágrafo primeiro do artigo. Essa qualificadora é preterdolosa, ou seja, é necessário dolo no estupro e culpa em relação ao resultado lesão grave. Desta maneira, se ficar demonstrado que houve dolo em relação à lesão corporal, seja ele direito ou eventual, o agente irá responder por estupro simples em concurso material com a lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, de acordo com o caso. Já a segunda qualificadora diz respeito ao crime qualificado pela idade da vítima (§ 1º, última parte). Neste caso, o estupro é qualificado se a vítima é menor de 18 e maior de 14 anos.

Por último, o autor destaca que a terceira qualificadora trata do estupro qualificado pela morte (§ 2º). Essa qualificadora também é preterdolosa, sendo necessário dolo no estupro e culpa em relação ao resultado morte. Desta forma, se existir dolo (direto ou eventual) em relação à morte, o agente responderá por estupro simples em concurso material com o homicídio qualificado.

Acerca das hipóteses que ensejam o amento da pena, o art. 226, I, CP (BRASIL, 1940), dispõe que se o crime for cometido em concurso de duas ou mais pessoas, ocorre o aumento da quarta parte. Já o inciso II do referido artigo, aduz que aumenta-se na metade se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela ou, ainda, se o crime resultar gravidez.

Há ainda a hipótese de o agente transmitir à vítima doença sexualmente transmissível de que sabe ou deveria saber ser portador. Neste caso, o agente terá a pena aumentada de um sexto até a metade, conforme dispõe o artigo 234-A, IV, do CP. Todavia, é mister salientar que esta causa de aumento incidirá apenas no caso em que o criminoso agir com dolo direto ou eventual, ou seja, sabe que é portador da D.S.T ou ao menos deveria saber que é, não ensejando a qualificadora, portanto, se o agente não sabia nem teria como saber se é portador da anomalia.

Maggio (2013) ressalta, ainda, a possibilidade de incidir num mesmo caso concreto mais de uma causa de aumento de pena. Para exemplificar, cita que o crime de estupro pode ser cometido por duas ou mais pessoas e ao mesmo tempo resultar em gravidez e transmissão de moléstia venérea, podendo o juiz, neste caso, segundo o art. 68, parágrafo único, CP, limitar-se a uma só causa de aumento de pena, desde que opte pela maior.

Com isso, verifica-se que o conceito de estupro é complexo e evoluiu com o passar do tempo e a evolução da sociedade, podendo, inclusive, sofrer novas alterações, que poderão vir a influir na legislação penal. Porém, é certo que, atualmente, qualquer forma de constrangimento a qualquer ato sexual, independente do gênero do autor ou da vítima do crime, é considerada estupro. Existe ainda uma forma de estupro mais específica prevista no Código Penal Brasileiro, o estupro de vulnerável, que será estudado a seguir.

1.1 Estupro de Vulnerável

No ano de 2009, a Lei 12.015/2009 revogou o art. 224 do Código Penal e criou o 217-A, CP, que prevê o crime de estupro de vulnerável. De acordo com o artigo, é considerado estupro de vulnerável a prática de conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos. Consoante Nucci (2017), tal modificação foi benéfica, uma vez que eliminou a presunção de violência, emergindo o estado de vulnerabilidade.

Para o autor, são consideradas pessoas vulneráveis, os menores de 14 anos, os enfermos e deficientes mentais, quando não tiverem o necessário discernimento para a prática do ato, bem como aqueles que, por qualquer causa, não possam oferecer resistência à prática sexual.

O Código Penal Brasileiro traz ainda no mesmo artigo 217-A, mas desta vez no parágrafo 1°, a figura do estupro de vulnerável por equiparação, descrevendo que vai incorrer nas mesmas penas aquele que praticar ato sexual ou libidinoso com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tenha o discernimento necessário para a prática do ato, ou que, não pode oferecer resistência por qualquer motivo.

Donato (2016) frisa que apenas se aplica o § 1º se em virtude da deficiência ou enfermidade a vítima não tiver discernimento algum. Se a incapacidade da vítima for relativa, o agente precisa quebrar essa incapacidade mediante violência, grave ameaça ou fraude, incorrendo, desta forma, no crime do artigo art. 213 do Código Penal.

Os parágrafos 3º e 4º tratam de crimes definidos como preterdolosos, ou seja, o resultado lesão corporal de natureza grave ou morte não é almejado pelo estuprador, porém ele vem a ocorrer por culpa. Havendo o dolo de lesionar ou de matar, ainda que seja eventual, deve o autor responder pelo crime de estupro de vulnerável, em razão da violência sexual, e o de lesão corporal ou de homicídio, pela lesão ou morte, em concurso material ou em concurso formal impróprio. (CASTRO, 2013)

Vale mencionar que em razão do crime de estupro de vulnerável ser considerado hediondo (Lei 8.072/90, art. 1º, VI), a pena será inicialmente cumprida em regime fechado. A progressão, que, em crimes comuns, se dá após 1/6 (um sexto) do cumprimento da pena, no estupro de vulnerável ocorrerá após 2/5 (dois quintos), se primário o condenado, ou 3/5 (três quintos), se reincidente. (CASTRO, 2013)

Castro (2013) ressalva que no caso em que a vítima for totalmente privada de sua capacidade de resistência, mediante fraude, o crime será o de estupro de vulnerável (CP, § 1o, art. 217-A). Já se quando empregada a fraude, a vítima mantiver a sua capacidade de resistência, o crime será o do art. 215 do CP. Entretanto, se neste último caso a vítima for menor de 14 (quatorze) anos, o crime será o de estupro de vulnerável, nos termos do caput do art. 217-A.

Deste modo, pela legislação vigente, considera-se estupro de vulnerável aquele ato sexual ou libidinoso praticado contra vítima menor de 14 anos, ou ainda em desfavor de quem não tenha o discernimento necessário para a prática do ato ou não possa oferecer resistência.

2 DA PRESCRIÇÃO NO DIREITO PENAL BRASILEIRO

Ultrapassada a questão dos conceitos de estupro de acordo com a doutrina, bem como a corrente que é adotada pela legislação brasileira, imperioso se faz o estudo sobre a prescrição no Código Penal, o seu conceito, quais os prazos prescricionais previstos no CP, e ainda o conceito de Imprescritibilidade e quais as Hipóteses Previstas na Constituição.

Segundo Nagima (2014), é possível conceituar a prescrição como a perda do direito do Estado em punir o sujeito ativo do delito ou de executar essa punição em razão do decurso do prazo previsto na legislação para exercer tal direito. Ou seja, extingue-se a punibilidade do autor do crime por conta da inércia do Estado em processar, julgar e punir o agente.

No mesmo sentido, Ronaldo Muniz define:

“A prescrição nada mais é do que a perda do direito de punir do Estado pelo lapso temporal. Trata-se de um benefício em favor do réu quando se concretiza para certa pessoa, mas também pode ser considerada uma garantia incluída no devido processo legal, tendo o Estado prazo razoável para cumprir a pretensão punitiva e executória.” (MUNIZ, 2007, p. 268)

Em consonância com Nucci (2017), o Direito Penal possui diversas teorias que explicam a razão da existência do instituto da prescrição, quais sejam, teoria do esquecimento; da expiação moral; da emenda do delinquente; da dispersão das provas e a psicológica.

O autor explica que a teoria do esquecimento tem por base o fato de que, após o decurso de certo tempo, a sociedade não mais recorda do crime, inexistindo o temor causado pela sua prática, deixando, assim, de haver motivo para a punição. Já teoria da expiação moral estabelece que com o decurso do tempo, o criminoso sofre a expectativa de ser, a qualquer tempo, descoberto, processado e punido, o que já lhe serve de aflição, sendo desnecessária a aplicação da pena.

Quanto à teoria da emenda do delinquente, esta baseia-se no fato de que o decurso do tempo resulta na mudança de comportamento, presumindo-se a regeneração do criminoso e demonstrando a desnecessidade de aplicação da pena. A teoria da dispersão das provas, por sua vez, aduz que o decurso do tempo provoca a perda das provas, tornando quase impossível realizar um julgamento justo muito tempo depois da consumação do delito.

Já em relação a teoria psicológica, o autor define: “funda-se na ideia de que, com o decurso do tempo, o criminoso altera o seu modo de ser e de pensar, tornando-se pessoa diversa daquela que cometeu a infração penal, motivando a não aplicação da pena.” (NUCCI, 2017, p. 412)

Com relação às espécies de prescrição, Recouso (2014) afirma que este instituto divide-se em: prescrição da pretensão punitiva (PPP) e prescrição da pretensão executória (PPE). A primeira ocorre antes do trânsito em julgado da sentença criminal, enquanto a segunda ocorre após o referido trânsito.

De acordo com Siena (2011), a prescrição da pretensão punitiva ainda subdivide-se em: prescrição da pretensão punitiva propriamente dita; prescrição intercorrente; prescrição retroativa; e prescrição antecipada. A PPP propriamente dita é regulada pelo máximo da pena privativa de liberdade ao crime, enquanto a PPP intercorrente é regida pela pena aplicada, tendo como marco inicial a publicação da sentença penal condenatória.

A prescrição retroativa determina a recontagem dos prazos anteriores à sentença penal com trânsito em julgado para a acusação, ou depois de improvido seu recurso, sendo regulada pela pena aplicada. Já a prescrição antecipada não possui previsão legal, sendo uma construção doutrinária e jurisprudencial. Ela é verificada antecipadamente e é regulada pela pena em concreto estabelecida pelo magistrado. (SIENA, 2011)

Desta feita, percebe-se que a prescrição é a perda do direito do Estado em punir o indivíduo devido ao decurso do tempo estabelecido na legislação para exercer tal direito. Em seguida, será exposto como se dá a fixação dos prazos prescricionais.

2.1 Dos Prazos Prescricionais

Após a assimilação do conceito de prescrição, importante se faz o aprendizado da maneira como se fixa o prazo prescricional em cada crime. De acordo com o artigo 109 do Código Penal, para calcular o prazo da prescrição da pretensão punitiva, considera se a pena máxima abstratamente cominada. Desta forma, prescreve-se em 20 anos, se o máximo da pena é superior a doze; em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze; em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito; em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro; em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois e em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano. (BRASIL, 1940)

Para Coelho (2006), no parágrafo único do artigo supramencionado, qual seja, o artigo 109 do CP, está estabelecido que as penas restritivas de direitos, que são substitutivas das privativas de liberdade, prescrevem no mesmo prazo das substituídas.

Já o art. 111 do Código Penal estabelece que existem cinco momentos para começar a contar o prazo da prescrição da pretensão punitiva, quais sejam, do dia em que o crime se consumou; do dia em que cessou a atividade criminosa (no caso de tentativa);  do dia em que cessou a permanência (nos crimes permanentes); da data em que o fato se tornou conhecido (nos de bigamia e nos de falsificação ou alteração de assentamento do registro civil) e da data em que a vítima completar 18 (dezoito) anos, salvo se a esse tempo já houver sido proposta a ação penal (nos crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes). (BRASIL, 1940)

Referente a prescrição da pretensão executória, o art. 110, CP aduz:

“Art. 110 – A prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se o condenado é reincidente. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) § 1º A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa. (Redação dada pela Lei nº 12.234, de 2010) […]” (BRASIL, 1940)

Quanto a contagem de prazo da prescrição da pretensão executória do art. 112, CP, esta começa a correr do dia em que transita em julgado a sentença condenatória, para a acusação, ou a que revoga a suspensão condicional da pena ou o livramento condicional, bem como do dia em que se interrompe a execução, salvo quando o tempo da interrupção deva computar-se na pena. (BRASIL, 1940)

Importante mencionar que, conforme o art. 115 do Código Penal, os prazos de prescrição caem pela metade quando o criminoso era ao tempo do crime, menor de 21 (vinte e um) anos, ou maior de 70 (setenta) anos na data da sentença. (BRASIL, 1940)

Christ; Araújo e Azevedo (2015), ressaltam que, apesar do art. 5º, caput, do CC (Brasil, 2002) estabelecer 18 anos de idade para a capacidade civil, não interfere na redução dos prazos de prescrição para agentes menores de 21 anos, uma vez que tal redução tem por fundamento idade inferior a 21 anos e não a incapacidade civil do agente na data do fato.

Outrossim, cabe salientar que, no caso de reincidência, o prazo prescricional da pretensão executória deverá ser ampliado em um terço. O mesmo não ocorre na PPP, uma vez que a reincidência não influi no prazo da prescrição da pretensão punitiva. (CHRIST; ARAÚJO; AZEVEDO, 2015)

Assim, conforme o que estabelece o Código Penal, o prazo máximo de prescrição para um delito previsto no Código Penal é de 20 anos. No caso do estupro, assim como em outros crimes graves, tal prazo pode alcançar o período mencionado ou ser ainda menor, conforme a pena que for estabelecida no processo. Porém, a legislação brasileira já avançou no tocante a diversos outros delitos, tornando-os imprescritíveis, o que também pode ocorrer com o crime de estupro.

2.2 Imprescritibilidade e as Hipóteses Previstas na CF/88

Conforme visto anteriormente, a regra no Direito Penal é que se exista um prazo em que após o seu decurso o Estado não mais poderá punir o ofensor. Porém, a figura da imprescritibilidade ocorre quando o delito é tão grave, ou necessita de tanto tempo para ser descoberto, que a legislação estabelece que a qualquer tempo o agente poderá ser punido.

Consoante Cretella Júnior (1997, p. 483), “a imprescritibilidade penal pode ser conceituada como a idoneidade ou ineficácia do decurso do tempo sobre o jus puniendi, de que é detentor o Estado e, assim, crime imprescritível é aquele cuja sanção é perene, podendo o Estado punir a qualquer tempo.”

Já Santos (2010, p. 82) define imprescritibilidade como “a simples ausência da prescrição, sendo aquilo que não é suscetível de prescrição, não estando sujeito a ela, que não se prescreve ou não se pode prescrever”.

Outrossim, nas palavras de Mara Regina Trippo:

“Assim como na prescrição, a imprescritibilidade tem fundamentos que explicam sua razão de existir, sendo que há duas vertentes que subdividem os fundamentos, quais sejam, a material e a processual, a primeira defende a perpétua manutenção da necessidade de se punir, já a segunda defende que a ação penal ou a execução da condenação não se limitam temporalmente […].”  (TRIPPO, 2004, p. 57).

No ordenamento jurídico brasileiro, existem apenas dois crimes elencados na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, considerados imprescritíveis, quais sejam, racismo (art. 5º, XLII) e ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (art. 5º, XLIV).  (LIMA, 2015)

O artigo 5º, XLII, CF dispõe: “[…] XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”. Conforme a teoria ampliativa adotada pelo STF, o termo racismo deve ser compreendido de forma abrangente, não se limitando a raça. (GOMES, 2013).

Já o artigo 5º, XLIV, CF aduz: “[…] XLIV – constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”. De acordo com Gomes (2013), este inciso está voltado para a repressão de grupos subversivos que visem impedir a manutenção do Estado ou que tentem inviabilizar a continuidade da ordem constitucional, sendo este delito dotado de alta importância e gravidade.

No tocante aos crimes imprescritíveis previstos na CF/88, eis o entendimento do STF no julgamento do HC 82.424:

“A Constituição Federal de 1988 impôs aos agentes de delitos dessa natureza, pela gravidade e repulsividade da ofensa, a cláusula de imprescritibilidade, para que fique, ad perpetuam rei memoriam, verberado o repúdio e a abjeção da sociedade nacional à sua prática. (…) A ausência de prescrição nos crimes de racismo justifica-se como alerta grave para as gerações de hoje e de amanhã, para que se impeça a reinstauração de velhos e ultrapassados conceitos que a consciência jurídica e histórica não mais admitem.” (HC 82.424-RS, Pleno, rel. para o acórdão Maurício Corrêa, 17.09.2003, m.v., RTJ 188/858).

Consoante Gomes (2013), a imprescritibilidade das hipóteses previstas nos incisos XLII e XLIV do art 5º da CF, se justifica tanto pela gravidade da conduta perpetrada pelo agente como pelo fato de o Estado necessitar e um tempo indeterminado para punir certa conduta, devido à impossibilidade de se punir na época exata do fato.

Logo, pode-se afirmar que apesar da regra ser a da prescritibilidade penal, existem situações excepcionais elencadas na CF/88 que permitem a imprescritibilidade, em decorrência da sua gravidade e importância.

3 DAS LIMITAÇÕES DO PODER REFORMADOR

De acordo com Bornin (2009, n.p.), “Emenda Constitucional é a espécie normativa que integra o processo legislativo, sendo seu objeto a reforma da Constituição. Uma vez aprovada, promulgada e publicada, a emenda passa a situar e ter a mesma eficácia da Constituição […]”.

A Emenda Constitucional, conforme o art. 60, da CF, pode ser proposta por, no mínimo, 1/3 do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados; pelo Presidente da República; ou, ainda, por mais da metade das Assembleias Legislativas, pela maioria relativa de seus membros. Para aprovação, é necessário 3/5 dos votos de cada casa do Congresso Nacional, realizado em dois turnos de votação. (BRASIL, 1988)

Quanto aos limites materiais do poder reformador, dispõe o §4 do referido artigo que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos poderes e os direitos e garantias individuais. (BRASIL, 1988)

Segundo Pedra (2006), as cláusulas pétreas servem para assegurar a Constituição, impedindo que eventuais modificações ensejem na sua abolição. Entretanto, embora a redação do texto constitucional seja a mais adequada no momento de sua elaboração, muitas vezes são exigidas transformações constitucionais que visam a adequar a Constituição ao contexto atual.

Gomes (2013) destaca que o aumento do rol de crimes imprescritíveis não viola cláusula pétrea, uma vez que a vedação imposta pelo legislador originário somente proíbe projetos de emenda que tenham a tendência de abolir algum direito e garantia individual.

Cabe mencionar que uma parte da doutrina considera que não é possível aumentar o rol de crimes imprescritíveis. Tal postura tem como fundamento o direito fundamental que se extrai a prescrição. Destarte, se o Estado demorar para punir o autor do crime, tem direito à prescrição em face à inércia do Estado. (SOUSA, 2014)

Em contradição, o Supremo Tribunal Federal, pelo RE 460971 – RS, entende que é possível aumentar esse rol de crimes imprescritíveis previsto na CF/88. Esta posição funda-se no entendimento que apesar da Constituição indicar apenas duas hipóteses de exceção à regra de prescrição, trata-se de um rol exemplificativo, e não taxativo, não se esgotando, assim, tais hipóteses de imprescritibilidade. (SOUSA, 2014)

Outrossim, Sousa (2014) ressalta que o Estatuto de Roma, pelo qual se criou o Tribunal Penal Internacional (TPI), considera imprescritíveis os crimes de competência do TPI, elencados em seu artigo 5º. Desta forma, o Estatuto de Roma impõe a imprescritibilidade de outros crimes, além daqueles previstos na CF/88, quando julgados pelo TPI.

Deste modo, percebe-se que, assim como já foi feito com relação a outros delitos, é possível tornar um crime imprescritível através de uma Emenda à Constituição, passando a prever que no tocante a este delito, não haverá um prazo máximo pré-determinado para que o Estado processe e puna o criminoso.

4 DA PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº 64/2016

A PEC 64/2016, visa alterar o inciso XLII do art. 5º da Constituição Federal para tornar imprescritíveis os crimes de estupro, sob a justificativa que o estupro é um​ ​crime​ ​que​ ​deixa​ ​profundas​ ​e​ ​permanentes​ ​marcas​ ​nas​ ​vítimas.

No texto que embasa a referida PEC, é demonstrado que além da violência que esta prática impõe, a ferida psicológica deixada na pessoa estuprada raramente cicatriza. Por conta disso, a coragem para denunciar​ ​um​ ​estuprador, ​se​ ​é​ ​que​ ​um​ ​dia​ ​apareça, ​ ​pode​ ​demorar​ muitos ​anos.

Diante desse quadro, a imprescritibilidade do crime de estupro surge como medida capaz de fazer com que a vítima se fortaleça e denuncie, contribuindo para​ ​que​ ​o​ ​estuprador​ ​não​ ​fique​ ​impune. Nas palavras da Senadora Simone Tebet, em seu voto:

“[…] a coragem da mulher para denunciar pode levar anos. Essa tabela do prazo prescricional que hoje consta no código brasileiro é insuficiente, ela é pequena, porque, muitas vezes, depois de todo o tratamento psicológico, romper o ciclo com a família, ter a coragem de denunciar, o crime está prescrito, e a impunidade impera. […] Imaginem quando ela tem que denunciar um companheiro, imaginem quando estamos falando de pais, de padrastos, de tios, de avós, como aconteceu em Campo Grande, a minha cidade, em Mato Grosso do Sul. Imaginem quando acontece com crianças de dois, de três, de cinco, de oito anos de idade. Imaginem quando o estupro não é único e isolado, mas acontece por anos a fio em relação a uma criança, em relação a um adolescente, e mesmo em relação a uma mulher. Por tudo isso, o projeto precisa ser aprovado. […]” (Diário do Senado Federal nº 57, p. 65)

A Senadora Marta Suplicy, em seu voto, argumentou que a sociedade, muitas vezes, culpa a mulher adulta ou a criança pelo ocorrido. No caso da criança, com o passar do tempo, ela irá compreender que foi vítima, mas o crime já pode estar prescrito. Desta forma, se faz necessário esse avanço, no sentido de tornar o crime de estupro imprescritível.

O Senador Jorge Viana, autor da PEC em questão, enfatiza que, em diversos casos, quando uma vítima de estupro procura uma autoridade policial, a primeira pergunta feita a ela é que roupa ela estava usando, em que lugar ela estava, em que horário da noite, se havia bebido ou não, passando a ser duplamente vítima.

O artigo 5º, XLII da CF, nos termos da PEC nº 64 2016, passaria a vigorar com a seguinte redação: “Art. 5º […] XLII – a prática do racismo e do estupro constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei.”

Em consulta pública disponibilizada no Site do Senado Federal, foram apurados 3.306 votos favoráveis e 43 contra a PEC nº 64/2016. A proposta foi aprovada pelo Senado em primeiro turno com 68 votos favoráveis e em segundo turno com 62 votos. Atualmente está em trâmite na Câmara dos Deputados para aprovação em dois turnos.

5 DA NECESSIDADE DE TORNAR O CRIME DE ESTUPRO IMPRESCRITÍVEL

De acordo com Gonzaga (2016), é inegável que o Brasil vive hoje uma cultura do estupro, ou seja, a sociedade impõe um conjunto de padrões de comportamento, crenças e costumes que acabam naturalizam o estupro, gerando uma cultura​ ​de​ ​tolerância​ ​com​ ​este​ ​tipo​ ​de​ ​violência.  

É cediço que a prática do estupro atinge homens e mulheres. Entretanto, a incidência dos crimes cometidos contra a mulher é consideravelmente maior, devido a uma sociedade machista. Segundo dados disponibilizados pelo Sistema de Informação de Agravos de Notificação – Sinan, 89% das vítimas de estupro são mulheres.

Os preconceitos acabam justificando a violência de gênero e as mulheres estão cada vez mais sendo culpabilizadas pela própria violência da qual são vítimas, seja pelo fato de ter bebido, pelo horário em que estava na rua ou pela roupa que vestia. ​(GONZAGA,​ ​2016)

Estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, no ano de 2014, aferiu que o número de estupros por ano no Brasil seja em torno de 527 mil casos de estupros no país, dos quais apenas​ ​10%​ ​foram denunciados. Também foi apurado que 70% dos estupros são cometidos por parentes, namorados ou amigos/conhecidos da vítima.

Segundo dados fornecidos pelo Ministério da Saúde, no ano de 2015, foram registrados 45.460 casos de estupros consumados e​ ​6.988​ ​tentativas​ ​de​ ​estupro. Esses números correspondem apenas a uma parcela de crimes sexuais cometidos, ​considerando​ ​que​ ​a​ ​maioria dos​ ​casos​ ​de​ ​estupro​ ​não​ ​são​ ​reportados.

Acerca das consequências do estupro na vida da vítima, Braz de Lima (2012) menciona que os traumas provocados no indivíduo desencadeiam uma grande violação dos limites físicos e psicológicos, gerando diversas consequências negativas para a vítima ao longo de seu desenvolvimento cognitivo, afetivo, comportamental e social, e para os seus relacionamentos futuros.

No caso de uma criança vítima de estupro, ela “pode manifestar um sofrimento emocional muito intenso […] e apresentar problemas mais leves como a dificuldade de aprendizagem, como também sérias consequências psíquicas e emocionais.” (BRAZ DE LIMA, 2012, p. 13)

A autora ainda ressalta ser de “suma importância que as vítimas dessa violência se encorajem para efetuar a denúncia evitando que o abusador fique impune.” (BRAZ DE LIMA, 2012, p. 13)

Entretanto, levando em conta o receio de que as vítimas têm de sofrer preconceito, superexposição ou serem revitimizadas, é preciso observar que a coragem para​ ​denunciar​ ​um​ ​estuprador​ ​pode​ ​demorar​ muitos ​anos, não sendo possível estabelecer um prazo de recuperação para todas as vítimas. 

CONCLUSÃO

Ao longo do estudo, verifica-se que a prescrição elimina a ideia de que a punição possa ocorrer a qualquer tempo, de forma indefinida, garantindo, assim, o devido processo legal. Entretanto, é necessário um olhar diferenciado para o crime de estupro e verificar a possibilidade de torná-lo imprescritível, incluindo-o no inciso XLII do art. 5º da Constituição Federal.

O que permite a imprescritibilidade do crime de estupro, é o lapso temporal que existe entre o crime cometido e o tempo que se leva para que o indivíduo tenha a coragem de denunciar, não sendo razoável estabelecer um tempo para a vítima, uma vez que esta pode necessitar de muito mais que 20 anos para se recuperar dos traumas causados pelo crime e ter coragem de denunciar o agressor que, muitas vezes, pode ser seu companheiro ou um familiar.

Assim como os crimes elencados na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, XLII e XLIV (prática de racismo e ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático, respectivamente), o crime de estupro também é de alta importância e gravidade.

O estupro gera um grave impacto psicológico na vida da vítima, que pode precisar de um longo prazo para se restabelecer. Determinar um prazo prescricional para um crime como este, contribui para a impunidade, que por sua vez, acaba estimulando o aumento da criminalidade e refletindo negativamente na sociedade.

Vale salientar que o aumento do rol de crimes imprescritíveis não viola cláusula pétrea, uma vez que a vedação imposta pelo legislador originário somente proíbe projetos de emenda que tenham a tendência de abolir algum direito e garantia individual, o que, certamente, não ocorreria caso incluísse o crime de estupro no rol de crimes imprescritíveis.

Destarte, a Proposta de Emenda à Constituição nº 64 de 2016 se apresenta como meio eficaz capaz de tornar o crime de estupro imprescritível, inserindo-o no inciso XLII do art. 5º da CF, juntamente com a prática do racismo, o que pode gerar, se aprovado, grandes benefícios para a sociedade, uma vez que permitirá que a vítima reflita pelo tempo que for necessário, se recupere e denuncie o estuprador, além de contribuir para a não impunidade no país.

 

Referências
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Informações Sobre o Autor

Larissa Emily Alves Oliveira

Advogada inscrita na OAB/SE, Bacharela em Direito pela Universidade Tiradentes UNIT


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Equipe Âmbito Jurídico

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