Resumo: Definida por doutrinadores da corrente antropológica como todo o complexo de conhecimento, crenças, arte, moral, leis, costumes e habilidades adquiridas pelo homem no desenvolver da história, a cultura é, em outras palavras, o legado de valor imprescritível deixado por povos do passado, formada por diversos aspectos angariados ao passar dos anos. Nesta esteira, o escopo do presente estudo consiste em apresentar, de um ponto de vista jurídico, o que tange no resguardo e salvaguarda daquilo que constitui o patrimônio cultural e natural, bem como abordando o princípio de dignidade da pessoa humana, abarcado pela Constituição Cidadã, tal qual prevê o acesso a todos à cultura como forma de concretização da figura ''cidadão'', e as principais características do que seria o in dubio pro monumento em prol da preservação do patrimônio cultural. [1]
Palavras-chave: Patrimônio cultural. In dubio pro monumento. Meio ambiente cultural. Tutela jurídica.
Abstract: Defined by the anthropological current as the whole complex of knowledge, beliefs, art, morals, laws, customs and man-made abilities in the development of history, culture is, in other words, the legacy of imprescriptible value left by peoples of the past, formed by several aspects raised over the years. In this vein, the scope of this study is to present a legal point of view regarding the safeguard and safeguarding of all that constitutes the cultural and natural heritage, as well as addressing the principle of dignity of the human person, brought by the Citizen Constitution, as it provides for access to culture as a form of concreteness of the ''citizen'', and the main characteristics of what would be the in dubio pro monument for the preservation of cultural heritage.
Keywords: Cultural heritage. In dubio pro monument. Cultural environment. Legal protection.
Sumário: 1. Introdução; 2. Patrimônio cultural: da delimitação constitucional do tema e do direito ao acesso; 3. Princípio do in dubio pró monumento; 4. Considerações finais.
1 INTRODUÇÃO
O próprio conceito de cultura pode ser entendido como um conjunto de tradições de um povo, compondo-se de suas crenças, valores, religião, costumes e aspectos responsáveis pela formação de sua identidade enquanto um povo, o que torna as diferentes culturas ao redor globo majestosamente diferenciadas. No que se refere ao meio ambiente cultural brasileiro, este é constituído por diversos bens culturais, materiais ou imateriais, cuja acepção compreende os de valor histórico, artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico e/ou científico para os mais diversos grupos constituintes da própria sociedade, dentre eles afrodescendentes, indígenas e europeus de diversas partes, o que refletirá, essencialmente, em suas características e na forma como o homem constrói o meio em que vive. Desta forma, pode-se dizer que o meio ambiente cultural é decorrente de uma forte interação entre homem e o meio em que está inserido, agregando valores diferenciadores.
A cultura brasileira é o resultado daquilo que era próprio das populações tradicionais indígenas e das transformações trazidas pelos diversos grupos colonizadores e escravos africanos. Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente cultural, enquanto complexo sistema, é perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído, constituído por bens culturais materiais e imateriais portadores de referência à memória, à ação e à identidade dos distintos grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: (I) as formas de expressão; (II) os modos de criar, fazer e viver; (III) as criações cientificas, artísticas e tecnológicas; (IV) as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; (V) os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico (BRASIL, 1988).
Isto posto, o presente estudo atuará no escopo de apresentar conceitos jurídicos e doutrinários acerca do meio ambiente cultural, na concepção de patrimônio histórico e artístico-cultural, tratando dos princípios englobados pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 no que se referem ao acesso à própria cultura. Além disso, apresentar e discutir como o in dubio pro monumento se apresenta como mais uma das formas do Estado tutelar e resguardar todo o bem histórico existente em seu território, salvaguardando a fatos memoráveis e, até mesmo, a própria história de seus entes.
2 PATRIMÔNIO CULTURAL: DA DELIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL DO TEMA E DO DIREITO AO ACESSO
Ao final do século XVIII, mais precisamente nos embalos da Revolução Francesa, surgiam as primeiras preocupações para com políticas que zelassem pela salvaguarda de bens que constituem tudo aquilo conhecido como patrimônio cultural. Em sede de comentários explicativos, no que tange ao conceito de patrimônio cultural, nas palavras de Ribeiro Junior, tem-se:
“[…] o conceito de patrimônio cultural, que por muito tempo se direcionou apenas a bens móveis e imóveis, passou a expressar também valores imateriais, intangíveis, como formas de expressão, modos de criar, fazer e viver das coletividades humanas” (RIBEIRO JÚNIOR, 2009, s.p.).
Assim, o patrimônio cultural constitui-se do reconhecimento e preservação da cultura, história e identidade de um povo. Portanto, aflorou-se, a partir daí, uma sensibilidade em volta daquilo que fez parte da história de criação e evolução de um povo, impedindo assim o esquecimento dos feitos do passado. Como asseveram Ribeiro e Zanirato (2006, s.p.), a partir daí, foram implementadas as ações políticas para fins de conservação dos bens de denotação poderosa; que representassem a grandeza da grandeza da nação que os portava, nas quais uma administração qualificada era encarregada de elaborar instrumentos jurídicos e técnicos para a salvaguarda, bem como procedimentos técnicos fundamentais para a conservação e restauração dos monumentos.
Ao longo dos anos, de forma gradativa, essa preocupação com legados de um passado distante estendeu-se por diversas partes do mundo ocidental, sempre embasada no entendimento de que tudo aquilo que era julgado como patrimônio era como um "testemunho irrepreensível da história". Ainda com o que os autores supramencionados lecionam:
“Tal compreensão vinha ao encontro de um entendimento da história centrada em fatos singulares e excepcionais, uma história pautada nas minúcias dos grandes acontecimentos, capazes de mostrar a evolução das ações humanas, seu aprimoramento e seu caminhar em direção à civilização, ao progresso” (RIBEIRO; ZANIRATO, 2006, s.p.).
No curso do século XX, no Brasil, o princípio de proteção dos bens que histórico-culturais surge na Era Vargas, mais precisamente, no artigo 10 da Carta Constitucional de 1934. Com o Decreto-Lei n.° 25, de 30 de novembro de 1937, tem-se a criação de uma instituição nacional de proteção do patrimônio, o SPHAN (1937-1946) – Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Tal decreto definia o patrimônio histórico e artístico nacional como:
“[…] conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico” (BRASIL, 1937).
Eram também considerados patrimônio "[…] os monumentos naturais, bem como os sítios e paisagens que importe conservar e proteger pela feição notável com que tenham sido dotados pelo natureza ou agenciados pelo indústria humana" (BRASIL, 1937). Todos ao alcance do instrumento de preservação criado na época, o tombamento. Tal qual, nas palavras de Di Pietro (2013, s.p.), segundo o Texto Constitucional em vigência, trata-se de:
“[…] modalidade de intervenção do Estado em qualquer tipo de bem, dentre eles móveis ou imóveis, materiais ou imateriais, públicos ou privados, em virtude da preservação do patrimônio histórico ou artístico cultural. Pode-se considerar requisitório de tal preservação o bem cuja conservação seja de interesse público, seja por sua vinculação a fatos memoráveis da história brasileira, ou por seu grande valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico”.
O SPHAN era subordinado ao Ministério da Educação, passando a ser, posteriormente, Departamento, Instituto, Secretaria e, de novo, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), como é conhecido atualmente (2017). Segundo Gastal et al (2013, p. 06), a proteção dos bens culturais foi ampliada com base nos ideais da Convenção Relativa à Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural (realizada em 23 de novembro de 1972, em Paris), sendo ratificada pelo Congresso Nacional, através do Decreto-Lei n. 74, de 1977, que contrapunha o Decreto-Lei n.25, de 1937. Foram criadas novas possibilidades de intervenção, como a vigilância o poder de polícia. Ainda com o exposto pelos autores supramencionados, as Constituições de 1934 e 1937 cuidaram de tutelar sobre o patrimônio cultural a plano constitucional, embora tenha sido a promulgação da Constituição Federal de 1988 que trouxe grandiosas e importantes alterações no tange à tutela para com o mesmo, ampliando seu conceito e criando novas formas e instrumentos de salvaguarda e preservação.
Empregadas como um dos princípios fundamentais para o bom funcionamento do Estado Democrático de Direito, tais quais trazidos e utilizados como base de ramificação pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a proteção e fomentação de todo o patrimônio histórico e artístico-cultural brasileiro devem ser, eminentemente, asseguradas, conforme, claramente, expresso nos artigos 215 e 216 da Constituição Federal em vigor. Nesta toada, consoante a dicção do artigo 216, cuida explicitar que a cultura compreenderá bens de natureza material ou imaterial, considerados individualmente ou em conjunto, tudo aquilo que remeta à identidade, à ação, em virtude da preservação da memória dos diferentes grupos formadores da sociedade e cultura brasileira. Tomaz (2010, p. 02), expressando o que se entende por patrimônio cultural, tem-se:
“Ao se contemplar um espaço de relevância histórica, esse espaço evoca lembranças de um passado que, mesmo remoto, é capaz de produzir sentimentos e sensações que parecem fazer reviver momentos e fatos ali vividos que fundamentam e explicam a realidade presente. Essa memória pode ser despertada através de lugares e edificações, e de monumentos que, em sua materialidade, são capazes de fazer rememorar a forma de vida daqueles que no passado deles se utilizaram. Cada edificação, portanto, carrega em si não apenas o material de que é composto, mas toda uma gama de significados e vivências ali experimentados.”
Deste modo, há de se reconhecer que tal concepção, em decorrência de sua amplitude, inclui objetos móveis e imóveis, documentações, edificações, criações artísticas, científicas e/ou tecnológicas, conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. O interesse federal na preservação do patrimônio histórico-cultural é tão abrangente que, em prol de tal proteção e para que seja assegurado o bem-estar social entre seus entes/cidadãos, permite ao Estado usar de seus institutos (I. Limitações Administrativas; II. Ocupação Temporária; III. Requisição Administrativa; IV. Desapropriação; V. Servidão Administrativa; VI. Tombamento), cada qual com suas hipóteses e condições de aplicação, para interferir até mesmo em bens privados, quando estes se mostram de demasiado interesse público, independendo da aquiescência de terceiros.
Com o que preleciona Gastal et al (2013, p. 05), o conceito de patrimônio cultural passou por alterações legais ao longo dos anos. Com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu art. 27, fora estabelecido que "[…] toda a pessoa tem direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir das artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios" (ONU, 1948). A partir deste ponto, nascera a ideia de que o acesso a todo a patrimônio de cultura e/ou remetente à história é algo indispensável para a formação da figura "cidadão"; de uma pessoa plena de direitos e deveres para com a sociedade. Algo que está diretamente ligado à dignidade da pessoa humana, também princípio fundamental da Constituição Cidadã.
Em outras palavras, tudo aquilo relacionado ao patrimônio cultural é resultante de um elo de direitos-deveres entre cidadão e Estado. O primeiro, se mostrando incentivado e disposto ao aprendizado inerente aos bens referidos, enquanto o Estado tratará de incentivar tal interesse, promovendo, da melhor forma possível, o devido acesso ao que esteja relacionado à cultura, bem como partilhando com seus entes o dever de preservar o meio ambiente cultural. Um processo dinâmico e complexo.
Em alinho ao expendido, é importante consignar que o Texto Constitucional de 1988 confere a competência de legislar, proteger e fornecer meios de acesso ao patrimônio cultural à União, aos estados-membros, Distrito Federal e municípios. Ademais, salienta-se que os entes federativos supramencionados são responsáveis por tratar dos danos causados a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. O motivo de tal hierarquia vem do diferente ponto de vista pelo qual a necessidade de preservação de um bem está compreendida, ou seja, os critérios avaliativos, capazes de justificar o tombamento de um objeto, podem variar, de acordo com o ponto de vista avaliativo da União, de um estado-membro ou de um município, pois é evidente que haverá bens de valores únicos para um município, mas que não terão a mesma significância para a União ou para o próprio estado-membro. Ainda nessa linha de pensamento, o artigo 215 estabelece, in verbis: "O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes de cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais" (BRASIL, 1988).
Diante das ponderações apresentadas até o momento, quadra assinalar que os bens e as prestações de serviços constituem o próprio objeto do direito, conforme se lecionado por Pereira (2008). Logo, no momento em que o enunciador constituinte afirmar que o exercício dos "direitos culturais" será garantido a todos, estará afirmando que a cultura é objeto do direito, sendo tratado na atual Constituição Federal como um bem jurídico, patrimônio, valor e povo. No que atina à noção jurídica de "bem", esta se refere a toda utilidade, física ou ideal, que possa impactar na faculdade das ações do indivíduo, ou seja, compreenderão os "bens" propriamente ditos, os passíveis e não passíveis de apreciação financeira.
3 PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO MONUMENTO
Nas palavras de Rangel (2014, p. 16), tratando-se do corolário do in dubio pro monumento, este encontra amparo na Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, de 23 de novembro de 1972, já supramencionada. A fim de aprofundar conhecimentos sobre o documento em questão, a Convenção se deu pela preocupação para com o futuro incerto do patrimônio cultural e natural. Ora, esse se encontrava (e ainda se encontra) ameaçado de destruição pelo desenvolvimento econômico e, consequentemente, expansão das áreas urbanas e degradação dos bens históricos, sejam encontrados em área verde ou em centros urbanos.
Tal fato decorre da premissa que não haviam instrumentos rígidos de total tutela ambiental que visassem a promoção de diálogo entre crescimento e preservação, resguardando a história cultural e o meio ambiente ecologicamente equilibrado, tratados no artigo 225 da Constituição Federal de 1988. No mais, cuida reconhecer que "[…] alçam o acesso ao meio ambiente como direito humano de terceira dimensão, impregnado pelos valores de solidariedade e fraternidade" (RANGEL, 2014, p. 16). Mais deliberadamente, ainda quanto às motivações para a promoção da Convenção em comento, o documento delibera:
“[…] Constatando que o patrimônio cultural e o patrimônio natural estão cada vez mais ameaçados de destruição, não apenas pelas causas tradicionais de degradação, mas também pela evolução da vida social e econômica que as agrava através e fenômenos de alteração ou de destruição ainda mais importantes;
Considerando que a degradação ou o desaparecimento de um bem do patrimônio cultural e natural constitui um empobrecimento efetivo do patrimônio de todos os povos do mundo;
Considerando que a proteção de tal patrimônio à escala nacional é a maior parte das vezes insuficiente devido à vastidão dos meios que são necessários para o efeito e da insuficiência de recursos econômicos, científicos e técnicos do país no território do qual se encontra o bem a salvaguardar; […]
Considerando que as convenções, recomendações e resoluções internacionais existentes no interesse dos bens culturais e naturais demonstram a importância que constitui, para todos os povos do mundo, a salvaguarda de tais bens, únicos e insubstituíveis, qualquer que seja o povo a que pertençam;
Considerando que determinados bens do patrimônio cultural e natural se revestem de excepcional interesse que necessita a sua preservação como elementos do patrimônio mundial da humanidade no seu todo; Considerando que, perante a extensão e a gravidade dos novos perigos que os ameaçam, incumbe à coletividade internacional, no seu todo, participar na proteção do patrimônio cultural e natural, de valor universal excepcional, mediante a concessão de uma assistência coletiva que sem se substituir à ação do Estado interessado a complete de forma eficaz;
Considerando que se torna indispensável a adoção, para tal efeito, de novas disposições convencionais que estabeleçam um sistema eficaz de proteção coletiva do patrimônio cultural e natural de valor universal excepcional, organizado de modo permanente e segundo métodos científicos e modernos” (ONU, apud RANGEL, 2014, p. 17).
Diante dos fatos, fica evidente que a Convenção de Paris de 1972 a fez ascender à preocupação em resguardar o patrimônio ambiental e cultural presente na história de todos os povos ao redor do globo, evitando assim a alteração ou depredação de toda a representatividade emanada do espaço no qual se desenvolveu a própria espécie humana, tocando no ideário de desenvolvimento pleno do indivíduo. Com o que leciona Rangel (2014, p. 17), a presente convenção empregou a adoção de uma política geral, como paradigmas orientadores, por parte dos Estados, em prol de definir a finalidade do patrimônio cultural e natural inserido na coletividade, integrando-o em programas de resguardo e planificação em modo geral. Nas palavras do autor:
“[…] a Convenção de Paris de 1972 orientou a imprescindibilidade da tomada, por parte dos Estados, das medidas jurídicas, cientificas, técnicas, administrativas e financeiras adequadas para a identificação, proteção, conservação, valorização e restauro do patrimônio, com o fito primordial de assegurar sua integridade […]” (RANGEL, 2014, p. 17).
Pode-se afirmar que o princípio do in dubio pro monumento tem como base o artigo 12 da Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, no qual explícita que, embora não inscritos em uma das listas — previstas também no documento da própria convenção, mais precisamente, em seu artigo 11 —, os bens tidos como patrimônio cultural e natural não terão seus valores excepcionais desqualificados. Isto é, o valor materializado naquele bem continua inafastável. O artigo, in verbis:
“O fato de um bem do patrimônio cultural e natural não ter sido inscrito em qualquer das duas listas referidas nos parágrafos 2 e 4 do artigo 11 não poderá de qualquer modo significar que tal bem não tenha um valor excepcional para fins diferentes dos resultantes da inscrição nas referidas listas” (ONU, 1972, p. 07).
Nas palavras de Rangel (2014, p. 18), a presunção que há de vigorar, em face do corolário objeto de estudo, é a de que o patrimônio não precisa, necessariamente, estar disposto em uma lista devida para que a tutela jurídica sobre sua própria essência seja assegurada. Ora, o patrimônio cultural reclama a tutela, a salvaguarda e a proteção em decorrência dos valores peculiares encerrados em sua dimensão, sobretudo no que toca ao fortalecimento de uma identidade própria e que colabora para a formação da população. Cuida salientar que, referente ao Direito Cultural Brasileiro, ainda que se tenha uma legislação que se atente a mais ampla e espessa tutela jurídica sobre o patrimônio cultural e natural, em face de sua peculiaridade robusta na formação da identidade cultural da população, afetando, de forma direta o desenvolvimento humano, inolvidável faz-se os obstáculos encontrados em sua aplicação, notadamente no que pertine à preservação.
Conforme expresso, ao se apreciar os monumentos naturais, importante se faz emprestar interpretação provinda do corolário em comento à temática trabalhada. A utilização corriqueira do vocábulo "monumento", referente apenas aos monumentos culturais e urbanísticos, faz necessário o reconhecimento na vigente constitucional, a qual "[…] concebe o meio ambiente ecologicamente equilibrado como manifestação multifacetada e diversificada […]" (RANGEL, 2014, p. 18), reclamando, destarte, a tutela soberana sobre os monumentos naturais, pois estes carecem do mesmo amparo.
Efetivamente, em hipótese de omissão legislativa sobre a temática apresentada, cuida asseverar que os monumentos naturais são sítios preciosos, únicos ou de grande beleza, e o reconhecimento de tais atributos é o que fundamenta a estabilização do mesmo como Unidade de Conservação. Outrossim, para que se tenha êxito na promoção de total resguardo, como assim objetiva a própria Unidade de Conservação, poderá o monumento natural ser constituído de áreas particulares. Além disso, cuida ponderar que “expressa esse enunciado a ideia de que, mesmo não incluído nos fichários previstos na convenção, pode o bem ser merecedor de algum tipo de tutela” (MARCHESAN, 2006, p. 184).
Em contrapartida, caso a utilização do território e dos recursos naturais ali existentes pelo proprietário não for nos conformes do objetivado, e não haja a anuência do proprietário às condições propostas pelo órgão administrativo responsável da unidade para a convivência harmônica entre o monumento natural e o desfruto da propriedade, o interesse público então vigorará, resultando na desapropriação da área, conforme asseverado por Rangel (2014, p. 19). Por conseguinte, cuida salientar que, o reconhecimento dos monumentos naturais como bens dotados de substancial importância, resultará na vindicação da carecida e devida tutela jurídica, assegurando, portanto, a materialização do princípio constitucional do meio ambiente ecologicamente equilibrado.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de todo o objeto de estudo até então, depreende-se que todo bem cultural ou natural, o próprio meio ambiente cultural em si, é um artefato humano que nos fora passado de diversas coletividades culturais e que está em constante fase de transformação. Destarte, imperiosa se faz a necessidade de o Estado assegurar que tal pertence humanitário seja preservado como algo de importância comunitária enquanto estiver em sua posse, promovendo total acesso de seus cidadãos à cultura, ao mesmo tempo em que estes cumprem seus papeis como ajudantes de tal proteção. É disso que se trata a tão frisada “dignidade da pessoa humana" na Constituição Cidadã.
Com espeque em tais premissas, o princípio do in dubio pro monumento, que tem seu corolário na Convenção de Paris de 1972, atua como mais um dos instrumentos utilizáveis pelo Estado para a promoção de proteção e salvaguarda de bens remetentes à memória dos povos, mais precisamente, àqueles que, ainda que não estejam inseridos ou que não sejam tratados em listas específicas, também são de massivo interesse público, sendo impassíveis de descaso, pois também integram o meio ambiente cultural.
Como supradito, para que o Estado cumpra sua missão de zelo, é de ilustre importância que toda a coletividade social trabalhe em conjunto, pois só assim será garantido que as atuais e futuras gerações desfrutem de tudo aquilo que contribuiu para a formação de um povo; que se encantem e gozem das mesmas maravilhas de um passado cheio de histórias. Eternizando, destarte, a própria cultura.
Acadêmico de Direito do Instituto de Ensino Superior do Espírito Santo IESES Unidade Cachoeira de Itapemirim
Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES
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