Inconstitucionalidade da lei da gravidade

A capacidade do ser
humano em surpreender parece absolutamente ilimitada, mais ainda quando estamos
nos referindo aos seres humanos responsáveis pela elaboração e votação de
nossas leis.

Recordo-me de um
colega de trabalho que, por vezes, era ouvido exclamando em sua sala: “Pai,
perdoai-lhes, eles não sabem o que fazem”. Sempre tive a curiosidade em saber a
que ele se referia, imaginava-o em algum ritual religioso quase diário, até um
dia em que, entrando em sua sala, ouvi-o proferir a mesma célebre frase e pude
finalmente compreendê-lo. Ele estava lendo o Diário Oficial.

Até parece que
estamos em um concurso de quem é capaz de promulgar a norma mais absurda e
incoerente. Tenho receio que, além dos nossos carnaval
e samba (o futebol, esse já era), venhamos a nos tornar notórios também por
este constante e permanente festival.

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Vamos sair um pouco
do plano abstrato e melhor exemplificar a questão. Segundo a legislação civil
hoje em vigor, é possível ao marido “devolver” a mulher ao descobrir que esta
já foi “deflorada”, anulando assim o casamento por erro essencial sobre a
pessoa do outro cônjuge.

Felizmente, quando
do início da vigência do novo Código Civil, a ocorrer em 2003, tal situação não
mais será permitida, do mesmo modo como não mais
haverá impedimento a que o “adúltero”, uma vez divorciado, contraia casamento
com o seu “cúmplice”, todavia o adultério ainda continua, no Código Penal,
definido como crime, com pena de detenção prevista de 15 dias a 6 meses.

Para aqueles que
defenderão a situação argüindo que estas leis datam de quase um século atrás,
vamos nos apegar a um fato bem mais recente, a lei de porte de armas, (lei n.º 9.437/97), amplamente conhecida e que trata também dos
crimes correlatos à utilização de armas de fogo.

Dois dos crimes nela
estabelecidos são: “utilizar arma de brinquedo capaz de atemorizar a
terceiro com o fim de cometer crimes”
e “suprimir ou alterar qualquer
sinal de identificação de arma de fogo”
, sendo para eles estabelecidas,
respectivamente, as penas de 1 a
2 anos e 2 a
4 anos de reclusão.

Em princípio não se
verifica problema algum em definir-se esses atos como
crimes, bem como em estipular-se tais penas para os mesmos, mas, quando
analisado o conjunto penal, aí sim passamos a ter uma absoluta incoerência.

Segundo o Código Penal,
o homicídio culposo (aquele no qual não houve a intenção em matar, mas agiu-se
com negligência, imperícia ou imprudência) tem pena prevista de 1 a 3 anos, ou seja, usar uma
arma de brinquedo para assaltar é quase tão “grave” quanto matar não intencionalmente
outra pessoa.

Quanto ao fato de se
alterar qualquer sinal de identificação de uma arma de fogo, podemos concluir
que é das mais graves infrações possíveis, posto que sua pena (2 a 4 anos) é bem maior do que
a prevista para um homicídio culposo (1 a 3 anos).

Como “eles” fazem as
leis e nós é que temos que cumpri-las (já que a imunidade parlamentar se tornou
efetivamente uma impunidade parlamentar), talvez pudéssemos alterar a
frase a que me referi no início para: “Pai, cuidai de nós, porque eles não
sabem o que fazem.”

Cada vez que
descubro que um novo projeto de lei foi apresentado, tenho um frio na barriga
só de imaginar o que mais pode sair daí.

Tende-se a acreditar
que, havendo tantos parlamentares, será fácil que um absurdo seja facilmente
detectado e não aprovado, mas, se algum dos leitores já presenciou alguma
votação legislativa, talvez então compartilhe comigo o sentimento refrigerante
da região abdominal.

Ouve-se no sistema
de som: “Colocado agora em pauta o projeto de lei n.º xx, já aprovado pela Câmara de Constituição e Justiça.
Vamos agora proceder à votação.” Em muitas das vezes a maioria dos
parlamentares desconhece completamente o teor do projeto, mas mesmo assim não
se abstém de votá-lo.

Talvez não seja
devaneio imaginar o que aconteceria caso alguns parlamentares, não concordando
que os objetos, ao serem atirados, “caíssem” para baixo, apresentassem um
projeto de Emenda Constitucional determinado que doravante vigeria
no Brasil o princípio jurídico da anti-gravidade.

Provavelmente a natureza,
tal como o faz a população brasileira, rejeitasse completamente essa normatização absurda e incoerente, fazendo desta mais uma
norma que “não pegou”, mesmo correndo o sério risco de ser judicialmente
acionada.

Não acredito que a
natureza, tendo suas leis físicas imutáveis, vá se curvar ao poder
democraticamente conferido aos parlamentares, mas me traz alguma diversão
imaginar como seria se acidentalmente isso acontecesse: Eu quebrando um ovo no
intuito de fritá-lo e vendo-o vagarosamente subir (ninguém determinou que a anti-gravidade fosse tão forte
como hoje o é a gravidade), flutuando graciosamente em sentido ascendente, e
delicadamente se esborrachando no teto de minha cozinha.

Desde que este
devaneio me ocorreu pela primeira vez que, ao quebrar um ovo, sempre o imagino “caindo” para cima, todavia, sempre me decepciono.

Pensando melhor, até que seria
divertido se algumas dessas leis absurdas e incoerentes tivessem como autor de
seu projeto um parlamentar com grande senso de humor, poderíamos, ao contrário
de hoje, ao menos rir dos absurdos habitualmente praticados.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Dênerson Dias Rosa

 

Consultor Tributário, ex-Auditor Fiscal da Secretaria da Fazenda do Estado de Goiás e sócio da Dênerson Rosa & Associados Consultoria Tributária.

 


 

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Equipe Âmbito Jurídico

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