Resumo: Com o presente trabalho, discorrer-se-á acerca da eventual inconstitucionalidade diante da prorrogação ilimitada das medidas de segurança detentivas, aquelas que são impostas aos doentes mentais, pessoas que não possuem a capacidade de compreender a gravidade de suas ações, podendo se dar de forma interminável, ficando o paciente sujeito a uma pena perpétua e, contrariando o princípio constitucional de vedação às mesmas penas, no ordenamento jurídico brasileiro. No Sistema Penitenciário, como será demonstrado, o caráter perpétuo e as ilimitadas prorrogações do prazo das medidas de segurança detentivas são a regra, enquanto a melhora do paciente e a cessação de seu estado de periculosidade são exceções. Esta hipótese será demonstrada a seguir de forma clara e objetiva, através da análise dos conceitos dos institutos da Medida de Segurança, da Pena, e da Vedação à Pena Perpétua no ordenamento Jurídico Pátrio, no contexto atual do Sistema Penitenciário Brasileiro, em sua perspectiva de punir e ressocializar o condenado, ora paciente; da omissão legislativa diante do caso, das prorrogações ilimitadas das medidas de segurança, tal como as hipóteses e sugestões que traz a doutrina e a jurisprudência, visando a solucionar, ou tão somente amenizar a situação dos sujeitos passivos em questão, a quem foram atribuídas medidas de segurança detentivas.[1]
Palavras-chave: Medidas de Segurança Detentivas. Prorrogação do Prazo. Sistema Penitenciário. Pena Perpétua. Inconstitucionalidade.
Sumário: Introdução. 1. Noções e Aspectos Gerais das Medidas de Segurança. 2. Conceito Abrangente de Pena. 3. Vedação Constitucional às Penas Perpétuas no Brasil. 4. Prazo e Prorrogação das Medidas de Segurança. 4.1 Condições de Reabilitação no Sistema Penitenciário Brasileiro. 4.2 Prorrogações Intermináveis. 4.3 Caracterização de Inconstitucionalidade advinda de Pena Perpétua. 5. Opiniões doutrinárias e jurisprudenciais acerca do problema. 6. Possíveis Soluções ao Problema. Conclusão. Referências Bibliográficas. Anexo.
INTRODUÇÃO
O sistema penitenciário brasileiro, como muitas vezes relatado pela doutrina[2], não se mostra eficiente. Exemplo claro é o déficit de 170.000 (cento e setenta mil) vagas no sistema carcerário[3].
Em geral, as sanções penais não têm demonstrado muita eficiência, tendo em vista o modelo atual, onde, além da punição, busca-se principalmente a ressocialização do infrator, para que aquelas possam cumprir sua função social e estabelecer o status quo ante ao infrator, ou seja, torná-lo novamente apto a conviver na sociedade de forma harmônica, sem trazer prejuízos à mesma.
Um problema evidente que tem dividido a doutrina é a aplicação de medidas de segurança aos doentes mentais, no que concerne ao seu prazo de cumprimento, que pode ser prorrogado inúmeras vezes, como será tratado posteriormente.
Seria condenável pela sociedade libertar um doente mental que ainda traria risco à mesma, visto que esta, via de regra, ainda possui a atrasada mentalidade penalizadora, querendo apenas a punição de um agente e seu isolamento ou afastamento, da coletividade, ao invés de cogitar a ressocialização de algum infrator. Em contrapartida, seria inadmissível no Direito Brasileiro a possibilidade de existir uma prisão perpétua (neste caso, decorrente do prazo indeterminado de uma medida de segurança), imposta a um doente mental que não tenha noção de suas condutas e que tenha praticado um fato típico e ilícito.
De fato, a legislação penal brasileira permite que um inimputável cumpridor de uma medida de segurança fique sob este regime por toda sua vida, causando a indignação de diversos juristas e doutrinadores como André Copetti, Eugênio Raul Zaffaroni e José Henrique Pirangeli, que será demonstrada no decorrer deste Artigo Jurídico.
O objetivo principal é justamente mostrar que qualquer parte deste problema, seja o doente mental, seja a sociedade, tem muito a perder se uma viável solução não for apresentada. O primeiro tem sua liberdade privada, possivelmente (e na maioria das vezes) por toda vida; enquanto a segunda, tem a iminência de ter seus indivíduos afetados de forma grave, mediante algum fato típico e ilícito que um doente mental (perigoso), posto de volta ao convívio social, venha a cometer.
O tema apresentado é de grande importância, pois versa sobre uma hipótese jurídica, a princípio, sem solução.
Finalizando, este trabalho trará à tona a questão em pauta, deixando em aberta a possibilidade do leitor refletir e eventualmente buscar e encontrar uma solução para este grandioso problema jurídico e social.
1. NOÇÕES E ASPECTOS GERAIS DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA
Para Luiz Regis Prado, as medidas de segurança são consequências jurídicas do delito, de caráter penal, orientadas por razões de prevenção especial. Consubstanciam-se na reação do ordenamento jurídico diante da periculosidade criminal revelada pelo delinquente após a prática de um delito[4].
Nestes termos e, com base na legislação penal que será exposta posteriormente, referente ao assunto, medida de segurança é uma sanção penal, ou pena (de forma abrangente), imposta pelo Estado ao inimputável ou semi-imputável que pratica um ato ou conduta tipificada como crime. Em razão da sua periculosidade, deve permanecer em hospital de custódia e tratamento ou outro estabelecimento adequado enquanto a mesma perdurar, conforme reza o artigo 96 do Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940, que institui o Código Penal Brasileiro:
“Art. 96. As medidas de segurança são:
I – Internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado;
II – sujeição a tratamento ambulatorial.
Parágrafo único – Extinta a punibilidade, não se impõe medida de segurança nem subsiste a que tenha sido imposta.”
A fundamentação das medidas de segurança está na periculosidade do sujeito, são indeterminadas, se baseiam no juízo de periculosidade, cessam apenas com o desaparecimento da periculosidade do sujeito e não podem ser aplicadas aos imputáveis. Com base neste entendimento, enquanto não cessar a periculosidade do agente, a medida de segurança deverá se mantida e aplicada, prorrogando-se seu prazo que, conforme legislação vigente possui caráter indeterminado[5].
As medidas de segurança podem ser classificadas como detentiva, quando o agente é inimputável, e o juiz determina sua internação, e como restritiva, quando se trata de inimputável, punível com detenção, em que o juiz pode submetê-lo a tratamento ambulatorial. Neste estudo, tratar-se-á das condições e aspectos jurídicos referentes aos inimputáveis, colocando o foco nas medidas de segurança detentivas, impostas a indivíduos que não possuem capacidade de entender na maioria das vezes, a gravidade e as consequências de seus atos.
2. CONCEITO ABRANGENTE DE PENA
Neste estudo, o conceito de pena se dá em consonância à Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que se traduz por qualquer tipo de punição. Pena, no ordenamento jurídico pátrio traduz a idéia de “expiação ou castigo estabelecido pela lei, com o intuito de prevenir e de reprimir a prática de qualquer ato ou omissão de fato que atente contra a ordem social”[6], visto que, desde os primórdios, pena sempre foi vista como punição, ou castigo, modo que ainda reflete os valores sociais atuais.
Conforme ensinamentos de Aníbal Bruno, “pena é a sanção, consistente na privação de determinados bens jurídicos, que o Estado impõe contra a prática de um fato definido na lei como crime.”[7]
Em suma, pode-se concluir que penas e medidas de segurança, são simplesmente penas, são o mesmo instituto, em contrario senso à doutrina majoritária brasileira, que classifica estes institutos como sanções penais distintas. Pela corrente dominante, sanção penal é o gênero, enquanto penas e medidas de segurança são espécies, com diferenças entre si. De fato, existem diferenças. Todavia, num preceito constitucional penal, foco dado por este estudo, tais distinções possuem efeito meramente didático.
Medidas de segurança, não poderiam ser tratadas de outra forma, senão como penas, ou uma punição que o Estado dá, em virtude de um fato tipificado como crime, onde existe a excludente de culpabilidade decorrente da inimputabilidade do agente. Tal punição se verifica pelo simples fato do agente ser privado de um princípio fundamental de tamanha importância no ordenamento jurídico, o da liberdade, princípio explícito na Constituição.
3. VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL ÀS PENAS PERPÉTUAS NO BRASIL
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu Título II, “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, e Capítulo I, “Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”, demonstra claramente em seu artigo 5º, XLVII, “b”, que o Estado brasileiro não pode ter em seu ordenamento jurídico, dispositivo que dê ao executor da lei, poder de impor qualquer tipo de pena perpétua. A simples transcrição deste artigo demonstra esta ideia de forma evidente:
“Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XLVII – não haverá penas:
a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;
b) de caráter perpétuo;
c) de trabalhos forçados;
d) de banimento;
e) cruéis.” [grifamos]
O dispositivo traz em sua alínea “b”, a ideia de que as penas em geral, não terão caráter perpétuo. Há de se ressaltar, no entanto, conforme dito anteriormente, que a Constituição entende de forma abrangente o conceito de pena, estendendo e abrangendo a qualquer tipo de sanção penal ou punição.
Apesar de muitos juristas e doutrinadores consagrados definirem sanção penal como gênero que tem por espécies a pena e a medida de segurança, numa visão constitucional, tudo não passa de pena. Em suma, pena possui caráter universal.
Assim como o explanado anteriormente, DE PLÁCIDO SILVA entende como pena, qualquer tipo de castigo definido em lei que possua a finalidade de reprimir ou prevenir práticas contra a ordem social. Como inimputáveis cumpridores de medidas de segurança detentivas, são privados em suas liberdades de locomoção, fica claro que certo castigo os tenha sido atribuído. Por este motivo, a vedação constitucional às penas perpétuas não se aplicam somente aos imputáveis como também aos inimputáveis visto que, estes apesar de cumprir medidas de segurança, sofrem privações equivalentes aos criminosos comuns, podendo dizer inclusive, que cumprem pena.
O constituinte veda as penas perpétuas. Contudo, o artigo supracitado não estabelece qual é o limite máximo para a aplicação de uma pena no ordenamento jurídico brasileiro. Decorrente desta necessidade de complementação à norma constitucional, o legislador infraconstitucional fixou o limite máximo de 30 anos para cumprimento de penas no Brasil, no art. 75 do Código Penal. Todavia, não foi estabelecido limite para cumprimento de medidas de segurança, distinguindo claramente a forma de tratamento dada aos infratores imputáveis e inimputáveis de forma injustificada ou, não positivada.
4. PRAZO E PRORROGAÇÃO DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA
No que concerne ao prazo das medidas de segurança, o art. 97, § 1º reza que a internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. O prazo mínimo deverá ser de 1 (um) a 3 (três) anos.
O juiz, pela persistência da periculosidade do agente, fará com que a medida de segurança seja mantida renovando-se o exame psiquiátrico do paciente de ano em ano, ou a qualquer tempo, conforme possibilita o art. 97, § 2º, do Código Penal e o art. 176 da Lei de Execução Penal, respectivamente transcritos:
“Art. 97 – Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação. Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial.
Prazo
§ 1º – A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. O prazo mínimo deverá ser de 1 (um) a 3 (três) anos.
Perícia médica
§ 2º – A perícia médica realizar-se-á ao termo do prazo mínimo fixado e deverá ser repetida de ano em ano, ou a qualquer tempo, se o determinar o juiz da execução.
Art. 176. Em qualquer tempo, ainda no decorrer do prazo mínimo de duração da medida de segurança, poderá o Juiz da execução, diante de requerimento fundamentado do Ministério Público ou do interessado, seu procurador ou defensor, ordenar o exame para que se verifique a cessação da periculosidade, procedendo-se nos termos do artigo anterior.”
4.1. Condições de Reabilitação no Sistema Penitenciário Brasileiro
Com o propósito de trazer a mais pura realidade e dar ainda mais credibilidade a este estudo, algumas questões foram levantadas a Wagner Luiz Abranches[8], uma autoridade de enorme bagagem forense e conhecimento jurídico.
As questões levantadas visam a mostrar a visão parcial deste profissional que vivenciou muitos momentos no meio prisional em sua carreira, podendo retratar claramente a realidade do Sistema Penitenciário Brasileiro.
Perguntado se conhecia alguma prisão especial de tratamento às pessoas as quais são impostas medidas de segurança, como elas são e, se elas melhoram a condição do paciente, respondeu da seguinte forma:
“Conheci em face do exercício da função policial, dois estabelecimentos destinados à custódia e tratamento psiquiátrico em Minas Gerais. Estes estabelecimentos são compostos de celas protegidas por grades de ferro, assemelhando-se em tudo, a um estabelecimento prisional comum.
Os estabelecimentos destinados ao recolhimento de agentes inimputáveis, em nada melhoram a condição dos internados, haja vista, a ausência de qualificação técnica dos agentes responsáveis pela tutela dos internados e instalações físicas inadequadas.
Posteriormente, lhe foi levantada a seguinte questão: todos os pacientes são enviados para clínicas de reabilitação adequadas? Obteve-se a seguinte resposta:
“A maioria dos pacientes são encaminhados para “clínicas” de reabilitação inadequadas. O que o legislador denomina “hospital de custódia e tratamento ou outro estabelecimento adequado”, não passa de fordieiros[9] desprovidos das mínimas condições de reabilitação dos internados.”
Estas valiosas explicações explanam um sistema viciado, repleto de falhas que acarretam um círculo vicioso, pois por não melhorarem a situação de seus pacientes, sejam imputáveis ou não, perdem seu sentido e até mesmo sua necessidade, visto que, se em pouco tempo, devolvem à sociedade um indivíduo ainda mais perigoso, de nada adiantam. Pode, inclusive, falar-se que a punição é necessária, todavia, nas condições atuais, acarretam em prejuízo à sociedade.
4.2. Prorrogações intermináveis
De acordo com o § 1º do artigo 97 do Código Penal, mostrado anteriormente, no item 4 deste estudo, a internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade.
A segunda parte deste dispositivo aufere uma hipótese preocupante, ao rezar que a internação não será cessada, enquanto não for sanada a condição de periculosidade do paciente.
Deve ser levado em consideração o fato de que o Brasil, lamentavelmente, não está apto a ajudar os pacientes em sua recuperação. O que se observa é que muitas vezes o regime de internação piora a condição do doente mental[10].
Preocupante é o fato de que uma vez internado, o paciente possua essa tendência de se tornar ainda mais perigoso, pela ausência de qualificação dos agentes e mínimas condições de tratamento e reabilitação, como recentemente nos ensinou Wagner Luiz Abranches, afirmando categoricamente que os hospitais de tratamento e custódia assemelham-se a presídios comuns, em nada melhorando a condição dos internados.
Por este motivo, é bastante provável que o prazo de internação que é prorrogável, será prorrogado tantas vezes, que o inimputável ficará sob “tratamento” por toda sua vida.
Voltando ao fato das medidas de segurança não possuírem limite máximo, estabelecido pelo legislador infraconstitucional, o critério de prorrogação se dá pelo fato da não cessação de periculosidade do paciente. Todavia, aos imputáveis, cujo limite máximo de cumprimento de pena é de 30 anos, não existe tal critério. O simples fato de terem cumprido o limite máximo de pena no ordenamento jurídico brasileiro, não é indicativo de que este sujeito está apto a conviver em harmonia na sociedade. Por este motivo, não seria justo que o legislador desse apenas aos imputáveis a garantia de não cumprirem pena em caráter perpétuo.
4.3. Caracterização de Inconstitucionalidade advinda de Pena Perpétua
Os fatos e fundamentos expostos nos itens anteriores demonstram de forma antecipada e com bastante evidência, a inconstitucionalidade que resulta da atual aplicação de medidas de segurança aos inimputáveis de todo o Brasil, em virtude das intermináveis prorrogações que a lei faculta às autoridades competentes para lidar com estes indivíduos.
A lei faculta as prorrogações ilimitadas como pelo fato de ser omissa em relação à fixação de pena máxima para o cumprimento das medidas de segurança, como ocorre com as penas impostas aos imputáveis.
Primeiramente, tornou-se visível o lamentável despreparo forense em atender indivíduos de tamanha individualidade, impedindo que a lei atinja seu objetivo inicial, que seria tratar o paciente, para que este deixe de ser um perigo em potencial para a sociedade, convivendo de forma digna e harmônica.
Posteriormente, analisando o caráter punitivo das medidas de segurança, e o princípio constitucional de vedação às punições perpétuas, há de se concluir pela inconstitucionalidade das prorrogações das mesmas em caráter indeterminado, visto que conforme o exposto, fica evidente que as penas, via de regra, perdurarão durante toda a vida daquele a quem foi imposta medida de segurança.
5. OPINIÕES DOUTRINÁRIAS E JURISPRUDENCIAIS ACERCA DO PROBLEMA
Mesmo quando se trata de circunstâncias tão delicadas, é importante destacar alguns posicionamentos que tentam apaziguar a questão da inconstitucionalidade do caráter indeterminado (perpétuo) do prazo de cumprimento das medidas de segurança.
Rogério Greco, em sua obra, se posiciona diante do tema da seguinte forma:
“A medida de segurança, como providência judicial curativa, não tem prazo certo de duração, persistindo enquanto houver necessidade do tratamento destinado à cura ou à manutenção da saúde mental do inimputável. Ela terá duração enquanto não for constada, por meio de perícia médica, a chamada cessação de periculosidade do agente, podendo, não raras vezes, ser mantida até o falecimento do agente”[11].
Em virtude deste prazo incerto, vários entendimentos acerca da sua inconstitucionalidade têm sido cogitados. Exemplo notável é visto na vasta obra de Zaffaroni e Pierangeli, que desta forma se manifestam:
“Não é constitucionalmente aceitável que, a título de tratamento, se estabeleça a possibilidade de uma privação de liberdade perpétua como coerção penal. Se a lei não estabelece o limite máximo, é o intérprete quem tem a obrigação de fazê-lo”[12].
André Copetti destaca ser “totalmente inadmissível que uma medida de segurança venha a ter uma duração maior que a medida da pena que seria aplicada a um imputável que tivesse condenado pelo mesmo delito”[13].
Não seria justo que, após o tempo de punição de uma pena convencional, não cessando a periculosidade do doente, ele seja tratado diferentemente de qualquer outro infrator simplesmente pelo fato de ser inimputável.
O Supremo Tribunal Federal já se manifestou de forma que a medida de segurança não possa ultrapassar o prazo máximo de cumprimento de penas no Brasil, ou seja, 30 anos (HC 84219/SP – 1ª Turma – Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 16 de agosto de 2005, publicado no DJ em 23 de setembro de 2005, p. 26).
Em um ponto de vista jurídico distinto e valendo-se de uma linha de raciocínio notável, o Superior Tribunal de Justiça, no HC 143315/RS – 2009/0145895 – 5, a seguir transcrito, julgado em 05 de agosto de 2010, se posicionou de forma a defender que o limite máximo para cumprimento da medida de segurança é o prazo prescricional do art. 109 do CP aferido a partir da pena máxima do delito cometido pelo inimputável:
“Processo HC 143315 / RS HABEAS CORPUS 2009/0145895-5
Relator Ministro OG FERNANDES (1139)
Órgão Julgador T6 – SEXTA TURMA
Data do Julgamento 05/08/2010
Data da Publicação/Fonte DJe 23/08/2010
Ementa HABEAS CORPUS. ART. 129, CAPUT, DO CP. EXECUÇÃO PENAL. MEDIDA DE SEGURANÇA. LIMITE DE DURAÇÃO. PENA MÁXIMA COMINADA EM ABSTRATO AO DELITO COMETIDO. PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA PROPORCIONALIDADE.
1. Prevalece, na Sexta Turma desta Corte, a compreensão de que o tempo de duração da medida de segurança não deve ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado, com fundamento nos princípios da isonomia e da proporcionalidade.
2. No caso, portanto, estando o paciente cumprindo medida de segurança (internação) em hospital de custódia e tratamento pela prática do delito do art. 129, caput, do Código Penal, o prazo prescricional regula-se pela pena em abstrato cominada a cada delito isoladamente.
3. Conforme bem ressaltou o Ministério Público Federal em seu parecer à fl. 112, “in casu, o paciente se encontra submetido a medida de segurança há mais de 16 (dezesseis) anos, quando a pena máxima abstratamente cominada ao delito que se lhe atribui é de 2 anos. Vai de encontro ao princípio da razoabilidade manter o paciente privado de sua liberdade por tão extenso período pela prática de delitos de menor potencial ofensivo, máxime quando possui condições de continuar sendo tratado por pessoa de sua família, com recursos médico-psiquiátricos oferecidos pelo Estado.”
4. O delito do art. 129, caput do Código Penal prevê uma pena de 3 (três) meses a 1 (um) ano de detenção. Isso significa que a medida de segurança não poderia, portanto, ter duração superior a 4 (quatro) anos, segundo art. 109, V, do CP. Em outras palavras, tendo o paciente sido internado no Instituto Psiquiátrico Forense em 30/10/1992, não deveria o paciente lá permanecer após 30/10/1996.
5. Ordem concedida a fim de declarar extinta a medida de segurança aplicada em desfavor do paciente, em razão do seu integral cumprimento.
Acórdão
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ/SP), Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ/CE) e Maria Thereza de Assis Moura votaram com o Sr. Ministro Relator. Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.”
6. POSSÍVEIS SOLUÇÕES AO PROBLEMA
A doutrina e a jurisprudência trouxeram várias hipóteses para tão somente amenizar o problema dos inimputáveis cumpridores de medidas de segurança, em virtude da ausência de estipulação legal de limite máximo de cumprimento desta sanção penal.
No entanto, há de se ressaltar que os julgamentos proferidos pelos tribunais superiores, como exemplos dados anteriormente, no intuito de fixar um prazo limite para o cumprimento das medidas de segurança são soluções válidas diante da omissão legislativa em fixá-las. Nestes casos, em razão da proporcionalidade, as construções pretorianas estariam suprindo tal lacuna legal dando efetividade à norma constitucional que veda penas perpétuas.
O simples trabalho do legislador em fixar limite máximo de cumprimento de medidas de segurança já extinguiria a possibilidade de se caracterizar penas perpétuas decorrentes das prorrogações ilimitadas de seus prazos.
Um ponto que deveria ter maior prioridade, é a melhora do sistema penitenciário em geral, com infra-estrutura, capacitação, direção, entre outras melhorias físicas e jurídicas. Obviamente, é um processo que teria resultados a longo prazo, se fosse implantado e não traria benefícios (eleitorais) imediatos aos seus idealizadores, motivo este, que possivelmente justifica o descaso dos presídios, as condições em que os mesmos se encontram, o despreparo do pessoal e a hipossuficiência e incapacidade de punir e ressocializar seu paciente ou indivíduo.
Percebe-se que na realidade brasileira, os agentes políticos não têm dado a devida importância ao sistema penitenciário. Há várias décadas é notado o lamentável descaso. Sugestão de futuras pesquisas.
Talvez, um sistema penitenciário preparado, com bons profissionais, apto a promover a melhoria do paciente, por si só, resolveria o problema visto que provavelmente, nem seriam necessárias ilimitadas prorrogações para a cessação do estado de periculosidade do paciente, cumpridor de medidas de segurança detentivas. Na falta de estipulação de limite máximo, é a única solução cabível, a princípio.
CONCLUSÃO
Ante o exposto, várias considerações podem ser levantadas diante das medidas de segurança detentivas, no que concerne aos seus prazos prorrogáveis ilimitadas vezes.
Primeiramente, a inconstitucionalidade da prorrogação ilimitada das medidas de segurança, se mostrou evidente visto que não existe limite máximo legal para cumprimento das mesmas e, que a lei permite sua prorrogação inúmeras vezes, enquanto não for sanada a periculosidade do agente. Tais prorrogações, provavelmente caracterizarão a inconstitucionalidade pelo fato destes inimputáveis cumprirem suas penas por toda a vida. Isto ocorre na prática pelo despreparo de agentes, péssimas condições dos hospitais psiquiátricos e outros estabelecimentos, que tornam provável a piora do quadro do paciente.
Todos estes problemas nos levam a crer no caráter perpétuo das medidas de segurança, pela possibilidade de prorrogação combinada com a não melhora do inimputável.
Tal caracterização mostrou-se clara através dos posicionamentos presentes neste estudo que, além de reconhecerem a inconstitucionalidade da não limitação do prazo máximo de cumprimento, trazem algumas formas de amenizar a situação dos doentes mentais.
Outro ponto chave para tratar deste assunto, são as hipóteses de solução. A primeira, seria o simples fato do legislador infraconstitucional estipular o limite máximo de cumprimento das medidas de segurança, que por si só, evitariam a provável inconstitucionalidade advinda da caracterização de pena perpétua. A segunda, decorrente da não utilização da primeira, seria investir no sistema penitenciário brasileiro, tornando-o eficiente no sentido de punir e principalmente, de ressocializar, seja o sujeito passivo imputável ou inimputável.
Estas hipóteses devem ser observadas, pois na condição atual do sistema penitenciário juntamente com a omissão legislativa diante do prazo máximo de cumprimento das medidas de segurança, a inconstitucionalidade das prorrogações ilimitadas de seus prazos sempre irá existir.
Como dito no decorrer deste trabalho, a punição dos agentes que são enviados às penitenciárias seria um mal necessário. Necessário por ser uma forma de segurança jurídica da coletividade e, mal pelo fato de não cumprir com sua função social, se mostrando bastante ineficiente, piorando as condições de reabilitação social de seus indivíduos, que se tornam ainda mais propícios a cometer crimes, ou a praticar condutas em prejuízo da sociedade.
Sugestão de futuras pesquisas sobre o tema.
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