Inconstitucionalidade do acréscimo de 10% na multa do FGTS em casos de demissão sem justa causa

Resumo: O presente artigo se debruçará sobre a análise da inconstitucionalidade da contribuição previdenciária prevista no art. 1º da Lei Complementar n.º 110, de 29 de junho de 2001, que instituiu um acréscimo de 10% sobre a “multa de 40% do FGTS”, em casos de demissão injustificada do empregado.

Palavras chaves: Inconstitucionalidade. Multa de 10% FGTS, Demissão injustificada.

Abstract: This article will focus on the analysis of the unconstitutionality of the social security contribution foreseen in art. 1 of Complementary Law No. 110, dated June 29, 2001, which instituted a 10% increase on the "FGTS 40% fine" in cases of unjustified dismissal of the employee.

Sumário: Introdução. 1. Sobre a perda de finalidade do art. 1º, da Lei Complementar n.º 110, de 29 de junho de 2001. 2. A declaração exarada pela Presidente da República, Dilma Rousseff. 3. Fundamentação jurídico-constitucional: a contribuição se enquadra no art. 149, e não no art. 195 da CF. 4. Conclusão. Referências Bibliográficas. Referências legislativas

Introdução

Durante a atividade empresarial, é bem comum que ocorram demissões injustificadas dos obreiros de determinada pessoa jurídica.

Com a demissão sem justa causa deste, o empregador deverá, por força legal, a arcar com uma “multa” no valor de 40% do montante de todos os depósitos realizados na conta vinculada ao FGTS do empregado, conforme dispõe o art. 18, §1º da Lei do FGTS[1], a ver:

“Art. 18. Ocorrendo rescisão do contrato de trabalho, por parte do empregador, ficará este obrigado a depositar na conta vinculada do trabalhador no FGTS os valores relativos aos depósitos referentes ao mês da rescisão e ao imediatamente anterior, que ainda não houver sido recolhido, sem prejuízo das cominações legais.

§ 1º Na hipótese de despedida pelo empregador sem justa causa, depositará este, na conta vinculada do trabalhador no FGTS, importância igual a quarenta por cento do montante de todos os depósitos realizados na conta vinculada durante a vigência do contrato de trabalho, atualizados monetariamente e acrescidos dos respectivos juros.”

Não bastando a referida “multa”, que é destinada diretamente ao empregado lesado, o empregador também deve arcar com um outro ônus: mais 10%, que deverá ser revertido ao próprio fundo do FGTS. No total, o empregador deverá arcar, a cada demissão injustificada, com uma “multa” de 50% sobre os valores depositados a título de FGTS.

A previsão legal do referido ônus se encontra no art. 1º da Lei Complementar n.º 110, de 29 de junho de 2001:

“Art. 1o Fica instituída contribuição social devida pelos empregadores em caso de despedida de empregado sem justa causa, à alíquota de dez por cento sobre o montante de todos os depósitos devidos, referentes ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, durante a vigência do contrato de trabalho, acrescido das remunerações aplicáveis às contas vinculadas.”

Contudo, a referida contribuição, como assim a lei o intitula, anteriormente possuía motivos para ser cobrada dos empresários, porém, hoje, não há mais finalidade que sustente a sua existência, conforme se comprovará.

1. Sobre a perda de finalidade do art. 1º, da Lei Complementar n.º 110, de 29 de junho de 2001

Primeiramente, a referida contribuição social nasceu por conta de um “acordo geral”, realizado entre os representantes dos empregados (confederações sindicais), “representantes” dos empregadores (confederações sindicais patronais) e com representantes do governo (presidente da república), com o intuito de se cobrir um prejuízo de aproximadamente R$ 43 bilhões de reais aos cofres do FGTS, causado pelo ajuizamento de ações pelos sujeitos prejudicados pelos planos Verão e Collor I.

Como disse o próprio deputado federal Sr. Antonio Carlos Mendes Thame, em exercício em meados de 2006, mais uma vez, os empregadores foram chamados a pagar a conta dos planos econômicos que, além de não lograrem êxito, trouxeram inúmeros prejuízos à população, notadamente aos trabalhadores[2].

Ou seja, a finalidade da referida contribuição era cobrir a má administração do governo federal, através de recursos do setor empresarial.

Contudo, em janeiro de 2007, a Caixa Econômica Federal emitiu um estudo afirmando que naquela data, havia realizado o pagamento da última parcela do acordo para ressarcimento do prejuízo causado pelos planos Verão e Collor I, conforme se verifica:

“Diante desse fato, foi constatada a necessidade de o Fundo de Garantia constituir “funding” suficiente ao pagamento desses Créditos Complementares, a época estimado em R$ 40 bilhões.

Em janeiro de 2007, a CAIXA realizou o crédito da sétima e última parcela do FGTS, no valor de R$ 626,3 milhões para 334 mil contas vinculadas, nas contas de todos os trabalhadores que firmaram Termo de Adesão às condições contidas na Lei Complementar 110/01, cumprindo na sua plenitude o Maior Acordo do Mundo, como ficou conhecido.

E os números são significativos: foram fornecidos mais de 113,8 milhões de extratos, de aproximadamente 122 milhões de contas vinculadas, que estavam em 78 Bancos e 28 sistemas diferentes; recepcionadas 32,2 milhões de adesões; realizados em torno de 85,4 milhões de créditos, envolvendo o montante de 40,3 bilhões. Desse total, R$ 32,4 bilhões ingressaram na economia por meio dos saques realizados pelos trabalhadores.

Essa conquista constiuiu-se num dos maiores desafios da história da CAIXA, que realizou com maestria a coordenação e a execução das principais atividades necessárias à elaboração e ao cumprimento da mencionada lei.”[3]

Com isso, no mesmo ano, houve a instituição de um Fundo de Investimentos do próprio FGTS, que se utiliza dos valores excedentes dessa contribuição para financiar empreendimentos em infraestrutura dos setores de energia, rodovia, ferrovia, hidrovia, porto e saneamento básico, ou seja, desvirtuando-se completamente da sua finalidade inicial.

“FI – FGTS

O Fundo de Investimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FI-FGTS) é um fundo fechado e exclusivo que terá o FGTS como cotista único. O FI-FGTS terá patrimônio próprio, segregado do FGTS, cujo valor inicial de constituição não comprometerá o patrimônio individual dos trabalhadores (contas individuais), pois os recursos são do Patrimônio Líquido do Fundo de Garantia.

A finalidade do Fundo é o financiamento a empreendimentos de infraestrutura dos setores de energia, rodovia, ferrovia, hidrovia, porto e saneamento, de acordo com as diretrizes, critérios e condições que dispuser o Conselho Curador do FGTS.

O investimento do FI-FGTS ocorrerá em projetos previamente analisados e selecionados e o percentual máximo alocado pelo Fundo de Investimento será de até 30% do valor total do empreendimento quando o investimento for realizado em instrumentos de participação societária.

Após um período de maturação estimado inicialmente em 2 anos, empreendimentos do FI-FGTS (fundo-mãe) poderão vender cotas de participação. Estas cotas constituirão um novo Fundo a ser lançado pela CAIXA, denominado Fundo de Investimento em Cotas (FIC), produto que poderá ser oferecido aos trabalhadores como uma “opção de investimento”, na qual estes poderão aplicar até 10% do saldo de suas contas vinculadas.

O FI-FGTS foi criado pela Medida Provisória n.º 349/2007, aprovada pelo poder legislativo e convertida na Lei n.º 11.491, de 29.06.2007, que autorizou a aplicação de R$ 5 bilhões do patrimônio líquido do FGTS para integralização de cotas do FI-FGTS, podendo essa quantia atingir até 80% do Patrimônio Líquido do FGTS em 31/12/2006, ou seja R$ 17.100.800 mil. (…)”[4]

Contudo, sobreveio um outro parecer, dizendo que mesmo sabendo sobre o pagamento da última parcela da dívida de FGTS, ainda sim existiam empregados que não se habilitaram para recuperar os valores pelos quais foram lesados[5], valores estes, que aproximavam de R$ 11,5 bilhões. Logo, havia a necessidade de se captar esses recursos.

Ou seja, não obstante o pagamento da última prestação em janeiro de 2007, o próprio Gerente Nacional do FGTS, Sr. Henrique José Santana, em conjunto com o Superintendente Nacional do FGTS, Sr. Sergio Antonio Gomes, emitiram um parecer sobre a desnecessidade da referida contribuição desde julho de 2012, levando-se em consideração a expectativa de desembolso de valores que perfazem a monta aproximada de R$ 11,5 bilhões, conforme fora observado anteriormente.

“Assunto: Período de exigibilidade da Contribuição Social 10% – LC 110/2001

Senhor Secretário-Executivo,

1. Conforme solicitação dessa Secretaria Executiva consideramos, abaixo, alguns apontamentos acerca da matéria da Contribuição Social instituída pela Lei Complementar 110/01, de 29 de junho de 2001.

1.1 A Contribuição Social em foco, cujo valor corresponde ao percentual de 10% (dez por cento) aplicado ao montante de todos os depósitos devidos ao FGTS, durante a vigência do contrato de trabalho, acrescido das remunerações aplicáveis às contas vinculadas, é devida pelo empregador quando da despedida de empregado sem justa causa.

1.2 Preliminarmente, cabe ressaltar que a Lei Complementar 110/2001 foi o fruto de um processo de negociação que envolveu o Governo Federal, representado então Ministro do Trabalho, Francisco Dornelles, os trabalhadores, pelas Centrais Sindicais com assento no Conselho Curador do FGTS, e os empregadores, pelas Confederações com assento no mencionado Conselho, o que resultou, à época, no denominado Maior Acordo do Mundo.

1.2.1 Nesse processo, cada uma das partes anuíram em dar a sua cota de contribuição para a formação do montante de recursos necessários à quitação dos compromissos decorrentes dos complementos de atualização monetária resultantes da decisão do Supremo Tribunal Federal – STF.

1.3 Concluída essa complexa negociação, o Governo Federal apresentou Projeto de Lei Complementar que autorizava o crédito, nas contas vinculadas do FGTS, dos complementos de atualização monetária em comento, sob a condição da aprovação da contribuição social de 10% (dez por cento) dos depósitos do FGTS, devida nos casos de despedida sem justa causa, e da contribuição social de 0,5% (cinco décimos por cento), incidente sobre a folha de pagamento. Essas contribuições representavam a contrapartida dos empregadores no Acordo firmado entre o Governo e os representantes patronais e dos trabalhadores.

2 Dessa forma, no contexto da mencionada negociação, com o objetivo de auxiliar o Fundo no pagamento dos complementos de atualização monetária aplicáveis às contas vinculadas na forma da supracitada LC, estruturou-se uma engenharia econômico-financeira que compreendia as seguintes fontes de recursos e medida para evitar o desequilíbrio patrimonial do Fundo:

a) arrecadação das contribuições sociais, instituídas pelos artigos 1º e 2º da LC 110/2001, onde, a primeira, ainda vigente (cuja arrecadação não foi possível estimá-la, à época), e a segunda que vigorou por 60 (sessenta) meses (01/2002 a 12/2006), estimada em R$ 5,0 bilhões;

b) participação dos trabalhadores, mediante a aplicação de deságio, no valor dos créditos de importância superior a R$ 2,0 mil reais, estimado em R$ 4,0 bilhões;

c) utilização de R$ 10,0 bilhões do Patrimônio Liquido do FGTS;

d) utilização de R$ 10,0 bilhões oriundos de receitas financeiras do FGTS, potencializadas pela troca de R$ 6,0 (seis bilhões de reais) de Títulos CVS, da carteira do Fundo, por outros Títulos do Tesouro (LFT); e

e) autorização para que o FGTS promovesse o diferimento das despesas correspondentes em até 15 anos.

2.1 Considerando a não-previsibilidade de todos os impactos dessas medidas, a fixação de termo para a exigibilidade da Contribuição em comento ficou para ser promovida em momento oportuno, ou seja, quando se pudesse definir a partir de quando o FGTS absorveria os efeitos econômico-financeiros do pagamento dos referidos complementos a todos os trabalhadores, quer seja pela via administrativa ou judicial.

3. Observadas as condições estabelecidas na LC 110/2001 e as decisões judiciais que determinam a efetivação dos créditos, para aqueles trabalhadores que não optaram pela via administrativa, foram realizados, até o momento, mais de 85,4 milhões de créditos nas contas vinculadas, perfazendo um montante de R$ 41,1 bilhões, conforme planilha anexa.

3.1 Como dito, uma fatia de trabalhadores não quis formalizar a adesão, nos termos da LC 110/2001, preferindo a via judicial para obter a reconstituição de atualização monetária dos saldos das contas vinculadas.

3.1.1 Desses, atualmente, persistem aproximadamente 94 mil (posição de setembro /2011) processos judiciais referentes aos Planos Econômicos, ainda ativos, tramitando nas Varas Federais e Juizados Especiais, nos quais o FGTS figura no pólo passivo.

3.1.2 Por essa razão, está registrada, a título de provisão, a quantia de R$ 11,5 bilhões no balancete do FGTS (posição dezembro/2011), que reoresenta a expectativa de desembolso a ser ainda realizado pelo Fundo.

4 Até o mês de dezembro de 2011, o FGTS arrecadou com as duas Contribuições Sociais, de que trata a LC 110/2001, o montante de R$ 23,059 bilhões, conforme planilha anexa.

5 Ao cotejarmos os valores das fontes de recursos citadas no item 2 supra – que somam até o momento R$ 40,1 bilhões -, com o total das despesas já realizadas e a realizar pelo FGTS – previstas em R$ 53,42 bilhões -, constatamos uma diferença de recursos da ordem de R$ 13,32 bilhões.

5.1 Portanto, esse “déficit” de R$ 13,32 bilhões tem sua realização projetada para ocorrer no momento em que se espera que sejam julgadas e extintas todas as ações judiciais citadas no subitem 3.1.1 retro.

6 É fundamental destacar que apesar da LC 110 autorizar o diferimento das despesas com os complementos de atualização levados a crédito dos trabalhadores em até 15 anos, o FGTS, considerando a sua condição econômico-financeira e em benefício dos empregadores responsáveis pelo pagamento da Contribuição Social em comento, reduziu em 4 (quatro) anos aquele prazo, fato que caracteriza uma contribuição adicional do Fundo para o equacionamento do tema.

6.1 Essa redução, que se traduz em absorção de impactos pelo FGTS acima dos limites negociados no Acordo, é que nos tem permitido defender o término da exigibilidade da Contribuição aqui tratada para julho de 2012.

6.2 Merece igual destaque o fato de que o estabelecimento imediato do fim da exigibilidade da precitada Contribuição Social levará o FGTS, pela antecipação total do diferimento autorizado, à relização de prejuízo da ordem de R$ 1,61 bilhões (saldo da conta de diferimento na posição de dezembro de 2011), fato que poderá ensejar a aplicação do disposto:

– no art. 11 da LC 110/2001, que estabelece que o Tesouro Nacional fica subsidiariamente obrigado à liquidação dos valores creditados aos trabalhadores até o montante não coberto pela arrecadação das Contribuições Sociais instituídas pela referida LC;

– no parágrafo 4º do art. 13 da Lei 8.036/1990, que estabelece que é do Governo Federal a responsabilidade de garantir o saldo das contas vinculadas.

6.3 Em resumo, essa antecipação do término de exigibilidade da Contribuição Social em pauta, contraria a premissa que presidiu o processo de negociação – de que a conta dessa magnífica dívida social não poderia ser paga, exclusivamente, pelo FGTS e o Tesouro Nacional – além de implicar o descumprimento do chamado “MAIOR ACORDO DO MUNDO”, consubstanciado na LC 110, com a assunção, pelo Governo Federal, da contrapartida a cargo dos empregadores.

7 Finalizando, registramos que a manutenção da cobrança da Contribuição Social, até julho de 2012, faz parte da engenharia econômico-financeira criada pela LC 110/2001 para permitir que o Fundo honre os compromissos em relação aos créditos complementares e é de fundamental importância para a recomposição dos recursos do FGTS utilizados nesse processo e, consequentemente, evitar-se desequilíbrios desse Instituto que se traduz em um verdadeiro patrimônio da sociedade brasileira, em especial dos trabalhadores.

Atenciosamente (…)”[6]

Pelo conjunto dos acontecimentos trazidos até agora, o recolhimento da referida contribuição perdeu a sua finalidade e não deveria ser recolhido.

2. A declaração exarada pela Presidente da República, Dilma Rousseff

A então a então Presidente da República, Dilma Rousseff, no dia 25/07/2013, vetou um projeto de lei (PL 200/2012) que pretendia abolir a referida contribuição, sob a fundamentação de que a extinção dessa contribuição acarretaria em um impacto de R$ 3 bilhões de reais ao ano, resultando na redução de investimento em importantes programas sociais, como o programa minha casa, minha vida:

“MENSAGEM Nº 301, DE 23 DE JULHO DE 2013. 

Senhor Presidente do Senado Federal,

Comunico a Vossa Excelência que, nos termos do § 1º do art. 66 da Constituição, decidi vetar integralmente, por contrariedade ao interesse público, o Projeto de Lei Complementar nº 200, de 2012 (nº 198/07 no Senado Federal), que "Acrescenta § 2º ao art. 1º da Lei Complementar nº 110, de 29 de junho de 2001, para estabelecer prazo para a extinção de contribuição social".

 Ouvidos, os Ministérios do Trabalho e Emprego, do Planejamento, Orçamento e Gestão e da Fazenda manifestaram-se pelo veto ao projeto de lei complementar conforme as seguintes razões:

"A extinção da cobrança da contribuição social geraria um impacto superior a R$ 3.000.000.000,00 (três bilhões de reais) por ano nas contas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, contudo a proposta não está acompanhada das estimativas de impacto orçamentário-financeiro e da indicação das devidas medidas compensatórias, em contrariedade à Lei de Responsabilidade Fiscal. A sanção do texto levaria à redução de investimentos em importantes programas sociais e em ações estratégicas de infraestrutura, notadamente naquelas realizadas por meio do Fundo de Investimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FI-FGTS. Particularmente, a medida impactaria fortemente o desenvolvimento do Programa Minha Casa, Minha Vida, cujos beneficiários são majoritariamente os próprios correntistas do FGTS."

Essas, Senhor Presidente, as razões que me levaram a vetar o projeto em causa, as quais ora submeto à elevada apreciação dos Senhores Membros do Congresso Nacional.

Este texto não substitui o publicado no DOU de 25.7.2013[7]

A própria Presidente da República confessou que desviava os valores de sua finalidade institucional.

Essa foi a gota d’água para que os contribuintes buscassem a restituição das referidas contribuições pagas indevidamente desde julho de 2012, momento o qual passaram a ser reconhecidamente indevidas pelo próprio FGTS.

3. Fundamentação jurídico-constitucional: a contribuição se enquadra no art. 149, e não no art. 195 da CF

A fundamentação jurídico-constitucional para a restituição das referidas verbas debruça-se na definição de sua natureza.

As contribuições previstas no art. 149 da Constituição Federal possuem uma característica inerente à sua criação, ou seja, possuem uma espécie de finalidade que as acompanha durante toda a sua vigência. Esta que, uma vez atingida, extingue a exigibilidade do referido tributo.

A finalidade, conforme explicado anteriormente, era justamente cobrir os danos causados pelos planos Verão e Collor I, que impactaram os fundos de FGTS em montante aproximado de R$ 43 bilhões. Logo, há evidências de seu caráter interventivo-transitório.

É diferente das contribuições sociais previstas no art. 195 da Constituição Federal, eis que esses tributos possuem um caráter de permanência e continuidade, tendo em vista que possuem a finalidade de financiar toda a seguridade social, com recursos de toda a sociedade. Logo, as contribuições desse artigo possuem a finalidade para efetivar o acesso de toda a população à previdência, ao assistencialismo, e à saúde, e não para cobrir um prejuízo causado por má administração governamental.

A referida contribuição social possuía um caráter de urgência, e, conforme prevê a CF, todas essas verbas emergenciais devem ter um “prazo de validade”, que se alcançará quando o desequilíbrio econômico social for atingido. A referida verba possui natureza jurídica idêntica a CPMF, que surgiu em um momento conturbado da economia, mas que fora extinta quando tudo se normalizou.

Até mesmo a própria Lei Complementar traz indícios de sua transitoriedade. Cita-se, por exemplo, a contribuição que estava prevista no art. 2º, que trouxe uma contribuição social à alíquota de cinco décimos por cento sobre a remuneração devida, no mês anterior, a cada trabalhador, com prazo de sessenta meses de duração.

Todas as evidências de que a sua natureza jurídica atrai o art. 149 da Constituição Federal foram confirmadas pelo STF, no julgamento da ADI 2.556-2, conforme ementa:

“EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade. Impugnação de artigos e de expressões contidas na Lei Complementar federal nº 110, de 29 de junho de 2001. Pedido de liminar.

– A natureza jurídica das duas exações criadas pela lei em causa, neste exame sumário, é a de que são elas tributárias, caracterizando-se como contribuições sociais que se enquadram na sub-espécie “contribuições sociais gerais” que se submetem à regência do artigo 149 da Constituição, e não à do artigo 195 da Carta Magna.(…)”[8]

 A bem da verdade, conforme se extrai do relatório anual de gestão do FGTS de 2007, o atendimento à finalidade legal fora cumprido naquele ano, não devendo mais ser devidos, portanto, as referidas contribuições após essa data.

“Crédito Complementar do FGTS

O Governo Federal determinou, no ano 2000, o atendimento aos pleitos dos trabalhadores que à época dos Planos econômicos detinham contas vinculadas do FGTS com saldo.

Diante desse fato, foi constatada a necessidade de o Fundo de Garantia constituir “funding” suficiente ao pagamento desses Créditos Complementares, a época estimado em R$ 40 bilhões.

Em janeiro de 2007, a CAIXA realizou o crédito da sétima e última parcela do FGTS, no valor de R$ 626,3 milhões para 334 mil contas vinculadas, nas contas de todos os trabalhadores que firmaram Termo de Adesão às condições contidas na Lei Complementar 110/01, cumprindo na sua plenitude o Maior Acordo do Mundo, como ficou conhecido.

E os números são significativos: foram fornecidos mais de 113,8 milhões de extratos, de aproximadamente 122 milhões de contas vinculadas, que estavam em 78 Bancos e 28 sistemas diferentes; recepcionadas 32,2 milhões de adesões; realizados em torno de 85,4 milhões de créditos, envolvendo o montante de 40,3 bilhões. Desse total, R$ 32,4 bilhões ingressaram na economia por meio dos saques realizados pelos trabalhadores.

Essa conquista constiuiu-se num dos maiores desafios da história da CAIXA, que realizou com maestria a coordenação e a execução das principais atividades necessárias à elaboração e ao cumprimento da mencionada lei”.[9]

Com isso, foi possível a criação do Fundo de Investimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FI-FGTS), que se utiliza de recursos que não comprometem o patrimônio individual dos trabalhadores, pois os recursos que o financiam são justamente de um “Patrimônio Líquido do Fundo de Garantia”. Ora, se existia um déficit e o mesmo fora quitado através de uma receita específica para tanto, e a mesma receita continuou a ser exigida, de forma indevida, resta óbvio que todo esse excedente seria destinado ao “Patrimônio Líquido do Fundo de Garantia”.

“FI – FGTS

O Fundo de Investimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FI-FGTS) é um fundo fechado e exclusivo que terá o FGTS como cotista único. O FI-FGTS terá patrimônio próprio, segregado do FGTS, cujo valor inicial de constituição não comprometerá o patrimônio individual dos trabalhadores (contas individuais), pois os recursos são do Patrimônio Líquido do Fundo de Garantia.

A finalidade do Fundo é o financiamento a empreendimentos de infraestrutura dos setores de energia, rodovia, ferrovia, hidrovia, porto e saneamento, de acordo com as diretrizes, critérios e condições que dispuser o Conselho Curador do FGTS.

O investimento do FI-FGTS ocorrerá em projetos previamente analisados e selecionados e o percentual máximo alocado pelo Fundo de Investimento será de até 30% do valor total do empreendimento quando o investimento for realizado em instrumentos de participação societária.

Após um período de maturação estimado inicialmente em 2 anos, empreendimentos do FI-FGTS (fundo-mãe) poderão vender cotas de participação. Estas cotas constituirão um novo Fundo a ser lançado pela CAIXA, denominado Fundo de Investimento em Cotas (FIC), produto que poderá ser oferecido aos trabalhadores como uma “opção de investimento”, na qual estes poderão aplicar até 10% do saldo de suas contas vinculadas.

O FI-FGTS foi criado pela Medida Provisória n.º 349/2007, aprovada pelo poder legislativo e convertida na Lei n.º 11.491, de 29.06.2007, que autorizou a aplicação de R$ 5 bilhões do patrimônio líquido do FGTS para integralização de cotas do FI-FGTS, podendo essa quantia atingir até 80% do Patrimônio Líquido do FGTS em 31/12/2006, ou seja R$ 17.100.800 mil. (…)”[10]

Contudo, frise-se, a finalidade da referida contribuição não foi para criar o FI-FGTS, com o intuito de se investir em empreendimentos de infraestrutura dos setores de energia, rodovia, ferrovia, hidrovia, porto e saneamento, mas sim para resolver o déficit dos Planos Verão e Collor I. Ademais, como pode um Fundo atrelado ao FGTS possuir um patrimônio segregado do FGTS? Por óbvio que esse “patrimônio próprio” é, justamente, a contribuição prevista na Lei Complementar n.º 110/2001, o que desvirtua de forma cabal a destinação das referidas verbas.

Até mesmo o próprio FGTS entendeu a natureza transitória e de destinação específica da referida contribuição social, prevendo que essa deveria ser extinta em julho de 2012.

Todo esse cenário para, frise-se, concluir que houve desvio de finalidade no emprego da contribuição social, de caráter interventivo, nos moldes do art. 149 da Constituição Federal.

De outro modo, resta clarividente que as contribuições de intervenção no domínio econômico, que é o caso analisado, devem possuir destinação específica e seguir a estrita formalidade. É o que ensina Hugo de Brito Machado.

“A finalidade da intervenção no domínio econômico caracteriza essa espécie de contribuição social como tributo de função nitidamente extra-fiscal. Assim, um tributo cuja finalidade predominante seja a arrecadação de recursos financeiros jamais será uma contribuição social de intervenção no domínio econômico.

A finalidade interventiva dessas contribuições, como característica essencial dessa espécie tributária, deve manifestar-se de duas formas, a saber: (a) na função da própria contribuição, que há de ser um instrumento da intervenção estatal no domínio econômico, e ainda, (b) na destinação dos recursos com a mesma arrecadados, que só podem ser aplicados no financiamento da intervenção que justificou sua instituição.

Não se venha argumentar que a destinação do produto da arrecadação é irrelevante para a determinação da natureza jurídica específica do tributo. Realmente é assim, nos termos do art. 4º do CTN. Ocorre que esse dispositivo tem de ser interpretado no contexto em que está encartado. Como o Código Tributário Nacional não trata de contribuições de intervenção no domínio econômico, é compreensível que as suas normas não sejam sempre adequadas a essa espécie tributária.

Ocorre que a contribuição de intervenção no domínio econômico tem perfil constitucional próprio. Ela não se destina a suprir os cofres públicos de recursos financeiros necessários para o custeio das atividades ordinariamente desenvolvidas pelo Estado. Ela não é um instrumento de arrecadação de meios financeiros, simplesmente. É um instrumento de intervenção no domínio econômico.

(…) Sua utilização para outros fins configura violação à Constituição, caracterizada pelo desvio da finalidade a que se referem especialmente os cultores do Direito Administrativo.

(…) A intervenção não consubstancia atividade normal, ordinária, permanente do Estado. Ela é atividade excepcional, e por isto mesmo, temporária, tendente a corrigir distorções em setores da atividade econômica.

Assim, a lei que institui uma contribuição de intervenção no domínio econômico há de definir sua hipótese de incidência no estreito campo da atividade econômica na qual vai atuar como instrumento de intervenção estatal. E há de indicar expressamente a destinação dos recursos a serem arrecadados, que evidentemente não pode ultrapassar o âmbito da atividade interventiva.”[11]

Todo esse cenário para se explicar o óbvio: criou-se uma contribuição para suprir um déficit e o governo aproveitou-se desta para, de forma ardilosa, desviar esses recursos para programas sociais de governo, hostilizando de forma direta a finalidade do referido instituto, bem como a sua destinação.

4. Conclusão

Conforme explicado no decorrer do artigo, existe inconstitucionalidade no pagamento da contribuição no valor de 10%, que incide sobre a demissão injustificada dos empregados de uma empresa.

Logo, o contribuinte não só pode, como deve, pleitear perante o Poder Judiciário a restituição ou compensação das referidas verbas, desde o período que fora indicado.

 

Referências
CARVALHO, Paulo De Barros. Curso de direito tributário: 23 ed. Sao Paulo: Saraiva, 2011.
CARVALHO, Paulo De Barros. Direito tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidência. 9 ed. Sao Paulo: Saraiva, 2014.
EMPREGO, Ministério Do Trabalho E. Prestação de contas exercício 2007: Relatórios de gestão. Edição. Brasília: [s.n.], 2007.
MACHADO, Hugo De Brito. Curso de direito tributário. 23 ed. Sao Paulo: Malheiros, 2003.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
BRASIL. Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990.
BRASIL. Lei Complementar n.º 110, de 29 de junho de 2001.
BRASIL. Projeto de Lei n.º 378-A/2006.
PLANALTO. Presidência da república casa civil subchefia para assuntos jurídicos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/msg/vet/vet-301.htm>. Acesso em: 13 jun. 2017.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Supremo tribunal federal. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?doctp=ac&docid=347622>. Acesso em: 13 jun. 2017

Notas
[1] Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990.
[2] Tal documentação pode ser encontrada no próprio site da Câmara dos Deputados, pesquisando-se pelo Projeto de Lei n.º 378-A/2006
[3] EMPREGO, Ministério Do Trabalho E. Prestação de contas exercício 2007: Relatórios de gestão. Edição. Brasília: [s.n.], 2007. 38 p.
[4] Ibidem. Pg 41.
[5] Pois os empregados foram lesados no sentido de terem perdidos expurgos inflacionários incidentes sobre o FGTS armazenado em sua conta vinculada.
[6] Trata-se do Ofício n.º 0038/2012/SUFUG/GEPAS, da Superintendência Nacional do FGTS e da Gerência Nacional de Administração do Passivo do FGTS, endereçado ao Secretário-Executivo do Conselho Curador do FGTS, em 08/02/2012.
[7] PLANALTO. Presidência da república casa civil subchefia para assuntos jurídicos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/msg/vet/vet-301.htm>. Acesso em: 13 jun. 2017.
[8] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Supremo tribunal federal. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?doctp=ac&docid=347622>. Acesso em: 13 jun. 2017.
[9] EMPREGO, Ministério Do Trabalho E. Prestação de contas exercício 2007: Relatórios de gestão. Edição. Brasília: [s.n.], 2007. 38 p.
[10] Ibidem. Pg 41.
[11] MACHADO, Hugo De Brito. Curso de direito tributário. 23 ed. São Paulo: Malheiros, 2003. 388-390 p.

Informações Sobre o Autor

Rodrigo Nunes Sindona

Advogado especialista em direito previdenciário tributário e empresarial pela PUC-SP graduando em ciências contábeis e economia


Equipe Âmbito Jurídico

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