Indenização pela administração pública nos casos de invasão de área pública por particulares

Resumo: O presente trabalho tem por escopo analisar, dentro da ótica do Direito Civil e do Direito Administrativo a possibilidade de haver ou não indenização em casos de ocupação irregular de áreas públicas por particulares. É constitucionalmente proibido que as áreas públicas sejam usucapidas. Cabe analisar, então, a possibilidade de se ter indenizadas as benfeitorias feitas nessas áreas. A jurisprudência não é pacifica a respeito do tema. Parte entende que é possível o pagamento da indenização diante da omissão do Estado ao tolerar a ocupação por longo período de tempo. Outra parte entende não ser possível o pagamento da indenização, haja vista que a ocupação de bem público, mesmo que por longo período de tempo, constitui mera detenção e não posse e que a posse de imóvel público é de presumida má-fé e por isso não gera o direito a indenização por benfeitorias.[1]

Palavras-chave: Bens públicos; parcelamento de terra; responsabilidade civil; indenização; ocupação irregular.

INTRODUÇÃO

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O parcelamento do solo é um instrumento jurídico por meio do qual se realiza a primeira e mais importante etapa na construção do espaço urbano. Ele é quem define o desenho urbano.

A boa gestão do parcelamento do solo é imprescindível para que a cidade cresça de forma harmônica, respeitando o meio ambiente e propiciando qualidade de vida para a população.

No entanto boa parte do território urbano do País tem sido constituída mediante parcelamento irregular do solo. A partir desses parcelamentos irregulares surgem os chamados loteamentos irregulares ou clandestinos.

Esses loteamentos constituem um verdadeiro empreendimento. São parcelamentos feitos à margem da legislação urbanística, ambiental, cível e penal, onde são abertas ruas e demarcados lotes sem que haja qualquer controle por parte do Poder Público. Depois de demarcados, os lotes são vendidos a terceiros.

A ocupação irregular do solo, atualmente, tem sido vista como um dos principais problemas urbanos. Afeta tanto a segurança, como a saúde, transportes, meio ambiente, defesa civil e provisão de serviços públicos.

Os moradores desses assentamentos, quando compram os terrenos, têm consciência da ilegalidade e das carências de infra-estrutura. Entretanto essa condição tem sido aceita em razão dos preços mais baixos.

A ilegalidade, nas formas populares de uso e ocupação do solo, deve ser enfrentada com urgência, pois geram sérias implicações sociais, políticas, econômicas e ambientais. Por esta razão torna-se indispensável à ação do Poder Público.

Não se pretende aduzir novas abordagens sobre o tema proposto, mas simplesmente demonstrar que é indispensável a intervenção estatal na condução do processo de desenvolvimento urbano. Demonstrar, também, que o Estado dispõe de meios para controlar o aparecimento desses assentamentos irregulares.

Trata-se, portanto, de pesquisa bibliográfica descritiva, por meio de consulta a doutrinas, jurisprudências, artigos, legislação e a Constituição Federal de 1988. O principal objetivo deste trabalho é demonstrar que a falta de gestão por parte do Poder Público torna o Estado um responsável direto no aparecimento dos assentamentos irregulares.

I. BENS PÚBLICOS

Um assunto que tem sido objeto de muitas discussões nos Tribunais e na mídia é a possibilidade ou não de indenizar o particular pelas benfeitorias em áreas que pertencem ao Poder Publico. Mas afinal, o que é um bem público?

1.1 Conceito de Bem público

Entende-se como bem público todo e qualquer bem que pertença a uma pessoa jurídica de direito púbico, seja ela da administração direta ou indireta, independentemente da natureza desse bem.

O conceito de pessoa jurídica de direito publico está previsto no art. 41 do Código Civil de 2002, conforme segue:

“Art. 41. São pessoas jurídicas de direito público interno:

I – a União;

II – os Estados, o Distrito Federal e os Territórios;

III – os Municípios;

IV – as autarquias, inclusive as associações públicas;

V – as demais entidades de caráter público criadas por lei.”

O art. 98 do mesmo Código Civil traz no seu corpo a definição de bens públicos como sendo:

“Art. 98. São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem”.

Quando falamos em bens de qualquer natureza queremos dizer que eles podem ser corpóreos ou incorpóreos, moveis ou imóveis, semoventes, créditos direitos ou ações.

Hely Lopes Meirelles conceitua os bens públicos em seu sentido amplo e estrito. Em sentido amplo, bens públicos são todas as coisas corpóreas e incorpóreas, imóveis, móveis e semoventes, créditos, direitos e ações que pertençam a qualquer título, às entidades estatais, autárquicas, fundacionais e empresas governamentais. (MEIRELLES, HELY LOPES. pags. 564)

Ou seja, o bem, para ser classificado como público em sentido amplo, deve pertencer a uma entidade pública de direito interno (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) ou a uma entidade da administração indireta (as autarquias, as fundações de direito público e as associações públicas – também denominadas consórcios públicos)

1.2 Classificação dos bens públicos

Podemos classificar os bens públicos de diversas formas, sejam elas, quanto a titularidade (bens federais, estaduais, distritais e municipais) quanto a disponibilidade (bens indisponíveis, patrimoniais indisponíveis e patrimoniais disponíveis) e finalmente a classificação mais nos interessa: quanto a sua DESTINAÇÃO.

O art. 99 do Código Civil de 2002 classifica os bens públicos quanto a sua destinação da seguinte forma:

“Art. 99. São bens públicos:

I – os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;

II – os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias;

III – os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.

Parágrafo único. Não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado”.

Desta forma podemos dividir os bens públicos em de USO COMUM DO POVO, de USO ESPECIAL, e BENS DOMINICAIS OU DOMINIAIS.

Antes de aprofundar o exame dessa classificação, necessário se faz conceituar, rapidamente, afetação e desafetação de bem público.

Afetação consiste em conferir ao bem público uma destinação. Desafetação consiste em retirar, do bem, aquela destinação anteriormente conferida a ele.

Enfim, o tema afetação e desafetação dizem respeito aos fins para os quais está sendo utilizado um bem público. Se um bem está sendo utilizado para determinado fim público, seja diretamente do Estado, seja pelo uso dos indivíduos em geral, diz-se que está afetado a determinado fim público. Em sentido contrário, o bem se diz desafetado quando não está sendo usado para qualquer fim público.

1.2.1 Bens de uso comum do povo

São considerados bens de uso comum do povo todos aqueles que se destinam à utilização geral pelos indivíduos.

O povo tem apenas o direito de usar esses bens, mas não tem o seu domínio. O domínio pertence à pessoa jurídica de direito publico. Este domínio possui características especiais, que lhe conferem a guarda, a administração e fiscalização dos referidos bens, podendo ainda reivindicá-los. (GONÇALVES, CARLOS ROBERTO. Pág. 272)

Note que usamos a palavra DOMÍNIO, isso porque parte da doutrina entende que nessa espécie de bens não se pode usar a expressão ‘propriedade’, visto que aqui o que prevalece é a destinação pública no sentido de sua utilização efetiva pelos membros da coletividade. Porém, mesmo sem o direito de propriedade sobre esses bens, o Poder Público tem o direito de regulamentar o seu uso, restringindo-o ou até mesmo o impedindo.

No entanto o STF entende que existe o direito de propriedade do Poder Público sobre os bens de uso comum do povo. A exemplo podemos citar um julgado publicado no dia 1° de fevereiro desde ano de 2011.

“Os bens de uso comum do povo são entendidos como propriedade pública. Tamanha é a intensidade da participação do bem de uso comum do povo na atividade administrativa que ele constitui, em si, o próprio serviço público [objeto de atividade administrativa] prestado pela Administração”. (STF – AGRAVO DE INSTRUMENTO: AI 834571 RS)

Como o objetivo deste trabalho não é demonstrar se existe ou não este direito de propriedade da Administração Pública sobre os referidos bens, não vamos nos aprofundar neste tema.

O que é importante mencionar é que os bens de uso comum do povo embora estejam à disposição da coletividade, permanecem sob a administração e vigilância do Poder Público, que tem o dever de mante-los em normais condições de utilização pelo público em geral. Qualquer dano ao usuário imputável a falta de conservação ou a obras e serviços públicos que envolvam esses bens é de responsabilidade do Estado, desde que a vítima não tenha agido com culpa.

1.2.2 Bens de uso especial

Consideram-se bens de uso especial todos aqueles bens que visam à execução dos serviços administrativos e dos serviços públicos em geral.

São aqueles destinados à execução dos serviços públicos. São considerados instrumentos destes serviços; não integram propriamente a Administração, mas constituem o aparelhamento administrativo, tais como os edifícios das repartições públicas, os terrenos aplicados aos serviços públicos, os veículos da Administração, os mercados e outras serventias que o Estado põe à disposição do público, mas com destinação especial. Tais bens como têm uma finalidade pública permanente, são também chamados bens patrimoniais indisponíveis. (MEIRELLES, HELY LOPES. Pag. 566)

Tal denominação indica que tais bens constituem o aparelhamento material da Administração Pública para atingir os seus fins.

No que diz respeito ao uso em si, pode-se dizer que cabe ao Poder Público. Os indivíduos, diferentemente do que ocorre com os bens de uso comum do povo, só poderão utilizá-los se forem atendidas as condições pré estabelecidas pelas pessoas públicas interessadas.

Não perdem a característica de bens de uso especial aqueles bens que estejam sendo utilizados por particulares quando objetivando a prestação de um serviço público, sobretudo sob regime de delegação.

1.2.3 Bens dominicais

São dominicais todos aqueles bens sem uma destinação pública especifica. É uma noção residual. Se o bem serve ao uso público em geral, ou se presta à consecução das atividades administrativas, NÃO poderá ser enquadrado como dominical.

O Poder Público exerce sobre estes bens poderes de propriedade. Incluem-se nessa categoria as terras devolutas, as estradas de ferro oficinas e fazendas pertencentes ao Estado.

O Código Civil apresentou inovação no que diz respeito aos bens dominicais em seu art. 99, Parágrafo único, se não vejamos:

“Parágrafo único. Não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado.”

Afinal, o que significa dar uma estrutura de direito privado a uma pessoa de direito publico? Existem duas hipóteses que tentam explicar o descrito no art. 99, Parágrafo único do Código Civil. A primeira hipótese é a pessoa de direito público se transformando em pessoa de direito privado, adotando a estrutura própria desse tipo de entidade. A segunda hipótese é a pessoa jurídica continuar sendo de direito público, apenas adaptando em sua estrutura alguns aspectos próprios de pessoas jurídicas de direito privado.

1.3 Formas de uso dos bens públicos

Os bens públicos podem ser utilizados pelas pessoas jurídicas de direito público, que é a regra geral, e também por particulares, ora com maior liberdade, ora com a observância dos preceitos legais pertinentes. O que é importante no caso é a demonstração de que a utilização dos bens públicos por particulares deve atender ao interesse público auferido pela Administração.

Pode-se dizer que existem duas formas, principais, de uso dos bens públicos, quais sejam: uso comum e uso especial.

Uso comum: aqui existe a utilização do bem público por todos os membros da coletividade, sem que haja discriminação entre os usuários, nem a anuência do estatal especifica para esse fim. Esses bens são destinados à utilização coletiva.

Além dos bens de uso comum do povo, os bens de uso especial admitem o uso comum quando a utilização é processada com os fins normais a que se destinam. Explico: pense em um prédio de uma repartição pública, as pessoas que entram ali, são usuárias, ainda que de maneira temporária, daquele bem público.

O uso comum deve ser gratuito, de modo a não causar ônus aos que utilizarem o bem. Assim preleciona HELY LOPES MEIRELLES:

“No uso comum do povo os usuários são anônimos, indeterminados, e os bens utilizados os são por todos os membros da coletividade- uti universi– razão pela qual ninguém tem direito ao uso exclusivo ou a privilégios na utilização do bem: o direito de cada individuo limita-se à igualdade com os demais na fruição do bem ou no suportar o ônus dele resultantes. Pode-se dizer que todos são iguais perante os bens de uso comum do povo.” (MEIRELLES, HELY LOPES. Pag. 569)

Essa gratuidade decorre da generalidade do seu uso, afinal se o seu uso fosse oneroso poderia surgir certa discriminação entre os usuários.

Uso especial: é aquele submetido a regras especificas e consentimento estatal ou se submete à incidência de uma prestação pecuniária pelo seu uso.

“É todo aquele que por um titulo individual, a Administração atribui a determinada pessoa para fruir de um bem público com exclusividade, nas condições convencionadas. É também uso especial aquele a que a Administração impõe restrições ou para o qual exige pagamento, bem como o que ela mesma faz de seus bens para a execução dos serviços públicos como é o caso dos edifícios, veículos e equipamentos utilizados por suas repartições”. (MEIRELLES, HELY LOPES. Pag. 569)

Podemos falar em uso especial quando este uso for privativo por algum administrado, ou seja, realizado por pessoas determinadas mediante instrumento jurídico especifico.

1.4 Características dos bens públicos

Os bens públicos têm três características principais que os distinguem dos bens particulares, quais sejam, são inalienáveis, impenhoráveis e imprescritíveis.

O novo Código Civil disciplinou a matéria com maior precisão em seus artigos 100, 101 e 102:

“Art. 100. Os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua qualificação, na forma que a lei determinar.

Art. 101. Os bens públicos dominicais podem ser alienados, observadas as exigências da lei.

Art. 102. Os bens públicos não estão sujeitos a usucapião.”

Alienabilidade: a pessoa jurídica de direito público, em regra, não pode transferir à terceiros a propriedade de seus bens, sejam eles móveis ou imóveis.

Excepcionalmente esses bens poderão ser transferidos a terceiros desde que atendam as condições legais.

Essas condições estão descritas nos artigos 17 a 19 do Estatuto de Contratos e Licitações (lei 8.666/93), quais sejam, caracterização do interesse público, realização de pesquisa prévia de preços (se o bem for vendido abaixo do preço causando atos lesivos ao patrimônio público cabe ação popular), desafetação dos bens de uso comum e de uso especial (essas duas espécies de bens são inalienáveis enquanto estiverem atendendo as finalidades públicas), necessidade de autorização legislativa em se tratando de bens imóveis (para bens móveis não há essa necessidade), abertura de licitação na modalidade de concorrência ou leilão.

Impenhorabilidade: os bens públicos não podem ser dados em garantia judicial, ou seja, não podem ser penhorados. Penhora é um ato de natureza constritiva que, no processo, recai sobre os bens do devedor para propiciar a satisfação do credor no caso de não cumprimento da obrigação.

Em suma, essa característica que impede que os bens públicos sejam oferecidos em garantia para cumprimento das obrigações contraídas pela Administração junto a terceiros.

Imprescritibilidade: significa dizer que os bens públicos não podem ser usucapidos independentemente da categoria a que pertençam. A Constituição Federal estabelece regra especifica a respeito, dispondo, no artigo 183, § 3º, que os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião, norma que alias é reiterada no art. 191, relativa á imóveis públicos rurais.

“Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

§ 3º – Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião. (…)

Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.

Parágrafo único. Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião”.

O Supremo Tribunal Federal – STF, também já se manifestou sobre o tema e editou a Súmula nº 340, consolidando o seguinte entendimento:

 “Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião.”

Desta forma, ainda que o particular tenha a posse de um bem público pelo tempo necessário à aquisição do bem por usucapião, não nascerá para ele o direito de propriedade, pois a posse não terá idoneidade de converter-se em domínio pela impossibilidade jurídica do usucapião.

II. OCUPAÇÃO IRREGULAR DE ÁREA PÚBLICA

2.1. Como surgem as ocupações irregulares?

As ocupações não acontecem de forma isolada, existe toda uma preparação prévia para que elas ocorram. Geralmente existe um líder que já conhece o terreno, a sua situação em face das determinações legais, escrituração e afins.

Existe, também, a participação de diversos agentes na formação desses loteamentos clandestinos. Podemos citar desde os grupos sociais menos favorecidos até promotores imobiliários.

Essas invasões geralmente ocorrem à noite ou nos finais de semana onde existe uma menor possibilidade de intervenção do Poder Público.

Munidos das ferramentas combinam data e hora exatas para a ocupação, também levam consigo matérias de construção, necessários para levantarem a habitação.

E partir daí , vários loteamentos clandestinos vão surgindo, transformando-se em verdadeiros bairros, onde serão construídas casas da forma que lhes convir. Essa é a possibilidades que as pessoas menos favorecidas encontram de conseguir um lugar para viver.

Em alguns casos, passados alguns anos, essas invasões são transformadas em áreas legalizadas e chegam até a receber alguma infra-estrutura.

2.2. Os loteamentos irregulares no Distrito Federal

O mais provável é que o primeiro loteamento irregular tenha surgido no Distrito Federal em meados dos anos 80, o Quintas da Alvorada, localizado na região do Vale do São Bartolomeu.

A partir desse momento, verificou-se o início de um tipo de apropriação do solo, considerado pelo Estado ilegal e irregular e pela população uma forma mais simples de acesso à moradia.

No inicio dos anos 90, o Distrito Federal contava com aproximadamente 180 loteamentos irregulares.

Esses loteamentos irregulares constituem um problema grave para o Distrito Federal, pois estão relacionados com o direito urbanístico e o ambiental. A mola propulsora deste problema urbano tem sido a falta de fiscalização do poder público somado à carência de imóveis urbanos acessíveis aos cidadãos.

As principais consequências desses loteamentos irregulares no Distrito Federal são os danos causados ao meio ambiente. A falta de um estudo sobre os impactos ambientais para a implantação destes loteamentos tem causado um crescente prejuízo ao meio ambiente, por meio do lançamento de detritos sólidos e esgotos nos rios e lagos e da perda da cobertura vegetal que expõe ao solo à degradação, representando prejuízos à fauna e a flora do cerrado.

Além disso, os loteamentos irregulares aumentam a pressão sobre os recursos hídricos. Sem uma política que discipline o uso racional da água, em breve surgirão situações de escassez. O problema está na abertura indiscriminada de poços artesianos sem licenciamento ambiental e da poluição de cursos de água e nascentes.

2.3. De quem é responsabilidade pelo parcelamento do solo urbano?

O Estado moderno tem três funções principais, quais sejam, legislativa, jurisdicional e administrativa. A função legislativa é aquela por meio da qual o Estado edita normas gerais e abstratas, que inovam a ordem jurídica e estão subordinadas diretamente à Constituição. Com a função jurisdicional o Estado resolve conflitos de interesses com força de coisa julgada.

E finalmente a função que mais interessa ao nosso trabalho, a função administrativa, pois é através dela que o Estado cuida da gestão de todos seus interesses e os de toda coletividade.

A função administrativa consiste num DEVER do Estado de dar cumprimento fiel, no caso concreto, aos comandos normativos de maneira geral ou individual, para a realização dos fins públicos.

Vamos análise de alguns dispositivos legais, quais sejam, os artigos 21 e 30 da Constituição Federal:

Art. 21. Compete à União:

XX – instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos;

Art. 30. Compete aos Municípios:

VIII – promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;”

E os artigos 13 e 40 da Lei n° 6.766/99, diploma legal que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano:

“Art. 13. Aos Estados caberá disciplinar a aprovação pelos Municípios de loteamentos e desmembramentos nas seguintes condições:

I – quando localizados em áreas de interesse especial, tais como as de proteção aos mananciais ou ao patrimônio cultural, histórico, paisagístico e arqueológico, assim definidas por legislação estadual ou federal;

Il – quando o loteamento ou desmembramento localizar-se em área limítrofe do município, ou que pertença a mais de um município, nas regiões metropolitanas ou em aglomerações urbanas, definidas em lei estadual ou federal;

III – quando o loteamento abranger área superior a 1.000.000 m².

Parágrafo único – No caso de loteamento ou desmembramento localizado em área de município integrante de região metropolitana, o exame e a anuência prévia à aprovação do projeto caberão à autoridade metropolitana.

Art. 40. A Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, se desatendida pelo loteador a notificação, poderá regularizar loteamento ou desmembramento não autorizado ou executado sem observância das determinações do ato administrativo de licença, para evitar lesão aos seus padrões de desenvolvimento urbano e na defesa dos direitos dos adquirentes de lotes”.

Ressalte-se que pelas determinações contidas nos referidos artigos, o parcelamento do solo e sua gestão constituem um verdadeiro dever-poder do Estado, podemos extrair daí a necessidade de o Poder Público fiscalizar, interferir, repressiva ou preventivamente, quando o loteamento for edificado.

Cabe ao Estado definir os critérios para a adequada ocupação do espaço urbano, de modo a evitar problemas que possam surgir em função dos parcelamentos inadequados ou pela implantação de atividades conflitantes. A regulamentação e execução de obras devem atender a um planejamento racional, que leve em consideração a organização do espaço.

Nesta linha, selecionamos o entendimento de alguns Tribunais a respeito do tema:

“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LOTEAMENTO PARA FINS SOCIAIS IRREGULAR. RESPONSABILIDADE DO MUNICÍPIO. PODER-DEVER. ART. 40 DA LEI N.6.766/79. LEGITIMIDADE PASSIVA DO MUNICÍPIO.1. As exigências contidas no art. 40 da Lei n. 6. 766/99 encerram um dever da municipalidade de , mesmo que para fins sociais, regularizar loteamento urbano, visto que, nos termos do art. 30, VIII, da Constituição Federal, compete-lhe promover o adequado ordenamento territorial mediante planejamento, controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano. 2. Recurso especial parcialmente conhecido e não-provido" (REsp 131697/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 13.06.05);

Neste sentido a orientação do Superior Tribunal de Justiça:

“RECURSO ESPECIAL. DIREITO URBANÍSTICO. LOTEAMENTO IRREGULAR. MUNICÍPIO. PODER-DEVER DE REGULARIZAÇÃO. 1. O art. 40 da lei 6.766/79 deve ser aplicado e interpretado à luz da Constituição Federal e da Carta Estadual. 2. A Municipalidade tem o dever e não a faculdade de regularizar o uso, no parcelamento e na ocupação do solo, para assegurar o respeito aos padrões urbanísticos e o bem-estar da população.3. As administrações municipais possuem mecanismos de autotutela, podendo obstar a implantação imoderada de loteamentos clandestinos e irregulares, sem necessitarem recorrer a ordens judiciais para coibir os abusos decorrentes da especulação imobiliária por todo o País, encerrando uma verdadeira contraditio in terminis a Municipalidade opor-se a regularizar situações de fato já consolidadas. 4. A ressalva do § 5º do art. 40 da Lei 6.766/99, introduzida pela lei 9.785/99, possibilitou a regularização de loteamento pelo Município sem atenção aos parâmetros urbanísticos para a zona, originariamente estabelecidos. Consoante a doutrina do tema, há que se distinguir as exigências para a implantação de loteamento das exigências para sua regularização. Na implantação de loteamento nada pode deixar de ser exigido e executado pelo loteador, seja ele a Administração Pública ou o particular. Na regularização de loteamento já implantado, a lei municipal pode dispensar algumas exigências quando a regularização for feita pelo município. A ressalva somente veio convalidar esse procedimento, dado que já praticado pelo Poder Público. Assim, com dita ressalva, restou possível a regularização de loteamento sem atenção aos parâmetros urbanísticos para a zona. Observe-se que o legislador, no caso de regularização de loteamento pelo município, podia determinar a observância dos padrões urbanísticos e de ocupação do solo, mas não o fez. Se assim foi, há de entender-se que não desejou de outro modo mercê de o interesse público restar satisfeito com uma regularização mais simples. Dita exceção não se aplica ao regularizador particular. Esse, para regularizar o loteamento, há de atender a legislação vigente.5. O Município tem o poder-dever de agir para que o loteamento urbano irregular passe a atender o regulamento específico para a sua constituição.6. Se ao Município é imposta, ex lege, a obrigação de fazer, procede a pretensão deduzida na ação civil pública, cujo escopo é exatamente a imputação do facere, às expensas do violador da norma urbanístico-ambiental. 5. Recurso especial provido.” STJ – RECURSO ESPECIAL REsp 448216 SP 2002/0084523-8 (STJ)

Ante o exposto, resta provado que a gerência e o parcelamento do solo é uma responsabilidade do Estado.

Para atender o disposto consignado em lei, no que diz respeito ao parcelamento do solo, foi conferido ao Estado uma série de poderes. Estes poderes são verdadeiros instrumentos de trabalho adequados a realização das tarefas administrativas. E é o que abordaremos a partir de agora.

2.4. Poderes administrativos concedidos ao Estado

O Estado dispõe de certas prerrogativas indispensáveis a persecução de suas finalidades. Essas prerrogativas constituem os poderes administrativos.

Os poderes administrativos são prerrogativas concedidas ao Poder Público para a persecução dos seus fins. Esses poderes não são uma mera faculdade de agir, mas sim uma obrigação de atuar.

Essas prerrogativas conferidas ao Poder público ao mesmo tempo em que são poderes, também constituem deveres, pois vedam a inércia. Esse caráter dúplice dos Poderes Administrativos denomina-se poder-dever de agir.

São poderes administrativos: o poder vinculado, o poder discricionário, o poder hierárquico, o poder disciplinar, o poder regulamentar e o poder de policia, setes dois últimos são os que mais nos interessam neste trabalho.

Vamos definir de maneira muito breve cada um desses poderes.

No poder vinculado a Administração Pública, ou quem lhe faça às vezes, fica inteiramente preso ao enunciado da lei, em todas as suas especificações. É mínima a liberdade de ação do administrador público. Consigne-se que a doutrina não é uniforme quando considerar a atividade vinculada como poder.

O poder discricionário confere ao administrador certa liberdade de escolha de acordo com a oportunidade e a conveniência para a pratica do ato. Não se confunde com poder arbitrário. Discricionariedade consiste em certa liberdade concedida ao administrador público para agir dentro dos limites da lei.

“A faculdade discricionária distingue-se da vinculada pela maior liberdade de ação que é conferida ao administrador. Se para a pratica de um ato vinculado a autoridade pública está adstrita à lei em todos os seus elementos formadores, para praticar ato discricionário é livre, no âmbito em que a lei lhe confere essa faculdade.” (MEIRELLES, HELY LOPES. Pág. 123)

Nas palavras de Hely Lopes Meirelles Poder hierárquico aquele que permite que a Administração Pública distribua e escalone as funções de seus órgãos, ordene e reveze a atuação de seus agentes e estabelecendo uma relação de subordinação entre os servidores do seu quadro pessoal. Seu objetivo é ordenar, coordenar controlar e corrigir as atividades administravas, no âmbito interno da Administração pública. (MEIRELLES, HELY LOPES. Pág. 125).

O poder disciplinar permite que a Administração Pública puna, internamente, as infrações funcionais dos seus servidores e demais pessoas sujeitas à disciplina dos órgãos e serviços administrativos.

2.5. Poder Regulamentar

Podemos conceituar poder regulamentar como prerrogativa aferida ao Estado de editar atos gerais para complementar lei, de modo a permitir sua efetiva aplicação. A estes atos dá-se o nome de regulamentos.

Observe que a prerrogativa é de complementar o que está na lei. Não é dada a Administração, por meio deste poder, permissão de alterar a lei.

“Há alguns casos, todavia, em que a Constituição autoriza determinados órgãos a produzirem atos que, tanto como as leis, emanam diretamente da Carta e têm natureza primária; inexiste qualquer ato de natureza legislativa que se situe em patamar entre a Constituição e o ato de regulamentação, como ocorre com o poder regulamentar. Serve como exemplo o art. 103-B, da CF, inserido pela E.C. 45/2004, que, instituindo o Conselho Nacional de Justiça, conferiu a esse órgão atribuição para “expedir atos regulamentares no âmbito de sua competência, ou recomendar providencias.” A despeito dos termos da expressão (“atos regulamentares”), tais atos não se enquadram no âmbito do verdadeiro poder regulamenta; como terão por escopo regulamentar a própria Constituição, serão eles autônomos e de natureza primaria, situando-se no mesmo patamar em que se alojam as leis dentro do sistema de hierarquia normativa”. (FILHO, JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO. Pag.61)

Depreende-se do texto que regulamento não é lei, embora a ela se assemelhe no conteúdo e poder normativo.

Nem toda lei precisa de um regulamento para ser executada, entretanto, toda e qualquer lei poderá ser regulamentada se o Poder Público julgar conveniente fazê-lo.

É importante salientar que na omissão da lei, o regulamento é que vai suprir a lacuna, até que o legislador preencha os “vazios” da legislação. Enquanto não o fizer, vige o regulamento, desde que não invada matéria reservada à lei. Veja o que diz a Constituição a este respeito:

“Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:

V – sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa;”

É possível notar que este artigo permite um controle pelo Poder Legislativo sobre o Executivo no que diz respeito aos limites do poder regulamentar, com o objetivo de ter preservada a função legislativa para o Poder constitucionalmente competente para exercê-la.

2.6. O Poder de Polícia do Estado

Como já foi dito, o Estado dispõe de poderes que viabilizam a sobreposição do interesse público sobre o interesse individual. Dentre estes poderes, derivados dos princípios de Direito Administrativo, encontramos o poder de policia.

O Código Tributário Nacional traz a definição de poder de policia no seu artigo 78:

“Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.”

O poder de polícia é uma prerrogativa de direito público, calcada na lei, que autoriza a Administração Pública a restringir o uso e o gozo da liberdade e da propriedade em favor do interesse da coletividade.

Em suma, o poder de polícia é a manifestação da Administração Pública, mediante a qual visa o bom exercício dos direitos individuais de modo que o interesse público esteja resguardado.

Em princípio, a competência para exercer o poder de polícia é da pessoa jurídica federativa à qual a Constituição Federal conferiu poder de regular a matéria. A competência de cada ente federativo está prevista nos artigos 21, 22, 25 e 30 da Constituição Federal.

Podemos dizer que são inválidos os atos de polícia que são praticados por agente de pessoa federativa que não tenha competência constitucional para regular a matéria.

São dois os fundamentos jurídicos para existência do poder de polícia, quais sejam o interesse público e a supremacia geral da Administração Pública. Essa supremacia consiste na superioridade de tratamento dado aos interesses da coletividade, pressuposto de uma ordem social estável, em que todos e cada um possam sentir-se garantidos e resguardados.

São três as características poder de polícia, quais sejam, discricionariedade (característica sobre a qual reina alguma controvérsia na doutrina), autoexecutoriedade e coercibilidade.

A discricionariedade consiste numa liberdade conferida à Administração Pública para a prática, dentre uma série limitada ou ilimitada de comportamentos possíveis, aquele que lhe pareça mais adequado à satisfação das necessidades públicas específicas previstas em lei.

A auto-executoriedade permite que a Administração, independentemente de autorização judicial, execute suas decisões. Nem todos os atos do poder de polícia são autoexecutaveis. As hipóteses de sua incidência são a autorização expressa em lei, urgência e necessidade desta medida administrativa e inexistência de outra medida cabível.

A última característica, coercibilidade, é um pressuposto da autoexecutoriedade. Esta característica diz respeito à imperatividade de que se revestem os atos de policia.

A atuação da polícia administrativa pode ser preventiva ou repressiva.

O poder de polícia encontra seus limites nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. As imposições de sanções, pelo poder de polícia, também sofrem limitações, já que só é possível aplicá-las se houver obediência ao devido processo legal.

III. OCUPAÇÃO IRREGULAR DE ÁREAS PÚBLICAS: CABE IDENIZAÇÃO PELAS BENFEITORIAS?

3.1. O que é responsabilidade Civil?

O dicionário, Silveira Bueno, conceitua responsabilidade como obrigação de responder pelos seus atos ou pelos de outrem.

O conceito de responsabilidade está ligado a ao surgimento de uma obrigação derivada, ou seja, um dever jurídico sucessivo, explico: a obrigação consiste num dever jurídico originário enquanto que a responsabilidade é o dever jurídico sucessivo, que surge com a violação do primeiro (a obrigação).

Portanto para o direito responsabilidade é uma obrigação derivada, que surge ao assumirmos as consequências de um fato, consequências estas que irão variar de acordo com os interesses lesados.

Responsabilidade civil pode ser entendida como situação de quem sofre as consequências da violação de uma norma, ou ainda, como uma obrigação de reparar os danos causados a outrem.

“Conclui-se que a noção jurídica de responsabilidade pressupõe a atividade danosa de alguém, que atuando a priori ilicitamente, viola uma norma jurídica preexistente (legal ou contratual), subordinado-se, dessa forma, às do seu ato (obrigação de reparar)

Trazendo esse conceito para o âmbito do Direito Privado, e seguindo essa linha de raciocínio, diríamos que a responsabilidade civil deriva da agressão a um interesse eminentemente particular, sujeitando, assim, o infrator, ao pagamento de uma compensação pecuniária à vitima, caso não repor in natura o estado anterior de coisas”. (GAGLIANO, PABLO STOLZE. Pág.9)

A responsabilidade civil tem como objetivo principal o ressarcimento e compensação da vítima pelo dano causado, porém visa também garantir a punição do comportamento antijurídico, e a reeducação do ofensor, justamente para prevenir a ocorrência de novas lesões.

Dessa forma verificamos um sentido quádruplo da norma: ressarcir, compensar, punir e educar.

A função ressarcitória visa garantir o direito, de quem sofreu o dano, à segurança dos bens que compõe seu patrimônio pessoal do modo mais exato possível, do valor do prejuízo sofrido no momento da ocorrência do fato danoso. A função compensatória visa reequilibrar o que o prejuízo desequilibrou.

A função punitiva tem dupla finalidade. A primeira consiste na modificação e a conscientização do comportamento danoso do ofensor por meio da atribuição de uma sanção. A segunda e a projeção social gerada pela indenização, explico: a conduta do ofensor serve de exemplo para que outros não cometam o mesmo “erro”. Já a função preventiva consiste num esforço do legislador no sentido de evitar e prevenir infrações.

A caracterização da responsabilidade civil são necessários alguns elementos: conduta, dano e nexo de causalidade.

A conduta pode ser positiva ou negativa. Tem-se a conduta positiva nos casos de ação do agente e a conduta negativa nos casos em que há omissão por parte do agente.A omissão pode ser interpretada como um “não fazer”, uma “simples abstenção”. No direito este tipo de comportamento, qual seja, a omissão, pode gerar dano atribuível ao omitente, que será responsabilizado pelo mesmo, observe o que versa o Código Civil, em seu artigo 186 a respeito do tema:

“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

O artigo fala em omissão voluntária, e aqui cabe uma observação de suma importância:

“Devemos destacar que também na ação omissiva a voluntariedade da conduta se faz presente, consoante se lê no mesmo artigo de lei (“omissão voluntária”…). Isso porque, se faltar este requisito, haverá ausência de conduta na omissão, inviabilizando, por conseguinte, o reconhecimento da responsabilidade civil.

Nesse sentido, o pensamento de EUGENIO RAÚL ZAFFARONI e JOSÉ HENRIQUE PIRANGELLI, perfeitamente aplicável ao tema sob análise:

“Nas omissões, por vezes, a pessoa não pratica a ação devida por causa de uma incapacidade de conduta: é o caso de quem se acha em meio a uma crise de histeria e não pode gritar para uma pessoa cega que esta caminhando para um precipício; daquele que fica parado em razão de um choque emocional num acidente e não pode prestar socorro às pessoas etc.” (GAGLIANO, PABLO STOLZE. Pág.29)

Sem prova de que houve um dano ninguém poderá ser responsabilizado civilmente. O dano é o prejuízo sofrido pelo agente. Para que o dano seja indenizável exige-se alguns requisitos: violação de um interesse juridicamente protegido, certeza, subsistência e imediatidade.

O nexo de causalidade é a elação de causa e efeito entre a conduta do agente (ação ou omissão voluntária) e o dano sofrido.

A responsabilidade civil pode ser ainda, subjetiva e objetiva. Diz-se que a responsabilidade civil é subjetiva quando há a necessidade de se comprovar dolo ou culpa (negligencia, imprudência ou imperícia) do agente.

Há casos em que não é necessário sequer ser caracterizada a culpa do agente, é a chamada responsabilidade civil objetiva. Nesses casos é irrelevante demonstrar se houve dolo ou culpa por parte do agente. Só há necessidade de demonstrar um nexo causal entre a conduta e o dano sofrido pelo lesado.

3.2. Responsabilidade civil do Estado.

A responsabilidade civil do Estado impõe a este a obrigação de reparar o dano causado a terceiro. Veja o que diz o Código Civil, em seu art. 43 a respeito do tema:

“Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo”.

A Constituição Federal também regula a matéria em seu art. 37, § 6º:

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

§ 6º – As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.

O Estado é uma pessoa jurídica e, como tal, desempenha duas atividades por meio de agentes.

A responsabilidade jurídica do Estado é do tipo objetiva, pois o particular lesado apenas precisa demonstrar um nexo causal entre a ação ou omissão do agente (que naquele momento representava o Estado) e o dano sofrido.

A responsabilidade objetiva do Estado consiste na responsabilização estatal pelos danos causados por seus agentes no exercício de suas funções.

3.3. Indenização

Quem nos traz o conceito de indenização é MARIA HELENA DINIZ em seu Dicionário Jurídico, como sendo:

“1. Ato ou efeito de indenizar. 2. Reembolso de despesa feita. 3. Recompensa por serviço prestado. 4. Reparação pecuniária de danos morais ou patrimoniais, causados ao lesado; equivalente pecuniário do dever de ressarcir o prejuízo. 5. Vantagem pecuniária que se dá ao servidor público sob a forma de ajuda de custo, diária ou transporte (Othon Sidou). 6. Ressarcimento do dano oriundo de acidente de trabalho ou de rescisão unilateral do contrato trabalhista sem justa causa”.(DINIS, MARIA HELENA. Pág. 816)

Vamos considerar, para o nosso trabalho, indenização como sendo o montante pecuniário que traduz a reparação do dano. Compensação pelos prejuízos oriundos de uma conduta lesiva.

3.4. Indenização pelas benfeitorias em casos de ocupação de área pública.

Como já dissemos no inicio deste trabalho, nosso objetivo é verificar se há Responsabilidade Civil do Estado e se essa responsabilidade vai gerar ou não o direito a uma indenização ao particular que ocupa uma área pública. É sabido por todos que o particular não pode usucapir área pública, entretanto isso não implica dizer estes não poderão ser indenizados pelas benfeitorias ali realizadas.

A jurisprudência ainda não é pacifica a respeito do tema. Existem duas correntes jurisprudenciais que tentam explicar a possibilidade de haver ou não tal indenização.

3.4.1. Entendimento desfavorável

Os que adotam esse posicionamento entendem que ocupação de área pública, mesmo com a tolerância do Poder Público, não se traduz como posse, mas sim como detenção. Cabe aqui conceituar e diferenciar esses dois institutos: posse e detenção.

O Código Civil conceitua como possuidor, no seu artigo 1.196, como sendo:

“Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”.

Logo, a posse pode ser conceituada como um estado de fato que corresponde ao direito de propriedade. A posse é uma relação de fato transitória, enquanto a propriedade é uma relação de direito permanente, e que a propriedade prevalece sobre a posse.

“Art. 1.198. Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas”.

A detenção é aquela situação em que alguém conserva a posse em nome de outro e em cumprimento às suas ordens e instruções. A detenção não é posse, portanto ao confere ao detentor direitos decorrentes desta.

A respeito do tema colecionamos o entendimento do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios a respeito do tema:

“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. ÁREA PÚBLICA. TAXA DE OCUPAÇÃO. BENFEITORIAS E ACESSÕES. DIREITO DE RETENÇÃO. 1. A ocupação de área pública por particular traduz mera detenção – inconfundível com posse – tolerada pelo Poder Público, que poderá reivindicá-la quando lhe convier, sendo indevida, porém, a pretendida taxa de ocupação. 2. Dada a precariedade de que se reveste a ocupação de área pública, mostra-se incabível a indenização por benfeitorias e, bem assim, o direito de retenção.” (20040110095544APC, Relator FERNANDO HABIBE, 2ª Turma Cível, julgado em 21/10/2009, DJ 18/11/2009 p. 47)

“AÇÃO REIVINDICATÓRIA. IMÓVEL DE DOMÍNIO PÚBLICO. INDENIZAÇÃO POR BENFEITORIAS. TAXA DE OCUPAÇÃO. 1 – Provado que o imóvel integra o domínio público, procede a reivindicatória, intentada pela titular do domínio. 2 – Se aqueles que ocupam imóvel de domínio público não dispunham de qualquer autorização para tanto, nele entrando clandestinamente, não há posse, muito menos de boa-fé, inexistindo, por conseguinte, direito à indenização pelas benfeitorias necessárias e úteis que erigiram, assim como exercer direito de retenção, quanto a essas, e levantar as voluptuárias (CC, 1.219; Cód. anterior, art. 516). 3 – Ocupação irregular não gera, por si só, a obrigação de pagamento de taxa de ocupação à Administração, sendo necessária a existência de prévia formalização de negócio jurídico entre as partes. 4 – Lei que institui, no decorrer da ação reivindicatória, política pública de regularização urbanística e fundiária, contemplando o imóvel reivindicado, mas que depende de prévio estudo ambiental, fundiário e urbanístico, não impede que a Terracap, legítima proprietária do imóvel ocupado, retome a posse de quem injustamente o ocupe. 5 – Apelação da autora provida em parte. Apelação da ré não provida”. (20000110932128APC, Relator JAIR SOARES, 6ª Turma Cível, julgado em 12/01/2011, DJ 17/01/2011 p. 123)

Nesta linha de raciocínio a ocupação de áreas públicas, por particulares, não induz o direito de posse e sim mera detenção. Como essa detenção é exercida sem a anuência do Estado gera para o particular uma presunção de má-fé, que por consequência fulmina o direito a uma eventual indenização pelas benfeitorias realizadas.

3.4.2. Entendimento favorável

É do Estado o poder-dever de parcelar os terrenos situados em área pública urbana e rural, bem como o de proceder sua negociação como verificamos ao longo deste trabalho.

A fim de atingir a estes objetivos o legislador conferiu ao Estado certas prerrogativas, os poderes administrativos, os quais consistem também em uma obrigação para este: na verdade se trata de um poder-dever de agir.

Essa corrente, assim como nós, entende que o Estado tem sido omisso no dever de fiscalizar, permitindo que as ocupações continuassem acontecendo sem qualquer controle. O que por si só já caracterizaria a responsabilidade civil do Estado.

O Estado tem suportado, consentido e aceitado a permanência de particulares nas áreas públicas tolerando, inclusive, que acessões e benfeitorias fossem realizadas nestes locais.

Concordamos que é constitucionalmente proibido que imóvel público seja usucapido. Também concordamos que a ocupação, mesmo que por longo período de tempo, não gera direito adquirido à posse, configurando-se apenas em uma mera detenção tolerada pelo Poder Público.

Porém entendemos que mesmo diante da falta de boa fé, por parte do particular, há que se falar sim em indenização pelas benfeitorias realizadas.

O não pagamento da indenização, por parte do Poder Público, importa num verdadeiro enriquecimento ilícito para o Estado. Afinal o particular investe recursos no imóvel. É justo que o particular seja ressarcido pelos valores gastos com as benfeitorias úteis e necessárias erigidas no imóvel. É neste sentido o entendimento de parte da jurisprudência do Tribuna de Justiça do Distrito Federal e Territórios:

“AÇÃO REIVINDICATÓRIA. PROPRIEDADE DA TERRACAP DEMONSTRADA – POSSE. PARTICULAR – IMPOSSIBILIDADE. RESSARCIMENTO – BENFEITORIAS. TOLERÂNCIA DA ADMINISTRAÇÃO – OCUPAÇÃO PACÍFICA POR LONGOS ANOS. VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO PELO PODER PÚBLICO. I – RESTANDO DEMONSTRADO NOS AUTOS QUE A AUTORA É PROPRIETÁRIA DO BEM OBJETO DA LIDE E QUE OS RÉUS SÃO MEROS DETENTORES DO IMÓVEL, JÁ QUE NÃO SE RECONHECE POSSE SOBRE BEM PÚBLICO, CORRETA SE ENCONTRA A SENTENÇA A QUO QUE DETERMINOU A IMISSÃO DA AUTORA NA POSSE DO IMÓVEL. II – EMBORA SEJA O BEM PÚBLICO, É ADMISSÍVEL A INDENIZAÇÃO POR BENFEITORIAS QUANDO A OCUPAÇÃO É TOLERADA POR VÁRIOS ANOS, EM VERDADEIRA OMISSÃO DO PODER PÚBLICO. A TOLERÂNCIA DA ADMINISTRAÇÃO QUANTO À OCUPAÇÃO DE SEUS BENS GERA, PARA O AUTOR DAS BENFEITORIAS, O RESSARCIMENTO RESPECTIVO, SOB PENA DE ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA DO TITULAR DO DOMÍNIO. PRECEDENTES NESTA CORTE.” (ApC 2002.01.1.045842-8, Relator; Desembargador ASDRUBAL NASCIMENTO LIMA, 5ª Turma Cível, julgado em 27/6/2005, DJ 29/9/2005 p. 100) – Grifo nosso.

“PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS INFRINGENTES. TERRACAP. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. IMÓVEL PÚBLICO. OCUPAÇÃO TOLERADA PELA ADMINISTRAÇÃO POR LONGOS ANOS. BENFEITORIAS ÚTEIS E NECESSÁRIAS. INDENIZAÇÃO. POSSIBILIDADE. I. A ocupação, por particular, de área pública não configura posse, mas mera detenção tolerada pelo Poder Público, que tem direito reivindicá-la quando lhe convier. II. Pelo princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, o ocupante tem direito à indenização e retenção pelas benfeitorias úteis e necessárias erigidas em imóvel público. III. Recurso a que se nega provimento.” (EIC 2003.01.1.080560-2, Relator: Desembargador ALFEU MACHADO, 2ª Câmara Cível, julgado em 23/11/2009, DJ 11/2/2010 p. 36) – Grifo nosso

“CIVIL E PROCESSUAL. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. IMÓVEL PÚBLICO. AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE, POR PARTICULAR, ANTES DO ATO DE DESAPROPRIAÇÃO. DISPUTA DO DIREITO POSSESSÓRIO, ENTRE PARTICULARES. ADMISSIBILIDADE. BENFEITORIAS NECESSÁRIAS. DIREITO DE RETENÇÃO. 1. Os bens públicos são insuscetíveis de prescrição aquisitiva, CF art. 283, §3º, STF SÚMULA 340. 2. A ocupação de terra pública dá-se por permissão ou tolerância da administração. 3. O imóvel adquirido antes do ato de desapropriação pode ser objeto de litígio possessório entre particulares. 4. A disputa exclusiva do direito possessório não atinge o direito de propriedade da União. 5. A presença no imóvel por longo tempo não pode ser considerada como clandestina e de má-fé, para fins de reconhecimento do direito de retenção por benfeitorias necessárias. 6. Negou-se provimento ao recurso do autor e deu-se parcial provimento ao recurso da ré.” (ApC 2004.06.1.009894-7, Relator: Desembargador JOÃO MARIOSA, 3ª Turma Cível, julgado em 10/3/2010, DJ 7/5/2010 p. 110) – Grifo nosso

Assim, mesmo diante da má-fé, nos casos de ocupação irregular de áreas públicas, a jurisprudência tem se firmado no sentido de admitir a indenização pelas benfeitorias, vez que ao Poder Público não é dado beneficiar-se indevidamente às custas dos particulares, pois isso configuraria o enriquecimento ilícito do Poder Público.

A omissão do poder público, ao longo dos anos, caracteriza uma responsabilidade civil de natureza objetiva e também impõe-lhe o dever de indenizar as benfeitorias.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A construção do espaço urbano vem sendo feita, nos últimos anos, sob a forma de ocupações irregulares.

Essas ocupações surgem, principalmente, pela inexistência de ofertas de imóveis e terras pelo mercado. Têm, também, aquelas invasões motivadas pela perspectiva da conquista de um espaço que será valorizado e que em seguida poderá ser vendido, constituindo um verdadeiro empreendimento.

Essas invasões dão origem a loteamentos irregulares, os quais desrespeitam todas as normas vigentes sobre edificações urbanas e preservação do meio ambiente.

Os compradores dos lotes provenientes dos parcelamentos irregulares passam, então, a exigir que o Poder Público regularize o empreendimento ilícito. E assim vão demandar em juízo a resolução de situações sobre domínio de terra invadida.

Sabe-se que o particular não pode usucapir área pública, e que é unanime o entendimento de que o particular não é possuidor dessas terras, mas sim mero detentor.

Entretanto, ao longo deste trabalho abordamos a culpa do Estado no aparecimento dessas ocupações irregulares, haja vista que é responsabilidade do Poder Público realizar o parcelamento do solo, e gerir o seu uso. A omissão estatal na fiscalização do uso e parcelamento do solo deve ser caracterizada explicitamente como uma hipótese de responsabilidade civil, gerando para o particular o direito a uma indenização.

 

Referência:
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23º ed. Atlas S.A., 2010.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo Brasileiro. 37 º ed. Malheiros Editores, 2011.
KORESSAWA, Wilson. O princípio da segurança jurídica. Sergio Antonio Fabris Editor, 2010.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 4º ed. Saraiva, 2009.
GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil – Responsabilidade Civil. 6ª ed. Saraiva, 2008.
Maria Helena Dinis, Dicionário Jurídico, São Paulo: Saraiva, 1998, v 2.
http://www.tjdft.jus.br
Nota:
[1] Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito, pelas Faculdades Integradas da União Educacional do Planalto Central – FACIPLAC. Orientador: Prof. Esp. Francisco Moreira da Cruz Filho

Informações Sobre o Autor

Graziela Carlos Barbosa

Bacharel em Direito


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Equipe Âmbito Jurídico

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