O Brasil, infelizmente, ainda continua figurando nos anais mundiais como recordista em acidentes do trabalho, constando no ranking mundial no 10º lugar, de acordo com estatística oficial da Organização Internacional do Trabalho (OIT), perdendo apenas para países de terceiro mundo como Indonésia, Turquia, África do Sul, Burundi, Coréia do Sul, Guatemala, Zimbábue, Costa Rica e Índia. Essa posição, lamentavelmente, não é verdadeira, eis que as estatísticas oficiais, como se sabe, não condizem com a nossa realidade, primeiro, porque, hoje, mais de 50% dos trabalhadores brasileiros não têm carteira de trabalho assinada, ativando-se na informalidade, cujos infortúnios não chegam ao conhecimento do INSS; segundo, em razão de que muitos dos acidentes atípicos – doenças profissionais e do trabalho – não são comunicados ao instituto, pelos empregadores, e, mesmo comunicados, aqueles relutam em reconhecê-los como tal, não obstante a legislação previdenciária seja absolutamente clara ao equipará-los ao acidente do trabalho típico, para todo e qualquer efeito.
Os acidentes do trabalho, embora despercebidos por muitos, constituem sério problema para a economia brasileira, cujo gasto anual, de cerca de 6 bilhões de dólares, suportado pela Previdência Social e pelas próprias empresas, é repassado, no final, para toda a sociedade. Além disso, acarretam, para os trabalhadores e respectivos familiares, irreparáveis prejuízos pelas milhares de mutilações, incapacidades e mortes, atingindo, muitas vezes, seu patrimônio material e o moral. Por isso, são assegurados aos trabalhadores acidentados ou a seus familiares, de um lado, a cargo do INSS, benefícios previdenciários consistentes em auxílio-doença acidentário, auxilio-acidente, aposentadoria por invalidez e pensão por morte; de outro, os empregadores respondem por uma estabilidade provisória no emprego, de 12 meses após a alta do órgão oficial (art. 118, da Lei 8.213/91), ou por prazo superior, nos termos dos diversos instrumentos normativos de trabalho existentes e, no caso de dolo ou culpa do empregador, este arcará com indenizações materiais e/ou morais, conforme o caso.
De acordo com a Constituição Federal (artigo 7º e inciso XXVIII), são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social, … seguro contra acidente do trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.
Anteriormente, não havia disposição legal expressa assegurando essa indenização, mas o STF firmara jurisprudência a favor do empregado acidentado, desde que o infortúnio tivesse decorrido de dolo ou culpa grave do empregador ou de seus prepostos, conforme Súmula 229 , verbis:
Acidente. Indenização. A indenização acidentária não exclui a do direito comum, em caso de dolo ou culpa grave do empregador.
Essa indenização, de conformidade com a doutrina e jurisprudência, independe das outras indenizações devidas pelo órgão previdenciário, pela chamada culpa objetiva. Aqui, o que se discute é a existência de seqüela após o acidente do trabalho sofrido pelo empregado, de prejuízo material para o mesmo e a ocorrência de dolo ou culpa simples do empregador (negligência, imprudência e imperícia), como causa do infortúnio.
Poucas vezes os empregados acidentados pleiteavam o pagamento da indenização acidentária a cargo do empregador, porque realmente era difícil provar a ocorrência de dolo ou culpa grave.
Hoje, no entanto, pelo que dispõe a Carta Magna, basta a prova de culpa simples, nas modalidades de negligência, imperícia ou imprudência para que o Judiciário conceda o pagamento da indenização. Na prática diária, é muito comum os empregadores, na sua maioria, negligenciarem com relação ao fornecimento de equipamentos individuais e coletivos de proteção, ou, quando os fornecem, não orientam os empregados quanto ao seu uso correto, propiciando, assim, a ocorrência de acidentes que mutilam, incapacitam e tiram a vida de milhares de trabalhadores brasileiros, estando, pois, configurada a hipótese de indenização material oriunda de responsabilidade subjetiva, com base no artigo 159, do Código Civil Brasileiro, que dispõe:
Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano.
Esta indenização, decorrente da responsabilidade civil autônoma, não é devida em qualquer caso, mas somente quando do descumprimento de deveres legais por parte do empregador, extravasando o risco profissional normal inerente a qualquer atividade; neste, trata-se do chamado risco social, consubstanciado na culpa objetiva, de responsabilidade da previdência social; naquele, a responsabilidade é subjetiva do empregador que responde autonomamente pelos prejuízos decorrentes.
O contrato de trabalho, como se sabe, é um contrato bilateral, pelo qual o empregado assume obrigações que, se descumpridas, autorizam o empregador a lhe aplicar punições, desde uma simples advertência, até a despedida por justa causa. De outra parte, o empregador também assume obrigações, sendo uma das principais assegurar ambiente de trabalho seguro e salubre, onde o empregado desempenhará suas atribuições sem risco para sua vida e integridade física.
Não cumpridas essas obrigações, e sendo o empregado vitimado por um acidente do trabalho típico ou acometido por doença profissional ou do trabalho, nasce para este ou para seus dependentes ou herdeiros o direito a uma reparação por dano material ou moral, independentemente das indenizações previdenciárias, e, para o empregador, a obrigação de pagá-la.
Quanto à indenização por dano moral, causava espécie, até pouco tempo, falar-se na sua concessão no âmbito do Direito do Trabalho, principalmente no caso de acidente do trabalho, como se nesse ramo do direito não houvesse ofensa à honra, à intimidade e à imagem das pessoas.
A doutrina mais conservadora sustentava que as indenizações na esfera trabalhista já estavam fixadas na CLT e em leis suplementares, e, no caso de acidente do trabalho, eram somente aquelas decorrentes das leis previdenciárias, consubstanciadas na responsabilidade objetiva, cujos pagamentos incubem ao órgão previdenciário oficial.
No entanto, a Constituição Federal de 1988 dissipou as dúvidas existentes, tanto quanto à indenização acidentária comum, assegurada no inciso XXVIII, do artigo 7º, bem como no tocante à indenização material, de modo geral, e por dano moral, estabelecendo, no inciso X, do artigo 5º, que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Desta forma, na ocorrência de um acidente do trabalho, por dolo ou culpa do empregador, este responderá pelo pagamento de indenização material e moral ou por uma ou outra, pois pode numa hipótese configurar-se a ocorrência de dano material e não moral e, vice-versa. Essas indenizações, repita-se, são devidas independentemente do pagamento das reparações previdenciárias, porque com elas se cumulam, conforme reconhecem a doutrina e jurisprudência.
É de se alertar que, conforme o caso, um acidente do trabalho pode custar muito caro para o empregador. A indenização material será fixada de acordo com as normas do Código Civil, levando-se em conta as seqüelas do acidente ou a morte do trabalhador e os prejuízos presentes e futuros advindos, podendo consistir num montante fixo ou numa pensão mensal por longo período. Já a indenização moral será estabelecida por critério subjetivo do juiz, que, no entanto, deverá nortear-se na disposição do artigo 1553, do Código Civil e levar em conta a posição social e financeira do ofensor e do ofendido, a intensidade do ânimo de ofender e a gravidade e repercussão da ofensa na vida do ofendido, de maneira que a condenação represente para o ofensor, um castigo, e, para o ofendido, diminuição da dor que lhe foi causada.
O dano moral indenizável no caso do acidente de trabalho é aquele, na definição de Valdir Florindo (Dano Moral e o Direito do Trabalho, Ed. LTr, São Paulo, 1996, 2ª edição, p. 34), “decorrente de lesão à honra, à dor-sentimento ou física, aquele que afeta a paz interior do ser humano, enfim, ofensa que cause um mal, com fortes abalos na personalidade do indivíduo”. É claro que não são todos os acidentes do trabalho que comportam indenização por dano moral; porém, há casos em que, além de outros prejuízos, o evento acarreta uma ofensa à honra e à intimidade da pessoa. Imaginemos o caso de um trabalhador, na flor da idade – 18 anos – que tem o seu braço amputado em decorrência de um acidente do trabalho, causado por imprudência do empregador que o colocou para operar uma prensa, sem qualquer orientação técnica. Esse trabalhador, além de sofrer prejuízo material na sua vida profissional, sofrerá um grande abalo na personalidade e ficará marcado o resto de sua vida pela dor moral decorrente do infortúnio. Outro exemplo marcante é o de um trabalhador com cerca de 30 anos de idade que se torna impotente sexualmente em conseqüência do contato com agentes químicos que contaminaram seu organismo, por culpa do empregador recalcitrante, que não se preocupou em cuidar da saúde dos seus empregados. A indenização por dano moral, nesses casos, não apagará a dor moral incrustada na alma dessas pessoas, mas vai, ao menos, diminuí-la, pelo mínimo de alegria que lhes propiciará, permitindo-lhes adquirir algum bem material para conforto seus e de seus familiares.
Com efeito, a melhor forma de se prevenir é evitar os acidentes, cuidando o empregador de propiciar ambiente seguro e adequado de trabalho e orientar o empregado adequadamente com relação às normas de segurança e higiene no trabalho; deve, também, fornecer os equipamentos de proteção necessários. Agindo assim, eventuais acidentes que venham a ocorrer, inerentes aos riscos profissionais e às condições normais de trabalho, são da responsabilidade do órgão previdenciário (culpa objetiva).
Devidas tais indenizações, dúvida cruel tem surgido no que diz respeito ao juízo competente para apreciá-las: o trabalhista ou o comum estadual?
Tanto a indenização material como a do dano moral, embora de natureza civil, são decorrentes, no caso de acidente do trabalho, da relação de emprego, inferindo-se, daí, que a competência para conhecer do litígio é da Justiça do Trabalho.
Não obstante essas ponderações, e como as Constituições de 1946, 1967 e 1969 diziam expressamente que os dissídios relativos a acidentes do trabalho eram da competência da Justiça Ordinária, ninguém ousava querer atribuí-la à Justiça do Trabalho, a não ser de lege ferenda, porque, embora inquestionavelmente a controvérsia seja decorrente da relação de emprego, em matéria de competência absoluta não se pode decidir por analogia e nem se fazer interpretação extensiva.
Porém, atualmente, o entendimento deve ser outro, porque com clareza a Constituição ( artigos 109 e 114 ) tratou da competência da Justiça do Trabalho e da competência residual da Justiça Comum, não mais atribuindo a esta, com exclusividade e como ocorreu nas Constituições anteriores, a competência para as questões acidentárias.
A competência acidentária, agora, está dividida entre a Justiça Ordinária e a Justiça do Trabalho. É da Justiça do Trabalho quando o pleito de indenização material (artigo 7º, inciso XXVIII/CF) ou por dano moral (artigo 5º, inciso X), for dirigido ao empregador, que tenha, por dolo ou culpa, sido o responsável pelo evento – culpa subjetiva. É da Justiça Comum Estadual, quando os pedidos de indenização, auxílio-doença, auxílio-acidentário, aposentadoria por invalidez e outros benefícios legais forem dirigidos ao órgão previdenciário – culpa objetiva.
A esse entendimento se chega pela leitura atenta do quanto disposto no artigo 109, inciso I e § 3º, combinados com o artigo 114, caput, todos da Constituição Federal, cuja transcrição se faz oportuna:
Artigo 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou opoentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho.
Parágrafo 3º. Serão processadas e julgadas na Justiça Estadual, no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado, sempre que a Comarca não seja sede de vara do Juízo Federal e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual.
Artigo 114. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas .
Ademais, o conteúdo do contrato de trabalho não é composto apenas de salário, férias, 13º salário, aviso prévio, por exemplo, mas nele se inclui, como um dos primeiros direitos, o meio ambiente de trabalho seguro e adequado. Conseqüentemente, os conflitos decorrentes do não-cumprimento dessa importante obrigação, independentemente de os pedidos serem de natureza civil, são da competência da Justiça Especializada do Trabalho, como temos sustentado (“Segurança e Meio Ambiente do Trabalho – Uma Questão de Ordem Pública”. Revista Genesis, Curitiba, nº 37 e “Meio Ambiente do Trabalho: Prevenção e Reparação. Juízo competente”. Revista do Ministério Público do Trabalho, Brasília, nº 14, 9/1997).
A essa conclusão e com brilhantismo, também chegaram JOSÉ AUGUSTO RODRIGUES PINTO (Processo Trabalhista de Conhecimento, 3ª edição, São Paulo, LTr, 1996, p. 113), VALDIR FLORINDO (Dano Moral e o Direito do Trabalho, Ed. LTr, São Paulo, 1995, pp. 90/98) , VANDER ZAMBELI VALE ( Acidente de Trabalho – Culpa do Empregador – Indenização – Competência da Justiça do Trabalho, Revista LTr, p. 60-08/1069) e SEBASTIÃO GERALDO DE OLIVEIRA (Proteção Jurídica à Saúde do Trabalhador, São Paulo, LTr, 1996, pp. 199-201), entre outros autores de nomeada, cujo resumo tomo a liberdade de fazer, com as palavras do ilustre jurista baiano José Augusto Rodrigues Pinto:
Considerando não haver na Constituição atual nenhuma norma conservando essa exclusão da competência trabalhista para conhecer de dissídios de acidentes no trabalho, parece-nos fora de dúvida que eles devem passar a ser julgados pelos órgãos da Justiça do Trabalho, em harmonia com a regra geral e natural da competência em razão da matéria.
Nessa linha de pensamento, são as atuais manifestações do C. STF, ampliando a competência da Justiça do Trabalho, com abalizada interpretação do artigo 114, da Constituição Federal. O entendimento da alta corte é no sentido de que à determinação da competência da Justiça do Trabalho não importa a natureza da matéria discutida, mas que o pedido tenha origem na relação de emprego, como se infere da mais recente decisão proferida pela sua 1ª Turma, em 17/11/98 (RE nº 238.737 –SP, Informativo nº 132), estabelecendo que compete à Justiça do Trabalho o julgamento da ação de indenização, por danos materiais e morais, movida pelo empregado contra seu empregador, fundada em fato decorrente da relação de trabalho.
Como se observa do acima exposto, a competência da Justiça Comum sobre acidente do trabalho, prevista nos dispositivos em comento, está restrita, agora, às causas em que uma das partes seja entidade pública federal, como seguradora, contra quem são propostas, ainda, na maioria dos casos, as ações decorrentes de acidente do trabalho.
É nesse sentido que devemos entender o conteúdo da súmula nº 15 do STJ, assim vazado: Compete à Justiça Estadual processar e julgar os litígios decorrentes de acidentes do trabalho.
Entendimento contrário, data venia, faz letra morta às disposições constitucionais pertinentes, como demonstrado, e ignora a jurisprudência do STF no sentido de que: À determinação da competência da Justiça do Trabalho não importa que dependa a solução da lide de questões de direito civil, mas sim, no caso, que a promessa de contratar, cujo alegado conteúdo é o fundamento do pedido, tenha sido feita em razão da relação de emprego, inserindo-se no contrato de trabalho (Ac. Pleno; Conflito de Jurisdição nº 6.959 – Rel. Min. Sepúlveda Pertence, in DJU de 22-5-91, p.1259).
Em conclusão a estas breves reflexões podemos afirmar, ressalvando respeitáveis entendimentos contrários, que os acidentes do trabalho decorrentes de dolo ou culpa do empregador ou dos seus prepostos, comportam, conforme o caso, o pagamento de indenização material e/ou moral, a cargo do empregador, a ser discutida perante a Justiça do Trabalho.
Procurador Regional do Trabalho
Mestre e Doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP
Professor de Direito e Processo do Trabalho
Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho
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