Insalubridade em atividade a céu aberto a partir da Orientação Jurisprudencial 173 do Tribunal Superior do Trabalho

Resumo: A alteração da Orientação Jurisprudencial nº 173 da SDI-1 do TST, prevendo a possibilidade de existência de insalubridade por calor em atividade a céu aberto, mais do que garantir o recebimento de uma parcela pecuniária aos trabalhadores, traz diversas consequências jurídicas na seara laboral. Assim sendo, este estudo tem como objetivo demonstrar que o simples pagamento do adicional de insalubridade não é capaz de solucionar ou diminuir os danos causados aos trabalhadores, devendo as empresas, com base na legislação trabalhista vigente, adotar medidas de prevenção e proteção efetivas capazes de tutelar a saúde de todos os obreiros. Para a realização destes propósitos escolheu-se a metodologia de pesquisa cuja natureza do estudo encontra respaldo em métodos apropriados para o tema de ordem social, dentre os quais se releva a pesquisa bibliográfica. Dessa forma, o quesito adicional salarial, cuja supressão é acatada pelos empresários, não eliminará a insalubridade inerente à atividade, apenas aliviará a consciência daqueles que a pagam.

Palavras-chave: Saúde dos Trabalhadores; Norma Regulamentadora n.º 15; Prevenção dos Riscos; Responsabilidade do Empregador.

Abstract: The alteration of Jurisprudential Guidance 173 from SDI-1 of Superior Labor Court, foreseeing the possibility of heat unhealthiness in the open activity, more than ensure the receipt of a financial portion to workers, brings several legal consequences for the labor harvest. Therefore, this study aims to demonstrate that the simple payment of health hazard premium is not able to solve or lessen the damage caused to employees, but companies, based on the current labor laws, take effective preventive and protective measures to protect the health of all workers. To achieve these purposes, has chosen the research methodology whose nature of the study is supported on methods appropriate for the theme of social order, among which emphasizes the bibliographic research. This way, the additional salary regard, whose abolition is attacked by entrepreneurs, not eliminate unhealthy conditions inherent to the activity, only relieve the conscience of those who pay.

Keywords: Health of Workers; Regulatory Standard No.15; Prevention of Risks; Responsibility of the employer.

Sumário: 1. Introdução. 2. Insalubridade. 3. Legislação brasileira. 4. Insalubridade a céu aberto. 4.1 Norma Regulamentadora n.º 15, anexo 3º. 4.2 Medição do índice térmico. 4.3 Orientação Jurisprudencial n.º 173 do Tribunal Superior do Trabalho. 4.4 Saúde dos Trabalhadores. 4.5 Prevenção. 4.6 Responsabilidade do Empregador. 5. Conclusão.

1 INTRODUÇÃO

A nova redação da Orientação Jurisprudencial nº 173 da Seção de Dissídios Individuais I do Tribunal Superior do Trabalho prevê a possibilidade de existência de insalubridade por calor em atividade a céu aberto, garantindo, por conseguinte, o recebimento de uma parcela pecuniária adicional referente à exposição ao agente insalubre.

Entretanto, o pagamento do adicional não recompõe a saúde dos trabalhadores submetidos ao calor que, em razão do desgaste inerente à exposição à insalubridade, podem desenvolver doenças ocupacionais graves, muitas delas capazes de levar à morte.

O presente trabalho tem a finalidade de demonstrar que o simples pagamento do adicional de insalubridade não é capaz de solucionar ou diminuir os danos causados aos trabalhadores, devendo as empresas, com base na legislação trabalhista vigente, adotar medidas de prevenção e proteção efetivas capazes de tutelar a saúde de todos os obreiros.

Para a realização destes propósitos escolheu-se a metodologia de pesquisa cuja natureza do estudo encontra respaldo em métodos apropriados para o tema de ordem social, dentre os quais se releva a pesquisa bibliográfica.

Diante do exposto fica evidenciado que com a alteração da OJ nº 173 do TST, mais do que garantir o pagamento ao adicional de insalubridade aos trabalhadores, traz diversas consequências jurídicas, destacando-se a necessidade de prevenção dos riscos advindos do calor, bem como a caracterização da responsabilidade civil do empregador pelos danos causados aos empregados.

2 INSALUBRIDADE

Dentre os riscos decorrentes da atividade laboral encontra-se o trabalho insalubre, considerado, segundo Geraldo de Oliveira (2010, p.166), “aquele não saudável, capaz de comprometer a saúde do trabalhador em razão da exposição continuada a agentes químicos, físicos, ou biológicos, conforme quadros e atividades devidamente classificados pelo Ministério do Trabalho e Emprego (art. 189 e 190 da CLT)”.

 Consoante o art. 189 da Consolidação das Leis Trabalhistas:

“Serão consideradas atividades ou operações insalubres aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos”. (BRASIL, 1943).

Mas essa fixação fica delegada ao Ministério do trabalho Emprego, conforme o art. 190 da CLT, que expressamente determina:

“O Ministério do Trabalho aprovará o quadro das atividades e operações insalubres e adotará normas sobre os critérios de caracterização da insalubridade, os limites de tolerância aos agentes agressivos, meios de proteção e o tempo máximo de exposição do empregado a esses agentes”. (BRASIL, 1943).

Além da Consolidação das Leis Trabalhistas, a insalubridade pode ser estudada à luz de alguns dispositivos da Constituição Federal, conforme será exposto no tópico abaixo.

O Ministério do Trabalho Emprego dividiu os agentes insalubres em três conjuntos: Agentes físicos, químicos e biológicos.

A Norma Regulamentadora n.º 9, define que:

“9.1.5.1 Consideram-se agentes físicos as diversas formas de energia a que possam estar expostos os trabalhadores, tais como: ruído, vibrações, pressões anormais, temperaturas extremas, radiações ionizantes, radiações não ionizantes, bem como o infrassom e o ultrassom.

9.1.5.2 Consideram-se agentes químicos as substâncias, compostos ou produtos que possam penetrar no organismo pela via respiratória, nas formas de poeiras, fumos, névoas, neblinas, gases ou vapores, ou que, pela natureza da atividade de exposição, possam ter contato ou ser absorvidos pelo organismo através da pele ou por ingestão.

9.1.5.3 Consideram-se agentes biológicos as bactérias, fungos, bacilos, parasitas, protozoários, vírus, entre outros”.

O exercício de trabalho em condições de insalubridade, de acordo com a Norma Regulamentadora n.º 15, assegura ao trabalhador o direito ao recebimento do adicional, incidente sobre o salário mínimo, que será variável de acordo com o grau de insalubridade.

Quando a nocividade for a grau máximo, o trabalhador terá direito a um acréscimo salarial de 40% (quarenta por cento), já o de grau médio 20% (vinte por cento) e por fim o grau mínimo acrescerá10% (dez por cento).

3 LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

No aspecto jurídico, deve-se observar que é digno ao trabalhador tanto rural quanto urbano a prestação de trabalho adequada, que não comprometa a sua saúde.

O artigo 7º, inciso XXII, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, consagra como direito fundamental de todo trabalhador a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.

Na sequência, o inc. XXIII do mesmo artigo menciona o direito ao adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei.

Ainda, no mesmo diploma legal, em seu artigo 225, observa-se que são direito dos trabalhadores um meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida.

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. (BRASIL, 1988, 59).

Neste mesmo sentido, a Consolidação das Leis Trabalhistas, em seu artigo n.º 157, inciso I e II, estabelece como deveres das empresas:

“I – cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho; II – instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais”.

Deve-se observar também que a Declaração Universal dos Direitos do Homem, em seu artigo n.º 23, enumera quatro itens relacionados ao direito do homem ao trabalho, in verbis:

“1.Toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a condições equitativas e satisfatórias de trabalho e à proteção contra o desemprego. 2.Todos têm direito, sem discriminação alguma, a salário igual por trabalho igual. 3.Quem trabalha tem direito a uma remuneração equitativa e satisfatória, que lhe permita e à sua família uma existência conforme com a dignidade humana, e completada, se possível, por todos os outros meios de proteção social. 4.Toda a pessoa tem o direito de fundar com outras pessoas sindicatos e de se filiar em sindicatos para defesa dos seus interesses”. (ONU, 1948 online).

Resta evidente, portanto, que a legislação brasileira e internacional objetivam assegurar um ambiente de trabalho digno ao trabalhador, porém, na prática, muitas empresas tentam burlar o arcabouço de proteção social.

4. INSALUBRIDADE A CÉU ABERTO

4.1. Norma Regulamentadora n.º 15, anexo 3º

O Ministério do Trabalho e Emprego detém a atribuição de editar Normas Regulamentadoras, visto que a própria CLT expressamente lhe assegura essa competência.

Tanto é assim que a CLT em seus artigos 155, 190 e 200, estabelece que:

Art. 155. Incumbe ao órgão de âmbito nacional competente em matéria de segurança e medicina do trabalho:

I – estabelecer, nos limites de sua competência, normas sobre a aplicação dos preceitos deste Capítulo, especialmente os referidos no art. 200;

Art. 190 – O Ministério do Trabalho aprovará o quadro das atividades e operações insalubres e adotará normas sobre os critérios de caracterização da insalubridade, os limites de tolerância aos agentes agressivos, meios de proteção e o tempo máximo de exposição do empregado a esses agentes.

Art. 200. Cabe ao Ministério do Trabalho estabelecer disposições complementares às normas de que trata este Capítulo, tendo em vista as peculiaridades de cada atividade ou setor de trabalho, especialmente sobre:

I- medidas de prevenção de acidentes e os equipamentos de proteção individual em obras de construção, demolição ou reparos; […]”.

No seu poder regulamentador, o Ministério do Trabalho e Emprego editou a Norma Regulamentadora nº 15, tratando das causas específicas capazes de gerar insalubridade, dentre elas o calor, que foi especificamente estudado no Anexo nº 3, que não contempla a energia solar isoladamente, razão pelo qual prevaleceu, segundo Mateus da Silva (2015, p. 101), o entendimento de que a insalubridade só ocorria em razão das fontes artificiais de calor, ficando de fora o calor advindo da exposição solar a céu aberto (redação inicial da OJ nº 173 da SDI-1 do TST).

O Ministério do Trabalho Emprego ao criar a NR n.º 15º, anexo n.º 3, cuidadosamente especificou os limites de tolerância da exposição ao calor separando o trabalho em leves, moderados e pesados.

Os trabalhos leves são aqueles executados na posição sentada, com movimentos moderados de braços e tronco, como o de digitação ou condução de veículos, ou até mesmo em posição em pé, o caso de trabalho com os braços em uma bancada ou máquina. Esses trabalhos toleram temperatura de até 30º graus, quando praticados de maneira continuada.

Os trabalhos moderados são aqueles executados sentados, mediante movimentos vigorosos de braços e pernas, ou, aqueles realizados em pé, mediante pouca movimentação leve ou moderada, como por exemplo, em uma máquina, bancada ou atividades de levantar e empurrar objetos. Esses trabalhos toleram temperatura de até 26º graus, quando praticados de maneira contínua.

Já os trabalhos pesados são aqueles fatigantes, exaustivos, envolvendo os exercícios de levantar, empurrar ou arrastar pesos, como no caso de remoção com pás ou no trabalho rural dos cortadores de cana. Para estes trabalhos o limite de tolerância é de 25º graus, quando executados de maneira continuada.

Havendo concessão de pausas dentro da jornada de trabalho, pode-se lidar com temperaturas maiores, desde que estas não excedam 32,2 graus Celsius.

Essa informação está presente no anexo n.º 3 da NR n.º 15 por meio das seguintes quadros:

O trabalhador submetido ao calor acima dos limites de tolerância tem direito de receber o adicional de insalubridade considerado de grau médio, correspondente a 20% (vinte por cento), incidente sobre o salário mínimo.

4.2 Medição do índice térmico

Para saber se o trabalhador está exposto a situações insalubre ou não, é realizada uma medição da sensação de calor, levando-se em conta a carga solar e a umidade relativa, através de termômetros específicos.

A exposição ao calor deve ser avaliada através do "Índice de Bulbo Úmido Termômetro de Globo" – IBUTG. Os aparelhos que devem ser usados nesta avaliação são: termômetro de bulbo úmido natural, termômetro de globo e termômetro de mercúrio comum, conforme determina a Norma Regulamentadora n.º 15, anexo 3º.

Inclusive, anota a doutrina que:

“Atualmente, o IBUTG é o método mais simples e adequado para medir os fatores ambientais, tendo sido adotada por várias normas internacionais, que incluem a ACGIH e OSHA (Occupational Safetyand Health Admnistration). Segundo a NR-15, entende-se como limite de tolerância: “A Concentração ou intensidade máxima ou mínima, relacionada com a natureza e o tempo de exposição ao agente, que não causará dano à saúde do trabalhador, durante a sua vida laboral”. Para a ACGIH (American Conference of Governmental Industrial Hygienists), os limites para o calor referem-se às condições de sobrecarga térmica para as quais se acredita que a maioria dos trabalhadores adequadamente hidratados, não medicados e com boa saúde, usando roupas leves de verão, podem ser repetidamente expostos sem efeitos adversos à saúde”.  (MATURANA, 2012,  p. 192)

O índice térmico é determinado a partir da junção dos resultados dos três termômetros, que através de avaliação técnica definirá se o trabalhador estará exposto ou não a agente insalubre.

4.3 Orientação Jurisprudencial n.º 173 do Tribunal Superior do Trabalho

A Orientação Jurisprudencial n.º 173 do Tribunal Superior do Trabalho publicada em 08 de novembro de 2000, nela só continha um inciso, que dizia ser indevido (grifo nosso) o adicional de insalubridade ao trabalhador em atividade a céu aberto por sujeição à radiação solar, pelo fato de faltar previsão legal.

Entretanto, como o inciso citado se referia às radiações solares e não especificamente ao calor excessivo, o Tribunal Superior do Trabalho alterou o seu posicionamento acrescentando um inciso na Orientação Jurisprudencial nº 173, cujo conteúdo aponta a existência de insalubridade para o trabalhador que exerce atividade exposto ao calor acima dos limites de tolerância, inclusive em ambiente externo com carga solar, nas condições previstas no Anexo 3º, da NR n.º 15, da Portaria nº 3214/78do Ministério do Trabalho Emprego.

Neste sentido, pode-se observar alguns julgados favoráveis ao recebimento do adicional de insalubridade a céu aberto:

“INSALUBRIDADE. LAVOURA DE CANA-DE-AÇÚCAR. EXPOSIÇÃO AO CALOR. NR 15, ANEXO 3, DO MINISTÉRIO DO TRABALHO. O pagamento do adicional de Insalubridade em face da realização de trabalho contínuo e pesado sob a exposição de calor intenso, acima dos limites de tolerância previstos no Anexo 3 da NR-15 do Ministério do Trabalho, não contraria a Orientação Jurisprudencial 173 da SDI-1, que é impertinente ao caso, por tratar da exposição aos raios solares. Recurso de Revista de que se conhece em parte e a que se dá provimento (Processo: RR – 38300-75.2009.5.09.0669 Data de Julgamento: 06/06/2012, Relator Ministro: João Batista Brito Pereira, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT: 15/06/2012).

RECURSO DE REVISTA. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. CORTE DE CANA-DE-AÇÚCAR. Regional deferiu o pagamento de adicional de insalubridade ao fundamento de que o labor da reclamante, na lavoura de cana-de-açúcar, era a céu aberto, havendo exposição a raios solares e calor excessivo. Referido entendimento não contraria o disposto na OJ 173 da SDI-1 do TST, porque a hipótese não é de simples exposição aos raios solares, mas também ao calor excessivo, visto que a cultura da cana-de-açúcar dificulta a dissipação do calor em relação a outras lavouras. Recurso de revista não conhecido (Processo: RR – 76400-81.2009.5.09.0093 Data de Julgamento: 23/05/2012, Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 25/05/2012)”.

Esta alteração de posicionamento, mais do que representar a possibilidade do empregado receber um adicional de 20% (vinte por cento) sobre o salário mínimo, demonstra o reconhecimento de um risco que pode afetar a saúde de milhões de trabalhadores no Brasil, sendo imprescindível a análise e prevenção de tais riscos por parte da empresa, sob pena da caracterização de sua responsabilidade por todos os danos causados aos empregados, incluindo, segundo Maturana (2012, p.191), eventuais doenças cardiovasculares gastrointestinais e envelhecimento precoce dos trabalhadores.

4.4 Saúde dos Trabalhadores

Alguns agentes inoculados, como a luz solar são considerados necessários para a vida sadia, no entanto, esses agentes, em excesso, podem ser nocivos ao ser humano.

A gravidade não se dá pela simples exposição às ondas solares, mas sim pela quantidade em que se encontra e a sua exposição habitual, resultando alterações indesejáveis ao organismo dos trabalhadores.

Ao citar os danos provocados pelo tempo, leva-se em consideração as crises diárias provocadas em tempos de maior insolação e a falta de hidratação, que em conjunto agridem a saúde humana de forma irreversível. Além disso, devem ser considerados também os fatores alongo prazo, que acarretam a lesão moral e psíquica do trabalhador sofridas pelo desgaste e pelas degradações fisiológicas.

Os assuntos mais discutidos dentro do direito do trabalho quanto ao tema da insalubridade estão voltados para o direito ao recebimento do adicional e não para prevenção dos riscos decorrentes das atividades nocivas.

Nesse entendimento, o Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de trabalho, na obra “Morte Lenta no Trabalho”, ao abordar o tema “trabalho e doença”, relata que o trabalhador:

“É obrigado a vender suas horas de trabalho e a executar tarefas que outros concebem em lugar dele. Sem escolha, se submete às relações, organização, condições e ambientes de trabalho, expondo-se fisicamente a poeiras, vapores, gases, calor, barulho, acidentes, jornadas noturnas e em turnos, horas extras, e a um ritmo de trabalho dobre o qual não tem nenhum controle. E fora da empresa continua condicionado às relações de produção e trabalho, se transportando, morando, se acidentando e absorvendo os valores morais e sociais por ela impostos. Vende, portanto, não apenas horas de trabalho, mas sua própria saúde. Principalmente por isso adoecem e morrem os trabalhadores: do trabalho e porque retiram do seu trabalho, o que efetivamente o diferencia e o eleva à condição humana – a consciência de concebê-lo, a forma de organizá-lo e realizá-lo segundos suas necessidades próprias e sociais”. (REBOUÇAS, et al., 1989, p. 32).

Entretanto, o pagamento do adicional de insalubridade não repõe a saúde do trabalhador consumida em dias ou anos de trabalho, mostrando-se mais vantajoso para empresas, pois permite que seus funcionários estejam expostos aos agentes nocivos, o que se torna mais benéfico, pois é menos custoso pagar o adicional do que realizar investimentos para tornar o ambiente de trabalho saudável.

Lembre-se que não se pode conceituar a saúde apenas como ausência de doença e sim tratá-la como um reflexo da vida e da sociedade, do ambiente em que se encontra, implicando a verdadeira relação de movimento, correlação com a vida individual e coletiva. Para tanto, é possível dizer que quando as condições de trabalho são más, o indivíduo perde gradualmente sua saúde.

É notório que os trabalhadores expostos a agentes insalubres diariamente estão propícios a acarretarem sérios problemas futuros ou até mesmo momentaneamente, que poderão levá-los a morte. Um exemplo típico de trabalho insalubre a céu aberto é o labor do cortador de cana, considerado um trabalho altamente desgastante, pois envolve movimentos bruscos, em temperaturas altas. O desgaste também decorre do fato dos trabalhadores receberem conforme a meta alcançada, chegando a cortar de 6 (seis) a 8 (oito) toneladas de cana por dia.

Na obra Impactos da Indústria Canavieira no Brasil, o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas, ao dispor sobre o tema “Contribuição para Discussão sobre as Políticas no Setor Sucroalcooleiro e as Repercussões sobre a Saúde dos Trabalhadores”, descreve que:

“O excesso de trabalho associado às longas jornadas, sob sol inclemente e a reposição inadequada resultam em distúrbios hidroeletrolíticos cujos episódios de gravidade crescente se manifestam da câimbra à morte por parada cardíaca. Quando as câimbras são fortes e frequentes, seguidas de tontura, dor de cabeça, vômito e convulsões, os trabalhadores denominam esta condição/situação de “Birola”. O esforço para cortar mais e mais cana e aumentar os ganhos, provoca situações limites de desgaste, sendo constantes nos serviços de urgência e emergência: a presença de trabalhadores reclamando de câimbras e vomitando, após trabalho sob o sol e temperatura que pode chegar a 37ºC à sombra. Também contribui para isso, a própria roupa de trabalho, vestimenta pesada e fechada, que favorece o aumento da temperatura corporal, a perda de água e de sais minerais, levando à desidratação. Algumas usinas fornecem no campo bebidas reidratantes para a mão-de-obra suportar o desgaste. Porém, no final da tarde e início da noite, principalmente nos dias mais quentes e secos, comuns durante o pico da safra de cana, é frequente que os ambulatórios desses hospitais fiquem repletos de cortadores de cana tomando soro”. (ALVES, 2006, p. 29).

Na correlação entre trabalho e produção, o trabalhador é reduzido a condições mínimas, em que lhe é exigido crescimento na produção, baseando-se apenas em repetições de gestos sob sol desgastante, mediante um pequeno acréscimo salarial, ele assim o faz, por ser obrigado, para sua sobrevivência e de sua família. E, porventura não poderá deixar de fazer, pois são essas relações entre dinheiro e trabalho que permitem seu digno sustento.

As consequências da prática de atividade debaixo de muito calor, podem levar a três distúrbios: a) Câimbras em decorrência do calor: Devido perdas de minerais e da desidratação que acompanham as taxas elevadas de transpiração; b) Exaustão pelo calor: é seguida por sintomas como a fadiga extrema, dificuldade respiratória, tontura, vômitos, desmaios, pele fria e úmida ou quente e seca, hipotensão arterial, causada pela incapacidade do sistema cardiovascular de suprir adequadamente as necessidades do organismo; e, c) Intermação: Distúrbio relacionado ao calor que pode ser letal e que exige atenção médica imediata. Podendo estas consequências acima citadas serem extraídas de obras como a “Fisiologia do Esporte e do Exercício” (Kenney, Wilmore e Costill, 2013) ou de artigos publicados na rede mundial de computadores.

Dessa forma, conforme exposto anteriormente, ainda que gradual e muitas vezes imperceptíveis de início, as temperaturas elevadas em fração de meses podem causar danos irreversíveis àqueles que têm contato direto com os agentes insalubres.

A perda será considerada irreparável quando o bem mais valioso, que é a vida não puder mais ser restaurado e normalizado, havendo apenas o caráter de compensação, por um novo trabalhador que também entrará nesse círculo vicioso. 

Sendo assim, resta claro que o Estado não vem sendo capaz de solucionar ou diminuir os danos causados aos trabalhadores, pois disponibilizam a opção das empresas pagarem o simples e irrisório adicional de insalubridade.

4.5 Prevenção

Os trabalhadores sob o regime de horário de trabalho, submetidos ao calor escaldante, com durações de jornada de trabalho, dentro de vestimentas pesadas e quentes sem que tenham pausas suficientes e de qualidade para recuperação do desgaste, seja ele físico ou mental, acabam adoecendo gradualmente.

Deste modo, correto seria a criação de planos organizacionais que operassem e controlassem os verdadeiros causadores do risco, mantendo-os abaixo dos valores tolerados.

A Norma Regulamentadora n.º 21, é uma norma prevencionista, que estabelece, dentre outras obrigações, que cabe aos empregadores:

“21.1 Nos trabalhos realizados a céu aberto, é obrigatória a existência de abrigos, ainda que rústicos, capazes de proteger os trabalhadores contra intempéries.

21.2 Serão exigidas medidas especiais que protejam os trabalhadores contra a insolação excessiva, o calor, o frio, a umidade e os ventos inconvenientes”.

Nesse mesmo sentido, a Norma Regulamentadora n.º 31, estabelece:

“31.3.3 Cabe ao empregador rural ou equiparado: a) Garantir adequadas condições de trabalho, higiene e conforto, definidas nesta Norma Regulamentadora, para todos os trabalhadores, segundo as especificidade de cada atividade. b) Realizar avaliações dos riscos para a segurança e saúde dos trabalhadores e, com base nos resultados, adotar medidas de prevenção e proteção para garantir que todas as atividades, lugares de trabalho, maquinas, equipamentos, ferramentas e processos produtivos sejam seguros e em conformidade com as normas de segurança a saúde; […];  j) Informar aos trabalhadores: 1) os riscos decorrentes do trabalho e as medidas de proteção implantadas, inclusive em relçao a novas tecnologias adotadas pelo empregador; 3. Os resultados das avaliações ambientais realizadas nos locais de trabalho. (31.3.3); […]; As ações de melhoria das condições e meio ambiente de trabalho devem abranges os aspectos relacionados a: a) Riscos químicos, físicos, mecânicos e biológicos; (31.5.1.2)”.

Qualquer risco pode ser evitado, porém um indivíduo não consegue sozinho, controlar todos os riscos, o envolvimento com a proteção leva as pessoas a negligenciar a segurança que lhes foram dadas. Dessa forma, é preciso contar com terceiros que farão a segurança, mediante fiscalização.

Conforme abordado no quadro 1, do item 4.1, um dos métodos de prevenção é a realização de pausas entre a jornada de trabalho. Outra medida alternativa a ser instituída é o rodízio de funções, que possibilita aos trabalhadores atuarem em outros setores das empresas com o intuito de diminuir os riscos da atividade insalubre.

Subsidiariamente, o empregador poderá optar pela dispensa de seus funcionários, nos dias de maior insolação, período pelo qual, é mais propício de resultar riscos a saúde do empregado.

Fica a critério do empregador, escolher o método mais adequado para sua empresa.

4.6 Responsabilidade do Empregador

Conforme verificou-se, não restam dúvidas acerca da existência de riscos decorrentes do trabalho exposto ao sol e da necessidade de medidas preventivas para que o trabalhador possa realizar atividades exposto ao calor solar.

Preocupado com tais riscos advindos do trabalho, o Ministério do Trabalho Emprego, em sintonia com outras Normas Regulamentadoras já citadas, aprovou a NR n.º 33, gerando ao empregador o dever de fiscalizar com maior rigor técnico, através de pessoas especializadas, os efeitos do calor sobre o organismo de seus funcionários, fazendo o monitoramento da temperatura e prevenindo caso necessário.

Nessa mesma linha de raciocínio, a CLT, conforme abordado no item 3, estatui como deveres da empresa, cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho e instruir também seus empregados, através de ordens de serviços, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais.

Comprova-se, assim, que o Estado objetiva garantir um ambiente de trabalho saudável e digno ao trabalhador, porém, isto lamentavelmente não acontece.

Para o empregador é menos custoso pagar o adicional do que prevenir. O objetivo das empresas muitas vezes é manter baixo o custo da mão-de-obra, mesmo com o sacrifício da saúde de seus funcionários, pois, caso eles adotem algum meio de prevenção, como por exemplo, pausas durante o trabalho, isto resultaria aumento do custo, e na diminuição do volume de produção, tornando-se inviável para os empregadores.

Por mais que seja viável aos empregadores, isso caracteriza uma postura reprovável e ilícita, que precisa urgentemente ser fiscalizada e exigida, pois a consequência disto influencia no bem mais valioso que um trabalhador possa ter que é a sua saúde.

Neste sentido, o Código Civil, em seus artigos186 e 186, trazem que:

“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

O fato de ser permissivo o pagamento do adicional de insalubridade não extingue o dever das empresas de indenizar, caso o trabalhador sofra algum dano, seja ele moral ou material.

Tanto é assim que o inciso XXVIII, do art. 7º da Constituição Federal estabelece que:

“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa”;

Na mesma linha de raciocínio, § único, do artigo 927, do Código Civil, estabelece que:

“Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.

Nesse sentido também, o artigo 19 da Lei n.º 8.213, de 24 de julho de 1991, estatui que:

“Art. 19.  Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço de empresa ou de empregador doméstico ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho. (Redação dada pela Lei Complementar nº 150, de 2015)

§ 1º A empresa é responsável pela adoção e uso das medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador.

§ 2º Constitui contravenção penal, punível com multa, deixar a empresa de cumprir as normas de segurança e higiene do trabalho.

§ 3º É dever da empresa prestar informações pormenorizadas sobre os riscos da operação a executar e do produto a manipular.

§ 4º O Ministério do Trabalho e da Previdência Social fiscalizará e os sindicatos e entidades representativas de classe acompanharão o fiel cumprimento do disposto nos parágrafos anteriores, conforme dispuser o Regulamento”.

Quanto ao modo de ressarcimento do dano material, o Código Civil, em seu artigo 402, estabelece que:

“Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar”.

Pode-se observar alguns julgados que reconhecem o dever da empresa de indenizar o funcionário:

“ACIDENTE DE TRABALHO SEGUIDO DE MORTE. RESPONSABILIDADE PATRONAL SUBJETIVA E OBJETIVA. NEXO DE CAUSALIDADE. CONFIGURAÇÃO. DANO MORAL. INDENIZAÇÃO. É ônus do empregador – ou daqueles que se aproveitam ou exploram a força de trabalho do empregado – garantir que a prestação da atividade laborativa se desenvolva em um meio ambiente seguro e saudável, sob pena de responsabilidade – subjetiva e objetiva – pelo infortúnio decorrente de sua incúria, haja vista a teoria da assunção dos riscos da atividade econômica (CLT, art. 2º) e do perigo da atividade normalmente desenvolvida (CC, art. 927, parágrafo único). Na seara reparatória do contrato de trabalho, o norte há que ser a dignidade da pessoa humana – epicentro da Lei Maior – art. 1º, III – a valorização do trabalho e a função social da propriedade empresarial – CF, art. 170 – dando azo à indenização e pensionamento vindicados pela dependente, uma vez que terá que conviver, por toda a vida, com o sofrimento e a angústia causados pela perda prematura de seu cônjuge e provedor. Apelos patronal improvido e obreiro parcialmente provido. (Processo:    RO 00011047720125010511 RJ; Relator(a)Rosana Salim Villela Travesedo; Julgamento: 08/04/2015; Órgão Julgador: Décima Turma; Publicação:27/04/2015.

ACIDENTE DO TRABALHO. RESPONSABILIDADE DA EMPREGADORA. RISCO DA ATIVIDADE E CULPA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL.A atividade explorada pela reclamada, de silvicultura e de exploração florestal, expunha o reclamante a risco de acidentes com animais peçonhentos, a exemplo do infortúnio ocorrido (picada de cobra), restando caracterizado o risco da atividade (CC, art. 927, parágrafo único) e, ainda, a culpa da reclamada, pela não demonstração de uso de equipamento de proteção adequado pelo trabalhador (CF, art. 7º, XXVIII; CC, art. 186 e 927). Inexistência de ato inseguro por parte deste ou decorrente de caso fortuito. Mantido o deferimento de indenização por dano moral (CF, art. 5º, V e X)”.

Verifica-se que, o reconhecimento da problemática em ações judiciais julgadas, em alguns casos, pode até ser mais benéfico para as empresas do que tentar atenuar a situação.

5 CONCLUSÃO

Diante do analisado, fica evidenciado que o dever da empresa seria buscar acabar com as doenças e a falta de saúde pertinente ao trabalho não sadio, no entanto é incluído o adicional como forma de compensação. O controle exercido pelo adicional de insalubridade é como um filtro dos danos que poderão ser gerados, aliviando a proporção dos riscos inerentes a atividade.

Dessa forma, a discussão pertinente à insalubridade não pode se limitar aos agentes físicos e químicos e sua quantidade de exposição, fixando níveis de tolerância arbitrados pela legislação vigente. Mais do que índices quantitativos deve-se prevalecer o pressuposto do risco existencial, o potencial da agressão para cada caso, partindo da premissa que o trabalho e o meio ambiente de trabalho devem ser saudáveis.

Portanto, com a alteração da OJ nº 173 do TST, mais do que garantir o pagamento ao adicional de insalubridade aos trabalhadores, traz diversas consequências jurídicas, destacando-se a necessidade de prevenção dos riscos advindos do calor, bem como a caracterização da responsabilidade civil do empregador pelos danos causados aos empregados.

Pode-se concluir que, o quesito adicional salarial, cuja supressão é acatada pelos empresários, não eliminará a insalubridade inerente a atividade, apenas aliviará a consciência daqueles que a pagam.

 

Referências
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Informações Sobre os Autores

Kayque Souza Silva

Acadêmico do curso de Direito da Universidade Paranaense UNIPAR

Diego Jimenez Gomes

Bacharel em Direito e Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade de São

Luiz Roberto Prandi

Doutor em Ciências da Educação-UFPE, Mestre em Ciências da Educação-UNG, Especialista em: Metodologia do Ensino Superior, Metodologia do Ensino de Filosofia e Sociologia, Gestão Educacional, Gestão e Educação Ambiental, Educação Especial: Atendimento às Necessidades Especiais, Educação Especial: Com Ênfase na Deficiência Múltipla, Educação do Campo, Gênero e Diversidade Escolar, Lengua Castellana, Avaliador ad hoc MEC e Professor Titular (Sociologia Geral e Jurídica e Pesquisa Jurídica) e Pesquisador da Universidade Paranaense – UNIPAR


Equipe Âmbito Jurídico

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